você mesmo que está aqui? – perguntei, entre um beijo e outro.
- Não fala nada – ele arrancou a minha camiseta. – Apenas me beija!
Foi o que eu fiz. Beijei os lábios do Bruno e pouco a pouco conduzi meu namorado até meus aposentos.
Chegando lá, uni todas as forças que encontrei e joguei o jovem para cima da minha cama. O rapaz ficou espantado e me olhou fixamente com aqueles olhos incrivelmente azuis e que eu tanto amava.
- Uau!
- Hoje eu mato a saudade que estava sentindo de você ou não me chamo Caio Monteiro!
Deitei por cima dele e nós voltamos a nos beijar. Bruno e eu estávamos sem nos ver há mais de 2 meses e isso se deu por pura incompatibilidade de agendas. Nem ele pôde vir para São Paulo, nem eu pude ir para o Rio.
Como eu senti falta daquele corpo! Daquela pele, daquelas mãos, daquele cheiro, daquele toque, daquela voz, daqueles lábios, daquele cabelo, daquela boca quente, daqueles olhos azuis... Tudo! Absolutamente tudo me fez falta naquele período em que ficamos separados.
No entanto, enfim ele estava ali. Enfim nós estávamos juntos novamente. Enfim nós poderíamos matar a saudade e ficar juntos, como tinha que ser.
Nossas peles, unidas pelo suor, pareciam pegar fogo. Nossos corpos, atracados em um abraço tardio, estavam novamente moldados entre si. Nossas bocas, sedentas e urgentes uma da outra, estavam unidas e inseparáveis e seria assim por horas. Eu tinha certeza disso.
- Ah – gemi baixinho, enquanto arranhava as costas dele e mordia seus lábios.
- Te amo.
- Eu é que te amo!
Giramos na cama e nos curtimos como há muito não fazíamos. Isso me fez falta. Não sei como consegui ficar tanto tempo sem vê-lo pessoalmente.
A nossa válvula de escape era a internet e o vídeo-conferência. Isso atenuava a nossa saudade, mas não era a mesma coisa.
Eu precisava senti-lo, tocá-lo, cheirá-lo, beijá-lo, mordê-lo e arranhá-lo. Sem isso não tinha a menor graça. Sem isso não valia a pena.
Naquele momento tudo foi diferente. Ele estava comigo e nós pudemos matar quem estava nos matando.
Nos amamos como nunca. Nos entregamos de corpo e alma um ao outro e o sexo fluiu com a maior naturalidade, como sempre acontecera e como tinha que acontecer.
Não foi preciso ousar e nem inventar muita coisa. O prazer foi inevitável e fez parte de todo o processo. Foi sublime, foi intenso, foi perfeito, foi fora do comum. Foi tesão. Um tesão que estava acumulado tempo demais, mas que enfim havia sido liberado.
A nossa libido só foi saciada quando o dia amanheceu e só então resolvemos dormir, mas antes ele me fez uma surpresa.
- O que você está aprontando dessa vez?
- Fecha os olhinhos, fecha?
- Você e suas surpresas!
Obedeci. Eu sempre obedecia. Sempre cedia aos caprichos do Bruno e daquela vez não seria diferente.
- Pode abrir agora.
Ele estava com uma caixinha de alianças na mão direita. Era o que eu imaginava. Estava na hora da gente trocar nossas alianças de compromisso. No entanto, eu pensava que colocaríamos anéis prata, mas não foi bem assim.
- Casa comigo?
- RÃ!
Meu coração pareceu parar de bater nesse momento. Eu não pude acreditar no que meus olhos viam e meus ouvidos ouviam. Ele estava mesmo me pedindo em casamento?
- Bruno? O que é isso?
- Acho que está na hora, amor. Sei que nós já vivemos juntos por muito tempo, só que agora é diferente. Você está aqui, eu no Rio. Quero oficializar a nossa união. Isso será ótimo para nós dois e até ajudará no processo de adoção do nosso filho. Casa comigo, amor da minha vida?
QUE LINDO!!!
- Claro que caso, Bruno! Que pergunta mais óbvia, meu príncipe!
Nos beijamos. Não acreditei que aquilo estivesse acontecendo. Eu não imaginava que o Bruno fosse fazer uma coisa dessas depois de tanto tempo de relacionamento.
Esse acontecimento fugiu totalmente à regra. Eu nunca tinha visto um casal gay noivar como nós estávamos fazendo naquele momento.
Confesso que, por mais cabeça aberta que eu tivesse, para mim aquilo pareceu estranho. Nada corriqueiro. Mas quem disse que eu me importei?
- Te amo – falei, novamente entre um beijo e outro.
- Também te amo!
Decidimos colocar as alianças novas sem tirar as velhas. Bruno e eu éramos namorados, noivos, casados, amigos, irmãos, companheiros, cúmplices... Tudo ao mesmo tempo. Por causa disso, ficamos com a aliança dourada antes da prata. Ficou diferente de tudo o que eu já havia visto, mas ficou bacana. Chamaria a atenção.
Esse pequeno gesto degringolou em mais prazer. Este foi um prazer mais contido, mas nada deixou a desejar aos anteriores.
- Obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo.
- Não fala nada – ele grudou as nossas testas. – Apenas me abraça.
Nos abraçamos e assim adormecemos. Como era bom estar novamente ao lado do meu namorado. Não existia nada, absolutamente nada, melhor do que isso.
Só acordamos quando a noite já havia caído. Estávamos famintos, verdadeiramente famintos. Não comemos nada durante todo o dia e por causa disso, nos vimos na obrigação de encarar uma boa feijoada e foi exatamente isso que fizemos.
- Ainda bem que aqui serve feijoada – ele limpou os lábios.
- É! Eu venho aqui de vez em quando. E é bem limpinho.
- Verdade. Ainda bem que não tem joelho, nariz e essas coisas nojentas do porco.
- Uhum. Eu gosto de almoçar aqui.
- É perto do seu trabalho?
- Não muito, mas de carro não fica longe não.
- Depois nós vamos fazer o quê?
- Vamos lá no Víctor pegá-lo para a gente curtir uma baladinha. Topa?
- Lógico. Eu sempre quis cair na noite paulista.
- Então hoje você vai cair. Nossa, eu estava faminto!
- Nem me fala. Eu quase desmaiei quando acordei.
- Nós dormimos muito, né?
- A gente merecia. Nem me importo.
- E como está meu Rio de Janeiro?
- Lindo como sempre, amor. Você precisa voltar.
- Voltar de vez ainda não é possível, mas logo eu vou lá sim. Tenho que ver a barriga da Janaína pessoalmente.
- Ela está linda – ele riu.
- Eu sei, seu chato. Eu vi as fotos de vocês na praia. Isso não é justo e totalmente desnecessário!
- A ideia foi dela, não tenho culpa de nada.
- Deixa a negra comigo.
- Tem notícias do Digow?
- Acabei de mandar uma mensagem para ele. Ele está bem.
- Quando vai lá no Paraná vê-lo?
- Não nesse final de semana no outro. Já estou com as passagens compradas.
- E nem me chama, né?
- Sei que você não vai poder ir. Já falamos sobre.
- É brincadeira. Comporte-se com ele.
- Para de graça. Ele é meu irmão.
- Eu sei. Eu adoro o Rods. Dos meus mil cunhados, ele é meu favorito.
- Você não tem mil cunhados, mister exagero. São só uns nove.
- Deus do céu. Sua família cresceu muito nesses últimos tempos, né?
- Não tenho como deixar de incluir o Cauã e os gêmeos na porra toda, Bruno. Eles fazem parte de mim.
- E quando eu vou conhecer meus três cunhados verdadeiros?
- Em breve. Talvez amanhã mesmo.
- Vou adorar!
Naquela noite, Bruno e eu colocamos o papo em dia. Quando saímos do restaurante, partimos para a casa do Víctor e de lá para uma danceteria na zona sul.
- Hoje eu vou pegar no mínimo vinte – falou Víctor.
- Ainda nessa fase, Víctor? Parece um moleque de 18 anos.
- Solteiro é o esquema, Caio. Já volto.
- Já que ele saiu – Bruno me puxou –, o que você acha de me dar um beijo?
- Só um? Eu te dou logo dois, três, quatro...
Nosso beijo foi demorado. Quando acabou, eu deitei o queixo no ombro dele e fiquei olhando as pessoas ao meu redor.
Quando menos esperei, notei um par de olhos femininos me analisando. Quem seria aquela garota?
- CAUÃ?! – de repente a mulher soltou um gritinho de surpresa. – Cauã? Não acredito que você está aqui com um...
- Desculpa, mas eu não sou o Cauã!
- Como não? Claro que é! Vai fingir que não me conhece agora? Depois de tudo o que nós vivemos? Quer dizer que foi por isso que você terminou comigo?
- Moça, calma – eu sorri. – Eu não sou o meu irmão. eu sou o Caio!
- Como assim? Você acha que eu vou cair numa brincadeira dessas, Cauã? Por que não me disse que era gay? Precisava ter ficado...
- Calma! Eu não sou o Cauã, sou irmão gêmeo dele!!!
- Irmão gêmeo? Ah, conta outra, Cauã! Essa não colou.
- É verdade – Bruno se meteu. – Ele é o Caio, meu namorado. Não o Cauã.
- Eu não acredito numa coisa dessas! Não está escrito idiota na minha testa!
- Espera aí, deixa eu te mostrar uma foto nossa juntos.
Peguei meu celular e selecionei uma das fotos que eu tinha tirado ao lado do meu irmão de sangue recentemente. Quando a menina viu, ficou boquiaberta.
- Meu Deus! Vocês são gêmeos mesmo!
- Há 25 anos quase – eu ri.
- Estou passada! Eu não sabia que o Cauã tinha um irmão gêmeo!
- Pois é, mas ele tem. Somos parecidos?
- Não, vocês são clones. Até a voz é idêntica. Desculpe tê-lo confundido.
- Não se preocupa. Fica em paz.
- Mas que vocês são clones, vocês são.
- Não somos clones não. Nossas impressões digitais são diferentes.
Ela sorriu e ficou toda sem graça.
- Desculpe ter atrapalhado a sua noite. Vou deixá-lo em paz.
- Fica tranquila. Não incomodou em nada.
- Mande um beijo ao seu irmão então. Diga que a Kelly está sentindo falta dele.
- Pode deixar que eu digo sim, Kelly. Prazer em conhecê-la.
- O prazer foi todo meu, Caio!
Eu estava entretido e focado na realização das tarefas do meu mestrado, quando de repente, ouço algo voando no meu quarto e em seguida o barulho de alguma coisa batendo na parede. O que seria aquilo?
Curioso, tirei os olhos da tela do notebook e olhei para o chão. Vi uma barata absurdamente grande caminhando no piso dos meus aposentos. Eu não acreditei que aquilo estivesse acontecendo!
Já com as mãos trêmulas, o estômago gelado e as pernas bambas, coloquei-me de pé e saí correndo do meu quarto. Eu não poderia ficar ali, perto daquele bicho asqueroso e fedorento!
- EEEEEEEEEEEENZO, EEEEEEEEEEEENZO, ME AJUUUUUUUUUUUUDA!!!
Corri até a lavanderia e percebi que o meu gato estava deitado dentro da bacia de lavar roupa. A única coisa que eu via, eram as orelhas dele, que estavam para fora do edredom que eu deixara ali mais cedo para ser lavado.
- Enzo do céu, ajuda o seu pai! Tem uma barata imunda no meu quarto! Vá matá-la!
Peguei o gato no colo e ele me olhou com cara de ódio. O bichano odiava quando era acordado de seu cochilo sagrado de todas as tardes.
- Vá matá-la! Vá matá-la! Não deixe esse bicho aí!
Coloquei o pobre coitado para dentro do meu quarto. Totalmente apreensivo e um tanto quanto esperançoso, coloquei as duas mãos na soleira da porta, grudei meu corpo na parede do corredor e fiquei olhando a atitude do felino. Ele tinha que matar aquela barata!
- Mate-a! – exclamei.
O gatinho andou com o rabo erguido no ar e rapidamente notou a presença do inseto. Enzo se aproximou lentamente e quando ficou bem próximo da desgraçada, a olhou com certo ar de curiosidade e depois a cheirou.
- CRUZES, ENZO! GATO PORCO! MATE ESSA CONDENADA!!!
Após cheirá-la, o mascote voltou a olhá-la e em seguida, voltou a caminhar com certa elegância. Para a minha total infelicidade, ele deu um salto incrivelmente belo para a minha cama, se aproximou do travesseiro que era do Bruno, deu um giro de 360º no sentido horário, outro giro de 360º no sentido antihorário, se espreguiçou, bocejou e por fim se deitou, fechando os olhos azuis em seguida.
- AH, GATO INÚTIL! SAI DAÍ, ENZO! VAI MATAR A FILHA DA PUTA DESSA BARATA, INFELIZ!!!
Fiquei fazendo mímica, pulando, acenando, chamando pelo gato, mas ele não se manifestou. Eu estava frito! Enzo era a minha única salvação naquele momento de desespero e não estava disposto a me ajudar.
- E agora minha Nossa Senhora dos Medrosos? O que eu faço?
Pus-me a pensar e cheguei a cogitar a possibilidade de dormir na casa do Víctor, porém não seria possível. Todas as coisas que eu precisava estavam no interior do meu quarto, como a chave do carro, a carteira com o dinheiro e etc. Eu estava preso naquele apartamento e estava a mercê do meu medo, da minha fobia, que já estava virando até um problema psicológico. Eu tinha que me tratar!
- ELA TÁ VINDO PRA CÁ! SOCOOOOOORRO...
A minha vontade era colocar os pés em cima da cabeça e sair correndo para bem longe daquele bicho. No entanto, tive que deixar o medo de lado e fui obrigado a tomar providências, uma vez que o meu filho não fez absolutamente nada para me ajudar.
- Que Jesus me ajude na pontaria!
Fui obrigado a pegar a vassoura na lavanderia. Do corredor, calculei milimetricamente a distância e joguei o objeto em cima da desgraçada. Para a minha sorte, para a minha felicidade, a acertei em cheio! Eu a havia matado!
- Graças a Deus! Graças a Deus! Bruno vai ficar orgulhoso de mim!!!
Aliviado, entrei nos meus aposentos e quando fui tirar a vassoura para recolher o cadáver, percebi que a filha da puta saiu andando e justamente para perto dos meus pés. Isso quase me fez enlouquecer!
- SOCORRO!
Xinguei até a sétima geração daquele troço. Saí correndo do quarto e busquei o inseticida. A barata morreria ou eu não me chamaria Caio Monteiro!
- MORRA, ASQUEROSA!
Quase sequei o veneno e nada da porcaria morrer. Sequer ela ficava tonta. A maldita continuava caminhando como se nada estivesse acontecendo.
- SERÁ O BENEDITO? ESSA MERDA É FEITA DE FERRO?
Suando frio, andei para um lado e para o outro e cheguei a conclusão que não havia nada a ser feito naquele momento, a não ser pedir ajuda.
Por esse motivo, tomei coragem e resolvi sair para solicitar a ajuda de meus vizinhos, no entanto, antes mesmo de chegar na porta, o interfone tocou. Quem seria naquela hora de desespero?
- É o Víctor – falou o porteiro.
- Graças a Deus! Deixa ele entrar, deixa ele entrar!
Só faltou ajoelhar no milho para agradecer a Deus pela oportuna visita do meu melhor amigo. Ele não poderia chegar em melhor momento.
- Oi, Caio!
- Oi é o caralho, vem aqui me ajudar – puxei o pobre rapaz pelo braço.
- Minha nossa! O que está acontecendo?
- UMA BARAAAAAAAAAAATA NO MEU QUARTO! PELO AMOOOOOR DE DEUS, VÁ MATÁ-LA!!!
- Uma barata? Ah, é isso? Deixa eu ver...
Víctor foi até o meu quarto e saiu de lá dando risada. O jovem pediu álcool e eu fiquei intrigado. Será que ele queria limpar alguma coisa?
- Não quero limpar nada, sua anta! Você não quer que eu mate a barata? Então me dá o álcool!
- E ela morre com isso, é? Não me diga que você vai tacar fogo?
- Me dê o álccol!
Para a minha total incredulidade, Víctor jogou o líquido inflamável em cima da desgraçada e para o meu deleite e felicidade, a individua morreu imediatamente.
- Nossa! Ela morreu bêbada!!! Que máximo!!!
- Era só isso? Missão dada, missão cumprida!
- Era só isso uma ova! Vá jogá-la no vaso sanitário porque eu não me atrevo a mexer nesse cadáver!
- Que medo é esse, Caio? – ele caiu na risada.
- Não é medo, é fobia e eu não tenho vergonha de admitir. Vá jogá-la logo, pelo amor dos meus filhinhos!!!
Quando o inseto estava no vaso, eu fiz questão de jogar um balde de 20 litros de água dentro do sanitário. A maldita saiu girando pelo ralo e enfim eu me senti aliviado.
- Agora sim eu estou tranquilo! Obrigado, mano! Você salvou a minha vida. Eu não sei o que seria de mim se você não tivesse vindo aqui!!!
- O QUE É ISSO NA SUA MÃO DIREITA, CAIO MONTEIRO? – Janaína deu um berro, quando eu ainda estava na esquina.
- Ai, Senhor! Lá vem a doida.
A gravidinha saiu correndo e quando chegou próximo a mim, segurou a minha mão direita com muita força. Ela me puxou e eu senti uma dor imediata no ombro.
- Não precisa arrancar o meu braço! Doeu!
- QUE ALIANÇA É ESSA, CRIATUUUUUUUUUUUUURA?!
- Estou noivo – falei, com um sorriso nos lábios.
- AI QUE BADAAAAAAAALO, AI QUE LOUCUUUUUUUUURA!!! EU QUERO SER A MADRINHA!
- Você será! E meu abraço? E meu beijo?
- Que porcaria de abraço que nada, eu quero é ver essa aliança! Por que meu bofe de ouro não me dá uma dessas? Vou ter que reclamar meus direitos perante a lei. Dá licença que eu estou gestante?!
- Por falar em gestação, que barriguinha linda é essa? Engoliu uma melancia?
- Dá licença que eu estou gestante? É a minha filha!
- É menina mesmo? Já tem nome?
- É uma menina linda, que nem a mãe. Ela vai se chamar Ana Vitória!
- Linda que nem a mãe? Pobrezinha, não deseje um mal desses para sua filha! Vamos orar para que ela nasça com o rosto do pai. Ele é mil vezes mais bonito que você.
- ESCUTA AQUI, PIOLHO DE BUNDA DE MACACO: SE FOR COMEÇAR COM BULLYING PODE VOLTAR PARA AQUELE FIM DE MUNDO QUE VOCÊ CHAMA DE SÃO PAULO! DÁ LICENÇA QUE EU ESTOU GESTANTE!!!
- Logo se vê, Jana. Logo se vê. Você já deve ter engordado uns quinze quilos. Ou mais.
- SE CONTINUAR ME CHAMANDO DE GORDA, EU VOU ESFREGAR A SUA CARA NO ASFALTO E TE DOU MEIA HORA DE TAPA LOGO EM SEGUIDA! QUEM É GORDA AQUI?
- Você!
Eu não levei meia hora de tapa na cara, mas levei umas porradas. Janaína nem se importou com o que as pessoas poderiam pensar e me deu vários tapas no corpo.
- Me respeita que eu estou gestante?!
- Dá pra virar o disco? Eu sei que você está gestante, eu já vi essa pança no Facebook. Aliás, super desnecessário as fotos que você postou ao lado do meu namorado, né? Ou melhor, meu noivo.
- Aceita que dói menos. Quem manda você ir morar naquele fim de mundo? Bem feito!
- Jura que nós vamos ficar conversando aqui fora? Eu vou é me sentar porque estou cansado.
Entrei na sorveteria e puxei uma cadeira, mas a negra não me deixou sentar.
- Dá licença que eu estou gestante.
- Ei – pausa de incredulidade. – Existem outras cadeiras, sabia?
- Eu gostei mais dessa. Dá licença que eu estou gestante.
- Eu já entendi que você está prenha, não precisa repetir mil vezes a mesma frase.
- Dá licença que eu estou gestante? Cadê os olhos de bola de gude?
- Trabalhando, oobrezinho. Não pôde vir.
- E é assim? Você vem para cá e ele trabalha? Onde está o romantismo dessa relação?
- O romantismo a gente deixa para nossas noites calientes de amor.
- JESUS ME CHICOTEIA, POUPE-ME DOS DETALHES SÓRDIDOS!
- Até parece que eu ia te contar alguma coisa.
- Quando você volta para São Paulo?
- Na segunda-feira. Logo cedo.
- Ai que badalo. Ponte aérea Rio – São Paulo igual aos artistas da Globo. Estou preta passada na chapinha!
- É, mas isso não tem me saído muito barato não. Por isso só venho duas vezes ao mês.
- Pega as promoções na internet, bobo.
- É exatamente isso que eu faço.
- Vem comigo que é sucesso!
- Cadê a Alexia que não chega nunca? Estou doido para vê-la.
- Daqui a pouco ela está aí. Me conta como estão as coisas por lá?
- Bem, na medida do possível.
- Já se acostumou?
- Já sim. Foi bem fácil. O grande problema mesmo é a falta do Bruno e a falta dos meus amigos.
- Entendo. Mas isso a gente consegue superar.
- Verdade. Você e o personal estão bem?
- Bem, graças a Deus.
- Não vão mesmo se casar?
- Jesus me amarre no pé da cama. Eu quero casar não, obrigada. Estou bem assim.
- Você e esse medo do altar.
- Não é medo, eu só não quero juntar as escovinhas. Não por enquanto.
- E a bebê?
- O que tem a minha filha?
- Como ela fica nisso tudo?
- Oras! Comigo, é claro. Ele pode ver quando quiser.
- É demais para a minha cabeça. Ele não quer casar não?
- Já me pediu um zilhão de vezes, mas eu não aceitei. Está amarrado no sangue de Jesus.
- Só você mesmo, Janaína dos Santos, Santos, Santos.
- Olha a branquela azeda aí. JESUS ME AMARROTA PORQUE EU ESTOU PRETÉRITA! QUE GORDA!
Eu me virei e vi uma Alexia irreconhecível. A barriga da mulher estava simplesmente imensa e ela estava mesmo bem gordinha.
- Boa tarde. Oi, Caio!
- Alexia! – levantei e a abracei. – É você mesmo? Que linda que você está!
- Linda e gorda. Eu sei, pode falar. Engordei quarenta quilos nessa gravidez.
- ESTOU PRETA PASSADA NA CHAPINHA!!! – Janaína também levantou e abraçou a nossa amiga.
- O encontro de dois planetas – ri.
- CALA A BOCA, CAIO! – elas disseram em uníssono.
- Nossa! Já me calei!
As amigas mal conseguiram se abraçar. As duas estavam bem barrigudas, mas é claro que a Alexia estava muito maior que a Janaína, uma vez que já se encontrava no final da gestação.
- E quando o Guilherme nasce?
- À partir de amanhã, a qualquer momento. 9 meses hoje.
- Redondo?
- Redondo.
- Bem redondo, né amiga?
- Cala a boca, Janaína! Você não está muito atrás não.
- Senta, Alexia – falei. – Não fica aí em pé não. Suas pernas estão bem inchadas.
- Eu sei. Eu vou sentar.
Janaína fez com a nossa amiga o mesmo que fez comigo: antes da grávida sentar, ela puxou a cadeira e disse em alto e bom som:
- Dá licença que eu estou gestante?
- Eu também estou, condenada! Quase me Fez cair.
- E eu com isso? Dá licença que eu estou gestante?
- Cansei de ouvir essa frase – suspirei.
- Problema é seu. O que pensa que está fazendo?
- Sentando? Posso, donzela?
- Obviamente que não, meu filho. Quem vai buscar o nosso sorvete?
- Como assim? Você!
- Eu não! Dá licença que eu estou gestante? Vai você. E capricha no meu. Eu quero logo cinco bolas, uma de cada sabor.
- Sobrou pra mim! Você quer, Alexia?
- A mesma coisa, mas capricha na calda de caramelo.
- Não é à toa que estão gordas do jeito que estão.
- Dá licença que eu estou gestante? – elas falaram ao mesmo tempo.
- Eu, hein? Vou sair antes que isso pegue.
Montei os sorvetes das grávidas e voltei para a nossa mesa. Elas atacaram como se fossem crianças.
- Calma, Gui! Não precisa chutar, não precisa chutar.
- Ele chuta muito?
- O Diego disse que ele vai nascer direto no time do Flamengo de tanto que chuta. Ele é muito agitado.
- Lógico! Olha o nome que você deu a ele. Todo Guilherme é agitado.
- Será?
- Fato. E a Ana? Ela mexe muito?
- O dia todo, mas às vezes ela pega no sono. Agora está aqui dando umas porradas. Eu fico preta passada na chapinha. É muito gostoso.
- É delicioso.
- Jamais poderia imaginar que vocês duas ficariam prenhas ao mesmo tempo.
- É recalque – Alexia provou Janaína. – Ela não suportou saber que eu já estou na segunda gestação.
- Ah, vai pra merda. Não fiquei grávida pensando em você. Fiquei porque tinha que ficar.
- Ficou porque era a sua última chance, né? Perto dos 50 não é lá muito fácil.
Levei uma porrada por causa disso.
- Me respeita que eu estou gestante? Filho da puta.
- Olha a boca! As crianças vão ouvir.
- E essa aliança? – Alexia indagou. – Noivou quando?
- Não faz muito tempo. Linda, né?
- Muito! Vai sair casório no papel?
- Vai – garanti. – Só não sei quando.
- ESTOU PRETA PASSADA NA CHAPIIIIIIIIIINHA! AI QUE BADALO, AI QUE LOUCURA! QUE CASAL MODERNO!!!
- A gente vai casar porque isso pode ajudar na adoção.
- Nada ainda? – Alexia lambeu os beiços.
- Nada. Está demorando muito.
- É assim mesmo, Caio. Existem casais que estão na fila há mais de 5 anos.
- Por isso que eu queria sair do Brasil. Aqui as coisas não funcionam e são muito burocráticas.
- Isso é uma grande verdade – concordou Janaína. – Capaz que minha filha vire mãe e vocês ainda não tenham conseguido.
- Às vezes não. Às vezes vai mais rápido. Eu sinto que não vai demorar muito.
- Jura? – elas falaram juntas.
- É! Algo me no meu coração diz que não vai demorar muito não. Vamos ver.
- Eu vou falar com minha tia.
- Faria isso, Alexia?
A tia da Alexia era a diretora do orfanato onde Bruno e eu fomos conhecer as crianças.
- Claro! Não custa nada.
- Bruno e eu seremos eternamente gratos se você fizer isso!
- Contem comigo.
- Que badalo!
- Obrigado, amor. Seja o que Deus quiser.
- E que assim seja – Alexia raspou o sorvete.
- Não deu nem para tampar o buraco do dente – Janaína reclamou. – Eu quero é outro. Vá buscar.
- É assim? Mandando desse jeito?
- Dá licença que eu estou gestante? Vá buscar antes que eu te dê meia hora de tapa no focinho!!!
- Como é bom ver você – ele me abraçou, ainda no saguão do aeroporto.
- É maravilhoso ver você também, Digow! Está tudo bem?
- Melhor agora com você aqui. Pensei que não viria me visitar nunca.
- Até parece! Saudade!
- Eu também. Muita, muita.
- E cadê a minha cunhada linda?
- Ela foi fazer uma campanha publicitária lá em São Paulo.
- Comercial?
- Não. Fotos para uma revista. Nada muito luxuoso.
- E ela já começou a montar a casa de sucos?
- Já, mas ainda está em reforma. Vai demorar um pouco.
- Entendi. Enquanto isso ela continua modelando?
- Isso. Nada muito luxuoso não.
- Sei. Quem é que foi pro exterior recentemente mesmo? Ah, a Bárbara! Nada muito luxuoso.
- Palhaço. Você está pálido. Não é anemia não, né?
- Desnecessário esse comentário! – entrei no carro e bati a porta. – Claro que não! É falta de sol mesmo.
- Percebi. E aí, cadê meu cunhado?
- O pobrezinho não pôde vir, Digow. Semana de provas na faculdade.
- Entendo. Saudade dele, sabia?
- Ele também está com saudade de você.
- A gente se fala quase todos os dias. Eu aprendi a gostar do Bruno.
- Viu só? Eu disse que ele mudou.
- É, mudou muito. Pena que vocês não me convidaram para o noivado.
- Não foi festa, já falei. Foi algo íntimo. Queria estar lá para assistir?
- Ai não, Deus me livre! Gostei da aliança. É quase igual a minha.
Era mesmo, porém a dele era um pouco maior.
- Ficou legal as duas juntas. Deveria ter feito o mesmo.
- Não vai inventar de me copiar, hein?
- Não, não. Não vou. E o mestrado, como está?
- Bem, mas me deixando meio louco. É muita coisa para ser feita!
- Eu sei que é. Já passei por isso.
- Você não vai fazer mais nada?
- Por enquanto não. Mais para frente eu quero fazer, mas agora não.
Pausa. Eu olhei pela janela e me senti perdido.
- Onde estamos indo?
- Para o meu apartamento, oras bolas.
- E eu não vou ver sua mãe?
- Claro que você vai ver os NOSSOS pais, mas primeiro eu quero que você se instale.
Era a primeira vez que eu ia ao Paraná depois que ele se mudou para lá. Meu irmão e eu não nos víamos pessoalmente há algum tempo e eu estava com muita saudade dele.
- O seu apê é muito aconchegante – afirmei.
- Gostou?
- Demais. É bem masculino.
Era mesmo. As paredes eram todas azuis e os móveis pretos. Algo bem sóbreo e masculinizado.
- Não deixei a Babí mexer em nada. Eu escolhi tudo.
- E quando vocês se casarem?
- Aí ela mexe se ela quiser.
- Onde eu durmo?
- Na minha cama – ele falou, totalmente sério.
- No abatedouro? Eu sou um homem comprometido!
- Eu também sou. Isso te impede de dormir na minha cama?
- Claro que não – o abracei.
- Acho bom!
- E por falar em casamento, quando sai o seu?
- Ano que vem. Abril.
- JÁ?! – eu dei um berro.
- Já! Já marcamos a data.
- Meu Deus do céu, que pressa! Eu estou preto passado na chapinha!
- Não é pressa. É o tempo certo. Já estamos ficando velhos e nós queremos ser pais antes dos 30.
- ELA JÁ ESTÁ GRÁVIDA?
- Não, não! – ele riu. – Ainda não. Só depois do casamento.
- Ah, meu Deus! Mais sobrinhos para mim.
- É! Mas o meu filho vai ser seu sobrinho preferido, não vai?
- Sem dúvidas. Desde que o meu também seja o seu.
- Qual a chance de não ser? E como está com relação a isso? Alguma novidade?
- Nenhuma, pelo menos por enquanto.
- Acho que demora, não demora?
- Acho que não. Eu sinto que não, sabia?
- É?
- É. Algo me diz que eu serei pai primeiro que você.
- Chega uma hora que dá vontade, não dá?
- Muita. Ainda mais que todos os meus amigos estão tendo filhos ou com planos de ter.
- Então é inveja!
- Não, não é. Eu sinto mesmo vontade. E o Bruno então nem se fala.
- Eu sei disso. Ele tem um instinto paternal muito aguçado.
- Uhum. Ele vai ser um paizão.
- Vai mesmo. Vinícius e Bruna que estão tentando, está sabendo?
- Por alto. Falei com ele ontem.
- É, eles também querem porque disseram que está na hora. É que nem você disse, todo mundo está tendo filho. Todo mundo.
- Uhum. Daqui a pouco vai ter a segunda geração da nossa turma.
- É! Já pensou que barato?
- Não e nem quero porque senão isso me enlouquece.
- E vem cá, quando sai o casamento?
- Não sabemos ainda.
- Eu vou ser o padrinho, não vou?
- Então, não – fiquei todo vermelho.
- Não? – Digow ficou decepcionado.
- È que assim, Digow, eu quero que você seja o padrinho do meu filho. Entende?
- Mesmo? – os olhos dele brilharam.
- Mesmo. Aceita?
- Claro que aceito, Cacs! Não precisava nem perguntar. Que honra!
- Os padrinhos da minha união civil estável, serão o Fabrício e a Janaína. Eles já aceitaram.
- Boa escolha. A Jana está linda com aquele barrigão, hein?
- Nem me fala. A vi recentemente e ela está enorme.
- Eu vi as fotos no Facebook.
- Não está chateado?
- Não, mano – ele me abraçou. – Claro que não.
- Desculpa, tá? É que você precisa ser meu compadre.
- Vai ser uma honra te ajudar nisso. Você sabe que vai ser bem difícil, não sabe?
- Sim eu sei. Eu sei que Bruno e eu seremos muito criticados e humilhados.
- E a criança também, Caio. Quando chegar na idade de ir para a escola, ela sofrerá muito bullying.
- Nós estamos cientes disso.
- Vai ser um processo bem complicado, irmão.
- A gente está preparado.
- Mesmo?
- Mesmo.
- Talvez a criança precise até de acompanhamento psicológico no começo.
- Eu sei disso, mas não me intimido. Eu vou ser pai, eu quero ser pai.
- Eu admiro demais essa sua força, sabia?
- Se eu não abaixei a cabeça no passado, não vai ser agora que eu vou abaixar.
- É isso aí! Conta comigo e com minha mulher.
- Sua mulher? – eu suspirei. – É estranho demais ouvir uma coisa dessas.
- É estranho nada. Para de graça que eu já estou na idade de casar.
- Está mesmo. E eu mal posso esperar para te ver entrando na igreja de braços dados com a nossa mãe!
- Obrigado pelo dia de hoje, Senhor! – me espreguicei ao final de mais um expediente.
Levantei, desliguei o computador, fechei as janelas, arrumei a sala e saí para me despedir de minha equipe. Nós só nos veríamos na segunda-feira.
- Bom final de semana, pessoal! Curtam bastante, se divirtam, namorem muito e até segunda-feira, se Deus quiser!!!
- E que assim seja – eles responderam em uníssono.
Eu estava no paraíso. Trabalhar naquela empresa me trouxe paz de espírito e tranquilidade, algo que eu não tinha na época em que fui Gerente de Vendas na rede de varejista onde trabalhei.
Cuidar do RH estava sendo ótimo, porque além de tranquilo, era delicioso mexer com todos aqueles sistemas de folha de pagamento, benefícios e tudo o que envolvia o setor. Eu estava apaixonado pela função.
- Já vai?
- Já sim – Roberto me fitou. – Nem nos vimos hoje.
- Pois é. Você não parou aqui um segundo.
- Reuniões e mais reuniões. Logo, logo você terá que viajar para o nordeste. Não se esqueça.
- Eu não me esqueci. Não se preocupe. Bom descanso, chefe.
- Para você também. Apareça lá em casa e leve o Enzo.
- Pode deixar.
Só fiz entrar no carro e meu celular começou a tocar. Era o Cauã e eu atendi a ligação o mais rápido que pude:
- Oi, Cauã?
- Tudo bom, mano?
- Bem e você?
- Estou ótimo. Já saiu do trabalho?
- Já e você?
- Saindo agora. Quer jantar com a gente lá em casa?
- Jantar? – mordi o lábio. – E o Edson?
- Na agência. Vai sair tarde. Acabei de ligar para ele.
- Sendo assim, eu topo. Estou mesmo com vontade de ver os gêmeos.
- Então tá. A gente se encontra lá daqui a pouco.
- Espera, você não vai pra casa agora?
- Vou, ué.
- Então me espera aí que eu te dou uma carona, pombas.
- Sério? Não vai te atrapalhar não?
- Claro que não, imbecil. É caminho. Eu tenho mesmo que ir ao banco. Me espera aí que eu não demoro.
Meu gêmeo estava trabalhando em um banco que ficava mais ou menos próximo ao meu trabalho. Eu consegui chegar lá em mais ou menos vinte minutos. Ele estava me esperando na calçada e usava a mesma roupa que eu, sem nada que as diferenciasse.
- Cacete – ele reclamou. – Toda vez é isso! Dá pra você parar de copiar as minhas roupas?
- Quem me copia é você.
Nós nos abraçamos, muito rapidamente.
- Saudade – falamos juntos. – Vai começar?
Rimos.
- Vai entrar?
- Preciso pagar uma conta. Eu só consigo fazer isso depois do meu expediente.
- Se quiser, é só deixar comigo que eu passo pra você.
- Ah, é? Bom saber! Da próxima vez eu faço isso.
Me dirigi ao caixa eletrônico e lá efetuei o pagamento da minha conta de luz. Ela já ia vencer no dia seguinte.
- Pronto. Fácil e rápido.
- Uhum. Vamos comer que eu estou morto de fome.
- A Ellen está bem?
- Ótima! Graças a Deus.
- Vão mesmo noivar em junho?
- Se Deus quiser.
- Noivado bom é aquele que ninguém fica sabendo.
- Que nem o seu? – ele sorriu.
- Isso mesmo. Onde pensa que vai?
- Pro carro. É para eu ir atrás?
- Não, ameba. É para ir na frente, mas no lugar do motorista.
- HÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃ? – ele arregalou os olhos.
- Pega – joguei a chave. – Dirige. Eu deixo.
- Porra, é sério?
- Claro que é! E eu lá estou com cara de quem está mentindo?
- Caramba, por essa eu não esperava! Valeu, Caio!!!
- Que nada. Eu sei que você gosta. Vai com tudo.
Cauã dirigiu maestralmente. Conforme eu imaginara, ele tirou a carta de motorista aos 18 anos. Meu irmão tinha muito mais experiência que eu no assunto.
- Ele é bem gostoso de dirigir.
- É! É sim. E o seu?
- Eu vou comprar, mas só depois do casamento.
- Quando pretende se casar?
- Não sei ainda. Por mim nem demoraria.
- Você e o Digow estão loucos para se enforcar, sai fora.
- Ele também é noivo, não é?
- Sim. Vai casar em abril do ano que vem.
- Ele ainda casa primeiro que eu. E você? Quando vai ser?
- Não sei ainda. Eu aviso.
- Por favor. Não quero perder esse momento.
- Não perderá.
- Abre lá o portão. Aqui ultimamente está bem perigoso. É melhor não arriscar.
- Sério? Assaltos?
- Assaltos e uns pivetes da vizinhança que vivem arranhando os carros. Arranharam o do meu sogro e ele quase morreu.
- Puta merda. As crianças de hoje em dia não são iguais as do nosso tempo.
- Não mesmo.
Eu abri o portão e ele entrou com o carro com uma facilidade monstra. Logo a Fátima foi ao nosso encontro e ficou surpresa com a nossa semelhança:
- Espera! Quem é quem?
- Se confundiu? – Cauã estranhou.
- Claro que não! Oi, meu filho – ela me abraçou. – Como é bom te ver aqui.
- Tudo bem, Fátima?
A nossa relação estava evoluindo, mas eu ainda não a chamava de mãe. Não por completo, só às vezes.
- Bem, meu amor. E você?
- Também! Cadê os gêmeos?
- No berço. Sobe lá. Eles vão adorar te ver.
Ela falava como se David e Davi tivessem sabedoria para entender que eu era o irmão mais velho deles. Os meninos estavam dormindo de mãozinhas dadas e isso me encantou.
- Que coisinhas mais lindas! Isso merece uma foto.
Tirei a foto e publiquei imediatamente nas redes sociais. Santa modernidade!
- Será que a gente também dormia assim? – perguntei.
- Não sei – ele respondeu. – Eu não me lembro.
- Nem eu.
Cauã e eu rimos e acordamos os nossos irmãos.
- Pronto, pronto – segurei Davi no colo. – Já passou, já passou.
- Vem com o Cauã, Davi!
- Não; ele é o David. Esse é o Davi.
- Ah, é? Eu sempre me confundo.
- O Davi faz esse biquinho aqui quando a gente o pega no colo. E o David fica olhando para tudo que é lado. Pode reparar.
- Eu já notei isso mesmo. Detalhistas como sempre, né?
- Virginianos. Culpa dos nossos pais.
- Culpa nossa que nascemos antes do tempo.
- Você que quis sair primeiro. Não eu.
- Eu? Nem vem que não tem! Lá estava muito apertado e você vivia me chutando.
- Eu te chutando? Não chutava nada!
- Chutava sim. Eu me lembro.
- Até parece! Até parece.
- Vamos descer para jantar? Eu estou faminto.
- Vamos. E eles vão junto.
Cauã e eu descemos com nossos irmãozinhos e a minha mãe ficou feliz da vida quando viu nós quatro juntos.
- Eu amo ver vocês quatro juntos. Meus quatro homenzinhos.
- Homenzinhos? – eu estranhei.
- Caio e eu somos dois homenzarrões, mãe.
- Para mim vocês sempre serão meus homenzinhos.
Nós dois nos sentamos e ficamos com os gêmeos no colo até eles voltarem a dormir. Quando isso aconteceu, colocamos os meninos no carrinho e enfim pudemos nos servir.
- É bife à parmegiana – falou Fátima. – Do jeitinho que vocês gostam.
- Adoro – falamos ao mesmo tempo.
- Já vão começar a falar juntos? Já não basta a roupa?
- A culpa é dele – Cauã me acusou.
- Nem vem, a culpa é sua. E sua pressão, Fátima? Como está?
- Muito melhor, filho. O cardiologista trocou meu remédio e agora ela está estabelizada.
- Que bom. E o colesterol?
- Isso daí não tem remédio. Não abaixa por nada nesse mundo.
- Está tomando os remédios na hora certa?
- Sim! Todos os dias após o jantar.
- Está fazendo dieta?
- Sim! Cortei o óleo de tudo, pelo menos na minha comida.
Ela estava comendo legumes. Coitada.
- Já pensou em fazer academia?
- Academia? – ela me fitou. – Até você me propondo isso?
- Por que? Quem mais propôs?
- Eu – Cauã respondeu.
A comida estava ótima.
- Seria uma boa – falei. – Te ajudaria muito.
- Eu não tenho idade para isso, meus filhos.
- Ah, que bobagem! Até pessoas da terceira idade fazem academia hoje em dia.
- Verdade – concordei. – Você precisa. Não é uma questão de querer, é questão de necessidade.
- E os gêmeos? Vão ficar sozinhos?
- Daqui a pouco eles fazem seis meses. Já está na hora de pensar em creche.
- Creche? Tão pequeninos assim? Não, coitadinhos!
- E qual o problema? Quanto antes eles começarem a se relacionar com outras crianças, melhor.
- É isso aí – dessa vez foi Cauã que concordou comigo. – Você precisa. É um fato.
- Eu não tenho coragem de largar os meus bebês em uma creche, gente. Eles ainda são muito novos, ainda precisam de mim para muitas coisas. Para tudo!
- Não seria durante todo o dia, mãe. Pode ser apenas meio período.
- Verdade, Fátima. Seria excelente se você fizesse isso.
- O pai de vocês não permitiria uma coisa dessas.
- E ele tem que permitir? Quem mandana sua vida? Ele ou você?
Ela ficou calada.
- Já não acha que ficou submissa a ele por tempo demais? Já não acha que está na hora de você tomar as rédeas da sua vida?
- Caio...
- Não vem com essa porque eu estou falando a verdade. você já perdeu tempo demais presa dentro dessa casa. Está na hora de começar a viver!
- Ele tem razão.
- Eu estou velha para muitas coisas.
- Velha nada! Está é sem cuidados. A quanto tempo não vai ao salão de beleza fazer esse cabelo? Olha como ele está quebradiço, branco e cheio de pontas duplas.
- Nem sei a quanto tempo não faço isso.
- Meses, anos eu diria. Sua pele não é mais a mesma e nem as unhas você está fazendo. Hora de se cuidar, Dona Fátima!
- Com que tempo, filho?
- A gente arruma tempo para tudo se a gente quiser. Onde está aquele velho sonho que você tinha de virar pedagoga?
- Enterrado dentro do meu peito.
- Então hora de fazer a exumação desse sonho.
- Como assim?
- Você está perto dos 50, Fátima. E até agora não correu atrás de seus sonhos. Qual a dificuldade?
- Filhos, marido e casa para cuidar.
- Três desculpas esfarrapadas para não correr atrás de seus sonhos. Se você quer, por que não vai atrás?
- É tarde demais para isso.
- Eu não acho.
- Nem eu – falou Cauã. – Nunca é tarde para começar a viver.
- Isso. E você ainda está em tempo de fazer a faculdade. Por que não pensa nisso?
- Edson me mataria.
- Edson, Edson, Edson, sempre o Edson! Quando você vai começar a se colocar em primeiro lugar na sua vida? Quando os gêmeos estiverem formados na faculdade? Aí já será tarde demais!!!
Ela ficou calada.
- Fátima, você precisa entender que não existe ninguém mais importante na nossa vida do que nós mesmos. Tudo bem, tem os gêmeos, mas eles podem ficar na creche por meio período. Eles morreriam por causa disso? Não!
- Verdade – Cauã assinou em baixo.
- Você precisa fazer um futuro! Daqui a pouco está na idade de se aposentar e não tem nem um ano contribuído com o INSS. Como vai se aposentar desse jeito?
- Não vai. Só quando fizer 65 anos e ainda por cima ficaria com um salário mínimo, que não daria para nada.
- Tanta gente estuda e trabalha na sua faixa etária. Por que você não pode fazer o mesmo? Por que tem que ficar presa dentro de casa só cuidando do lar e fazendo faxina 24 horas por dia, 7 dias por semana?
- Eu não tenho mais cabeça para estudar.
- Ah, tem sim! Você ainda é jovem e tem todo um futuro pela frente. É claro que não vai ser fácil, mas você chega lá.
- Eu não teria como pagar os estudos.
- Eu pago – Cauã e eu falamos ao mesmo tempo pela terceira ou quarta vez naquele dia.
- Isso não – ela nos olhou. – O dinheiro de vocês, é de vocês.
- E daí? – continuamos falando juntos. – Eu pago! Quer parar? Para você!
Ela riu.
- Não, meus filhos. Obrigada, mas não. Eu não aceitaria.
- Hora de deixar o orgulho de lado. Cauã e eu podemos muito bem custear os seus estudos, a sua academia e até o salão de beleza.
- Com muito prazer.
- A academia eu posso até pensar, mas faculdade não. Eu não tenho idade para essas coisas.
- Você não tem idade é para ficar presa dentro de casa, Fátima. Hora de revolucionar a sua vida. Hora de pensar um pouco em você.
- Se eu não tivesse o David e o Davi...
- Não use as crianças como desculpa. Se fosse na nossa época, eu até daria um desconto, mas hoje em dia não. Não mesmo.
- Ele tem razão, mãe. Não existe desculpa para você não começar a se cuidar, a pensar um pouco em você.
- Eu vou pensar nisso. Seria um grande prazer pensar na minha profissão. Eu sempre quis ser pedagoga, mas nunca tive a oportunidade.
- A vida está te dando a oportunidade – falei.
- E você só não agarra se não quiser – Cauã completou o meu raciocínio.
- Eu vou pensar, Caio e Cauã. Eu prometo que vou pensar.
Era sexta-feira e eu estava reunido com os amigos do trabalho em um barzinho. Era um happy our, mas que foi feito bem longe do meu bairro.
- Já vai, Caio? – perguntou Manoella.
- Já sim, gatinha. Eu tenho que ir até a Vila Mariana ainda e a essa hora vou pegar um trânsito insuportável.
- Fica mais um pouco!
- Não posso. Eu tenho que ir. Da próxima vez, marquem em um lugar mais acessível, não em Santo Amaro!
Eles riram.
- Boa noite, até mais ver. Se cuidem.
- Tchau, Caio!!!
Eu saí do barzinho e me dirigi até o meu carro, que estava estacionado a poucas quadras do estabelecimento comercial. Eu ia fazer uma viagem até a Vila Mariana e precisava de forças para isso.
- Oi, amor? – ele me atendeu.
- Tudo bem, paixão?
- Eu estou ótimo e você?
- Melhor agora falando com você. Você vem amanhã, não vem?
- Sim, sim! Eu chego aí logo cedo.
- Mas eu tenho faculdade! Não tem como você vir de madrugada?
- Não, amor. A passagem já está comprada. Não achei voo mais cedo.
- Ah, Bruno! Eu não posso faltar no mestrado, vida!
- Eu sei, não precisa faltar. Pode deixar que eu vou sozinho pro seu apartamento. Eu já aprendi o caminho.
- Vou pedir pro Víctor te buscar.
- Não precisa, Caio! Eu posso ir só. Eu já sei onde é.
- Mesmo? Você não vai se perder?
- Não, não vou. Eu prometo.
- Então tá. Você pode ir e me esperar lá. A chave você já tem, não é?
- Está aqui comigo. Não se preocupe. Vá tranquilo que a gente se fala quando você chegar.
- Então tá. Eu cheguei no carro, vou desligar.
- Onde você está, mocinho?
- Vim em um barzinho com o pessoal do trabalho.
- Hum, entendi.
- Vou desligar. Mais tarde eu te ligo, tá?
- Eu vou ficar esperando. Te amo.
- Não mais do que eu. Beijo.
- Outro!
Desliguei, entrei no automóvel, coloquei o cinto, liguei o rádio e quando ia ligar o motor, algo me chamou a atenção: havia um movimento esquisito na rua e parecia ser um assalto.
Parecia não, era! Dois bandidos armados renderam um cara bem próximo ao meu veículo. E eu fiquei horrorizado quando percebi que a vítima na verdade era...
- PAI?
Os bandidos colocaram uma arma na cabeça do Edson e ficaram discutindo com ele. Só naquele momento eu percebi que o carro do meu pai estava estacionado literalmente na frente do meu.
- Ai meu Deus do céu!!!
Trêmulo, fiquei assistindo a cena, sem saber o que fazer. Eu não sabia se corria para ajudá-lo, se chamava a polícia ou se fazia xixi nas calças. Eu não pude acreditar no que estava acontecendo.
- PASSA A CHAVE DO CARRO, PASSA A CHAVE DO CARRO!
Edson estava resistindo ao assalto. Algo me dizia que ele iria reagir. Eu fiquei com muito medo que algo acontecesse com meu pai.
- PASSA A CHAVE DO CARRO, MALUCO – o assaltante que estava com a arma na cabeça do meu pai preparou o revólver para atirar.
- EDSON!
- PASSA A CHAVE DO CARRO OU EU ATIRO, FILHO DA PUTA!!!
Nesse momento, eu percebi que a arma dispararia a qualquer momento.
Uma dor insuportável tomou conta da minha cabeça, o meu coração acelerou no ritmo de bateria de escola de samba e eu não senti mais os meus braços, as minhas pernas e todo o meu corpo.
- PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI, NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!!!
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