sábado, 7 de fevereiro de 2015

Capitulo 101

Se antes dele abrir a noca eu já sabia que ele era gay; quando abriu então, eu tive a comprovação daquilo que eu já sabia.
Por mais que a voz dele não fosse afeminada, algo o denunciava. Eu só não sabia o quê.
- Olá – o garoto se aproximou com a mão estendida. – Eu sou o Kléber e você?
- Eu sou o Caio.
- Muito prazer, Caio.
- O prazer é meu.
Miguel também foi falar comigo. Ele era bem diferente do Kléber, mas olhando mais atentamente, eles tinham uma leve semelhança física.
- Oi, sou o Miguel.
- Olá, sou o Caio.
- Muito prazer.
- O prazer é meu.
- Nós podemos conhecer a casa? – perguntou Vinícius.
- Claro que podem – disse Esmeralda. – Venham comigo, por favor.
Nós a seguimos. O primeiro cômodo que conhecemos foi a cozinha. Era grande, maior que a da casa onde nós morávamos.
- Aqui como vocês podem ver é a cozinha.
Todas as paredes eram revestidas em azulejo na cor cinza. O local ficava um pouco escuro, mas isso era o de menos.
Havia uma mesa com 6 cadeiras, um fogão, uma refrigerador e um micro-ondas da mesma cor e marca, uma pia com gabinete e uma fruteira com um filtro branco em cima. Este objeto continha um desenho de vaquinha um pouco abaixo da torneira. Tudo estava muito organizado.
- Aqui fica a lavanderia – a mulher abriu uma porta e nós entramos.
- Muito bacana – falou Fabrício.
Também era maior que a nossa área de lavar e também era bem equipada. Tinha o tanque de cimento, um tanquinho, uma máquina de lavar, uma secadora e uma tábua de passar encostada na parede. Eu fiquei surpreso com a quantidade de eletrodomésticos que aquela casa tinha.
- Onde ficam os quartos? – perguntou Éverton.
- Ah, sim. Eles ficam lá atrás. Venham comigo, por favor.
Novamente seguimos a mulher. Passamos pela sala e adentramos em um corredor muito bem iluminado e cheio de quadros. Os quartos ficavam um ao lado do outro, mas eram apenas dois.
- São só dois, mas são grandes – ela se justificou.
E era grande mesmo. Mais uma vez maior que os quartos da outra casa. Percebi que dormiriam 4 por quarto, pois havia duas beliches, uma ao lado da outra.
Além das beliches, tinha também o guarda-roupa, uma cômoda com 6 gavetas e para a nossa surpresa, uma televisão de 21’’, juntamente com um DVD.
- Show de bola – disse Rodrigo.
- O outro quarto fica ao lado? – perguntou Maicon.
- Isso, podem ir lá.
Era igualzinho mesmo. Até a roupa de cama era idêntica ao do outro quarto. Só não gostei de ter que dividir os aposentos com mais 3 caras...
- E o banheiro fica aí nessa portinha – finalizou Esmeralda.
Era uma porta articulada na cor marrom. Eu não gostava de marrom.
Quando entrei fui mais uma vez surpreendido. Era bem maior que o banheiro da minha casa. Além de ter azulejo também na cor cinza, o banheiro tinha box com vidro opaco na cor azul-marinho. Isso era perfeito para poder tomar banho com a porta aberta, afinal dessa forma ninguém nos veria no chuveiro!
- Eu gostei... – falei mais para mim mesmo.
- Também gostei – disse Vinícius.
- E como fica a parte burocrática? – perguntou Fabrício. – Aluguel? Conta de água? Conta de luz? Telefone? Internet? Despesas em geral?
- Vamos para a sala, lá nos conversaremos melhor – disse Esmeralda.
E conversamos mesmo. Ela nos explicou tudo o que precisávamos saber. O aluguel era mais caro que o da outra casa, mas ia compensar porque o imóvel era muito melhor que o outro.
Enquanto ela falava, eu fui fazendo as contas no meu celular. Se fôssemos fechar com ela, iríamos ter um acréscimo de aproximadamente 15% em nossos gastos mensais, mas no meu ponto de vista, ia valer a pena.
- E então? O que vocês me dizem?
- Esmeralda, nós temos que conversar a sós para pesar os prós e os contras – explicou Vinícius. – Particularmente eu gostei, mas temos que ver tudo direitinho porque esse bairro é um pouco afastado de onde moramos, vamos ter que nos reestruturar em todos os sentidos.
- Entendo, Vinícius. Vocês podem me dar a resposta em quanto tempo?
- Pode ser em uma semana?
- Pode sim, contudo mais do que isso eu não posso esperar. Já existem outras pessoas interessadas nas vagas. Eu só vou segurar pra você porque você é namorado da Bruna.
- Agradeço muito, Esmeralda – Vinícius sorriu alegremente.
- Quando vocês tiverem a resposta, é só me ligar.
- Perfeito. Eu ligo sim, mesmo se a resposta for negativa.
- Espero que não seja – a mulher riu. Ela era simpática.
Quase não falamos com o Miguel e o Kléber. Só trocamos umas palavras rápidas quando fomos embora:
- Até mais – falei.
- Até mais – Miguel sorriu. – Espero que aceitem vir morar aqui.
- Ah, vamos pensar. Eu gostei muito da casa, mas meus amigos têm que decidir também.
- Entendo. Bem, até a próxima então.
- Até!
- Tchau, Caio – Kléber foi se despedir de mim.
- Tchau, Kléber.
Eu estava tentando descobrir o que denunciava a homossexualidade daquele garoto. Ou será que eu estava enxergando coisas onde não existia nada? Talvez ele fosse hetero e eu estivesse confundindo as coisas...
- E então? O que acharam da casa? – Vinícius perguntou.
Foi um misto de sensações. Uns gostaram, outros não e eu fiquei em cima do muro.
- Eu gostei das televisões no quarto – disse Rodrigo.
- Eu só não gostei de ter só dois quartos – disse Fabrício.
- Verdade, vai ser gente demais no mesmo quarto – reclamou Éverton.
- O que vocês acharam daqueles garotos? – perguntou Maicon.
- Isso eu não curti – disse Éverton. – Não sabia que teria que dividir a casa com mais dois desconhecidos.
- Quer dizer que nós somos desconhecidos pra você? – questionou Rodrigo.
- Não mais – ele riu. – E sem contar que aquele loirinho parece ser viado. Ele fica encarando muito.
- É verdade – concordou Maicon. – Eu também reparei.
Rodrigo e eu nos entreolhamos.
- Isso daí é o de menos – Vinícius também me olhou. – O que acharam da casa em si?
- É boa – falou Rodrigo. – Mas é muito longe.
- É verdade. E longe mesmo – concordou Fabrício.
- Duvido que a gente encontre outra casa melhor que essa – disse Vini.
- A propósito – eu me pronunciei. – Como você conseguiu encontrar essa casa?
- É? Como você conseguiu? – Éverton refez a minha pergunta.
- Descolei através da faculdade. Saí perguntando e me indicaram essa casa aí. Só que pra minha surpresa, descobri que a Esmeralda é vizinha da Bruna.
- Hum – murmurei. Coincidência demais para o meu gosto. – E você já sabia que esses dois moravam lá?
- Disso eu não sabia.
- Eu ainda acho que aquele loirinho é viado – Éverton reclamou.
- Algum problema com isso? – perguntei, já revoltado.
- Nenhum. Desde que ele não me ataque.
- Eu não quero ficar no mesmo quarto que esse daí não – disse Maicon.
- Olha o preconceito, rapaziada – disse Fabrício. – Deixem a sexualidade do cara em paz.
Gostei. Gostei e gostei muito. Se ele estava defendendo o Kléber era sinal que ele não era preconceituoso. Fiquei contente com o que o Fabrício disse.
- Então vocês aceitam ou não? – perguntou Vinícius.
- Por mim tudo bem – disse Fabrício. – Eu gostei da casa. Ela é mais equipada que a nossa. Pena que é longe.
- Eu não sei – Rodrigo estava meio irredutível. – É meio longe demais.
- Também não sei se é legal – disse Éverton.
- Por mim a gente procura outra – falou Maicon.
- E você, Caio? O que diz? – Vinícius me olhou.
- Por mim tanto faz. Se quiserem ir, eu vou. Se quiserem procurar outra por mim não tem problema.
- Ou seja, você é “maria-vai-com-as-outras”? – ele sorriu.
- Neste caso sim – eu sorri também.
- Então vamos pensar a respeito. Temos uma semana para dar a resposta pra Esmeralda.
- Nesse meio tempo, podemos procurar outras casas – falou Éverton.
- Podemos mesmo – ponderou Maicon. – Uma que seja mais perto.
- Então arregacem as mangas e vão à luta. Eu não vou procurar mais porque estou satisfeito com essa – disse Vinícius.
- Ah, então você vai tirar o corpo fora? – perguntou Éverton. – Só porque a casa é da vizinha da Bruna?
- Não é questão de tirar o corpo fora, Éverton – Vini já ficou irritado. – Eu procurei outras casas, saí perguntando na faculdade e não achei mais nada. Eu não vou mais fazer isso.
- Mas deveria, Vinícius – o nanico continuou. – Você também faz parte da república.
- Já achei essa, não achei? Para que vou procurar mais? Eu tenho certeza que não vou encontrar.
- Como você é pessimista, velho!
- Não é pessimismo, é realidade. É muito complicado encontrar uma casa equipada como essa.
- Nisso ele tem razão – Fabrício apoiou. – Eu também saí perguntando por aí e não encontrei nada. Nem na internet eu encontrei.
- Eu apoio o Éverton – falou Maicon. – Também vou procurar outro lugar para ficar. Não quero ficar nessa casa aí não.
- Então o direito é de vocês – Vini deu de ombros. – A minha parte eu fiz.
Pela primeira vez eu vi os meninos se desentenderem de verdade. O bate-boca não parou por aí. Eles cotinuaram brigando até chegarmos em casa.
- Não quero mais falar sobre isso, morou? – Vinícius estava mesmo irritado. – Se você não quer morar naquela república, o problema é teu! Se vira então para encontrar uma casa melhor, com um aluguel barato, com móveis e tudo mais.
- Fica nervoso não, cara – Éverton riu. – Eu só estou falando a verdade, você se acomodou só porque achou essa casa aí!
- Não vou mais discutir com você, moleque. Foda-se o que você acha ao meu respeito, não é você que paga as minhas contas.
- Graças a Deus, né? Você também não paga as minhas.
- Querem parar de brigar? – reclemei. – Que saco!
- Não se mete que o papo está reto – Éverton me fitou.
Revirei meus olhos. Quanta criancice!
- Vocês que são brancos que se entendam. Eu vou trabalhar que ganho mais – bufei de raiva. – Boa tarde!
Fui pro quarto e encontrei o Fabrício mexendo no meu computador.
- Não resisti – ele abriu um sorriso tímido. – Posso usar?
- Claro que pode, bobão. Já te falei que você pode usar sempre que quiser.
- Muito obrigado, Caio. Você é porreta.
Dei risada. Fazia tempo que não ouvia aquele termo.
- Calor do caralho hoje, né?
Quando eu me virei, ele já estava peladão.
- Uhum... – concordei.
- Vai trampar, né?
- Vou – falei. – Por que? Quer alguma coisa?
- Não. Só preciso que você feche a porta com a chave quando passar.
- E como você vai sair?
- Daí você coloca a chave por debaixo da porta.
- Por que? O que você vai aprontar?
- Vou bater uma – ele abriu outro sorriso sem graça. – Faz tempo que não dou uma gozada.
Fiquei excitado.
- Safadinho...
- Sou nada, cara – ele ficou vermelho.
- Só toma cuidado pra não melar meu note, beleza?
- Claro, pode deixar. Pode sair agora?
- Me expulsando do meu próprio quarto, Fabrício? – brinquei.
- Acho melhor você sair, a não ser que queria me ver batendo uma punheta – ele sorriu de novo.
- Ah, nem quero – menti. – Valeu! Vou nessa pra te deixar à vontade.
- Muito obrigado...
Fiz o que ele me pediu, mas foi contra a minha vontade. Eu queria sim vê-lo em ação, mas é claro que isso não ia acontecer. Infelizmente.
.
Cheguei na loja me sentindo cansado e desmotivado. Eu não queria ter que ficar até às 22:00 na filial. Eu tinha certeza que a hora ia demorar muito a passar.
- Boa tarde, Caio – Jonas foi falar comigo.
- E aí, chefão? Em ordem?
- Em ordem e você?
- Na paz. Como está tudo por aqui?
- Tudo bem, graças a Deus. Se troca lá e vem pro abraço, hoje a loja está bombando!
- É eu percebi. Tem promoção nova?
- Não, tem não. É movimento normal mesmo.
- Beleza, já volto.
Quando eu voltei, já fui logo atendendo um cliente:
- Boa tarde, posso ajudá-lo?
- Pode sim. Eu preciso comprar um ar-condicionado.
- Excelente. Gostou de algum modelo em específico?
- Gostar eu gostei, porém eu preciso que seja um bem baratinho.
- Vou ver o que posso fazer para te ajudar.
Tentei de tudo, mas não consegui fechar com o cliente. Todas as formas de pagamento que ofereci estavam fora do orçamento dele. Eu também não ia conseguir fazer milagre, né?
- Está sozinho hoje, Caio? – perguntou Renato.
- Estou, Renato. Meus amigos decidiram folgar.
- Que merda, hein?
- Só espero que o tempo passe rápido.
- É, eu também.
Todos decidiram folgar e isso inclui também o Carlos. Ele não foi fazer extra naquele domingo porque mais uma vez foi visitar os parentes no interior.
- Caio, como anda a Alexia? – perguntou Jonas.
- Na mesma, Jonas. Você falou com ela, né?
- Falei sim, mas ela não se abriu muito. A única coisa que fez foi me prometer que ia melhorar seu rendimento.
- E melhorou?
- Quase nada, mas eu entendo. É difícil passar pelo que ela está passando.
- É difícil mesmo. Espero que ela fique bem, porque a Jana e eu já tentamos de tudo para ela ficar bem.
- Isso que é amizade de verdade.
- Eu gosto muito dela!
- Entendi. Cara, tem uma cliente lá. Atende pra mim, por favor?
- Lógico que sim!
O dia rastejou, mas chegou ao fim. Agradeci a Deus quando o Jonas pediu pra um vendedor abaixar as portas da loja. Era a primeira vez que eu via aquilo acontecer.
- Nunca ficou no fechamento, né? – meu gerente foi falar comigo.
- Primeira vez.
- Espero que primeira de muitas. Quero te roubar pra minha equipe.
- Quer? – fiquei surpreso.
- Claro! Você vende muito bem. Não deixe a Eduarda saber disso – ele riu.
- Vou contar pra ela amanhã! – brinquei.
- Amanhã? Pensei que você só voltasse no sábado!
- Nossa, é verdade! Eu estou de folga essa semana!
- Como alguém pode esquecer a própria folga?
- É que eu amo trabalhar aqui, entendeu?
- 1º de abril já passou, Caio – Jonas sorriu. – Conta outra.
- Pior que eu gosto mesmo, Jonas.
- Eu te entendo, eu também gosto de trabalhar aqui.
- A empresa é muito boa, não estou puxando sardinha.
- Uhum, verdade. Mano, você vai folgar bem na época em que o Tácio vai vir pra cá!
- Ainda bem. Não gosto muito dele.
- Ele é gente fina, mas cobra muito.
- Pois é.
- Vai lá, Caio. Bom descanso e boas folgas pra você.
- Muito obrigado, Jonas! Você é um parceiraço mesmo.
.
Na manhã seguinte eu acordei mais cedo que o normal. Eu queria porque queria aproveitar bem as minhas folgas e nada melhor do que curtir uma praia para esquecer de tudo e de todos.
- Que horas são? – Fabrício se espreguiçou.
- 6:30 – respondi.
- Puta que pariu, isso são horas de acordar? Dormiu em cima de pregos?
- Quero aproveitar a minha folga!
- Porra, vai te catar. Aproveita mais tarde, meu.
- Que nada. Eu vou pra praia é agora. Pode voltar a dormir se quiser.
- É isso mesmo que eu vou fazer!
Saí do quarto e fui direto pro banheiro. Quantos dias mais eu ficaria naquela casa? Será que a mudança para a casa da Esmeralda daria certo?
Tomei um banho bem rápido, escovei os dentes, me troquei e saí de casa. A manhã estava ensolarada e o calor já estava a todo vapor. Um dia perfeito para curtir e aproveitar a minha tão merecida folga.
Cheguei na Praia do Flamengo faltando poucos minutos para às 8:00 da manhã. Como fui a pé da minha casa até lá, gastei tempo demais no percurso.
Um cara me ofereceu uma cadeira e um guarda-sol e eu pedi para ele deixar rente à água. Queria ouvir o barulho do mar enquanto me bronzeava. E assim aconteceu.
Como o sol já estava forte, eu tirei minha camiseta e minha bermuda para poder me bronzear por completo. Passei protetor solar por toda a minha pele e deitei de barriga pra cima e com os olhos fechados.
Fiquei ouvindo o barulho do mar. Como era relaxante! A praia estava vazia pois era segunda-feira e isso era bom. Pelo menos eu não ia ter que disputar minha cadeira com mais ninguém.
Não sei quanto tempo fiquei deitado naquela posição. Só virei de barriga pra baixo quando a minha pele começou a arder demais. Eu não queria ficar vermelho.
Tive dificuldade para passar protetor solar nas minhas costas, mas depois de muita luta eu consegui hidratar a minha pele. Tomei um pouco de cuidado, deixei uma camada espessa de creme. Eu não queria mesmo ficar vermelho, queria ficar bronzeado.
Cerca de 40 minutos depois, meu celular tocou. Eu peguei o aparelho e não olhei quem estava ligando, apertei o botão verde e fui logo falando:
- Alô?
- Oi, meu lindão!
- Oi, bonito! Tudo bem?
- Melhor agora e você?
- Eu estou muito bem! Como foi de viagem?
- Bem, graças a Deus. O que você está fazendo?
- Me bronzeando na praia e você?
- Hã? Está na praia? Não vai trabalhar hoje?
- Não, não vou. É meu dia de folga, lembra?
- Ah, é verdade... Eu havia me esquecido. É a semana toda, não é? – a voz dele pareceu ficar tristonha.
- É sim. Eu só volto no sábado.
- Delícia, hein? E já está na praia?
- Faz um tempinho já. Preciso pegar uma cor, eu estou muito branco.
- E você vai ficar com marca de sunga?
- Pretendo – dei risada. – Por quê?
- Nossa... Delícia demais, hein?
- Você gosta, é?
- Eu me amarro. Fica bem moreninho pra mim?
- Vou ficar, lindão. Prometo que vou ficar.
- Quero só ver, hein? E quando você vai vir aqui em casa?
- Quando você me convidar, oras.
- E precisa? Você é meu namorado, pode vir o dia e a hora que quiser.
- Vou pensar no seu caso. Veremos se você merece – brinquei.
- Quer dizer que é assim?
- Uhum!
- Deixa você. Caio, preciso desligar que minha bateria está por um fio. Depois a gente conversa mais, beleza?
- Falou, Carlos. Comporte-se na minha ausência, hein?
- Você também se comporte aí nessa praia.
- Eu sempre me comporto.
- Assim espero – ele riu. – Bom dia então.
- Bom dia.
- Beijo.
- Outro.
- Tchau.
- Tchau.
Desliguei e coloquei o celular no bolso da minha bermuda. Eu tinha que ficar esperto pra ninguém me assaltar.
Só saí da praia por volta do meio dia. Eu precisava almoçar, afinal de contas estava em jejum. A minha barriga estava roncando muito e eu já estava começando a ficar tonto.
Antes de chegar em casa, meu celular tocou de novo. Dessa vez eu olhei o identificador e vi que era a Janaína. O que será que ela queria?
- Oi, Jana? – atendi.
- Posso saber por qual motivo, razão ou circunstância o senhor não veio trabalhar hoje? – ela perguntou com a voz séria.
- Pelo motivo, razão ou circunstância que eu estou de folga a semana toda!
- Oi? Como assim a semana toda? Quem é você no jogo do bicho pra folgar a semana toda?
- Ai, eu acho que sou o 24 – caí na gargalhada e ela me acompanhou.
- Besta! Pior que é o 24 mesmo, viado metido! Mas me explica por que está de folga? Você andou chantageando os nossos chefes?
- Óbvio que não – revirei os olhos. – Eu trabalhei 5 domingos seguidos, minha filha. Eu mereço 5 dias de folga.
- OI? – esse “oi” dela foi um pouco longo e agudo demais. – Como assim, Monteiro? Quem você pensa que é pra ficar fora a semana toda?
- Eu sou foda, meu. Vem comigo que é sucesso!
- Estou preta passada na chapinha! Nossa, eu quero também!
- É só você fazer extra aos domingos. Eu recomendo.
- Já viu quanto veio o seu salário?
- Já! – meus olhos se iluminaram. – Quase caí para trás de tanta felicidade. Nunca tinha recebido tanto dinheiro em toda a minha vida.
- Quanto você ganhou?
Eu disse o valor e perguntei o dela. Eu ganhei mais que ela.
- Cachorro! Bem que eu sabia que na linha branca você ia ganhar bastante comissão.
- Ainda bem! Salvou a minha vida. Eu vou pras compras hoje à noite!
- Vai, é? E vai comprar o quê?
- Roupas, tênis, perfumes... Estou desprevenido de tudo.
- Safado! Que inveja de você. Que horas você vai comprar?
- Não sei ainda. Acho que depois das 18:00 porque eu estou me torrando no sol.
- Vai ficar um camarão – ela riu.
- Vou nada. Me entupi de protetor solar, eu vou ficar da sua cor. Ou mais preto que você!
Ela riu demais.
- Nem nascendo de novo! – Janaína exclamou.
- Vamos ver então. Vou desligar, Jana. Vou almoçar que estou morrendo de fome.
- Vai lá, chato. Espero que você fique todo assado do sol.
- Obrigado pela parceria! – bufei de raiva. – Sua vaca.
- Vaca é você, viado.
- Vai se lascar. Beijo, me liga depois.
- Beijo, peste. Boa folga.
- Obrigado!
.
Voltei pra praia com a barriga cheia. Não sei se foi sorte ou se isso aconteceu porque a praia estava vazia demais, mas o fato é que a minha cadeira ainda estava lá e vazia.
- Que bom, que bom, que bom – falei e já tirei a camiseta.
Sei que deveria pegar o sol só depois das 16:00, mas eu não estava resistindo. Passei novamente uma quantia generosa de protetor e me deitei para continuar o bronze. Minha pele ficou ardendo bastante enquanto eu fiquei parado.
Quando senti que eu estava quente demais, resolvi entrar no mar pela primeira vez. Será que a água estava muito fria?
O contraste foi grande, mas não tanto como eu imaginava. Quando a água tocou o meu corpo, eu senti um alívio do calor imediato. Como era gostoso ficar dentro do mar...
Fiquei brincando com as ondas por um tempo. O oceano não estava muito agitado e isso fez com que eu pudesse aproveitar bem aquela água refrescante.
E assim foi o meu primeiro dia de folga. Fiquei na praia até o anoitecer. Tive sorte de não ficar ardendo, mas a minha pele estava um pouco quente demais.
Cheguei em casa e fui direto pro chuveiro. O Rodrigo bateu na porta do banheiro e perguntou:
- Posso saber onde você estava?
- Na praia, Digow. Por quê?
- Porque não falou nada! Estava preocupado.
- Desculpa, eu esqueci. Por que não me ligou?
- Porque o seu celular está desligado!
- Está? Acho que acabou a bateria.
- Vai demorar aí?
- Não. Quer usar?
- Quero!
Desliguei o chuveiro. Por que ele não usou antes de eu entrar no banho?
- Pronto – saí com a toalha enrolada na cintura.
- Muito obrigado – Rodrigo olhou nos meus olhos. – Você é muito gentil.
- Valeu pela parte que me toca.
Fui pro quarto, me troquei e depois fui jantar. Alguém tinha cozinhado peixe. Quando eu senti o cheiro, meu estômago até embrulhou.
- Que é? – ele apareceu. – Por que você está vomitando?
- Esse peixe nojento aqui – fiquei mesmo com ânsia de vômito.
- Como você é fresco!
- Quem cozinhou isso daqui?
- O Vinícius.
- Pelo amor de Deus, que coisa ruim... Tem outra coisa pra comer?
- Não sei, tem que ver na geladeira.
Abri a geladeira e encontrei uma caixa de hambúrgueres. Isso ia ser a minha salvação.
- Ainda bem que tem isso daqui, senão eu ia passar fome ou ia ter que jantar fora.
- Fresco – ele sentou em uma das cadeiras da mesa. – Pode fritar um pra mim também, por favor?
- Folgado! O que você vai fazer daqui a pouco?
- Ver televisão, por quê?
- Não tem nada da faculdade pra fazer?
- Tenho não, já consegui deixar tudo em ordem. Por quê?
- Quer sair comigo?
- Como assim, Caio? Tá me tirando, moleque? Já falei que não curto essas paradas aí não, pô – ele brincou.
- Relaxa que eu não vou te levar pra um motel. Bem que eu queria, mas não é isso.
Ele jogou um pano de prato na minha cara.
- Me respeita, viado! – notei que o cara estava roxo de vergonha.
Dei risada.
- Vamos pro shoppng?
- Fazer o que no shopping?
- Como assim fazer o quê no shopping, Rodrigo? O que se faz em um shopping, Rodrigo?
- Muitas coisas, Caio. Podemos ir ao cinema, podemos jantar, passear, paquerar algumas gatinhas...
- Alguns gatinhos você quis dizer?
- Não, não! Gatinhas!
- Tô fora. Você falou tudo, menos o que eu vou fazer.
- E o que você vai fazer?
- Compras – eu tirei os hambúrgueres da frigideira e coloquei em um papel toalha para tirar o excesso de óleo.
- Ah, legal. Então vamos sim.
- Só por isso você vai, né? Então ótimo, vai ser você que vai segurar as minhas sacolas.
- Vai sonhando – ele sorriu.
.
- Segura essa também – eu falei.
- Você está me achando com cara de burro de carga ou o quê? – Rodrigo reclamou. – Só quero ver o que eu vou ganhar em troca depois.
- Bem por aí. Só porque você disse que não ia levar as minhas sacolas.
- Vou deixar tudo jogado no chão, hein? Lembre-se que eu não posso carregar peso, eu estou operado.
- Você já está ótimo e inclusive já tirou os pontos. Mas me dá uma dessas aí que eu carrego. Vou quebrar seu galho.
- Folgado! – ele me entregou todas as sacolas.
- Nossa, você é um amigão, hein?
- Pode ter certeza que sou. O que vai comprar agora?
- Preciso de um tênis.
- Vamos lá na “World Tênis” então.
- Eu estava pensando em algo mais barato, mas vamos.
Não resisti. Quando entrei, dei de cara com um par de tênis branco com detalhes azuis. Fiquei encantado e tive que levar.
- Vão querer mais alguma coisa? – perguntou o vendedor.
- Não, é só isso – falei.
- Só comparecer ao caixa.
- Obrigado.
- Pode deixar que essa sacola eu levo – disse Rodrigo.
- Ah, essa você quer levar? Só porque é mais leve?
- Exatamente.
- Você é foda – suspirei.
- Vai querer mais alguma coisa? – ele perguntou no exato momento em que nós deixamos a loja de tênis.
- Preciso de sungas.
- Sungas? Para quê? Você quase não vai pra praia!
- Estou a semana toda de folga, vou pra praia todos os dias e preciso se sunga! A não ser que você queira me emprestar a sua?
- Nem a pau! Isso é íntimo demais para emprestar.
- Eu sei – ri. – É brincadeira.
Rodrigo e eu entramos em uma loja de roupas íntimas. Eu escolhi uma sunga branca, outra vermelha, uma azul-marinho e a última preta.
- Leva essa cor-de-rosa aqui, ó – ele sorriu.
- Só se for pra te dar de presente – retruquei a piadinha.
- Nâo, obrigado.
- Algo mais? – perguntou a mulher do caixa.
- Não.
Depois que paguei e saí da loja, me senti satisfeito. Já tinha comprado tudo o que eu precisava.
- Agora nós podemos voltar pra casa?
- Podemos, chorão. Podemos só comprar um milk shake antes?
- Aham.
Comprei um pra mim e outro pro meu amigo. O meu foi de Ovomaltine e o dele de chocolate. Aquele sorvete foi ótimo pra refrescar o calor.
.
Consegui cumprir meu desejo de me bronzear à risca. Fui todos os dias pra praia e consegui atingir o meu objetivo. Eu fiquei com marca de sunga.
- Nem ficou vermelho, nem nada – Fabrício me olhou.
- Pois é! Eu disse que ia me bronzear.
- Não fez mais nada a não ser ficar no sol, né?
- Bem por aí...
- Parece que foi decidido o nosso futuro – ele me sinalizou.
- Foi, é? E aí?
- Nós vamos mudar pra lá mesmo. O Maicon e o Éverton não acharam casa.
- Benfeito! Eu acho é pouco!
- Também acho. Eles foram muito teimosos.
- E quando nós vamos mudar?
- Domingo. O Vinícius já fechou com a Esmeralda.
- E ninguém me fala nada, né? – reclamei.
- Estou te falando agora, não seja resmungão.
- Hum...
Fiquei feliz por ter encontrado um lugar novo para morar, mas triste por ter que deixar aquela casa. Já estava acostumado a morar naquele bairro. Foi ali onde tudo começou e eu não queria sair dali, mas infelizmente não tive escolha.
- Vou pro trabalho – anunciei. – Boa folga pra você.
- Obrigado, fera. Bom trampo!
- Valeu, irmãozinho.
.
- O que é isso? – Duda foi falar comigo com um sorriso nos lábios. – Onde está o meu Caio? O que você fez com ele?
- Seu Caio agora é quase um Lázaro Ramos – eu sorri e ela caiu na gargalhada.
- Menino! Esses dias de folga te fizeram bem, hein?
- Eu disse que ia aproveitar e eu aproveitei mesmo.
- Ficou bronzeadíssimo! Show de bola.
- Gostou?
- Adorei! Ficou gatão. Agora só falta clarear um pouco esse cabelo.
- Isso não. Está bom assim!
- Caio! – Jana saiu correndo pra me abraçar. – Você voltou!
- Uhum! Tudo bom, nega?
- Bem e você? E não é que ficou bronzeado mesmo?
- Estamos quase na mesma cor, fala aí? – exagerei e muito.
- Só nascendo de novo você conseguirá chegar ao meu tom, querido! Você só deixou de ser branco e ficou amarelo. Só isso!
- Se eu ficasse mais uma semana debaixo do sol, eu conseguiria – brinquei.
- Sonha! E aí, como foi de férias?
- Férias? Que exagero!
- 5 dias é quase uma mini-férias, poxa! Eu estava com saudade.
- Também. Foi bom, deu pra descansar um pouco. Como está a Alexia?
- Melhorzinha. Já está conseguindo superar.
- Graças a Deus!
- Mês que vem é nosso aniversário, hein? Temos que comemorar juntos!
- Nem me fala, Jana! Nem estou acreditando que já estamos em julho.
- Pois é. O tempo voa!
- Meninos, clientes nos setores. Circulem, por favor – pediu Duda.
- Pode deixar, chefa. Desculpa aí – falou Janaína.
- Não tem problema, meninos. Vocês sabem que eu não fico no pé, só se policiem um pouco porque acho que o Tácio vem de novo hoje.
E ele compareceu mesmo. Aquele chato ficou o dia todo na loja e eu quase não tive como conversar com meus amigos.
- Você ficou ainda mais lindo, sabia? – Carlos foi falar comigo só no meio do dia.
- Obrigado. O Tácio está aqui, melhor circular.
- Só precisava te falar isso.
- Depois a gente conversa.
- Firmeza.
Porém não consegui mais falar com ele naquele dia. Fui embora e nem me despedi do meu namorado. E eu que pensei que ia me livrar do chato do gerente regional...
Como eu ia me mudar na manhã seguinte, fui obrigado a comprar uma mala. Isso ia me ser útil no futuro, mas eu não queria ter que gastar dinheiro com aquilo naquele momento.
- Vai viajar, Caio? – Gabriel puxou assunto. Nós nos encontramos na saída do shopping.
- Não.
- Pô! Caio, eu não queria ficar brigado com você, cara.
- Não estamos brigados. Eu só não quero puxar assunto com um cafajeste como você.
- Não sou cafajeste – ele fez bico. – Eu gosto de você!
- Eu gostava de você, mas depois que você machucou minha amiga, você caiu no meu conceito.
- Você está sendo muito enérgico comigo, Caio! Eu não estou mais apaixonado pela Alexia!
- É, mas você só se deu conta disso depois que levou a coitada pra cama.
- O que eu posso fazer? Eu queria comer e comi! Depois enjoei, poxa.
- É, mas não é assim que as coisas funcionam. Ela tem sentimentos e gosta de você de verdade. Você não poderia ter feito isso com ela.
- Vou conversar com ela e pedir desculpas. Tá bom assim?
- Como se isso fosse mudar alguma coisa.
- O que quer que eu faça? Quer que eu volte com ela sem sentir nada?
- Não! Eu queria que você não tivesse magoado a minha amiga. Agora é tarde demais. Deixa eu ir nessa que tenho muita coisa que fazer em casa.
- Desse jeito até parece que eu fiz algo de ruim pra você, Caio – ele demonstrou estar chateado comigo.
- É como se tivesse feito mesmo. Mexeu com meus amigos, mexeu comigo.
- O que posso fazer para ter a sua amizade de volta?
- Corrija seu erro. Simples e fácil assim. Passar bem!
Deixei o garoto pra trás, atravessei a rua e fui pro meu ponto de ônibus. Eu gostava do Gabriel, mas as atitudes delez não eram condizentes com a minha moral e com o que eu acreditava ser certo.
.
- Vai viajar de novo? – perguntou Rodrigo.
- Não, mano! É para arrumar as minhas coisas. Vamos mudar amanhã.
- Ah, é mesmo. Você está desprovido de malas.
- Agora não mais. Bonita, né?
- É! Quanto foi?
Disse o preço. Minha mala era preta e de rodinhas. Era enorme e eu comprei na promoção.
- Barato. Vale a pena.
- É. Você está só? Onde estão todos?
- Vinícius foi pra Bruna e só volta amanhã cedo. Ele e o Éverton estão brigados ainda.
- Criancice demais isso, mas enfim. E o resto?
- Maicon e Éverton estão trabalhando e o Fabrício está no quarto fazendo não sei o quê.
- Hum! E as suas férias quando começam?
- Já começaram. Só fui até ontem.
- E nem me falou nada?
- Precisava? – ele ergueu as sobrancelhas.
- Claro! Como eu vou te parabenizar por ter sobrevivido mais um semestre se você não me fala nada? Parabéns, você venceu mais um semestre!
- Louvado seja Deus. Agora eu só quero conseguir o meu estágio. Vou caçar o mês inteiro. Isso se eu não for passar uns dias em casa, né?
- Vai pro Paraná?
- Pensando no assunto.
- E como estão seus pais?
- Bem, graças a Deus. Te mandam lembranças todos os dias.
- Mande de volta. Eles são muito legais, bem contrários aos meus pais.
- Não fique pensando nisso. Vai querer jantar?
- Vou, tem alguma coisa?
- Tem. Macarrão no armário e carne moída na geladeira. Hoje é seu dia de cozinhar.
- Porra, valeu pela ajuda, hein? Isso porque diz que sou seu irmão.
-- E é mesmo. Agora faz favor de cozinhar logo porque eu estou morrendo de fome.
- Folgado do caralho...
Depois de um dia de trabalho cansativo, a última coisa que eu queria era ficar na frente do fogão, mas eu fui praticamente obrigado a fazer isso, senão todos íamos morrer de fome naquela noite.
- Vai demorar aí? – Fabrício apareceu com uma bermuda de tactel laranja e nada mais.
- Vai. Acabei de colocar a carne para cozinhar.
- Que droga, eu estou com fome!
- Pois terá que esperar.
- Onde está o Rodrigo?
- Pedi para ele ir ao mercado comprar uma garrafa de suco e uma latinha de milho verde.
- Se soubesse teria pedido para ele comprar um barbeador pra mim.
- Está mesmo ficando barbudo.
- O meu acabou.
- Pega um dos meus, pô.
- Você tem para me emprestar? – ele sentou.
- Tenho sim. Está lá na minha gaveta de cuecas. Pode pegar se quiser.
- Ah, valeu. Depois eu pego. Já arrumei minhas malas, tem que arrumar as suas, hein?
- Farei isso quando terminar de cozinhar aqui.
- É macarrão com moída, né?
- Isso.
- Da hora. E como foi seu dia de trabalho?
- Um porre. E a sua folga?
- Boa. Deu pra descansar um pouco.
- Bateu muito? – abri um sorriso malicioso.
- Opa! Bati 5 vezes. Estou renovado agora.
- Puta que pariu, logo 5? Nem eu com 18 anos faço isso!
- Ah, mas eu estava precisando descarregar. Ficar sem mulher é foda, cara.
- Isso é uma verdade. Você precisa de uma namorada.
- Eu até quero – Fabrício coçou a nuca –, mas está difícil de encontrar. Só aparece vadias.
- E isso não é bom? – perguntei.
- Não. Vadia é bom só pra comer, mas e o resto? Estou ficando velho, Caio. Precso de uma companheira.
- Ah, cala a boca! Velho aonde?
- Não tenho mais 18 como você, meu querido. Infelizmente.
- Mas você ainda é novo, já te falei isso antes.
- Novo eu sou, mas não tenho mais o mesmo vigor de antes. Já não sou o mesmo Fabrício que pegava mais de 10 na balada.
- As fases mudam, Fabrício – falei enquanto temperei a carne. Estava sem sal. – Prova aqui, vê se está sem sal?
- Um pouco. Coloca só mais um pouquinho – ele disse.
- Mudando de assunto, como será a nossa vida nessa nova república, hein?
- Espero que seja boa. E espero também que a gente continue dividindo o mesmo quarto.
- Verdade. Quero dividir o quarto com você e com o Rodrigo.
- É! Seria bacana.
- Vamos ver como fica amanhã essa divisão.
- Né? – ele bocejou. – Bom, já que vai demorar aí eu vou tomar uma ducha rápida e depois vou lavar as roupas que estão na máquina.
- Será que seca até amanhã de manhã? – perguntei.
- Acredito que sim, está calor.
- Não está tão calor assim, Fabrício. Está nublado e eu acho que vai chover.
- Se chover eu levo as roupas molhadas em uma sacola. Não tem problema.
- Você que sabe!
- Quando estiver pronto me chama, beleza?
- Aham.
- Aqui, seu milho verde – Rodrigo sentou no mesmo lugar que o Fabrício tinha ocupado.
- Obrigado. Trouxe o suco?
- Só tinha de caju.
- Perfeito. Adoro suco de caju!
- Quer ajuda com alguma coisa?
- Quero! Fica de olho aqui na carne que eu vou trocar de roupa.
- Pode deixar.
Fui pro quarto e me troquei rapidamente. Fiquei desanimado só de pensar que ia ter que desocupar todo aquele guarda-roupa e colocar todas as minhas roupas na mala. Me deu uma preguiça...
- Já voltei, pode sair do fogão.
- Calma, não vou comer toda a sua carne – Rodrigo se esquivou de mim.
- Acho bom.
Depois de mais 15 minutos a janta ficou pronta. Só comemos eu, o Digow e o Fabrício. Eles gostaram da minha comida.
- Ficou bom de novo – disse Fabrício.
- Obrigado.
Jantamos em paz. Era bom comer com a presença dos meus amigos. Só depois de fazer toda a digestão, eu fui pro quarto e comecei a arrumar as minhas coisas.
- Quer ajuda? – perguntou Fabrício.
- Nâo ia lavar suas roupas?
- Já lavei. Só tinha uma calça e uma camiseta.
- Ah, é pouquinho! Pensei que era muito.
- Não. Eu não deixo acumular. Quer ajuda ou não?
- Quero! Se puder me entregar as roupas, eu vou colocando nas malas.
- Demorou.
- Vou deitar na sua cama. Posso, Fabrício?
- Pode, cara.
- Posso usar o note né, Caio?
- Uhum – concordei. – Me passa primeiro as calças, Fabrício, por favor.
- Pode deixar.
Eu precisava fazer uma faxina no meu guarda-roupa. Havia muitas peças do meu vestuário que não usava mais. Era a hora de fazer uma doação.
- Agora me passa as cuecas e as meias...
- Quanta cueca, Caio – ele passou os olhos pela gaveta. – Pra que tudo isso?
- Ué precisa, né?
- Tô fora. Se eu usar uma coisa dessas, fico com as bolas doendo.
- Não usa cueca mesmo? – perguntou Rodrigo.
- Não. O Caio é prova disso.
Rodrigo me olhou com um sorrisinho safado nos lábios. Ele segurou uma risada.
- É infelizmente sou prova disso.
- E se prepara, Rodrigão! Se você for dividir quarto comigo na outra casa, vai ter que se acostumar com isso – disse Fabrício.
- Fazer o quê, né? Vou passar a dormir com venda nos olhos.
Todos nós rimos.
- Acabou? Me passa as camisetas agora, por gentileza.
Também tinha que fazer uma escolha nas minhas camisetas. A maioria era velha e algumas já estavam até furadas. Era hora de dar tchau!
- Passa as blusas agora e já era!
- Só tem 3?
- Só. Preciso comprar mais.
- Pra quê? Quase não usa nesse calor do Rio – disse Rodrigo.
- Sempre é bom ter.
- Acabou? – perguntou Fabrício. – Tem mais nada não?
- Não. Só os tênis, mas eles eu levo na mochila. Obrigado pela ajuda, parça.
- Por nada! O que está vendo aí, Rods? Foto de mulher pelada?
- Bem que eu queria. Estou vendo as minhas notas da faculdade.
- Já saíram?
- Acabaram de lançar. Até que não fui mal...
- Posso ver as minhas? – Fabrício deitou ao lado do nosso amigo.
- Pode, espera só um segundo.
Eu fui ao banheiro, peguei meu xampu e minha saboneteira para colocar dentro da mala. Não podia esquecer de nada. aproveitei a oportunidade para ver se não tinha nenhuma roupa suja dentro da máquina. Ainda bem que fiz isso, porque encontrei uma muda de roupa suja.
- Já ia esquecer a minha roupa suja dentro da máquina – falei quando voltei ao quarto. Eles ainda estavam dividindo a cama.
- Hum... – murmurou Rodrigo.
- E aí, Fabrício? – puxei assunto. – Como estão suas notas?
- Bem, Caio. Eu sou um aluno exemplar!
- Aham.
- É sério! Sou maior estudioso.
- O Fabrício me ajuda muito, Caio – disse Rodrigo. – Sem ele eu não seria ninguém nesse curso de Engenharia.
- Mas a Engenharia de vocês é diferente, não é?
- É, mas existem matérias iguais – explicou Fabrício.
- Ah, entendi. Bacana.
Meus amigos e eu ficamos conversando por bastante tempo e eu só fui dormir depois das 2 da madrugada naquela noite.
.
Acordei com o falatório dos meninos no meu quarto. Quando abri os olhos, notei que o Vinícius e o Fabrício estavam combinando alguma coisa.
- Já é hora de ir? – perguntei com a voz grogue de sono.
- É sim, Caio – disse Vinícius. – Levata aí.
Sentei e cocei meus olhos. Que horas seriam? Eu não podia esquecer que ainda ia ter que trabalhar naquela tarde.
Por isso dei um salto da cama e fui logo arrumando as minhas coisas. Fui ao banheiro, tomei meu banho, escovei os dentes e terminei de recolher os meus pertences pela casa.
- Pegou as panelas, Rodrigo? – perguntou Vinícius.
- Deixei separado nessa caixa aí em cima da mesa, Vini.
- Tem um tênis na lavanderia – Maicon estava com cara de poucos amigos.
- É meu – disse Rodrigo. – Já vou pegar!
Foi a maior algazarra e correria. A gente olhou cômodo por cômodo para ter certeza que não estávamos esquecendo nada. Na hora de ir embora, eu senti um frio esquisito na barriga. Era tão estranho sair daquela casa depois de tanto tempo...
- Tchau, casa – falou Rodrigo. – Tchau, Catete. Foi bom enquanto durou!
- É, foi bom mesmo – concordei. – Obrigado por tudo, Deus.
- Caio e o nosso gatinho? – perguntou Maicon. – Vamos levar ou não?
- NÃO – gritou Rodrigo.
- Acho que não dá, Maicon. Ele ainda está muito novinho...
- Droga, hein? Vamos lá vê-los?
- Vamos! – concordei.
- Se demorarem nós vamos embora sem vocês, hein? – falou Rodrigo.
- Cala a boca, Digow – disse sem olhar pra trás.
A casa não era nada distante da nossa. Eu toquei a campainha e rapidamente a mulher apareceu.
- Pois não? – será que ela não nos reconheceu?
- Oi... Tudo bem? Nós podemos ver os gatinhos? – perguntei.
- Eles ainda não desmamaram. Vocês ainda não podem levar.
- Nós sabemos – disse Maicon. – Nós só queremos vê-los mesmo. É que vamos mudar de bairro e não vamos mais vir aqui.
- Ah! Entendi, entrem, entrem...
Nós entramos e fomos direto pra caixa onde eles estavam.
- Oh, meu Deus – eu me ajoelhei e a gata miou. – Como eles estão lindinhos!
- Oi, Severina – Maicon passou a mão na cabeça da gata e ela miou de novo.
Severina? Onde é que já se viu colocar o nome da gata de Severina, meu Deus? Eu não me conformava com isso.
- Se vocês vão mudar, não vão querer mais? – perguntou a mulher.
- Acho que não! – me entristeci. – Uma pena, eu queria muito um desses.
- Eu também – concordou Maicon.
Os felinos já estavam com os olhinhos abertos. Todos estavam mamando e até brigavam pelo peito da mãe. Uma gracinha!
- São muito lindos! Já sabe quantos machinhos e quantas fêmeas têm? – perguntei.
- São 6 fêmeas e 1 macho. O macho é um dos siameses.
- Caramba, quanta mulher – eu acariciei a cabeça da Severina. Ela se esticou toda para os bebês mamarem. Um caiu da teta dela.
- Que lindinhos... – Maicon fez carinho em um dos bebês.
- Posso segurar um dos filhotinhos? – perguntei.
- Pode, mas com muito cuidado porque eles são frágeis.
- Tudo bem...
Com toda cautela do mundo eu coloquei um dos filhotinhos na minha mão. Era tão macio e tão molinho que eu fiquei com medo de machucar.
- Oi, bebê... – eu me derreti. – Como você é linda!
Eu peguei a única pretinha da turma. Ela tinha os olhinhos amarelos e ficou miando feito louca enquanto eu a segurei.
- Ah, que coisinha mais fofa... Quero roubar todos eles pra mim.
- Bem que eu queria doar todos mesmo – a mulher riu.
- Vai com a mamãe, vai bebê!
Coloquei a gata junto com a mãe e rapidinho ela voltou a mamar. Era uma família muito linda!
- Obrigado por ter deixado a gente vir vê-los – agradeci. – E sinto muito não poder ficar com nenhum.
- Não tem problema. É uma pena que não possam ficar, mas não tem problema.
- Com licença e até mais.
- Até mais!
- Pensei que iam morar nessa casa aí – reclamou Rodrigo.
- Os gatinhos estão lindos, Digow! – exclamei.
- Ah, é? Por mim podem morrer todos de catapora! Eu lá gosto dessas pragas, rapaz?
- Pois deveria gostar, são bichinhos inofensivos.
- Deus me livre. Tô fora!
- Podemos ir? – perguntou Vinícius.
- Sim – responderam.
- Posso ir ao banheiro primeiro? – erguntei.
- Rápido – falou Vinícius. – Não podemos demorar.
- Eu não vou demorar.
Eu não queria ir ao banheiro. Eu queria ficar sozinho pra me despedir da casa. Aquela foi a primeira casa que eu morei no Rio de Janeiro, eu ia sentir saudades dela.
Entrei e de pronto me lembrei do primeiro dia em que cheguei naquele lugar. Lembrei da recepção do Digow e de ver o Ricardo deitado no sofá assistindo televisão.
Lembrei ainda do meu primeiro encontro com o Vinícius e com o Fabrício. Lembrei da primeira impressão que ambos me causaram. Tão bonitos! Tão gostosos!
Lembrei das vezes em que eu e meus amigos ficamos sentados naquele sofá, assistinto televisão ou discutindo o que faríamos pro jantar.
Passei pra cozinha e recordei dos nossos almoços, dos nossos jantares e da briga pra ver quem ia lavar a louça. Me lembrei ainda das vezes em que a gente arrumava o armário e de quando esvaziávamos a geladeira.
Na lavanderia, olhei pro tanque e automaticamente revivi as vezes em que lavei minhas roupas, reclamando por fazê-lo.
Uma vez na porta do banheiro, não consegui segurar o sorriso. Era impossível não rir das vezes em que brigamos pra ver quem ia entrar primeiro naquele lugar. Era tão divertido!
Me dirigi aos quartos e lá revivi vários momentos. No primeiro deles, lembrei dos papos que tive com o Rodrigo, de como ele me aceitou, de como ele me acolheu, de como ele me incentivou, de como ele me ajudou.
Sentei na minha primeira cama e um nó tomou conta da minha garganta. Fôra ali, naquele lugar que eu passei os piores e melhores momentos da minha vida.
Foi naquela cama que eu sorri de felicidade por estar namorando, foi naquela cama que eu entrei em desespero pela ida do Bruno. Minha companheira, minha confidente. Ela sabia de tudo o que eu vivi naquela época. Ela me ouviu e não me condenou como muitos fizeram. Eu ia sentir falta dela.
Aquele foi meu primeiro quarto e eu nunca seria capaz de esquecê-lo. Não mesmo. Nem que eu quisesse. Minha memória estava fresca, viva e vibrante. Foi bom dormir ali.
No segundo quarto, o quarto do Fabrício e do Vinícius, fui incapaz de não pensar nas minhas transas com o futuro médico. Tão boas, tão intensas, tão prazerosas! Aquele quarto sabia de segredos, aquelas paredes foram testemunhas do nosso pacto e do nosso pecado. Uma pena que eu nunca mais as veria.
No terceiro e último, revivi as memórias mais recentes daqueles aposentos. Dividir aquele local com o Fabrício foi bom. Eu ganhei a confiança dele e nós estreitamos os nossos laços, a nossa amizade. Eu também iria sentir falta daquele quarto.
Eu estava feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por continuar ao lado dos meus amigos e triste por ter que sair daquele lugar. Eu amava aquela casa, aquela era a minha casa.
Eu disse certo. Era a minha casa e à partir daquele momento não seria mais. Eu tinha que ir embora e por mais que eu quisesse ficar, aquilo infelizmente não seria possível.
O jeito era ir embora e abrir a mente para novas oportunidades, para nova possibilidades. Eu tinha que deixar aquele ciclo ser finalizado e era isso que eu ia fazer.
Por fim, saí e fechei a porta ao passar. Me despedi em pensamento daquele lugar e pedi que Deus me proporcionasse momentos felizes no meu novo lar, momentos como os que eu vivi naquele imóvel do bairro do Catete.
- Finalmente, Caio – Vinícius me repreendeu com um olhar. – Pensei que tinha descido com a descarga.
- Estava me despedindo da casa, pô – suspirei.
Nem me despedi do dono da casa. Entrei na van que o Vini alugou e fiquei olhando pela janela.
Foi naquele bairro onde tudo começou. Foi ali que eu fui parar por acaso, foi ali onde passei todo o tempo em que estava morando no Rio de Janeiro.
Nunca seria capaz de esquecer o bairro do Catete. Me acostumei com aquelas ruas, me acostumei com o comércio, com a rotina... Ia ser difícil acostumar tudo de novo, mas eu sabia que eu era capaz.
Chegamos na nova casa depois de enfrentar um pouco de trânsito. Será que eu ia gostar daquele lugar? E será que eu ia gostar dos novos integrantes da república?
Esmeralda não estava lá para nos recepcionar. Eu pensei que ela ia fazer isso. Só quem ficou a nossa espera na frente da casa foram os meninos mesmo.
- Olá – disse Miguel. – Sejam bem-vindos!
- Opa, cara – Vini apertou a mão dele. – Muito obrigado por nos esperar aqui.
- Imagina! Vai ser um prazer dividir a casa com vocês. Podem entrar, fiquem à vontade!
- Licença aí...
- Oi – os cumprimentei quando foi a minha vez de entrar na casa nova. – Tudo bom?
- E aí, Caio? – Kléber me olhou. – Bom?
- Joia!
Foi complicado subir com um monte de bagagem escada acima. Meus amigos e eu só conseguimos despachar a van depois de 15 minutos.
- Bom, agora sim – Vinícius suspirou. – Chegamos!
- E sejam bem-vindos mesmo – Miguel falou novamente. – Espero que gostem daqui.
- É, também espero gostar – Éverton estava com a cara fechada.
- E como estão os quartos, Miguel? – perguntou Vinícius.
Rodrigo estava parecendo meio tímido.
- O Kléber e eu estamos dormindo em um deles. Tem um disponível e o outro tem uma beliche sobrando. Vocês aí decidem como vão fazer.
- E aí, gente? – Vini nos olhou. – Sorteio mesmo?
- Acho justo – comentei.
Todos os demais ficaram calados. Quem cala consente!
- Então já que vocês não são adultos o suficiente pra decidir quem fica com quem, o Caio e eu vamos fazer sorteio – Vinícius bufou de raiva.
- Você sabe muito bem o que a gente acha disso – falou Éverton.
- E nós já conversamos sobre isso mil vezes – retrucou Vinícius.
- Não comecem a brigar agora, pelo amor de Deus, hein? – reclamou Fabrício. – Anda, Vini! Começa logo esse sorteio aí porque é o mais justo a ser feito.
- Beleza. Já trouxe os nomes feitos de casa. Miguel, pega um nome aqui, por favor.
- Mas esse vai ser para ficar no quarto vazio ou no meu quarto? – perguntou o rapaz.
- No quarto vazio – falei.
- Beleza – Miguel tirou um dos 6 papeis que estavam na palma da mão direita do Vini. – Caramba, que zica! É você, Caio!
Meu coração bateu aliviado. isso significava que eu não ia ter que dormir com os desconhecidos.
- Pega um aqui, Kléber – mandou Vinícius.
- Hã... Deixa eu ver... Quero esse daqui – ele tirou o papel que estava por último. – Rodrigo!
Rodrigo e eu batemos as mãos. Fiquei com minha pele ardendo. Que maravilha ter ele de volta no meu quarto!
- De volta aos velhos tempos – ele sorriu e cutucou a lateral do meu corpo.
- É “nóis” – sorri em resposta.
- Éverton, escolhe um pra você não falar que estamos roubando – Vinícius se aproximou.
- Acho bom não ter roubo mesmo – ele puxou um papel. – Affe! Fabrício.
Não acreditei. Até aquele momento estava dando tudo certo... Pra fechar com chave de ouro só faltava...
- Maicon, puxa o próximo.
- Espero que seja o meu – ele pegou o papel que estava no meio da mão do Vini. – Putz...
- Que foi? – Éverton olhou pro amigo. – É o meu?
- Não – ele fechou a cara de vez. – Eu tirei o nome do Vinícius!

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