sábado, 7 de fevereiro de 2015

Capítulo 107

Isso é que é ser solitário.
Fabrício suspirou novamente, colocou a mão no meu ombro e disse:
- Vem comigo, cara? Vamos viajar, esquecer do Rio! Eu não quero te deixar aqui sozinho...
- Mas eu não posso, Fabrício! Não vou ter férias na loja, mano...
- Pede as contas, vem comigo. Não fica aqui sozinho não!
- Você tá doido? Não posso pedir as minhas contas, eu estou ganhando bem. É a primeira vez na vida que eu ganho bem, não posso jogar essa oportunidade fora! Sem contar que eu adoro trabalhar onde trabalho...
- Poxa, Caio... Então eu não vou, vou ficar aqui com você...
- Imagina! De jeito nenhum, Fabrício... Não vou fazer você perder sua viagem, não vou fazer você perder a oportunidade de ficar com a sua família por minha causa. De jeito nenhum, pode viajar. Eu ficarei bem aqui.
- Sozinho, Caio? Não quero te deixar sozinho!
- Mas eu tenho outros amigos também, mano... Eu posso ficar com eles...
- Não sei não, hein? Eu não vou te deixar sozinho!
- Eu não vou deixar você perder sua viagem por minha causa. Se isso acontecer eu vou ficar muito chateado com você, na boa.
Ele ficou com a cara péssima. Dava pra ver direitinho que ele estava dividido e ao mesmo tempo chateado por ter que me deixar sozinho naquela casa.
Mas eu não ia fazer ele ficar comigo. Ele tinha a família dele, tinha todo o direito do mundo de ficar com eles, ainda mais estando desempregado e com tempo para curtir todo mundo.
Eu é que era azarado, ou melhor, não tinha família. Todos os outros, tinham pai, mãe, irmãos, tios, primos, avós... E eu não tinha ninguém. Então nada mais normal do que eles irem encontrar as famílias e eu ficar sozinho. Porque era só isso que eu ia conseguir!
Para que tampar o sol com a peneira? Eu era sozinho no mundo e só estava conseguindo o que era inevitável. Mais cedo ou mais tarde isso poderia acontecer e eu não ia ter como lutar. Não havia armas para modificar essa situação.
Ir com um deles? Até poderia ser, se eu não estivesse trabalhando. Não ia pedir as minhas contas, deixar de trabalhar em um lugar que eu gostava só para ter uma companhia no natal.
Eu ia sobreviver se ficasse sozinho. Não era o fim do mundo e além do mais, o tempo estava passando muito rápido. Eu tinha certeza que logo todos estariam de volta e o meu vazio seria preenchido.
Então era só questão de costume. Eu poderia chegar em casa, fazer a minha própria ceia de natal e ter um dia absolutamente normal! Por que não? Onde estava a minha coragem?
- Vai viajar, vai – eu também coloquei a mão no ombro dele. – Vai ficar com a sua família, eu vou ficar bem.
- Ah, Caio...
- De verdade, Fabrício. Não se preocupe comigo.
- Por que não liga para alguém da sua família vir ficar com você?
- Porque eu não tenho mais família. Só por isso.
- Não diz isso, Caio! É claro que você tem...
- Acredite, eu não tenho – abri um sorriso amarelo. – Eu sei o que estou falando.
- Por que diz isso? Isso me deixa preocupado com você...
- São motivos bem chatos, sabe Fabrício? Eu preciso te contar isso um dia.
- Por que não conta agora?
- É uma história muito longa, mano. Eu tenho que te contar porque eu fico sem graça de esconder algumas coisas de você, sabe?
- Como assim?
- É que o Vini e o Rodrigo sabem de algumas coisas que você não sabe e eu estou ficando cada dia mais chateado por te esconder isso.
- Mas o que você esconde de mim? Não estou entendendo nada.
- É um assunto muito complicado, eu nem sei como vou abordar isso e também não sei se é o momento de falar.
- Quer um conselho? Se não estiver se sentindo à vontade, não fale. Eu vou entender.
- Você é tão compreensivo, mas confesso que eu fico com medo da sua reação...
- Medo? – ele não entendeu nada. – O que eu poderia fazer contra você, menino? O negócio é tão ruim assim?
- Depende do ponto de vista. Eu só não falei antes justamente por isso. E por vergonha também!
- Vergonha de quê? Agora você está me deixando curioso!
- Eu vou te contar, não aguento mais esconder isso de você, mas estou receoso com a sua atitude.
- Por quê?
- Você quer mesmo saber o que está acontecendo? – suspirei e senti minhas mãos ficarem frias.
- Gostaria. Quem sabe eu posso te ajudar?
- Acho difícil, amigo – abri mais um sorriso amarelo. – Muito difícil você conseguir me ajudar...
- Vamos começar pelo começo. O que você esconde de mim?
Fiquei calado por um momento. Eu pesei bem o que ia falar. Era a hora de abrir o jogo. Nós estávamos sozinhos e isso seria bom para deixar as coisas em ordem. Eu queria abrir todo o jogo, mas o medo da reação dele estava falando mais alto.
- Vou te contar... – falei pausadamente. – Aproveitando que nós estamos sozinhos...
- Diga. Confia em mim, Caio.
- Eu confio em você e é justamente por isso que eu vou te contar, Fabrício. Eu acho que eu estou traindo a sua confiança.
- Por que diz isso? Deixa de enrolação e vai logo ao assunto.
- Ah, Fabrício... – gemi.
- O que acontece nesse coração aí, Caio?
- Eu tenho muita coisa pra te contar, Fabrício, muita coisa pra te explicar. Muita coisa mesmo. Porém, eu vou começar pelo começo. Por que aí você vai entender tudo direitinho.
- E qual o começo dessa história?
Pausa. Eu precisava escolher as palavras certas. Por mais que eu confiasse naquele cara, por mais que ele fosse meu amigo há um bom tempo, eu ainda tinha medo de ser rejeitado.
A verdade é que eu era traumatizado por causa da surra que levei do meu pai, então sempre que eu tinha que abrir a verdade pra quem quer que fosse, esse medo tomava conta de mim a tal ponto, que muitas vezes eu ficava travado.
- E então? Eu estou esperando!
- Antes de qualquer coisa, você precisa saber algo ao meu respeito.
- O quê?!
- Eu sou gay!
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