sábado, 7 de fevereiro de 2015

Capítulo 103

Por mais que eu quisesse aceitar aquele convite, a responsabilidade estava falando mais alto.
- Juro que o seu convite é tendador, mas não posso aceitar. Preciso fazer essa prova.
- Só mais 5 minutinhos? – ele fez bico.
- Nem um minutinho a mais. A gente vai se ver ainda hoje, lembra? Tem o churrasco da Jana mais tarde.
- Putz, pode crer! Nem me lembrei que hoje é o aniversário dela!!!
- É hoje sim. Você vai comigo, né?
- Com você eu vou até o fim do mundo – ele me puxou e me deu um beijo. Eu me irritei.
- Me larga, meu! Eu já estou me atrasando.
- É assim, né? É assim mesmo?
- Não seja dramático – revirei meus olhos. – A responsabilidade me chama.
- Então tá, amor. Vai lá e boa prova pra você.
- Me leva ao portão? – dei um selinho nele.
- Claro que sim!
Carlos me acompanhou até o portão de sua casa, mas antes de sair, me despedi do garoto com mais um beijo na boca.
- Te adoro, te adoro muito – a voz dele foi quase inaudível.
- Obrigado por tudo, obrigado por cuidar de mim.
- Não tem que me agradecer – Henrique sorriu. – Foi um prazer imenso ter você aqui comigo hoje.
- O prazer foi todo meu, espero que isso aconteça cada vez mais.
- Eu também!
- Agora eu vou nessa, tem uma prova chata me esperando...
- Boa sorte!!! Tenho certeza que tudo vai dar certo.
- Obrigado. Quando eu sair da prova eu te ligo pra gente combinar como faremos para ir na Jana, beleza?
- Então eu vou aguardar a sua ligação.
- Está bem. Tchau!
- Até mais tarde, Caio!
.
Eu estava torcendo para ficar com a prova branca. Não fui com a cara das demais, mas não tive sorte: fiquei com a cor-de-rosa.
Quando a mulher que estava na sala deu o aval para começarmos a resolver as 63 questões, eu virei o caderno de respostas e comecei lendo a proposta da redação.
Era um tema fácil que pedia para que nós falássemos como poderíamos conviver com as diferenças.
Nem dei atenção as perguntas e fui logo tratando de esboçar o rascunho da minha dissertação. O tema me encantou tanto que se eu pudesse, teria escrito umas duas ou três folhas sobre o tema.
Conviver com as diferenças... Por que era tão difícil fazer isso? Por que as pessoas tinham tanta dificuldade para conviver com as diferenças?
Eu era prova viva disso. Minha família não soube conviver com a minha diferença. Eles queriam ser uma família padrão e tradicional, mas a minha orientação sexual não permitiu que isso acontecesse. Eu era diferente!
Como eu não podia dominar esse assunto? Escrevi um texto imenso e expus todo o meu ponto de vista. Só fiquei na torcida para que o texto tivesse ficado de acordo com a proposta oferecida.
Antes de passar a redação à limpo, li e reli várias vezes. Eu não queria que tivesse nenhum erro. Fiquei orgulhoso do meu texto.
Perdi mais de 1 hora na dissertação e quando finalmente coloquei o ponto final, parti para a parte chata e comecei a resolver as perguntas do Enem.
63 questões. Eu tinha certeza absoluta que não teria a menor paciência para responder todas aquelas perguntas.
Sempre que me deparava com alguma questão de matemática ou física, eu nem perdia tempo lendo o enunciado. Partia logo pro chute.
E isso aconteceu também com as 10 últimas questões. Estava tão cansado, com tanta fome e tão irritado, que nem me preocupei com mais nada. Não me preocupei se ia acertar ou errar, simplesmente fiz um “mamãe mandou eu escolher esse daqui...” e chutei todas as perguntas.
Fiquei ainda mais impaciente quando tive que passar as respostas pro gabarito. Eu queria tanto sair daquela sala de aula que senti vontade de chutar tudo de novo, mas é claro que não fiz isso.
A prova não estava difícil. O Rodrigo tinha razão: se eu tivesse estudado, teria me saído muito bem no Enem. Dizem que a prova de 2.007 foi a mais fácil da história do Exame. Eu tive sorte de realizar aquela prova.
Algumas das questões eu tinha certeza absoluta que estavam corretas. Principalmente as que se referiam a nossa língua portuguesa.
Eu sempre achei legal fazer interpretação de texto. Estava na torcida e na expectativa para que todas essas perguntas me dessem uma boa nota no final de tudo.
Quando coloquei a última pergunta no gabarito, arrumei as minhas coisas e enfim pude sair daquela sala.
Pela primeira vez na vida eu entendi que o meu nome era comum. Posso afirmar que mais de 90% daquela sala eram de Caios. Só havia 3 garotas no meio de mais de 25 marmanjos.
- Boa sorte – a mulher falou quando eu entreguei a minha prova.
- Obrigado.
- Quer o caderno de perguntas?
- Quero sim!
- Então pode levar. O gabarito vai ficar disponível hoje no site do MEC.
- Tudo bem. Obrigado.
Quando coloquei os pés na rua, percebi que já estava para anoitecer. Fiquei tempo demais dentro daquela sala de aula!
- E aí? – Rodrigo atendeu.
- Estou morto!
- Saiu só agora?
- Uhum.
- Nossa, bem no finalzinho! Foi o último a sair?
- Que nada, ficaram umas 15 pessoas ainda. Eu nunca vi tanto Caio junto em toda a minha vida.
- Normal, eles dividem por ordem alfabética. Mas e aí? Como foi a prova?
- Ah, não estava muito difícil. Se eu tivesse estudado um pouco, teria me saído muito bem!
- Eu disse pra você estudar...
- Acontece que eu não tinha tempo, Digow.
- Mas tempo pra ficar 5 dias na praia você teve, né?
Fiquei calado. Ele me encurralou.
- Deixa isso pra lá – falei. – Vamos ver como me saio. A redação eu tenho certeza que fui bem.
- Meu primo disse que o tema foi fácil mesmo.
- É foi fácil sim. pedia pra gente falar como as pessoas podem conviver com as diferenças. Algo assim.
- Fácil, fácil.
- Verdade.
- Está vindo pra casa já?
- Não! Eu vou pro churrasco na Janaína.
- Ah, é. Você havia comentado. Então beleza, a gente se fala depois.
- Uhum.
- Ah, você pegou o caderno de perguntas?
- Peguei.
- Demorou. Amanhã a gente confere o gabarito na internet,
- É...
- Então tá, Cacs! Bom churras para você.
- Obrigado, Digow. Até mais tarde!
- Caio?
- Oi, Digow?
- Esqueci de te falar uma coisa!
- Que coisa? Está sentindo alguma coisa?
- Eu te amo, tá? – ele falou isso bem baixinho.
- Seu lindo! – fiquei todo cheio de si. – Também te amo, peste da minha vida!
- Se comporta lá no churras, hein?
- Eu sempre me comporto!
- Tchau, Cacs.
- Tchau, Digow.
Só fiz desligar e já liguei pra Alexia. Eu queria que ela fosse na Janaína comigo.
- Oi, gatão – ela me atendeu.
- Tudo bem, gatona?
- Tudo e você?
- Bem também! Já está pronta?
- Pra quê?
- Como assim pra quê, Alexia? Hoje é o churrasco da Janaína!
- Ah, eu não vou não, amigo.
- Não? E não vai por que? Posso saber?
- Não estou me sentindo bem hoje. Estou tristinha.
A voz dela estava mesmo meio acabada.
- Eu não acredito que você está pensando naquele saco de músculos ambulante? – falei e atravessei uma avenida bem movimentada.
- Ah, inevitável.
- Nada a ver. Vamos lá... Ânimo! Você tem que ir na Jana comigo.
- Não, não estou a fim mesmo, Caio!
- Mas se você não for, ela vai ficar chateada com você e eu também ficarei.
- Ah, nem vem com essa agora.
- É verdade, Alexia! Bora, anime-se!
- Falar é fácil, querido.
- Eu sei. Acredite, eu sei o que você está passando, mas você consegue dar a volta por cima.
- Por que diz isso?
- Porque já passei por situações semelhantes há um ano atrás. É horrível, mas acredite: você pode dar a volta por cima.
- E como eu faço isso? Me diz?
- Primeiro de tudo: tome um banho, fique linda, coloque um salto de 20 centímetros e vamos pro aniversário daquela negra azeda. Depois a gente pensa no resto.
Ela deu risada, suspirou e disse:
- Tá bom, tá bom! Você me convenceu!
- Isso mesmo. Que horas a gente pode se encontrar?
- Daqui meia hora, pode ser?
- Onde?
- Onde você está?
- Acabei de chegar na Glória.
- Eu posso ir até o centro e lá a gente pega um ônibus pra casa dela. Pode ser?
- Poder pode, mas você vai chegar em meia hora mesmo? Odeio ficar esperando.
- Prometo que farei o possível. Ou você quer me encontrar em outro lugar?
- Depende. O que é melhor pra você?
- Deixa assim. Eu vou até o centro.
- Onde a gente se encontra então?
- Pode ser em frente ao Banco do Brasil?
- Mas qual Banco do Brasil, minha filha? Sabe-se lá quantos Bancos do Brasil têm nessa cidade!
- O do centro, cabeçudo!
- Mas qual? Tem mais de um ali.
Ela disse qual o banco se referia e eu lembrei dele na hora.
- Ah, já me liguei qual é. Por mim pode ser então.
- Então fechou. Quando eu estiver chegando eu te dou um toque no celular.
- Combinado. Beijo!
- Outro.
Em seguida, eu liguei pro Carlos:
- Oi – ele atendeu prontamente. – Como foi?
- Acho que bem! Tudo bom aí?
- Estou e você?
- Cansado e com fome! Podemos nos encontrar pra ir até a Janaína?
- Onde?
- Eu estou no metrô Glória, vem pra cá? Vamos encontrar a Alexia lá no centro.
- Vou sim! Chego aí em 10 minutos.
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Conforme eu imaginei, a Alexia demorou mais de meia hora para chegar no local combinado.
- Onde você está, vaca? – fiquei irritado.
- No ônibus. Quer oarar de me xingar?
- Quem manda você prometer o que não consegue cumprir?
- Mas eu já estou chegando, é que o ônibus demorou muito!
- Sei! Vai demorar quanto tempo?
- Mais uns 10, 15 minutinhos no máximo.
- Fazer o quê, né? Já que estou na chuva... Mas se passar de 15 minutos não te espero mais!
- Como você é malvado, garoto.
- Sou nada. Odeio ficar esperando os outros.
Ainda bem que ela não demorou mais do que o informado.
- Oi, Carlos – Alexia deu dois beijos no rosto do meu namorado – Eu não sabia que você ia com a gente.
- É, a Janaína me convidou.
- Ah, legal.
- Sabe chegar lá, não sabe? – indaguei.
- Sei. Já dormi na casa dela. Não é longe não.
Essa história de não ser longe é meio relativo. O que pra ela pode ser perto, pra mim pode ser longe e o que para mim pode ser longe, pra ela pode parecer perto.
- Então vamos logo que nós já estamos atrasados.
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A casa estava muito barulhenta. A Alexia tocou o interfone e rapidamente o portão foi aberto. Ninguém nem sequer perguntou quem era. E se fosse um ladrão?
- Que demora foi essa? – a negra estava usando um shortinho tão curto, mas tão curto que se fosse uma mini-saia apareceria até o útero.
- Eu fui fazer neném hoje, lembra?.
A aniversariante abraçou a Alexia, depois o Carlos e por último a mim.
- Felicidades...
- Obrigada! Obrigada por ter vindo.
- A Alexia não queria vir, viu?
- Não? Ela que não viesse, ia receber meia hora de tapa na cara.
Demos risada.
- Seu presente eu entrego amanhã.
- Nem esquenta com isso, amigo. O presente é a sua presença.
Mas eu tinha comprado uma lembrancinha para ela. É claro que eu não ia deixar a data passar em branco.
- Podem ficar à vontade, viu? Não liguem se eu não ficar muito tempo com vocês, é que tem muita gente aqui hoje.
E tinha mesmo. A casa da Jana estava cheia de pessoas.
- Nâo esquenta – falou Alexia. – Vai curtir o seu dia.
- Daqui a pouco eu volto aqui.
Eu pensava que a morena só tinha convidado nós 3 para sua festa, mas me enganei. Pouco tempo depois da nossa chegada, quem apareceu foi o Jonas e duas vendedoras do setor da anfitriã.
- E aí, Jonas? – o cumprimentei. – Não sabia que você ia vir.
- Não ia deixar de comparecer no aniversário da Jana, Caio.
Será que eles tinham algo?
- Tudo bem, Cida? Tudo bem, Francisca?
Eles sentaram na nossa mesa e em seguida, um cara passou com vários espetinhos de churrasco.
- Você aceita? – perguntou o desconhecido.
- Aceito sim, obrigado.
Tirei a barriga da miséria. A carne estava tão boa, mas tão boa que eu não me contentei com apenas um espetinho. Comi vários e nem me importei com o que as pessoas poderiam pensar ao meu respeito.
O Jonas, a Cida e o Carlos ficaram na cerveja. Eu só resolvi beber depois de matar a minha fome.
- Agora sim – Jonas me olhou. – Finalmente aceitou uma cervejinha!
- Precisava comer primeiro, senão ia acabar passando mal. A Duda não vai vir?
- Ela vem só depois que a loja fechar.
- Coitada, não vai aproveitar quase nada.
Mas quem disse que ela não aproveitou? Quando a gerente chegou, a festa estava no auge. Estava rolando o maior som e a Janaína, a Alexia e as outras meninas da loja estavam se acabando de dançar.
- Divertido até, hein? – comentou Henrique,
- Verdade.
Não me importei com o horário. Eu estava gostando tanto daquela festa que por mim ficaria ali até o dia amanhecer.
- Como foi sua prova, Caio? – perguntou Eduarda. Ela estava acompanhada do marido, um homem bem bonito.
- Chata, Duda. Eu acho que fui bem.
- Espero que tenha sido mesmo.
- Como foi o dia, Duda? – perguntou Jonas.
- Ah, vários pepinos lá. Depois eu te conto.
- Não vão ficar falando de trabalho aqui, vão? – perguntou Henrique.
- O Henrique está certo – disse Duda. – Hoje eu quero esquecer que aquela loja existe.
E não é que para a minha surpresa, a minha gerente também bebia? Fiquei espantado quando a vi com uma lata de cerveja nas mãos.
- Duda? Você bebe? – perguntei.
- Claro! Está calor, a festa está boa. Eu quero mais é aproveitar.
Foi bom conhecer o outro lado dos meus patrões. O Jonas fez várias piadas durante a noite e ficou de olho em várias garotas que estavam na casa da Janaína.
Por volta das 23:00, ela resolveu cortar o bolo. Cantamos o tão famoso e esperado “parabéns” e em seguida, a nossa amiga começou a servir todos os convidados.
- E aí, o que estão achando? – ela sentou ao nosso lado.
- Tudo maravilhoso – falou Jonas. – Várias mulheres bonitas, música boa e cerveja. Assim que eu gosto!
Ela deu risada.
- Já trago bolo pra vocês, só um segundinho.
E foi aí que eu me acabei de vez. Bolo de chocolate com cobertura e receheio de chocolate? Quem resistiria?
- Nossa Senhora – Cida arregalou os olhos. – Quem fez esse bolo?
- Foi minha irmã – falou Janaína. – Está ruim?
- Ruim? – Carlos se meteu. – Está divino!
- Parece até feito em uma confeitaria – comentou o marido da Eduarda.
- Sua irmã é uma doceira de mãos cheias, hein? Já pode casar, de preferência comigo – brincou Jonas.
- Não – Jana gargalhou. – Ela só tem 12 anos!
- 12 anos? – não acreditei. – Quem é sua irmã? Me apresenta?
- JAQUE? – Janaína berrou. – VEM AQUI, POR FAVOR?
- Que foi, Jana? – a menina era o clone da irmã mais velha.
- Eles não estão acreditando que você tem 12 anos – explicou Janaína. – Foi você que fez esse bolo, não foi?
- É, fui eu. Não ficou bom?
- Ficou ótimo, linda – falei. – Parabéns!!! Onde você aprendeu?
- Peguei a receita na internet – a menina parecia ser bem tímida. – Minha mãe me ajudou.
- Nossa, você arrasou – falou Alexia. – Me dá a receita depois?
- Uhum.
- Ela não é linda, gente? – Jana beijou a irmã e esmagou a pobrezinha.
- É sim – concordou a maioria.
- Claro que ela é linda, ela é a minha cara – Janaína deu risada.
- Modesta pra caralho você, hein nega? – falou Jonas.
- Nem disfarço, né? Mas fala se ela não é a minha cara?
- Pior que é mesmo – Jonas concordou. – Sua cara.
só saímos da casa da Jana por volta da 1 da madrugada. Ela entregou um pratinho de bolo para cada um e eu estava doido para chegar em casa e saborear mais um pouco daquela delícia que a Jaqueline fez.
- Obrigada por terem vindo – ela falou pela milésima vez.
- Até amanhã, Jana – acenei.
- Até, Caio! Vai pela sombra, viu?
- Pode deixar, o sol está de greve!
- Alguém quer uma carona? – perguntou meu chefe.
- Depende – falou Carlos. – Para onde você vai?
O meu patrão falou o bairro.
- Opa – me interessei. – Vai passar no Realengo?
- É caminho! Vamos aí, parceiro!
- Meu marido e eu vamos para a Zona Sul – disse Eduarda. – Se alguém quiser ir com a gente, tem espaço no carro.
- Eu aceito – Carlos não se fez de rogado.
- Também aceito, chefe – falou Alexia. – Já está muito tarde para ir de ônibus sozinha.
- Então vamos!
As outras meninas foram de ônibus mesmo pois iam pro outro lado da cidade
Todo mundo se despediu e cada um foi para um canto. Eu segui meu patrão até onde o carro dele estava estacionado e me surpreendi, porque pensei que o carro dele era da hora, mas não passava de um Fusca ano 67.
- Entra aí, Caio!
- Nossa, chefe; um Fusca? Não combina nada com você.
- Ah, eu sou louco por Fuscas, mas tenho um Gol do ano passado também. Uso esse daqui só por hobby mesmo.
- Ah, então beleza. Pensei que esse era seu carro do cotidiano.
- Não, Caio. Se eu usar esse carro todos os dias, espanto as gatinhas, cara.
Sorri e fiquei esperando ele dar a partida. O motor era tão barulhento que até incomodava os ouvidos.
Jonas e eu fomos conversando por todo o caminho. Falamos sobre tudo, desde mulheres até futebol. Descobri que ele era torcedor fanático do Vasco.
- Ruim você morar aqui e não conseguir acompanhar seu time – ele deduziu. – Bom seria você torcer para outro agora.
- Não. Estou bem com o Corinthians mesmo.
- Cada um tem o time que merece – ele riu. – Onde você mora aqui no Realengo?
Eu informei o nome da rua e pedi para ele parar ali mesmo. Dali eu poderia continuar a pé sem problema algum.
- Mas você mudou do Catete pra cá? Que longe, hein?
- Pois é, longe mesmo. Infelizmente foi a única casa que encontramos.
- Mora com quem mesmo?
- Com amigos. Em uma repúblia.
- Ah, da hora. São você e mais quantos?
- Mais 7.
- Caralho! Muito macho pro meu gosto.
- Se colocar mulher não dá certo – expliquei.
- Pior que é. Vão querer comer e aí não vai dar certo mesmo.
- Pois é! Pode parar aqui, chefe. Já está bom, já...
- Que nada! Eu te levo até a sua casa. Está tarde e é perigoso.
- Você é foda, Jonas. Amanhã te pago um chocolate.
- Que porra de chocolate que nada, eu quero é uma cachaça!
Caí na risada. Como ele era pingunço!
- Então da próxima vez que a gente sair, eu te pago uma 51!
- Agora você falou a minha língua, moleque.
- Pronto, pronto – falei. – Pode parar! É aqui.
- Aqui onde? Aí é um comércio...
- Isso, mas eu moro aí em cima.
- Ah, é essa casa aí, é?
- Aham!
- Qualquer dia vou vir te visitar.
- Opa, pode vir mesmo.
- Demorou!
- Muito obrigado pela carona, patrão.
- Que nada! Até amanhã, garoto.
- Até amanhã.
Apertamos as mãos e em seguida eu desci. Ainda não estava acreditando que ele tinha um Fusca ano 67.
- Obrigado!
Ele buzinou e saiu. Uma fumaça preta saiu do escapamento do automóvel. Se bem que não dava pra chamar aquilo de automóvel.
A casa estava escura, exceto pela luz da televisão. O Kléber estava deitado no sofá, usando apenas uma samba canção de seda na cor azul-escuro.
- Olá – falei.
- E aí, Caio? Beleza?
- Uhum e você?
- Estou bem! Rodrigo estava atrás de você.
- Ah, é? Sabe o que ele quer?
- Não, mas acho que é por causa do Enem. O Fabrício estava preocupado com a sua demora.
- Ué! E por que não me ligaram? Que bobagem, sei me cuidar.
- Ah, sei lá né? Amigos se preocupam uns com os outros.
- Obrigado pelo recado, Kléber.
- De nada – ele virou e ficou olhando a televisão.
- Você aceita um pedaço de bolo de aniversário?
- Ai – esse “ai” o denunciou de vez. Sabia que ele era do babado! – Sou doido por bolo de aniversário!
- Então vem comer na cozinha!
O pedaço não era pequeno, mas também não era imenso. Não ia dar para todos os integrantes da república.
Eu cortei um pedacinho bem pequeno pra mim e deixei o resto para eles. Só o que não abri mão foi dos brigadeiros e de deixar um pedaço especialmente pro Digow, claro.
- Delícia – Kléber falou com a boca cheia. – Muito bom.
- Acredita que quem fez foi uma menina de 12 anos de idade?
- Caramba! Então ela tem futuro na cozinha.
- Mas a mãe dela ajudou.
- Ah, então está explicado.
- Apareceu a margarida? – Fabrício, Rodrigo e Vinícius entraram na cozinha.
- Oi, meninos – falei.
- Que demora, hein? – reclamou Rodrigo.
- Eu disse que ia para um churras, não disse?
- Que bolo é esse? – Vinícius já se aproximou. – Você fez e não falou nada, foi?
- É do aniversário da minha amiga. Podem comer, já comi o meu.
Só sobrou um micro-pedaço que foi destinado ao irmão do Kléber. Maicon e Éverton ficaram sem nada, coitados.
- Amanhã eu faço um bolo – falei.
- Acho justo – falou Éverton. – Já que eu fiquei sem.
- Por isso mesmo que eu vou fazer.
Quando eu estava terminando de juntar o lixo, senti alguém me abraçando por trás. Não nego que fiquei surpreso e assustado com esse acontecimento:
- Ai, Digow! Que susto!
- Nossa, não posso nem te dar um abraço?
- Pode, seu bobo!
- Amanhã a gente corrige seu Enem, tá?
- Uhum.
Senti o corpo dele esmagando o meu. Era a primeira vez que ele fazia algo do tipo comigo.
- Eu guardei um pedaço de bolo pra você, sabia? – falei baixinho.
- Guardou? – ele pareceu surpreso.
- Claro! Você acha que eu ia te deixar comer só aquele pedacinho pequeno? Deixa eu pegar...
- É por isso que eu te amo, cara! Você é foda, sabia?
- Valeu, mano! Eu também amo você!
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Janaína estava com olheiras na manhã seguinte. Eu dei um abraço na minha amiga e entreguei o presente que havia comprado pra ela.
- O que é isso?
- Abre que você vai ver.
Como não gostava de dar roupas para ninguém, comprei um porta-trecos cor-de-rosa e uma agenda na mesma cor. Disse Janaína que gostou muito do presente:
- Sou louca por porta-trecos e estava precisnado de uma agenda. Como você adivinhou?
- Meu, só precisei olhar pra sua agenda aqui na loja. Estava caindo aos pedaços!
- Às vezes você é sincero demais, Caio Monteiro – ela riu. – Por isso que eu te amo!
- Mas me conte, qual a sensação de chegar aos 40 anos?
- 40 tem a senhora sua avó, filho da puta, desgraçado, viado, nojento!
- Quanto amor, Jana – sorri. – E ainda diz que me ama?
- Amava do tempo pretérito, do verbo NÃO AMO MAIS!
- Então dá aqui a agenda que eu vou entregar pra Alexia.
- Nem sonhando, é minha e ninguém põe a mão!
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Fui o primeiro a entrar no nosso esconderijo. Fiquei encostado na parede. Ele só entrou depois de uns 5 minutinhos.
- Pensei que não ia vir mais – sussurrei.
- Tive que disfarçar, né?
Henrique e eu nos beijamos por muito tempo, mas não fizemos mais nada além disso.
- Preciso ir pra academia – falei.
- Já?
- Já está tarde e você tem que voltar pra loja, vão dar por sua falta.
- Eu disse que ia vir tomar um café.
- Mas esse café não pode durar meia hora, Henrique – apertei o nariz dele.
- Então me dá mais um beijo!
Claro que eu fiz o que ele pediu. O beijo do menino era muito bom e sempre me deixava com gostinho de quero mais.
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- O senhor está atrasado – Wellington me advertiu.
- Estava resolvendo um B.O! Não posso?
- Resolva seus B.Os em outro momento que não seja na hora do treino – ele sorriu e apertou a minha mão. – Como você está?
- Arrependido.
- Arrependido de quê?
- Comi muito nesse final de semana.
- Como assim? Como assim comeu muito nesse final de semana? Quer colocar todo o treino por água abaixo?
- Foi inevitável! Quando vou passar com a nutricionista, hein? Já era para ter passado há muito tempo!
- Eu sei, Caio! Ela pediu as contas, o pai dela continua doente. Vamos contratar um novo profissional, quando for pra passar eu te falo, beleza?
- Coitada. Não sabia que a situação estava tão grave assim.
- Pra você ver. O que está esperando para começar o treino?
- Você me motivar.
- Ah, é? BORA, CAIO!
O Well me animou mesmo. Ele me incentivou a fazer todos os exercícios de forma correta e eu só saí da academia quando acabei toda a minha ficha de treino.
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- Vamos lá – Rodrigo me puxou pelo braço. – Vamos corrigir o seu Enem.
- Já saiu o “garibato”?
- O gabarito? – meu melhor amigo me corrigiu. – Saiu sim, saiu ontem! Vamos lá que eu estou curioso.
Peguei a minha prova e conferi o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio.
- Qual você respondeu na 1?
- Letra C.
- Acertou – disse Rodrigo. Eu coloquei um “OK” na minha prova. – E a 2?
- Letra E.
- Acertou de novo. A 3?
- Letra A.
- Essa você errou...
Quando eu somei os meus acertos quase tive um troço de felicidade. Acertei 46 questões, mais de 50% da prova!
- Até que foi um número bom. Agora precisa ver sua nota da redação – disse Rodrigo.
- A redação eu mandei bem – falei. – Espero que a nota seja boa. Você acha que eu consigo passar no ProUni?
- Sinceramente? – Rodrigo me olhou. – Eu acredito que sim.
- Jura?
- Os seus acertos superaram a minha expectativa – ele abriu um sorriso muito lindo.
- Qual é? Estava duvidando da minha capacidade?
- Jamais. Eu confio em você até debaixo d’água.
- Acho bom!
- E meu abraço? Cadê?
- Vem buscar – provoquei.
Ele me deu um abraço de urso e me fez cair na cama.
- Acho bom você pessar no ProUni, senão eu te mato!
- Mata, é? Essa eu pago pra ver!
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Quando eu abri meus olhos na manhã de sexta-feira, me senti um pouco estranho. Era meu 19º aniversário, mas eu não estava feliz por essa data ter chegado.
- AEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE – Rodrigo foi o primeiro a me abraçar. – FELIZ ANIVERSÁRIO, CAIÔÔÔÔ!!!
- Obrigado – sorri.
- O que foi? Que cara é essa? Por que está desanimado? Hoje é seu dia, tem que estar feliz, irmão!
- Justamente por ser meu dia que eu não estou feliz. Estou ficando mais velho e não tenho ninguém da minha família ao meu lado!
- Como não? – ele me olhou. – E eu? Não sirvo pra nada?
- Claro que serve, bobão.
Ele me abraçou de novo.
- Então anime-se!
- Por que não foi pra aula hoje? – me toquei que ele deveria estar na faculdade naquele momento.
- Eu já fui e já voltei. Tive só a primeira aula hoje.
- Ah! Mas por quê?
- Era prova, entendeu?
- Ah, sim! Legal...
- Quer fazer o favor de se animar? É seu aniversário! Tudo bem que hoje o dia está uma porcaria, mas é seu aniversário!!!
- Por que diz isso? O que tem de errado hoje?
- Está frio e chovendo. Vê se pode, só sendo no seu aniversário mesmo – ele riu.
- Até que enfim choveu nessa cidade – comentei e fiquei de pé. – Onde estão os demais?
- Espalhados por aí. Ei, ei, ei, ei – ele me sinalizou. – Onde pensa que vai?
- Pro banheiro! Não posso?
- Não, não. Antes eu tenho que fazer uma coisa!
- Que coisa? – fiquei curioso.
- Fecha os olhos!
Eu fechei e em poucos segundos senti os lábios dele na minha bochecha. A barba dele estava começando a crescer e me pinicou. Eu fiquei arrepiado.
- Agora sim! Feliz aniversário e não fala isso pra ninguém, tá?
- Seu bobo – eu sorri e fiquei todo feliz. – Obrigadp!
- Finalmente você acordou – Fabrício me encontrou no corredor. – Pensei até que tinha virado a Bela Adormecida.
- Não exagera? – sorri.
- PARABÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉNS – ele me abraçou também. – Que Deus te abençoe, Caio!
- Obrigado, Fabrício!
- Muitos anos de vida, muita saúde, muita paz... Muita mulher...
Caí na risada. Ele quis dizer muitos homens!
- Valeu, mano! Você é demais!
- Parabéns mesmo. Que seu dia seja perfeito.
- Obrigado! Assim seja!
Vini foi o terceiro a me agarrar. Ele foi mais discreto que os dois primeiros, mas também me felicitou bastante:
- E espero que você aproveite bem essa nova fase – ele finalizou bagunçando o meu cabelo.
- Pode deixar que vou curtir muito os meus 91 aninhos.
- Ai, cala a boca – ele suspirou. – Que saudade dos meus 19. Eu tinha umas 7 namoradas nessa época.
- Sei – ri. – Até parece!
- Verdade, sem brincar. Uma para cada dia da semana.
- E você dava conta de todas?
- Sempre! Sempre, sempre. E você sabe muito bem disso.
- Quer falar baixo? – sibilei. – Doido.
- Não tem ninguém aqui. Relaxa!
- Vou pro banho. A gente se fala depois.
- Vai lá 1.9. Aproveita bem o seu dia!
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A minha mesa estava com um monte de bexigas e assim que eu entrei na loja, todos começaram a cantar o “parabéns”.
Fiquei com muita vergonha. Fazia um tempão que não sentia a minha bochecha queimar tanto como queimou naquele momento.
- PARABÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉNS, CAIO! – Eduarda me agarrou com força. – Que dia lindo hoje, hein?
- Obrigado, Duda! Lindo mesmo, fazia tempo que não via tanta chuva nessa cidade.
A minha calça estava um pouco molhada. Ainda bem que eu ainda ia colocar o meu uniforme.
- Muitas felicidades, muitos aninhos de vida, muita paz... E sucesso!
- Valeu, chefona. Você é demais!
A Jana já me agarrou rindo como ela sempre fazia e quando me abraçou, me obrigou a pular em círculos com ela. Eu ri demais.
- Parabéns, franguinho de macumba que eu tanto amo!
- Obrigado, galinha preta de terreiro!
- Qual a sensação de chegar aos 20 anos?
- 20 não amor, é 19 – eu corrigi ao mesmo tempo que ri.
- Puta que pariu, não fala mais comigo!!! – ela saiu andando, mas voltou bem rapidinho.
- Pois é, 1.9!!!
- Que saudade dos meus 19 aninhos...
- Vai me dizer que você também tinha 7 namoradas?
- Oi?!
- Nada. Nada não.
Praticamente todos os funcionários da loja foram falar comigo, inclusive o Gabriel:
- Te desejo tudo de bom, beleza?
- Valeu, Gabo!
- E desejo também que a nossa amizade volte ao normal.
Eu sorri.
- Já voltou, palhaço!
- É sério? É sério mesmo?
- Sério! Mas se você pisar de novo em quem quer que seja, eu quebro o seu focinho, sacou?
Foi um abraço tão forte que pensei que as minhas costelas iam quebrar.
- Não vou mais te decepcionar! Prometo.
- Assim espero, Gabo. Assim espero.
Se a Alexia que era a maior interessada já estava falando com ele normalmente, quem era eu para não falar?
Foi esse saco de músculos que me ensinou todas as táticas de venda que eu sabia. Eu devia muito à ele e isso era inegável.
Quando eu voltei do almoço, a Alexia saiu correndo ao meu encontro, me abraçou e disse:
- Feliz aniversário, gatão!
- Obrigado, gatona!
- Que Deus te abençoe hoje e sempre, viu? Nunca esqueça que eu te amo muito e que sempre serei grata por você ter me indicado essa empresa para trabalhar.
- Obrigado, linda! Desejo tudo em dobro pra você e saiba que eu também te amo muito!
Ela me deu um beijo no rosto.
- Sucesso!
- Valeu...
- Caio? – Henrique tocou no meu ombro.
- Oi? – eu sorri quando me virei.
- Posso te dar um abraço de feliz aniversário?
- Pode!
Sentir o cheirinho do meu namorado me deixou um pouco mais feliz. Ele estava usando o perfume amadeirado que eu tanto gostava.
- Felicidades! Sucesso sempre.
- Obrigado, Carlos!
Nosso abraço não foi demorado como eu queria, mas eu tinha certeza que haveria outro mais tarde.
- CAIO MONTEIRO – Jonas berrou o meu nome no meio da loja.
- AI, JESUS – me assombrei. – O que eu fiz?
- Vem aqui agora! Quero te dar os parabéns também!
- Que susto, Jonas – devo ter ficado branco.
- Parabéns, garotão! Sucesso pra você, cara – meu gerente me abraçou também, mas foi um abraço muito ráoido.
- Obrigado, chefe!
- Muitas mulheres pra você nessa nova fase.
Caí na risada.
- Obrigado, obrigado!
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Pensei que não ia acontecer nada além dos tantos “parabéns” e “feliz aniversário” que ouvi naquela sexta, mas me enganei.
Para o meu espanto, eles organizaram uma festinha na sala de reuniões e ainda por cima, eu ganhei um presente de toda a filial.
- Nossa – fiquei com os olhos marejados quando vi um kit de perfumes do “O Boticário”. – Não precisava, pessoal...
Além desse kit, eu ganhei um relógio da Alexia e um óculos de sol da Janaína. Meus amigos foram mais que demais naquele dia 31 de agosto de 2.007.
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Recebi um SMS do Fabrício. Ele disse que os meninos da loja estavam querendo me ver e depois do expediente, eu tive que dar uma passadinha no meu antigo local de trabalho.
- Pensei que não ia vir – Saionara foi a primeira a falar comigo. – Parabéns, Caio!
- Obrigado, Saionara.
Recebi os cumprimentos de todos os meus amigos, menos do chato do Lucas. Ele continuava sendo o mesmo garotinho de sempre:
- Nossa, você está aqui? – ele perguntou.
- Não! É o meu espírito. BÚ – bufei de raiva.
- Por isso que eu estava sentindo um cheirinho de podre no ar.
- Deve ser as suas penas que caíram por aí e alguém tacou fogo – retruquei.
- Está me chamando de galo ou o quê? – Lucas ficou irritado.
- Não, de galo não. É de galinha mesmo. Ou melhor, de perua! Porque é isso que você é!
Todos deram risada e ele saiu de perto de mim.
- Faça-me o favor! – exclamei. – Que moleque mal-educado!
- Bem que ele merecia ouvir isso, viu? – disse Fabrício.
- Comigo ninguém se mete a besta. Pessoal, obrigado por terem lembrado do meu dia! Agora eu vou pra academia queimar um pouco das guloseimas que ganhei no meu emprego novo.
- Vai lá, Caio – disse Saionara. – E mais uma vez, meus parabéns!
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Henrique me prensou contra a parede das escadas da saída de emergência e me deu um baita beijo na boca. Eu sabia que ele não ia se contentar com aquele abraço que me deu no começo do expediente.
- Agora sim eu posos te parabenizar do jeito que você merece!
- Bobo!
Rolaram vários beijos. Eu não me importei com a academia naquele dia. Eu queria era aproveitar o meu dia, isso sim.
Henrique abriu o zíper da minha calça, colocou meu pau pra fora e começou a me chupar. Não queria que a minha 1ª vez com 19 anos fosse em uma escada de shopping, mas já que ele tinha começado, era bom ir até o fim.
Forcei a cabeça dele pra baixo e senti o orgasmo se aproximar. Gozei tanto que o meu leitinho saiu pelas laterais da boca do meu namorado.
- Agora sim – ele me arrumou e me deu um beijo. – Agora sim eu me dou por satisfeito.
- Uh!
- Preciso voltar, lindão! Eles já devem ter percebido que eu saí da loja.
- Aham. Volta lá! Obrigado por ter vindo aqui...
- Você acha mesmo que eu ia deixar passar em branco?
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- Isso são horas? – Well reclamou.
- Nem enche meu saco hoje, hein? Hoje é meu aniversário!
- É? – ele perguntou. – É mesmo?
- É sim! Lembra não? Está lá na minha ficha de treino.
- Deixa eu dar uma conferida.
Acompanhei o personal até a caixinha onde ficava a ficha de treino dos homens. Ele pegou o meu papel e ergueu as sobrancelhas.
- Ih, é mesmo... Poxa, parabéns então!!!
- Obrigado. Já que hoje é meu dia, vai ter que pegar leve no treino!
- Leve? Eu vou é mudar sua ficha. Já que completou idade nova, vai mudar o treino!
- Isso não é justo! – reclamei. – Eu nem ia vir hoje.
- Se não tivesse vindo, eu iria piorar tudo amanhã.
- Como você é mau, Well! Hoje é meu aniversário, poxa!
- Vem comigo, vou fazer sua ficha nova.
Treinar em dobro bem no dia que eu estava completando 19 anos não foi nada legal.
Wellington me fez suas a camisa no sentido literal da palavra. Ele não só mudou toda a minha rotina na academia como também aumentou o peso que eu ia pegar nos braços e nas pernas. Não que eu não estivesse praparado, mas ele podia fazer isso em outro dia, não podia?
- Esse daqui é para as costas – ele falou. – Senta aí.
Eu sentei e ele me entregou a barra da ferro que eu ia puxar.
- Agora abaixa os braços bem devagar.
- Assim?
- Isso!
- Mas está tremendo tudo aqui...
- Normal. É por causa dos outros exercícios que você já fez. 3 séries de 15.
Como era uma ficha nova, ele ficou comigo a noite toda.
- Agora vem pro abdômen.
- Permanece o mesmo, né?
- Permanece uma ova. Eu mudei tudo.
- Puta que pariu, deveria ter ido pra casa!
- Não reclama e deita aí.
Deitei no colchonete e fiquei esperando as instruções.
- Prende isso daqui nos tornozelos.
- Pra quê? – eram dois pesos de 4 quilos cada um.
- Porque isso também vai trabalhar as suas pernas.
O exercício acabou comigo. Ainda bem que aqueles eram os últimos do dia.
- 5, 4, 3, 2, 1 e acabou! Pode relaxar um pouco.
- Finalmente acabou...
- Ah, antes que eu me esqueça: eu marquei hora com a nutricionista para segunda-feira.
- Marcou? Será que dessa vez vai dar certo?
- Acredite que vai dar certo. Ela se chama Kate.
- Hum, nome internacional – respirei fundo. Uma gota de suor desceu pelo lado direito do meu rosto.
- Gostosa, hein? Segunda eu te apresento.
- É? – isso significava que ele era hetero.
- Uma bunda que me deixou louco!!!
- Sério?
- Opa! Segunda você confere. Esse é o emprego que pedi a Deus. Rodeado de mulher gostosa sempre.
- Besta. Estou liberado?
- Não! Ainda falta eu te dar um abraço de feliz aniversário!
- Mas eu estou suado...
- E eu ligo pra isso? Vem aqui! Parabéns, cara! Sucesso aí nessa nova fase. Espero te ajudar nos seus objetivos aqui na academia.
- Obrigado, Well. Obrigado mesmo. Também espero que você me ajude!
- Agora pode ir curtir o seu dia. Só não vai abusar nos doces, hein?
- Pode deixar que não abusarei.
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Mas quando eu cheguei em casa, um monte de brigadeiros estavam à minha espera. E quem disse que eu consegui resistir?
- Não acredito...
- Caio!!! – Miguel foi falar comigo. – Não sabia que hoje era seu aniversário!
- É sim, Miguel...
- Pô, parabéns cara! Muitos anos de vida aí...
- Obrigado! Muito obrigado. Sabe quem fez esse brigadeiro?
- Rodrigo – ele respondeu de imediato.
- Ah, é? Depois vou lá agradecer!
- Aniversário sem brigadeiro não é aniversário.
- Vou tomar um banho e já volto para comer essas delícias.
- Vai lá, aniversariante!
Quando entrei no quarto encontrei o Rodrigo deitado na cama só de cueca preta. Ele me olhou e em seguida voltou a mirar a tela da televisão.
- Como vai, aniversariante?
- Vou bem, gato e você?
- Miau.
Soltei uma gargalhada. Não sei qual de nós dois era pior.
- Posso saber quem mandou você fazer brigadeiro, hein?
Não sei como ele não quebrou o pé com aquele salto que deu da cama.
- Ninguém, mas mesmo assim eu fiz pro meu irmãozinho aqui.
- Calma, náo precisa quebrar os pés. E quem disse que precisava?
Sempre que eu o via sem camiseta, não conseguia deixar de olhar para aquela cicatriz horrorosa na barriga do coitado do Rodrigo. Era feia demais, tadinho.
- Mas eu fiz! – ele me deu um abraço bem gostoso.
- Vai ficar de cueca mesmo?
- Algum problema? – ele ergueu as sobrancelhas.
- Ficar de cueca na frente de dois gays é pedir pra ser assediado, Digow!
- Quem é o outro gay? – ele arregalou os olhos.
- Ai, pelo amor! – revirei meus olhos. – Vai dizer que você não percebeu?
- O quê? – Rodrigo sentou na minha cama. – Quem é? Me conta, Cacs!
- O Kléber, né? Está na cara que ele é do babado também.
- Jura? Eu pensei que era só grilo dos caras...
- Rodrigo, Rodrigo, Rodrigo... Você é ingênuo demais...
- Sendo assim, vou colocar minha roupinha.
- Na minha frente você pode ficar sem, tá bom? Se quiser tirar essa cuequinha aí também não vou ligar!
- Aham, pode deixar. Nos seus sonhos quem sabe.
Sorri, peguei uma roupa limpa e fui pro banheiro. Queria tomar um banho bem relaxante.
E foi isso mesmo que eu fiz. Entrei, fiquei sem roupa e caí debaixo do chuveiro. Fiquei pensando em tudo o que tinha acontecido naquele dia.
19 anos de idade. 19 anos e mais de 2 longe da minha família. É, havia completado 2 anos que eu estava no Rio e nem sequer me lembrei da data. 2 anos longe da minha família.
Era aniversário do Cauã também. Será que ele tinha ganhado muitos presentes? O que será que os meus pais compraram pra ele? Um carro? Uma casa? Uma viagem ao exterior?
E de mim, será que eles lembraram? Provavelmente não. Ou provavelmente sim. Talvez a minha mãe tenha lembrado. Ela me carregou por 7 meses, me trouxe ao mundo, me deu a vida. Será que pelo menos naquele dia ela tinha pensado um pouco em mim?
E o Bruno? Será que tinha lembrado do dia do meu aniversário? Será que ele tinha lembrado que fazia exatamente 1 ano que ele tinha saído do Brasil e consecultivamente acabado com a minha vida?
Deixei aquela água morna envolver todo o meu corpo e fiquei colocando os pensamentos no lugar. Era meu dia, era meu aniversário, mas me faltava muita coisa. Eu não estava me sentindo completo.
Principalmente amor. Amor de mãe, amor de pai, amor de irmão, amor de quem eu amava e até de quem eu dizia odiar, mas que no fundo, bem lá no fundo, não passava da minha maior paixão e também da minha maior frustração, da minha maior incerteza.
Eu tinha amigos, eu tinha muitos amigos. Rodrigo, Fabrício, Vinícius, Maicon, Éverton, Kléber, Miguel, Janaína, Alexia, Gabriel, Eduarda, Jonas, Carlos, Wellington...
Tanta gente ao meu redor, tanta gente querendo o meu bem e eu me sentindo... Vazio!
Sim, porque eu estava me sentindo vazio. E eu me sentia vazio justamente porque nenhum deles conseguia ocupar as lacunas existentes dentro do meu coração. Pelo menos não naquele momento.
Quem ia conseguir ocupar o lugar da minha mãe? NINGUÉM! Quem ia ocupar o lugar do meu pai? NENHUM DELES. Do Cauã somente o Rodrigo e talvez o Fabrício e o Vinícius. E do Bruno?
Será que o Henrique estava ocupando o lugar do Bruno? A resposta deveria ser sim. Deveria, mas não era.
Acho que só neste momento eu percebi que o meu namorado não substituía o Bruno.
Carlos era meu segundo namorado, mas de jeito nenhum conseguiu ocupar o lugar do primeiro. Ele não tampou o espaço que o idiota do Bruno deixou no meu coração.
Mas por que ele não cobriu esse espaço? Por que ele não se encaixou no abismo que o Bruno deixou dentro de mim?
Eu não tinha respostas para essas perguntas. E não tinha porque eu era completa e irreversivelmente louco pelo Bruno. Louco por aquele desgraçado, louco por aquele destruidor de corações... Louco por aqueles olhos incrivelmente azuis...
- Caio? – era a voz do Kléber. – É você aí?
- Sim – não me dei conta que estava chorando. Minhas lágrimas se misturaram com as gotas do chuveiro.
- Posso entrar? Eu preciso escovar os dentes.
- Entra aí – ele não ia me ver mesmo.
Como o vidro era escuro e não era possível ver nada, eu não me importava em tomar banho com a porta aberta. Só a deixava trancada quando ia fazer outra coisa que não fosse tomar banho ou escovar a dentadura. Nesses casos eles não podiam entrar, não é mesmo?
- Vai demorar muito? – perguntou o rapaz.
- Não – funguei. – Já estou saindo.
Que vazio imenso eu estava sentindo naquele momento. Ninguém estava conseguindo me acalentar. Ninguém estava conseguindo me completar... Mas por quê?!
Desliguei o chuveiro e comecei a me secar. Passei a toalha no meu rosto e suspirei profundamente.
De que ia me adiantar ficar daquele jeito? Eu não ia ter minha mãe, eu não ia ter meu pai, eu não ia ter meu irmão e muito menos o Bruno ao meu lado naquele 31 de agosto.
Eu tinha que me conformar e acima de tudo, tinha que aceitar a minha nova realidade. Não veria meus pais tão cedo ou talvez nunca mais. Meu irmão não queria saber de mim e estava muito bem sem a minha presença por perto. E o Bruno... Ah, o Bruno não era interessado por mim!
Não era interessado porque simplesmente me abandonou. Me abandonou como quem abandona um par de chinelos velhos.
Para que pensar neles? Para que pensar nesses idiotas? Para que sofrer daquele jeito? O melhor seria sorrir, não seria? O melhor seria cantar, não seria? O melhor mesmo, seria ESQUECÊ-LOS não seria?
- Quer saber? FODAM-SE!
- Oi? – Kléber falou com a boca cheia. – Falou comigo?
- Não, Kléber! Não é com você não. Falei sozinho mesmo.
- Ah, tá!
Me sequei, coloquei minha roupa e saí. O menino estava de novo só de samba canção. O corpo dele era bacana até. Poderia ser um pouquinho mais bombadinho. Ficaria mais legal, mas dava um bom caldo de mocotó.
Coloquei minha roupa suja dentyro da máquina, estendi minha toalha no varal e parei na cozinha. A mesa estava cheia de brigadeiros. Eu ia me acabar de tanto comer.
Já tinha provado antes de ir pro quarto e novamente não consegui resistir. Peguei o primeiro e fui logo colocando na boca.
- Hum... – fechei os olhos e deixei o chocolate derreter no céu da minha boca. – Nada melhor que isso hoje!
Todos os marmanjos me acompanharam. Nós comemos tudo e algo estava me dizendo que íamos ficar com dor de barriga depois daquela pequena escapulida.
Fui obrigado a separar uma parte dos doces pra rapaziada que esgava na faculdade. Não era justo que eles ficassem sem nada.
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A balada que a Janaína indicou, ou melhor, o barzinho, era bem aconchegante. Essa era a palavra certa para descrever aquele ambiente. Aconchegante.
O estabelecimento comercial era bem organizado. As mesas eram muito limpas, o chão brilhava, as paredes eram claras e a música de qualidade. Tocava de tudo um pouco. Desde rock até funk. Eu odiei a parte do funk.
Essa foi a ocasião perfeita para os meus amigos do trabalho conhecerem os meus companheiros de república e vice-versa.
- Rodrigo, essa é a Janaína. Jana, esse é meu mano Rodrigo.
- Prazer – eles se beijaram.
- Rodrigo, essa é a Alexia. Alexia, esse é meu mano Rodrigo.
- Olá – a branquela o beijou. – Tudo bem?
- Tudo ótimo.
Deu briga. Logo no começo da noite, o Digow foi falar comigo e disse que queria pegar a Alexia, mas o mesmo aconteceu com o Fabrício. Ele também falou comigo, só que um tempo depois do Rodrigo.
- Putz, vê com o Digow...
- O que tem eu? – ele apareceu.
- Agora ferrou tudo.
- O que foi? – Fabrício e Rodrigo perguntaram em uníssono.
- É que assim, vocês dois estão interessados na mesma garota, entenderam?
- Ah, é? – eles se olharam e depois riram.
- Gostou também, foi? – perguntou Fabrício.
- Adorei! Lindinha, né?
- Demais! Já deu ideia?
- Já e você?
- Também – eles riram de novo.
- O Fabrício já conhecia a Alexia, Digow – comentei.
- Sério?
- É – o homem confirmou. – A gente trabalhava juntos.
- Pô, aí não vale!
Eles que se entendessem. Eu me aproximei da Alexia e cochichei no ouvido dela:
- Você está arrasando corações hoje!!!
- Por que diz isso? – ela já ficou vermelha.
- Porque sim...
A balada de comemoração do meu aniversário e do aniversário da Janaína foi bem legal. Nós rimos, bebemos, comemos, cantamos, dançamos e nos divertimos. Não poderia ter sido melhor que isso.
- Caio? – Henrique me chamou.
- Oi?
- Dorme lá em casa?
- Não posso – falei. – O pessoal vai perceber!
Ele fez um biquinho lindo.
- Não faz esse bico, senão eu não vou me segurar.
- Então não se segura!
- Você sabe que as coisas não funcionam desse jeito!
- Ah... Então tá, né?
- O que você acha da gente ir no cinema domingo à noite?
- Domingo à noite? – ele mordeu os lábios. – Que horas exatamente?
- Umas 21:00?
- Perfeito! Em qual shopping?
- Qualquer um, desde que não seja o que a gente trabalha!
Ele sorriu.
- Pode ser no do Botafogo?
- Perfeito!!!
- Então está combinadíssimo – meu namorado sorriu.
- Então está marcado.
Naquele dia o Jonas não foi com o Fusca e sim com o outro carro que ele tinha. Era muito mais bonito que o primeiro que eu conheci.
- Esse sim é um carro que combina com você – falei sorrindo.
- Gostou? Quer dar uma volta?
- Quem sabe qualquer dia desses?
- Só falar quando quiser.
Sorri. Ele era legal demais.
- Então até segunda! Boa folga.
- Obrigado, chefe.
- Feliz aniversário de novo.
- Muito obrigado!
Quando eu voltei pro bar, percebi que o Digow e a Alexia estavam se beijando em um canto. Fiquei com ciúmes dele, nem sei por qual motivo.
- Dançou? – perguntei ao Fabrício.
- Pois é, mas não tem problema. Já estou de olho em outra aqui.
- Caramba, você é rápido, hein?
O Vinícius estava beijando a namorada, o Éverton estava ficando com uma menina e até a Jana estava atracada com um cara. Confesso que fiquei com vontade de dar uns beijos também.
- Não quer aproveitar a onda? – Carlos perguntou baixinho>
- Adoraria! Quem sabe hoje à noite?
- Hoje?
- Hoje é domingo, cabeção!
- Pra mim só vai ser domingo depois que eu dormir, Caio.
- Bobo – ri.
A noitada só acabou quando o dia amanheceu. Rodrigo, Alexia, Fabrício, Janaína, Maicon, Miguel, Carlos, Kléber e eu assistimos o amanhecer na Praia de Copacabana.
- Tem coisa mais linda que isso? – perguntou a outra aniversariante.
- Tem! – exclamei.
- O quê? Eu desconhecço!
- Eu! – exclemei de novo.
- Ah, por favor, né?
Caí na gargalhada. Acho que a bebida estava subindo pra minha cabeça.
Não estava acreditando que o Rodrigo e a Alexia estavam se acertando. Será que isso ia dar em namoro?
- Tchau, gatão – ela foi se despedir de mim.
- Tchau, gatona. Obrigado por ter vindo, viu?
- Imagina! Adorei tudo. Principalmente o gatinho aí...
Fiquei com ciúmes de novo e novamente não sei explicar o motivo.
- Hum... Até amanhã então!
- Até – ela falou.
- Às 21:00? – Henrique perguntou.
- Às 21:00 – respondi.
- Combinado então. Até mais tarde!
- Até. Bom dia.
- Bom dia – ele falou.
- Ei – eu cutuquei as costas do Digow.
- Hum?
- Gostou da Alexia? Vai continuar encontrando com ela? É namoro ou amizade? Já trocaram telefone? O beijo dela é bom? Eu estou com ciúmes, hein?
- Quer fazer o favor de respirar? – ele sorriu. – Ciúmes de quem?
- De você! De quem mais seria?
- E por que isso agora?
- Não sei, mas estou. Então faz favor de não beijar na minha frente de novo!
- Se você está com ciúmes só porque eu dei uns beijinhos, imagina se eu tivesse transado!
- Não quero nem pensar nessa possibilidade – falei com a cara fechada. – Mas é namoro ou amizade?
- Calma, Caio! Eu acabei de conhecer a garota! A gente ficou, nem sei se vamos ficar de novo.
- Ah, é? Por que? Não gostou do beijo?
- Não é isso, seu curiosinho. Eu nem sei se a gente vai se ver de novo, oras.
- Trocaram telefone ou não?
- Trocamos, mas isso não quer dizer nada. Relaxa, beleza?
- Hum...
- Seu palhaço!
- Se soubesse que você ia ficar com ela, nem a teria convidado!
- Qual é? Vai ficar com graça agora?
- Não é graça, é sério! Eu estou mesmo com ciúmes.
Ele me olhou com um ar de curiosidade. Os olhos Dele estavam brilhando.
- Vem aqui, seu ciumentinho – o Digow me puxou pra um abraço. – Não precisa ficar com ciúmes de mim!
- Hum...
- Te amo, tá?
- Acho bom!
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Acordei com cheiro de carne no ar. Quem será que estava cozinhando?
Como eu já estava meio que íntimo dos novos integrantes da república, não me preocupei em colocar muita roupa. Portanto, fui até a cozinha só com uma bermuda que eu gostava de usar para dormir.
- Bom dia – falei.
- Boa tarde – Éverton me corrigiu. – Como assim? Só acordou agora?
- E por acaso eu fui o último a acordar?
- Não.
- Onde você estava que não te vi mais no barzinho?
- Fui pro motel com a menina que eu estava pegando.
- Ah, entendi. O que está cozinhando aí?
- Carne de panela e arroz de forno.
- E vai demorar?
- Nada. Já está quase pronto.
- Então eu vou escovar meus dentes e já volto.
Motel. Será que esses heteros eram movidos apenas a sexo?
- Posso te fazer uma pergunta? – sondei quando voltei a cozinha.
- Faça.
- Você não namora?
- Uhum.
- E mesmo assim foi pro motel com a menina? – choquei.
- E qual o problema?
- Nenhum – eu medi as minhas palavras. – Nenhum problema.
- Menos mal.
A vida era dele, ele fazia o que quisesse. Senti dó da namorada daquele garoto.
- Vou chamar os caras pro almoço – falei.
- Chama o Maicon também, por favor.
- Pode deixar.
Entrei no quarto, abri a janela e fui chamando os meninos para comer.
- Acordem, acordem – falei. – Hora do almoço!
- Quer fechar essa janela? – Vinícius cobriu a cara com o travesseiro. Aquele delicioso estava só de cueca branca como sempre.
- Que horas são? – perguntou Fabrício, o peladão da turma.
- 16:00.
- Deixa a gente dormir, porra – Rodrigo estava de cueca preta.
- Bom, vocês é que sabem. Tem arroz de forno e carne de panela. Eu não perderia se fosse vocês.
Fui pro outro quarto e chamei os meninos. O Miguel e o Kléber estavam só de cueca. O Maicon estava vestido normalmente.
- Meninos, o almoço está pronto. Tem arroz de forno e carne de panela – avisei.
- Já vou já, Caio – disse Maicon.
Eles foram aparecendo aos poucos, todos com cara de muito sono.
- Precisava ter acordado a gente daquele jeito? – Vinícius reclamou.
- Não seja reclamão – falei.
Ele parecia um pouco bravo. Será que tinha brigado com a namorada?
Quando o Miguel entrou, eu já tinha terminado de comer e já estava lavando o meu prato.
- Sobrou pra mim? – o garoto perguntou.
- Sobrou, mas corre porque já está acabando – falou Éverton.
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Eu me arrumei todo, me perfumei e tentei ficar o mais bonito possível pro meu namorado. Fazia tempo que eu não ia ao cinema e aquela era a primeira vez que a gente ia sair a sós.
Entretanto, antes mesmo de sair de casa o meu celular tocou. Era ele que estava me ligando:
- Oi? – atendi. – Já estou de saída...
- Amor... Eu não estou bem... – a voz dele estava diferente.
- Hã? O que você tem?
- Eu estou com muita dor de barriga!
- Dor de barriga?
- É! Não vou pode ir ao shopping...
- Nossa, mas você está bem?
- Mais ou menos, eu não consigo sair do banheiro! Horrível, sabe?
- Credo! Já tomou remédio? – fiquei com dó.
- Já, mas ainda não fez efeito.
- Quer que eu vá até aí?
- Não, não precisa, lindão! Não precisa mesmo...
- Tem certeza?
- Absoluta! Pode ficar aí descansando ou saia com algum amigo... Eu vou ficar bem!
- Tem certeza, Carlos?
- Absoluta.
- Então tudo bem. Se você precisar de alguma coisa, me liga!
- Desculpa tá, amor?
- Não tem problema! Fica tranquilo.
- Obrigado por compreender. Você é demais!
- Melhoras tá? Fica com Deus.
- Amém, você também!
Que dó. Coitadinho, ninguém merece dor de barriga...
Como eu já estava pronto, não ia perder a oportunidade de sair um pouco de casa. Eu queria espairecer, queria tomar um milk shake e passear um pouco, então resolvi ir ao shopping mesmo sem o meu namorado.
Cheguei lá por volta das 20:30. Comprei o meu sorvete de Ovomaltine, dei umas voltas pelas lojas e por fim, decidi ver o que estava em cartaz nos cinemas.
Nenhum título me chamou a atenção e eu também não queria assistir filme sozinho. Seria o cúmulo da solidão se isso acontecesse.
Então o jeito era voltar para casa. Minha passagem pelo shopping não passou de 2 horas. Antes de sair, eu resolvi ir até o banheiro. Precisava tirar água dos joelhos...
- E o pai, mãe? – eu conhecia aquela voz. – Como ele está?
Será? Será que era o Carlos? Ou será que eu estava ouvindo coisas?
- Ah, é? Manda um beijo pra ele. Ele está aí? Deixa eu falar com ele?
N-Ã-O E-R-A P-O-S-S-Í-V-E-L!!! Eu não estava ouvindo a voz dele dentro daquela cabine no banheiro!!! Não podia ser o meu namorado, não podia!!!
- Pai? Oi, pai! Tudo bem?
Cachorro, desgraçado, filho de uma puta!!! Mentiu pra mim dizendo que estava com dor de barriga, mas na verdade estava no shopping...
- Eu estou bem – ele disse. Era impossível não reconhecer aquela voz. Era ele sim, eu tinha certeza! – Saudades também.
Por que ele mentiu? Por que ele disse que estava doente sendo que não estava? E por que não quis me ver? O que ele estava escondendo?
- Beleza, pai. Eu vou desligar agora, tá? Um beijo! Eu te amo. Tchau.
Esperei pacientemente. Ele ia ter que me dar uma explicação; ah, ia! Abri uma fresta da porta da minha cabine e vi quando ele saiu com a maior cara de saudável.
Era ele mesmo. Idiota, desgraçado de uma figa! Ele estava mentindo pra mim, mas eu ia saber o motivo!
Carlos Henrique lavou as mãos, secou os dedos com o papel toalha e saiu do sanitário. Senti vontade de gritar de raiva. Algo estava me dizendo que havia alguma coisa de muito errado naquela história.
O segui de longe e não precisou de muito para entender o que havia de errado naquela história. Ele estava acompanhado, muito bem acompanhado.
- Que demora, amor – uma loira o abraçou e começou a beijá-lo.
- Desculpa a demora, princesa. Eu estava falando com meus pais no celular.
- Não tem problema!
Eles se beijaram. Que nojo eu fiquei de mim mesmo. Que nojo eu senti daquele verme asqueroso!
Me aproximei muito devagar e fiquei esperando o beijo do casal acabar. Eu estava tremendo, com um frio enorme na barriga e com vontade de socar a cara dele.
Demorou, mas eles se desgrudaram e quando isso aconteceu, eu cutuquei de leve o ombro dele e quando o garoto se virou e me olhou eu disse:
- Oi, AMOR!!! Melhorou da dor de barriga?!

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