Terminei o meu jantar e fui direto pra minha cama.
A solidão estava tomando conta de mim e eu não quis saber de mais nada a não ser da minha cama.
Fiquei assistindo um programa na televisão. Quando o relógio marcou 00:00, os fogos de artifício soaram por todos os lados.
Era natal. Fechei os meus olhos e senti a necessidade de fazer uma oração. Me conectei com a energia superior e pedi tudo o que tinha que pedir, agradeci o que tinha recebido nesses últimos tempos e desejei do fundo do meu coração, que aquele natal fosse cheio de paz para todos que me cercavam.
Dormi pouco tempo depois. Ao redor da minha casa, todos estavam comemorando pois o barulho era grande, mas isso não impediu o meu sono.
Acordei na manhã seguinte me sentindo meio vazio. Essa é a palavra certa: vazio. Foi um natal absolutamente murcho para mim.
- FELIZ NATAL – Alexia me agarrou e me deu um abraço de urso.
- Feliz natal – pelo menos eu a tinha para me fazer companhia na loja.
- Horrível trabalhar esse dia, pelo amor de Deus...
- Eu prefiro trabalhar agora do que no ano novo – comentei.
- Ah, isso eu também...
- Vamos torcer para ser um dia calmo e tranquilo.
A minha teoria não foi 100% verdadeira. Houve momentos de tranquilidade e houve momentos de muvuca.
- Boa tarde – atendi uma cliente.
Ela estava com um vestido branco com bolinhas vermelhas. Um visual horrível porque a mulher estava um pouco rechonchuda.
- Boa tarde. Eu preciso levar um fogão.
- A senhora já escolheu o modelo?
- Quero esse daqui da Consul.
- Por favor, me acompanhe.
Peguei o código do produto e sentei na minha mesa.
- Já é cliente?
- Sou.
- RG ou CPF, por favor?
- Vocês têm pronta entrega?
Ergui as sobrancelhas.
- A senhora quer que a loja entregue hoje? É isso?
- Exatamente.
- Não, não. Não temos essa possibilidade.
- Por qual motivo?
- Porque os produtos saem do depósito e hoje não há funcionamento no mesmo. E ainda se houvesse, seria impossível entregar hoje.
- Mas eu preciso dele hoje, garoto. Como eu vou fazer o meu almoço de natal?
- Infelizmente não há essa possibilidade, senhora. O depósito não está em funcionamento.
- Mas eu quero hoje! Eu preciso desse fogão hoje!
- Senhora, isso é impossível. Não temos como entregá-lo hoje!
- A loja não pode entregar?
- Conforme eu expliquei, o depósito não está em funcionamento e mesmo se estivesse, não teria como entregar hoje.
- Por que não?
- Porque não haveria espaço dentro do caminhão.
- E quando você vai entregar essa porcaria?
- Me informa o seu CEP?
Eu joguei o CEP da cliente na tela e o sistema me mostrou a data mais próxima que poderia ser realizada a entrega do produto dela.
- A data mais próxima que nós temos é dia 07 de janeiro.
- 07 DE JANEIRO? VOCÊ ESTÁ LOUCO? ACHA MESMO QUE EU VOU FICAR SEM O MEU ALMOÇO DE NATAL?
- É a data mais próxima que nós temos – eu suspirei. Já estava ficando irritado.
- EU NÃO QUERO SABER, SE VIRA! EU QUERO ESSE PRODUTO HOJE!
- Impossível. Hoje não haverá entrega na sua residência.
- Está de deboche?
- Não, senhora – fiquei muito irritado. – Eu só estou explicando as regras da empresa. Infelizmente hoje não haverá entrega pois o depósito está fechado.
- SE VIRA! SE VIRA, EU QUERO ELE HOJE E PONTO FINAL.
- Mas infelizmente não terá como.
- EU NÃÃÃÃÃÃÃÃO QUERO SABEEEEEEER – a mulher deu um murro na mesa. – COLOCA ESSA PORRA NAS COSTAS E LEVA PARA A MINHA CASA!
Fiquei chocado. O que ela pensava que eu era? Um burro de carga?
- Algum problema, Caio? – Jonas e Eduarda apareceram para me socorrer.
- Tem um problema sim – a mulher tomou a minha frente. – Esse desgraçado aqui está se recusando a entregar o meu produto!
- Primeiramente vou pedir para a senhora se acalmar – falou Eduarda. – Eu sou a gerente, me chamo Eduarda e nós iremos encontrar uma solução para o seu caso. O que está acontecendo?
- A senhora deseja que o produto dela seja entregue ainda hoje – expliquei.
- Eu exijo que isso aconteça!
- Senhora, isso não vai ser possível – Eduarda sentou ao meu lado. – Hoje não há entrega em nenhum lugar do Brasil por se tratar de um feriado.
- MAS EU PRECIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIISO!
- Eu entendo, compreendo, mas não será possível. Pelo que verifico em sistema, sua entrega será realizada no dia 07 de janeiro.
- EU NÃO QUERO NESSA DATA, EU QUERO HOJE!
- Hoje não tem como e nós já explicamos o motivo – Eduarda foi firme. – Eu não tenho como entregar essa mercadoria hoje.
Foi mais de uma hora de discussão. A velha ficou tão transtornada que eu pensei que ela ia quebrar a loja toda.
- Se a senhora não se acalmar eu serei obrigado a chamar o segurança – falou Jonas.
Eu nem esquentei a minha cabeça. Enquanto eles discutiam, eu acompanhei os pedidos dos meus outros clientes e fiquei no aguardo de uma solução para o caso dela.
- Não há mais nada a ser feito – Eduarda continuou firme. – Já esgotamos todas as nossas possibilidades. Já ofertamos uma retirada de nosso estoque interno, mas a senhora disse que isso não é possível, então sinto muito. Hoje não entregaremos.
- Pede para esse aí levar na minha casa – ela cruzou os braços e ficou olhando pra minha cara.
- Primeiramente, ele não é entregador e sim vendedor. E isso também não é possível, pois ele não é obrigado a fazer isso – disse Jonas. Eu adorei o que ele falou.
- Tudo bem então – a mulher jogou a cadeira para debaixo da minha mesa. – Eu vou tomar as minhas ações.
- A senhora pode fazer o que achar necessário, a posição da empresa continuará a mesma – disse Eduarda.
Ela saiu nos xingando. Jonas, Eduarda e eu nos entreolhamos e ficamos discutindo sobre o assunto.
- Quer uma água, Caio? – perguntou Duda.
- Não, eu estou bem. Obrigado.
- Vai dar uma volta no shopping, Caio – Jonas apertou meu ombro. – Você merece depois dessa senhora...
- Valeu, Jonas. Eu estou bem, acredite.
- Que desgraçada – Eduarda bufou. – Faz um favor, Caio?
- Claro!
- Tira um print dessa tela de entrega dela e me manda por e-mail?
- Como eu faço isso?
- Nunca te ensinei?
- Não!
- Então eu vou fazer, aí você aprende.
- Beleza.
Era super simples. Eu nem sabia que os vendedores tinham acesso a e-mail.
- Guarda essa senha a sete chaves, só você vai ter acesso – disse Jonas.
- Ah, obrigado pela confiança!
Tirando este pequeno contratempo, o meu dia de trabalho naquele 25 de dezembro de 2.007 foi absolutamente normal. Atendi quem tinha que atender, vendi o que tinha que vender, acompanhei o que tinha que acompanhar e esperei o tempo passar.
- Vamos almoçar, Caio? – perguntou Alexia.
- Vamos sim, estou com fome já!
- Até que enfim vamos almoçar juntos, né?
- Verdade, amiga! Nunca fizemos isso desde que começamos a trabalhar aqui.
- Incompatibilidade de horários. Vou avisar ao Jonas que vou almoçar.
- Avisa que eu vou junto, por favor.
Ela foi atrás do nosso chefinho e voltou bem rapidinho.
- Já podemos ir, ele nos liberou. Que babado foi esse com aquela mulher, menino?
- Nem me fala. Ela tentou estragar o meu natal, mas não conseguiu.
- O que eu achei engraçado foi que ela falou que queria o fogão hoje para fazer o almoço de natal. Por que não comprou antes?
- Pois é! Deve ser mentira dela, mal-amada do caramba, queria estragar o nosso dia.
- Eu ainda acho que toda a loja deveria estar de folga hoje, isso daqui está quase sem movimento.
- Na verdade já deu uma bombadinha mais cedo, Alexia.
- Mas nada comparado aos outros dias.
- Isso é verdade. Você vai querer almoçar onde? – perguntei.
- Em algum lugar que esteja vendendo almoço de natal, oras. Não quero comer comida simples no natal.
- Tédio trabalhar hoje, viu?
Mas era melhor estar trabalhando do que estar em casa sem ninguém para conversar.
- Ah, nem me fala – Alexia suspirou. – Era para eu estar com a minha família agora.
Nem falei nada para não dizer besteira. A Alexia ainda não sabia da minha homossexualidade, mas eu estava querendo abrir o jogo com ela o mais rápido possível. Talvez antes mesmo do ano novo.
Por que não naquele dia mesmo? Estávamos sozinhos e seria uma bela oportunidade para abrir o jogo com a minha amiga. Eu achava que ela merecia saber de tudo.
Andamos por toda a praça de alimentação do shopping. Havia várias opções de comidas deliciosas e nós ficamos meio que divididos.
- Se eu pudesse comeria de tudo um pouco – falei.
- Não pode! Agora que você está ficando gostosinho, tem que manter a dieta.
- Já mandei a dieta pro espaço – dei risada. – Só volto com ela no dia 2 de janeiro.
- O seu personal vai brigar com você.
- Vai mesmo, mas eu nem ligo. Vou abusar nesse final de ano, depois corro atrás do prejuízo. E aí, já sabe onde vai querer comer?
- Por mim em qualquer lugar, todas as opções estão boas.
- Então vem comigo, eu adorei um prato que vi ali naquele restaurante.
Escolhi lombo recheado com arroa à grega, feijão tropeiro, churrasco e é claro um bom pedaço de pernil. Eu não era de ferro, tinha que extrapolar mais cedo ou mais tarde e já que aquela seria a minha única refeição do dia, abusei sem pensar nas consequências.
A Alexia foi um pouco mais contida. Ela escolheu chester recheado, arroz branco, feijão carioca, uma salada leve e um pedaço de costela assada. Para sobremesa nós escolhemos pudim de chocolate com cobertura de licor e a bebida foi refrigerante mesmo. Não podíamos beber porque estávamos trabalhando.
- Ainda bem que hoje temos 1:30 de almoço, né?
- É verdade. Alexia, posso te fazer uma pergunta?
- Claro. O que é?
Terminei de mastigar a minha comida, engoli e fui logo ao assunto:
- O que você acha dos gays?
Ela me olhou com cara de curiosidade e disse:
- Adoro, por quê?
- Mas adora em qual sentido?
- Ah, eu acho eles engraçados, sei lá. Eu não tenho nada contra, mas por que você fez essa pergunta?
- Porque eu tenho algo para te contar – não fiz rodeios. Não sei por qual motivo eu estava fazendo aquilo, só sei que senti uma necessidade imensa de abrir o jogo com ela e tinha que ser naquele momento. – Acho que a gente já se conhece há bastante tempo e não acho certo você não saber da verdade.
- Que verdade?
- A verdade sobre a minha vida, a verdade sobre quem sou eu, quem é o verdadeiro Caio Monteiro.
- Como assim, menino? – ela ficou mais branca do que já era. – Não vai me dizer que você é...?
- Gay? Aham, sou sim!
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