sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Capítulo 108

Preocupação. Era a palavra de ordem naquele momento.
Confesso que o meu receio era tão grande que prestei atenção nos mínimos movimentos que o marmanjo fez.
A cada movimento estranho que ele fazia, eu reagia de uma forma. Quandoe ele levantou o braço para coçar a nuca, eu me abaixei muito rapidamente. Estava com medo de ser agredido mais uma vez.
- Calma, por que está assim? – foi o que ele me perguntou.
- Eu disse que estou com medo de sua reação...
- Fica tranquilo, eu não vou fazer nada contra você, Caio!
Não soube o que responder. Apenas abaixei a minha cabeça e fiquei esperando ele falar alguma coisa.
- Isso que você me disse é verdade?
- Sim – confirmei baixinho.
- Porra, nunca ia desconfiar de uma coisa dessas!
- Eu sinto muito não ter te falado nada antes, Fabrício!
- Isso é um direito seu, embora eu ache que você deveria ter me contato há mais tempo.
- Eu sei, eu sei! Desculpa, por favor...
- Tranquilo. Já era mesmo! Juro para você que nunca desconfiei de nada. Você é muito discreto então.
- Eu sou sim – continuei com a cabeça baixa. – Vou te entender se não quiser mais ter amizade comigo.
- Não fica dramatizando não, garoto – ele falou muito calmamente. – Eu posso continuar sendo seu amigo sim, sem problema algum.
Fiquei calado de novo.
- Me conta essa história direito? Ainda têm muitas lacunas na minha cabeça.
- O que você quer saber?
- Como assim, Caio? Eu quero saber de tudo! Absolutamente tudo, oras. Acho que depois de tanto tempo eu mereço, né?
Claro que ele merecia. Eu estava pra lá de constrangido em ter escondido isso do Fabrício por quase 2 anos.
- Minha família é ultra conservadora, Fabrício. Quando o meu pai descobriu a minha orientação sexual, não pensou duas vezes em me expulsar de casa. É por isso que eu estou aqui hoje.
- Que você tinha sido expulso eu já sabia. Já ouvi falar dessa história algumas vezes.
- Fui expulso sim. Vim pro Rio com a cara e a coragem. Cheguei com muito pouco dinheiro. Quem me emprestou foi o meu amigo Víctor. Lembra dele?
- Lembro.
- Ele me acolheu na casa dele quando eu fui expulso de casa. O meu pai me bateu muito, Fabrício. Ele me espancou, praticamente me quebrou todo. Foi horrível.
- Deus do céu! Posso imaginar...
- Daí depois que eu saí de casa, fui morar com o Víctor e pouco tempo depois eu decidi mudar pra cá. Como disse, ele financiou a minha viagem, mas o dinheiro que me emprestou durou muito pouco tempo.
- Onde você ficou antes de morar com a gente? Eu não lembro.
- Em uma hospedaria na Lapa. Horrível aquele lugar. Não tinha televisão, dormia em um quartinho cheio de poeira, sem cobertor... Não tinha água quente, passei muita fome, muito frio...
- Passou fome?
- Muita fome – falei. – Teve uma época que eu me alimentei de bolacha de maisena e água. Àgua era a única coisa que eu tinha, mas porque havia uma pia dentro do meu quarto.
- Caralho, Caio!
- Foi uma situação lamentável. Eu estava no fundo do poço naquela época.
- Putz, e eu pensando que eu tinha problemas!
- Aí em um certo dia eu resolvi sair para procurar emprego. Aliás, eu já estava procurando emprego há muito tempo, desde que cheguei, mas demorei a conseguir.
- Aí você conseguiu lá na Dona Elvira?
- Isso mesmo! Eu fui parar em uma igreja. O padre de lá me alimentou e me apresentou a Dona Elvira. Foi graças a ela que a minha vida melhorou!
- Pelo que você contava dela, acredito que ela seja uma boa pessoa.
- E é mesmo. Ela me ajudou muito. Quando eu estava firme lá no mercadinho dela, surgiu a oportunidade de trabalhar no Call Center e eu aceitei. Ia ganhar mais, ter um dinheirinho extra... E foi lá que eu conheci o Digow e pouco tempo depois ele me ofertou vir morar com vocês e eu aceitei.
- Hum, agora eu entendi direitinho tudo o que aconteceu!
- Tem muito mais...
- O quê?
- Eu conheci um garoto nesse Call Center. O Bruno. Me apaixonei perdidamente por ele. Nunca tinha me apaixonado antes e foi um relacionamento bem complexo o nosso.
- O que ele tem a ver com a gente?
- Em si, nada, mas tem a ver comigo. Com algo que aconteceu e você já vai entender. Como disse, nosso relacionamento foi complexo. No começo foi tudo lindo, mas eu peguei ele na cama com quem eu julgava ser meu melhor amigo...
- COM O RODRIGO?
- Não, Fabrício! Com o Leonardo. Ele também trabalhava no Call Center. Esse Leonardo se passava por meu amigo, mas era uma cobra. Uma cobra coral que queria roubar o Bruno de mim...
- Só pelo o que você me contou já posso imaginar como seja essa pessoa.
- Nem queira imaginar. Não perca o seu tempo com isso. Enfim, eu terminei com o Bruno, fiquei muito mal, mas depois de um tempo a gente voltou.
- E?
- Você lembra que ano passado eu entrei em depressão?
- Sim! Até hoje eu quero entender o motivo.
- O motivo foi o Bruno.
- Por que ele te traiu com o Leonardo?
- Não. Porque ele foi embora para a Espanha uma semana antes do meu aniversário.
- Mas foi embora por quê?
- Só Deus sabe.
- Você não sabe por que ele saiu do Brasil? Que estranho!
- Não, não sei. E hoje em dia não quero saber também.
- Ele não te disse o motivo ou você não quis saber desde o começo?
- Não! Eu queria saber sim. Quis entender tudo o que aconteceu, mas ele não me falou nada. Na verdade, eu nem sabia que ele ia sair daqui. Eu fiquei sabendo através de um amigo dele.
- Nossa! Que garoto idiota, cara.
- Então quando isso aconteceu, eu fiquei muito mal. Muito mal mesmo e até tentei me matar.
- Se matar?
- Sim! Um dia, quando eu estava péssimo demais, eu saí de casa, chorei demais e o desespero foi tão grande que eu tentei me jogar na frente de um ônibus...
-Mas não conseguiu. Quem te salvou?
- O Rodrigo.
- O Rodrigo?
- Ele mesmo. E eu sou muito grato à ele por ter feito isso.
- Mas como ele sabia que você ia fazer isso?
- Ele me seguiu quando eu saí de casa.
- Esse moleque é foda!
- Ele é! Eu amo o Rodrigo demais.
- Está apaixonado por ele?
- Não! – sorri. – Eu o amo como um irmão, sabe?
- Entendi.
- Então esse foi o motivo da minha depressão. Fiquei péssimo por uns 6 meses mais ou menos. Depois disso, já no começo desse ano, eu resolvi dar a volta por cima e consegui. Comecei a trabalhar com você, depois mudei pra loja onde eu estou atualmente... E hoje em dia eu tento viver da melhor forma possível, embora recentemente tenha sido novamente traído.
- Por quem?
- Por um garoto que trabalhava comigo. Ele se chama Carlos Henrique. Nós começamos a namorar há uns meses atrás, mas peguei ele com uma garota um dia depois da comemoração do meu aniversário.
- Uh! Você não tem sorte com aniversários.
- Pois é! Não tenho mesmo, mas isso é só um detalhe. Então, aí eu peguei ele no flagra com a menina e dei uma surra nele.
- Essa eu queria ver.
- Hum!
- Agota sim eu entendi muitas coisas. Eu ficava me perguntando o que acontecia com você, sabe?
- Sei sim... Eu me sinto realmente mal por não ter te falado antes. E mais mal ainda por a gente dormir no mesmo quarto e você não saber de nada.
- Pois é! E eu pelado na sua frente...
- Mil desculpas, por favor! Eu juro, juro por Deus, por mim, por minha mãe que eu nunca quis fazer nada com você! Juro!
- - Ainda bem, viu? Eu ia ficar muito puto com você.
- Eu sei, eu sei, justamente por isso eu evitava ficar perto de você quando você estava desse jeito... Mas eu nunca, nunca mesmo quis fazer alguma coisa com você!
- Tudo bem, eu acredito em você.
- Mesmo?
- Sim! Se você está falando eu acredito, oras.
- Eu não sei nem onde enfio a minha cara...
- Para de bobagem! Já aconteceu e não tem como voltar atrás. Mas eu vou ser sincero: se tivesse me falado desde o início, eu nunca teria ficado pelado na sua frente!
- Eu sei... – estava morrendo de vergonha. – Eu juro que eu não fiz nada, juro!
- Já entendi, Caio! Não precisa se justificar tanto.
- Que vergonha, Fabrício!
- Fica tranquilo. Eu te entendo apesar de tudo.
- Entende mesmo?
- Claro! E também te admiro, viu?
- Hã? Como assim?
- Te admiro por você ter passado por tudo isso e ainda estar aí, firme e forte. Poucos conseguiriam isso.
- Ah, obrigado. Foi e é muito difícil.
- Mas a sua família ainda não te aceita? Mesmo depois de tanto tempo? Já fazem 2 anos, não?
- 2 anos e meio. Saí de casa em junho de 2.005.
- E eles ainda não te aceitam?
- Não – balancei a cabeça e senti uma dor imensa no meu peito. – Quando eu fui para São Paulo em maio, eu fui atrás da minha mãe, mas ela nem quis me ver.
- Sério? Que tenso, cara.
- Foi hprrível. Eu fiquei acabado, literalmente falando.
- Não quero nem saber o que é ser rejeitado pela mãe. Se bem que isso aí não é mãe, né? Mãe não abandona um filho nunca.
- A minha sim. Ela só ama meu irmão gêmeo. Aliás, todos só gostam do Cauã. Sempre foi assim.
- E esse Cauã? Ele também não te aceita?
- Não. Meu irmão e eu não temos uma boa relação.
- Não?
- Não. A gente sempre brigou. Na verdade assim, eram brigas normais de irmãos, mas acho que desde a barriga da nossa mãe que ele não gosta de mim.
- E o que você sente por ele? Por eles?
- Os amo demais. Principalmente a minha mãe e o meu irmão. Meu pai nunca me deu muita atenção, mas ainda assim gosto dele. Mesmo depois dele ter me espancado e ter me jogado pra fora de casa.
- Complicado. A pior coisa que existe é o amor não correspondido, ainda mais dos pais. Eu não quero passar por isso nunca!
- Pois é! Por esse motivo que eu digo que você tem que viajar. Aproveite seus pais enquanto eles são vivos, Fabrício. Aproveite muito, curta bastante. E os ame acima de tudo...
- Vou ser muito sincero com você.
- Não quer mais ser meu amigo, não é?
- Pelo contrário – ele olhou nos meus olhos e transmitiu sinceridade com o olhar. – Se antes eu já gostava de você, agora eu gosto ainda mais!
- Ve-verdade?
- Você não é um homem comum. Você é anormal, você é guerreiro, é batalhador... Está passando por cada uma que eu não sei se seria capaz de aguentar. E o melhor de tudo: está de pé quando você teria tudo para se entregar. Sei lá, você é muito forte, é muito determinado. Eu não sei explicar o que você é, mas você é alguma coisa!
- Já ouvi isso de outras pessoas, mas eu não concordo com a parte do guerreiro. Eu só quero ser feliz, sabe Fabrício? Eu só quero ter amigos, só quero ter um bom emprego, um amor... Eu só quero que as pessoas me aceitem como eu sou! É só isso que eu busco nessa vida.
- E você conseguiu, Caio! Você tem a gente, somos seus amigos, mas também somos sua família. Nós te aceitamos como você é. Com suas qualidades, com seus defeitos, você sendo hetero ou gay... Você é muito querido e tenho certeza que continuará sendo para sempre.
- Nem sei... Nem sei o que falar...
- Não fala nada e me dá um abraço aqui, idiota – ele abriu os braços.
Minha garganta deu um nó e meus olhos ficaram molhados. Foi tudo muito, muito, muito melhor do que eu poderia sonhar.
- Obrigado, Fabrício! Obrigado, obrigado, obrigado!
- Cala a boca, Caio! Não fala nada, você já falou demais.
- Eu já sou muito grato ao Rodrigo e agora serei também à você. O Vini é um caso à parte, mas ele também é porreta...
- Por que ele é um caso à parte?
- Porque ele é uma figura. Eu brinco demais com ele e ele aceita numa boa.
- Ah, é? Nunca vi nada de anormal não...
- Eu sei ser discreto, acho que já percebeu isso, né?
- Agora sim! Nunca sonhei com isso, juro.
- Ainda bem que eu sei manter as aparências.
- Sempre te vi como hetero, jurava que dormia com um hetero, meu...
- Eu sei... Que vergonha!
- Fica com vergonha não, eu não estou preocupado com isso.
- Ainda bem!
- Só vou te pedir para não me atacar enquanto durmo, beleza? – ele abriu um sorriso.
- Ah, pode deixar – eu sorri em resposta. – Não farei isso.
- Vou continuar dormindo pelado por dois motivos. Primeiro: você já viu mesmo. E segundo: não aguento dormir de roupa. Deus me livre. Nem cueca eu uso... Por mim viveria pelado sempre.
- Pode continuar, prometo que vou te respeitar sempre.
- Também te respeitarei, Caio. Sempre respeitei os gays e não será você que vou destratar.
- Te agradeço muito! Que bom que continuamos amigos.
- Claro que continuamos, conte comigo se você precisar.
- Digo a mesma coisa. E continuo afirmando que você deve viajar.
- Não sei. Vou pensar no assunto, eu não quero te deixar aqui sozinho.
- Se você não for, teremos um problema. Eu vou brigar com você e ficarei com raiva. Portanto, vá viajar e curta a sua família!
- Já disse que vou pensar no assunto. Quer jantar?
- Não, não estou com fome. Comi no shopping.
- Ah.
- Mas então, foi hoje que você foi desligado?
- Isso! Hoje de tarde. Você foi o primeiro a saber.
- Que honra.
- Não, não por isso. Só temos nós aqui, lembra?
- Valeu pela parte que me toca então – fiquei emburrado.
- Brincadeira, parceiro. Bom, está cedo, mas eu estou tão cansado que já vou dormir.
- Ah, tranquilo. Eu ainda tenho que tomar uma ducha e depois vou direto pra cama também.
- Nos encontramos no quarto então.
- Nos encontramos no quarto – concordei.
.
Só depois de muita conversa que o Fabrício topou fazer a viagem que tanto desejava. Se ele não fizesse e resolvesse ficar comigo, eu ia me sentir muito mal e também me sentiria culpado.
- Boa viagem – eu apertei a mão dele. – E curta bastante o final de ano!
- Obrigado, cara. Tem certeza que ficará bem sozinho?
- Absoluta – abri um sorriso sincero. – Pode deixar que eu vou cuidar bem da casa.
- Eu sei disso, minha preocupação não é essa! Estou com muita dó de deixar você só nessa casa.
- Eu ficarei bem, eu prometo. Vou passar as festas na casa dos meus amigos, não se preocupe.
- Promete?
- Prometo sim, Fabrício!
- Vou ligar de vez em quando para saber como você está!
- Não precisa perder tempo comigo, mas eu agradeço pela sua preocupação!
- Claro que me procupo com você...
- Obrigado, você é muito gentil... Agora eu preciso ir ao trabalho, tenho um dia longo pela frente.
- Então vai, bom trabalho, fica com Deus e se cuida!
- Pode deixar, irei me cuidar. Obrigado, mais uma vez boa viagem.
- Valeu, mano!
Obviamente que fiz uma promessa falsa. Eu ainda não sabia se ia passar as festas com algum dos meus amigos ou se ia ficar sozinho em casa.
O fato é que ninguém tinha me convidado para lugar nenhum e logicamente que eu não ia me convidar, não é mesmo? O jeito era esperar para ver se alguém ia me chamar para o almoço de natal ou para a virada de ano.
- Que cara de cachorro sem dono é essa? – perguntou Janaína.
- Não é nada. Só cansaço! Você está bem?
- Só o pó da rabiola, meu filho. Minhas costas doem, minhas pernas doem, meus braços doem, minha cabeça doi...
- Quer que eu chame um padre?
- Um padre? Para quê, criatura?
- Para fazer a extrema unção, você está quase na cova, amiga!
- Cachorro, safado, viado do caralho... Eu te mato, vou fazer uma macumba das boas pra você!
- Pode fazer – ri da cara de brava que ela fez. – Eu não tenho medo, sou bem protegido.
- Agora falando sério, você é muito protegido mesmo. Lembra do seu sonho?
- É claro que lembro! Lembro desse sonho sempre que algo de ruim acontece comigo. Lembrei muito quando o Carlos me traiu. Isso de certa forma me conforta, me acalenta.
- E é para acalentar mesmo. Não é qualquer um que tem um sonho desses, Caio. Foi na hora de maior desespero de sua vida que Ela apareceu pra você. Isso é muito lindo!
- Eu sei – senti uma paz enorme dentro de mim. – É lindo mesmo!
- O papo tá bom, mas eu vou trabalhar que isso aqui já está empesteado de clientes.
- Vai lá vender seus guarda-vestidos – dei risada.
- Eu não sei por qual motivo você dá risada. Este termo está bem correto.
- Só aqui no Rio, né? Vou vender a minha linha branca, quem sabe outro cliente resolve comprar 30 produtos?
- Se isso acontecer, considere-se um homem morto. A loja inteira vai ficar com inveja de você.
- Eles já estão. O pessoal do meu setor nem está falando comigo.
- Por que? – Janaína ficou chocada.
- Porque eles alegam que eu fui injusto. Que deveria ter dividido a venda com todos eles.
- Aham, vai sonhando bando de invejoso! Queria ver se fosse um deles se eles iam dividir com você.
- Iam o caralho! Bom, eu também vou vender que já está cheio isso aqui! Bom dia, amor.
- Bom dia, gostoso. Bom trabalho.
- Para nós!
Nenhum cliente comprou mais de 1 produto, mas as vendas foram excelentes. Superei a minha meta individual e isso me deixou extremamente contente.
- Você superou a meta – falou Jonas –, mas não compensou as vendas de ontem.
- Você já disse que eu não bati a meta ontem, mas eu vou recuperar. Tenha paciência, hoje ainda é dia 23!
- Amanhã é véspera de natal, lembre-se que fecharemos às 20:00. Você tem que arrepiar amanhã, hein?
- Eu estou dentro da meta do mês? – perguntei.
- Deixa eu dar uma olhada... – ele colocou os olhos na tela do computador. – Está sim, mas só por causa daquele cliente que comprou a loja toda.
- Salve, Seu Osmar!
- Quero ver como fica em janeiro, hein? Vou fazer um acompanhamento muito efetivo em cima de você.
- Para que tudo isso?
- Quero te ver aqui, no meu lugar.
- Deus me livre três mil vezes, amém! – bati na mesa dele três vezes.
- Não quer crescer?
- Crescer eu quero, só não quero gerência. Obrigado!
- Você diz isso agora, mas mais pra frente vai mudar de ideia.
- Por que diz isso?
- Porque você tem talento pro negócio, só por isso. As coisas vão acontecer naturalmente.
- Se você está dizendo...
- Vai por mim. Acredite em si mesmo. Só vai precisar aprender a ser um líder.
- Se isso acontecer eu quero ser como você e a Eduarda.
- Obrigado – o Jonas até sorriu. – Que bom que você se espelha em mim.
- É um excelente profissional, de verdade!
- Valeu, Caio! Agora vai lá pra sua casa, vai descansar. Amanhã tem mais.
- Vou mesmo, chefe. Hoje eu estou acabado.
- Então bom descanso, Caio. Até amanhã.
- Até amanhã!
- Ah! Amanhã é nosso amigo secreto, não vai esquecer, hein?
- Puta que pariu! – eu dei um tapa na testa. – Eu já esqueci!
- Tá brincando?
- Pior que não... Vou comprar o presente agora!
- O que a pessoa pediu é fácil?
- Ainda bem que é... Deixa eu ir nessa, senão não compro o presente e não participo amanhã.
- Então corre!
- Falou, chefe.
- Falou, Caio.
Mas antes de sair, eu fui me despedir dos meus amigos.
- Até amanhã, patroa.
- Tchau, Caio – Duda parecia extremamente cansada. – Bom descanso, viu?
- Obrigado, linda! Bom término.
- Obrigada – ela suspirou.
- Está tudo bem? – indaguei.
- Tudo. Só estou cansada, só isso.
- Todos nós, Duda. Todos nós.
- A loucura já vai acabar. Só mais uma semana.
- Graças a Deus!
- Não esqueça que você está de folga dia 31, hein?
- Você acha que eu vou esquecer uma coisa dessas?
Ela sorriu.
- Nunca se sabe.
- Agora eu vou nessa, ainda nem comprei o presente do meu amigo secreto.
- É amanhã, compre logo.
- Comprarei agora. Beijo!
- Outro.
Aproveitei que estava perto da telefonia e fui falar com o Gabriel, mas ele estava atedendo 4 pessoas ao mesmo tempo.
- Vai demorar, Gabo? – perguntei.
- Vou, Caio! Já está indo?
- Sim! Você vem amanhã?
- Não, estou de folga. Pedi pra Alexia receber o meu presente.
- Então boa folga e feliz natal.
- Feliz natal, mano!
Não tivemos tempo para confraternização. Ele estava ocupado demais e eu não queria atrapalhar.
- Jana? – dei um cutucão na costela dela.
- Vai embora agora também?
- Sim. Você também vai?
- Nâo aguento ficar mais nenhum segundo nesse lugar. Vamos?
- Só vou me despedir da Alexia.
- Ah, eu também!
Fomos atrás da nossa amiga, mas ela também estava atendendo.
- Alexia? – chamei.
- Já vão?
- Sim – disse Janaína. – Me dá um beijo, amiga. Amanhã eu estou de folga!
- Ah, é mesmo! Então boa folga – as duas se abraçaram. – E feliz natal para você.
- Obrigada, feliz natal também. A gente se vê no dia 26.
- A gente se vê!
- E eu? Não mereço um abraço?
- Ih, como é carente esse menino – ela foi me abraçar também. – Não está de folga amanhã não, né?
- Não. Folgo dia 31 e dia 1º.
- Ainda bem. Não quero ficar sozinha amanhã.
- Nem eu! Beijo, bom término. Arrepia nas vendas, hein?
- Vou arrepiar! Bom descanso.
A Janaína não quis me acompanhar na compra do presente da minha amiga secreta, portanto nós nos despedimos na frente da loja mesmo, porque eu ainda ia ter uma longa andarela pelas lojas atrás do presente da mulher.
- Quem você tirou? – ela perguntou.
- Não vou te contar! Quem mandou você estar de folga amanhã?
- Ah, fala logo, eu quero ir embora!
- Tirei a Gorete do caixa e você?
- Eu tirei a Madalena. O presente dela está aqui, você entrega?
- Claro que sim. E recebo o seu também.
- Obrigada, lindo! Me dá um abraço aqui...
Agarrei a morena e a apertei com força.
- Feliz natal – falamos juntos e depois rimos.
- Obrigada, gostoso!
- Eu que agradeço, gostosa.
- A gente se vê dia 26 – ela tornou a falar isso.
- A gente se vê dia 26 – concordei.
Quando ela foi embora, eu fui atrás do presente da Gorete. Ela pediu um CD góspel cujo nome eu não me recordo. Ainda bem que era fácil de encontrar.
E por sorte eu achei logo na primeira loja que entrei. Nem fiz questão de fazer comparativo de preços, porque estava cansado e queria dormir.
- É só isso? – perguntou a moça do caixa.
- Sim.
- Ótima escolha. Você vai gostar muito – ela sorriu e em seguida disse o preço.
- Não é pra mim, é pra presente. Inclusive, pode embrulhá-lo?
- Ah, sim.
Ela enrolou o CD em um papel de presente vermelho e colocou uma fita onde estava escrito “Feliz Natal”. Achei aquilo um mimo.
- Obrigado. Feliz natal!
- Obrigada! Volte sempre.
Peguei um trânsito horrível e fui obrigado a ficar em pé no ônibus. As minhas pernas estavam gritando de cansaço, tudo o que eu queria era a minha cama e nada mais.
Se em um dia comum eu demorava certca de 1 hora para chegar em casa, naquele dia eu demorei quase o dobro. Talvez mais que isso.
Senti um alívio imenso quando novamente pude sentir o ar fresco da noite e fiquei mais aliviado ainda quando eu vi a portinha da minha casa.
- Graças a Deus – suspirei quando comecei a subir as escadas.
Sozinho. Não havia mais ninguém ali além de mim. A árvore estava lá, acesa e solitária. O meu natal seria com ela e com mais ninguém.
Nennhum dos meus amigos me convidou para a ceia de natal e acredito que isso não ia mais acontecer, uma vez que nós já estávamos no dia 23 de dezembro.
Mas não ia ter problema algum. Dia 24 e 25 eu iria trabalhar, então não ia ter com o que me preocupar. A minha ceia eu mesmo faria e o almoço do dia de natal seria no shopping. E não havia nada demais nisso, eu tinha certeza que ia sobreviver.
Abri todas as janelas da casa para correr um ar e em seguida fui pro meu banho. Deixei a água cair demoradamente sobre o meu corpo, no intuito de relaxar, mas isso não aconteceu.
Estava faminto, mas sem coragem de cozinhar. O Fabrício deixou a casa limpa, não tinha nada para ser feito e como eu não quis fazer comida, fui direto pra minha cama, com um pacote de bolacha recheada nas mãos.
Liguei a televisão e fiquei comendo minha Trakinas de brigadeiro. Estava com tanta fome que o pacote acabou em menos de 20 minutos.
Desliguei a televisão, virei pro lado e fiquei olhando para a cama do Fabrício. Sozinho. Abandonado naquela casa enorme, sem nenhuma companhia, sem nenhum amigo, sem ninguém.
Será que esse ia ser o meu destino? Ficar sozinho pro resto da vida? Então era melhor eu ir me acostumando...
Fiquei pensando em como todos estariam. Rodrigo com toda certeza do mundo estava radiante de felicidade. Ao lado dos pais, da irmã e do cunhado, do bebê deles, dos amigos, dos primos...
Vinícius também deveria estar feliz. Ao lado dos pais e de todo o resto da família. Com relação ao Éverton, Maicon, Miguel e Kléber eu não ia poder julgar pois sabia muito pouco a respeito da família deles, mas com certeza deveriam estar felizes. Quem não fica feliz ao lado da família no natal?
O Fabrício não ia ficar atrás. Ele estava sonhando com a viagem há meses! Com certeza ia aproveitar ao máximo como todos os demais.
E eu? Eu não tinha ninguém. Minha família deveria estar feliz sem mim. Meus pais estavam contentes e o Cauã nem se fala. Lembrar de mim eles não iam, disso eu tinha certeza.
Mais um natal fora de casa. O 3º desde que fora expulso. É, o tempo estava passando depressa.
Fiquei pensando... Casa? Que casa? Aquela não era mais a minha casa há muito tempo. Minha casa era onde eu estava. No Realengo, Rio de Janeiro. Higienópolis, São Paulo fazia parte do meu passado. Um passado que não estava muito longe, é verdade, mas um passado que não iria mais fazer parte da minha vida.
Por mais forte que eu estivesse tentando ser, foi inevitável não chorar. Me senti meio desprezado naquela casa. Sem ninguém para conversar, sem ninguém para rir, para trocar ideia. Até quando isso ia durar???
Se pelo menos eu tivesse conseguido ficar com o gatinho que queria, com o filho da Severina, ele poderia me fazer companhia. Mas nem isso eu consegui.
Já que não tinha jeito, o jeito então era me acostumar. Essa era a minha realidade e infelizmente, por mais que eu quisesse, por mais que eu tentasse, eu não tinha como fugir dela.
.
Chegar na loja naquele 24 de dezembro me deixou desmotivado e sem coragem para fazer nada. Eu estava um tanto quanto triste naquela data comemorativa.
- Pessoal, vamos pro centro da loja – disse Eduarda. – Queremos fazer uma reunião com vocês.
Como a loja ia fechar às 20:00, todos os funcionários escalados iriam fazer o turno completo, ou seja, das 10:00 às 20:00. Por isso, o Jonas e a Eduarda também fizeram esse horário conosco.
A reunião não passou de um agradecimento. Nenhum funcionário faltou e eles alegaram que isso ia ser muito bom e blá, blá, blá. Tudo o que os meus chefes disseram entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Apesar dos pesares, foi um dia produtivo. Pensei que a loja não ia ter movimento, mas me enganei redondamente. Naquele dia eu quase superei o meu recorde de vendas.
A loja fechou no horário, mas nós ficamos para fazer o amigo secreto. Como estávamos todos cansados e com muita vontade de chegar em casa logo, adiantamos tudo e apressamos as coisas ao máximo.
Quem tirou a Janaína foi o Renato. Como eu a representei, peguei o presente da minha amiga, tirei uma foto com o cara e em seguida disse:
- A amiga secreta da Janaína é do crediário...
- Quem será? – falou Jonas.
- Eu não vou falar muita coisa dela porque não a conheço direito, só posso dizer que ela é morena do cabelo enrolado.
- É a Madalena! – alguém exclamou.
- É ela mesmo.
- Eba! – a mulher saiu correndo ao meu encontro, me abraçou, pegou o presente, tirou uma foto comigo e deu continuidade a cerimônia.
Quem me tirou foi a Ingrid. Eu tinha pedido uma agenda de 2.008 e ganhei uma perfeita. Só não gostei da dedicatória que ela fez para mim na primeira página, mas isso é só um detalhe.
- Obrigado, Ingrid! Eu adorei – abracei a menina, tirei uma foto com ela e prossegui com os tranalhos: - A minha amiga secreta é dos caixas e tem nome de uma comediante da televisão.
Todo mundo ficou perguntando quem era e como ninguém conseguiu descobrir eu disse:
- O sobrenome dessa comediante é Milagres. Ela trabalha na “A Praça É Nossa”.
- Quem é, Caio? Dá mais uma dica... – pediu Eduarda.
- O nordão da personagem é: “Ô coitado!”.
- É a Filó! – exclamou Alexia.
- Mas quem se chama Filomena aqui? – perguntou alguém.
- Sou eu – a Gorete deu risada e seguiu pro centro da roda.
- É! É você mesmo!
- Ah, querido! Obrigada, viu?
- Feliz natal, Gorete!
- Pra você também.
- Deixa eu explicar gente – todo mundo ficou fazendo um monte de perguntas. – Eu disse que a minha amiga secreta é xará da atriz que faz a Filó. A atriz que faz a Filó se chama Gorete Milagres, entenderam?
- Que dica difícil – reclamou Alexia.
- Você que é burra e não entende!
Depois que todos pegaram os presentes, nos cumprimentamos, nos abraçamos e fomos embora. Ainda iríamos nos ver no dia seguinte então não houve necessidade de muita confraternização.
- Até amanhã, gatão – disse Alexia.
- Até amanhã gatona.
.
Foi o natal mais triste da minha história. Eu nunca pensei que isso fosse acontecer comigo, mas aconteceu.
Não é que eu estivesse reclamando. Ninguém tinha culpa da minha solidão e ninguém era obrigado a ficar comigo. Eu só estava me lamentando por estar sozinho, só isso.
Quando chegou perto da meia noite, eu não senti a menor vontade de fazer nada. Para que ceiar se eu não tinha companhia? Então lá pelas 22:45, eu cozinhei um macarrão instantâneo e comi ali mesmo na cozinha, sentado na mesa e sem ninguém ao meu lado.
- Feliz natal, Caio Monteiro – falei para mim mesmo.

Nenhum comentário: