Parecia que os segundos eram horas. Esperar aquela ersposta, me deixou extremamente impaciente e também com o coração na mão.
- Não ficaria – ele estava tranquilo. – E nós já conversamos sobre isso antes.
- Tem certeza que não ficaria? E se eu estiver mesmo com vontade de ficar com você?
- Sinto muito, vai ficar só na vontade mesmo. Caio, nós somos amigos, nós somos irmãos e nada além disso. Entendeu?
Então por que ele me olhou tanto naqueles últimos dias? E por que eu estava com uma ligeira sensação que ele estava mentindo?
- Sei que nós somos amigos e irmãos, mas e se o sentimento mudar? E se a gente estiver confundindo as coisas? E se for mais que amizade o que sentimos um pelo outro?
- Da minha parte é só amizade mesmo. Caio, eu sou hetero! Não tenho nada contra os gays, prova é que eu te amo, te amo como um amigo verdadeiro que é... Se eu fosse preconceituoso, nem perto de você eu chegava, não ficaria de cueca na sua frente... Eu sei separar as coisas, entende?
- Não disse que você não sabe separar as coisas... Ah, eu estou tão confuso!
- Eu acho que você está assim porque nesses últimos dias nós ficamos mais próximos. Também sinto uma proximidade maior com você, mas nada além da amizade.
- Desculpa, acho que eu confundi as coisas – fiquei sem jeito.
- Não esquenta, vem cá e me dá um abraço.
Caí nos braços dele e me senti muito protegido. Ele era lindo, perfeito e ainda por cima me entendia... Por que ele tinha que ser hetero, hein?
- Eu te amo, tá bom? – falei.
- Eu também, mano. Acho que você está carente.
- Me sinto tão bem quando você me abraça, sabia? – de repente eu me senti mesmo carente, muito carente.
- Eu posso fazer isso sempre que você quiser.
Por mais que ele falasse que era hetero e que sabia separar as coisas, eu ainda estava achando aquilo muito esquisito. Ele me abraçava tão gostoso... Será que ele faria a mesma coisa com outro amigo?
- Vamos pra faculdade? – ele me olhou.
- Vamos sim. Posso te fazer só mais uma pergunta?
- Quantas você quiser.
- Você faria tudo o que faz por mim para outro amigo?
- Depende. Se esse outro amigo for tão importante como você é pra mim, sim eu faria. Do contrário, não.
- Eu sou importante pra você? – meus olhos ficaram úmidos.
- Muito. Você salvou a minha vida!
- E você a minha!
- Eu acho que é por isso que nós somos tão apegados desse jeito. Não podemos deixar esse sentimento morrer nunca.
- Nunca – eu concordei. – Melhores amigos para sempre.
- Que assim seja – ele sorriu e nós nos abraçamos de novo.
- Lindo!
- Obrigado – Rodrigo riu e deu um tapinha nas minhas costas. – Vamos estudar, jovem universitário.
- Vamos, meu mais perfeito amigo.
Peguei todas as minhas coisas e nós saímos do quarto. A casa ainda estava silenciosa, exceto pelos irmãos que também estavam saindo naquele momento.
- Bom dia – nós quatro nos cumprimentamos.
Digão e eu tivemos sorte. Nosso ônibus passou bem rapidinho e estava ligeiramente vazio, mas não tão vazio assim pois não conseguimos sentar um ao lado do outro.
Quando eu cheguei no meio do caminho o meu celular vibrou. Percebi que ele estava quase sem bateria.
“Bom dia, tudo bem?”.
Foi só isso que o meu admirador secreto mandou. Como eu não estava perto do Rodrigo, não sabia se era ele que estava mandando o torpedo ou não. Fui obrigado a ficar na curiosidade.
“Bom dia. Tudo bem e você?”.
Enquanto não veio a resposta, eu fiquei olhando pela janela. O cara que estava sentado ao meu lado estava dormindo com a boca aberta e por incrível que pareça, ele estava babando. Que nojo!
“Melhor agora falando com você!”.
Me senti lisongeado. Quem quer que fosse, deveria estar muito interessado na minha pessoa para me mandar um torpedo às 7 da manhã.
“Agradeço pela parte que me toca. Não vai mesmo dizer o seu nome?”.
A cada segundo que passava eu ficava mais curioso. Quem diabos seria afinal de contas?
“Não posso dizer ainda, não seja curioso...”.
Impossível não ser curioso com aquelas mensagens misteriosas.
O cara que estava sentado ao meu lado abriu os olhos, fechou a boca e secou a baba discretamente. Eu olhei nos olhos dele e vi que estes eram azuis. Praticamente iguais aos do meu ex-namorado, o falecido.
“Impossível não ser curioso.”.
Foi então que eu parei para pensar no que o Digão me falou. Será mesmo que o tal do admirador era o Vítor? Será que era aquele infeliz?
“Você deve estar lindo com cara de curiosidade.”.
Que tosco. Mas mesmo sendo tosco, resolvi entrar no joguinho dele – ou dela – pra ver até onde essa pessoa era capaz de chegar.
“Quer que eu tire uma foto?”.
Mandei essa mensagem de propósito só para ver a reação da pessoa. Se fosse alguém conhecido e próximo a mim, talvez pela reação da próxima mensagem eu tivesse uma dica de quem poderia ser...
“QUERO!”.
Esse “quero” foi vago demais. Se ele tivesse mandado pelo menos em emotion...
“Vai ficar querendo!”
Eu não ia ser doido de mandar uma foto para um desconhecido.
“Como você é mau...”
Mau? Será? Eu precisava investigar um pouco.
“De onde você me conhece?”
Olhei pro lado e percebi que estava chegando a hora de descer.
“Isso é segredo.”
Segredo? Quanto mistério...
“Já que é segredo, não vou mais trocar ideia com você. Bom dia.”
Mas eu só mandei essa mensagem porque estava na hora de descer do ônibus. Levantei e tive que me virar nos 30 para não deixar os materiais caírem no chão. Eu não tinha mais como adiar: precisava de uma mochila urgentemente.
Rodrigo estava sentado duas cadeiras atrás de mim e quando eu botei os olhos nele, ele guardou o celular. Isso só me deixou com mais indícios ainda de que ele era meu admirador secreto.
- Vamos? – perguntei.
- Sim!
Ele ficou atrás de mim, mas como àquela altura o ônibus estava cheio demais, ele ficou literalmente com o corpo colado ao meu.
- Quer parar de me bulinar? – sussurrei no ouvido dele.
- A culpa não é minha – mesmo sendo brincadeira, ele ficou mega vermelho.
Queria sentir o negócio dele e isso aconteceu mesmo. Um pouco antes do ônibus parar, algo começou a me cutucar bem de leve. Será que ele estava ficando excitado?
Não tive como confirmar isso porque ele estava usando uma calça folgada. Mesmo olhando discaradamente eu não tive como ter certeza se o Digão ficou ou não a ponto de bala.
- O que está olhando? – ele me perguntou.
- Não é nada – desviei os olhos e olhei pra frente. Eu quase dei de cara com um poste.
- Quer quebrar o nariz, é? – ele deu risada.
- Ah, não. Um soco no nariz dói muito.
- Então olha pra frente, doido.
Meu melhor amigo e eu subimos as escadas e como estávamos um pouco atrasados, não tivemos tempo de conversar e fomos cada um para sua respectiva sala.
Fiquei contente em não me perder e mais contente ainda pelo meu lugar estar vazio. Sentei e em seguida fui logo entregando o caderno da Marcela:
- Bom dia, Marcela.
- Bom dia, Caio – ela me fitou. – Tudo bem?
- Sim e você? O seu caderno...
- Ah, obrigada. Conseguiu terminar tudo?
- Não. Só consegui fazer a matéria de Economia.
- Ah, essa vai ser a nossa primeira aula hoje. Anotou os horários?
- Não...
- Se quiser pode levar hoje de novo.
- Ficaria grato – fiquei sem graça. – Muitíssimo obrigado.
- Disponha!
O professor de Economia se chamava Joaquim e era um velhote com seus 50 e poucos anos. Ele tinha a aparência bem cansada.
A aula foi extremamente chata. O professor pediu para nos juntarmos em trios para discutirmos o capítulo 3 do livro de Economia. Eu não entendi foi nada.
- Você está boiando, né? – a Jéssica perguntou.
- Quase literalmente falando.
- É porque você perdeu os 2 primeiros capítulos. Economia é uma das matérias mais legais.
- Ah, é?
Não era o que parecia, mas tudo bem.
Fiquei com um sono descomunal. A cada 30 segundos eu bocejava e isso já estava me deixando irritado.
- Vai lavar o rosto – Marcela me aconselhou.
- Não, já vai passar.
Arregalei os olhos e senti os mesmos arderem. O sono tinha mesmo tomado conta de mim.
- Para a próxima aula, eu quero um resumo do capítulo 3. Vale nota para a P1 – informou o Profº Joaquim.
Dei graças à Deus quando ele foi embora. Quando peguei o meu celular, notei que havia uma mensagem não lida:
“Então é assim? Não pense que eu vou desistir tão facilmente, viu? Eu sou muito persistente com as coisas que eu quero. E eu quero VOCÊ!”.
Ui... Ele me queria? Mas quel era ele? Não resisti e comecei a digitar a resposta, mas antes de terminar, o aparelho tocou. Era mais uma mensagem dele:
“Não vai mesmo falar comigo? Olha que eu vou mandar mensagem até você me responder, hein?”.
Que chantagem barata.
“Estou na faculdade. Você pode me dizer qual é a sua idade?”.
Será que eu tinha dado bracha falando que eu fazia faculdade? E se fosse um sequestrador querendo me raptar?
- Fui longe agora, hein? – ri sozinho.
“A minha idade? Isso é mesmo importante?”.
Se eu estava perguntando...
- Bom dia, pessoal – era a Profª Marília.
- Matemática de novo? – fiquei horrorizado.
“Se não fosse importante eu não teria perguntado.”.
Acho que fui grosso demais com o menino...
“Eu tenho mais de 20 e menos de 30.”
Mais de 20 e menos de 30? O Rodrigo estava nessa faixa etária. Tudo me fazia crer que era ele mesmo.
- Será? – mordi a tampa da minha caneta e fiquei de olho na professora.
- Abram os livros no capítulo 2 – mandou a mestra.
- Caiô? – Marcela sorriu. – Cola na grade, querido.
Até ela me chamando de Caiô? A moda pegou!
- Valeu pela ajuda – agradeci com sinceridade.
Mas aquilo não podia durar pelo resto do ano, então ainda naquela aula eu fui falar com a professora para saber como eu fazia para solicitar os meus livros:
- Professora?
- Hum? Você é novo?
- Sou sim... E queria saber como eu faço para solicitar os livros?
- Como se chama?
- Caio.
- É fácil, Caio. Você pode solicitar pela central do aluno no site da faculdade.
- E como eu faço isso?
- Ainda não acessou a sua central do aluno?
- Não – respondi. – Eu nem sabia que tinha uma central.
- Todos têm – a mulher sorriu. – É fácil, é só você colocar o número do seu registro e a senha e lá você encontra o link para solicitar.
- E qual é a senha?
- As instruções estão no site. Eu não sei informar qual será a senha porque ela não é padronizada.
- Ah, entendi. E eu posso solicitar de todas as matérias?
- Pode sim. Lá tem todas as instruções. Peça logo, você vai precisar.
- Pedirei ainda hoje. Obrigado, professora!
- Por nada. Está gostando do curso?
- Estou sim – só não gostei da aula dela, mas tudo bem. – Porém ainda estou um pouco perdido.
- Logo, logo você acostuma. Se precisar de ajuda é só falar.
- Muito obrigado.
- Disponha.
Eu me virei e fui para o intervalo. Mais uma vez o Digão estava me esperando na frente da minha sala.
- Oi – abri um sorriso. – De novo me esperando? Você é foda...
- Não posso? Está com vergonha de mim?
- Como você é idiota, Rodrigo – dei um soco no peito dele.
- Que demora foi essa? Demorou de novo.
- Eu estava trocando ideia com a professora. Ela me explicou como eu faço para pedir os meus livros.
- Ninguém tinha te explicado?
- Não, nem um amigo que eu tenho chamado Rodrigo.
- Você por acaso me perguntou alguma coisa?
- Não, mas bem que você poderia ter me auxiliado.
- Dramático. Não se perdeu nada, hoje à noite a gente solicita.
- Certeza que sim.
- Fazendo sucesso com esse look?
- Até agora nada de anormal. Ainda não vi ninguém me olhando não.
- Então você está bem distraído, porque por onde você passa as meninas te olham.
- Hã?
- Presta atenção.
Digão e eu continuamos andando, mas eu não vi nada de anormal. Por onde eu passei, ninguém me olhou. Acho que ele estava vendo coisas.
- Não vi nada de anormal – falei.
- Presta mais atenção, Caio!
Ele só poderia estar brincando comigo. Ninguém me olhou, ninguém foi falar comigo. Isso me deixou desmotivado.
- Vamos comer alguma coisa?
- Não posso – falei. – A não ser que seja um lanche natural.
- Fresco! Tem lanche natural na cantina.
- Então vamos porque eu estou com fome.
A fila estava gigantesca e me deixou até com preguiça de enfrentá-la.
- É sempre assim? – cruzei os braços e olhei pro Rodrigo.
- Não... Às vezes é pior.
- Deus é mais, deu até preguiça de enfrentar isso aqui. Está pior que INSS.
- Não exagera, garoto – ele riu.
- Oi, Rodrigo – uma menina se aproximou dele e deu dois beijinhos no rosto do meu amigo.
- Oi – esse “oi” do Digão foi aquele “oi” cumprido. Deu pra perceber que ele ficou contente ao ver aquela vadia.
- Seu amigo? – a vaca me olhou.
Já fiquei morrendo de ciúmes do meu melhor amigo. quem era aquela prostituta?
- Meu irmão – falou Rodrigo. – Esse é o Caio. Caio, essa é a Gaby.
- Tudo bem? – ela me beijou. Senti vontade de mordê-la para ela se afastar do meu amigo.
- Bem e você?
- Bem obrigada. Você é novo aqui, não?
- Meu 2º dia – respondi.
Tentei disfarçar a raiva que estava sentindo. Não sei porque fiquei assim, mas fiquei. Esse “oi” que ele deu, me deixou com muita raiva.
- Eu posso ficar aqui na fila com vocês? – a quenga perguntou.
- Lógico que pode, gata – Rodrigo sorriu. Ele estava todo entusiasmado com a presença dela ali.
Poder, poder, poder ela não podia. O certo seria ela ir pro final da fila, mas... Eu relevei.
Quando chegou a minha vez, eu pedi um lanche de peito de peru e um suco de melancia. Paguei a conta e procurei uma mesa para sentar, o que foi difícil de encontrar.
Digão e a Gaby apareceram na mesa em seguida.
Comi em silêncio. Não falei nada e deixei os dois conversarem à vontade. Dei corda para o safado se enforcar. Eu fingi que não estava prestando atenção no que eles estavam falando, mas só fingi porque ouvi a conversa do começo ao fim:
- Quando a gente vai sair, hein? – ele perguntou.
- Quando você marcar alguma coisa!
- Quando eu marcar? Eu sempre marco e você só dá pra trás!
- Mentira sua, Diguinho! O problema é que você marca para dias que eu não posso sair.
DIGUINHO? Senti vontade de jogar meu suco na cara daquela rapariga!
- Que dia você pode então? – ele perguntou.
- Vou ver e te mando mensagem.
- Olha que eu vou ficar esperando, hein? – ele riu.
- Pode esperar, gatinho. Eu sempre cumpro com as minhas palavras. Agora eu vou ficar lá com minhas amigas, tá bom?
- Beleza, Gaby. A gente se fala então. Vou esperar a sua mensagem.
- Pode esperar. Tchau, Caio.
- Até mais – falei.
Quando o Rodrigo olhou pra mim, eu estava com os braços cruzados, com as sobrancelhas unidas e estava batendo o pé esquerdo no chão. Senti vontade de chutar a canela dele.
- Quem é essa periguete?
- Periguete? – ele ergueu as sobrancelhas. – A Gaby não é periguete!
- Imagina, eu que sou! Quem é ela? É da sua sala?
- Não, ela faz Biologia. Por que a pergunta? E por que está chamando a menina de periguete?
- Porque ela é periguete – eu apertei os dentes uns contra os outros. – E você já quer pegar, né?
- Lógico! Você viu os peitos dela?
- Vi, quase estavam pulando para fora da blusa. Vaca!
- Adoraria que pulassem nas minhas mãos – ele sorriu e coçou a nuca com os olhos fechados.
Não resisti e chutei a canela dele.
- AI – ele arregalou os olhos. – Você é louco?
- Louco não, sou ciumento. É diferente.
- Está com ciúmes? – ele começou a rir.
- O que você acha? – eu levantei da mesa e joguei a minha sujeira no lixo, que estava bem pertinho de mim.
- Essa pancada doeu. Se a minha perna ficar roxa, você vai me pagar.
- Quem mandou você ficar trocando ideia com essa rapariga?
- Eu não sou sua propriedade, Caio Monteiro – ele estava sério.
- Infelizmente. Queria eu que fosse.
- Ciumento desse jeito? Eu é que não quero ser, obrigado.
- Sou ciumento mesmo – bufei e coloquei a cadeira embaixo da mesa. – O que faço com esse prato?
- Deixa aí que eles vêm pegar. Ciumentinho!
- Você vai ficar com ela? – eu perguntei depois de uns 2 ou 3 minutos.
- Se ela der chance, sim. Ela é muito linda.
- Quantas você já pegou nessa porcaria de faculdade?
- Desde que eu entrei aqui ou só nesse ano? – ele sorriu.
- Como assim? A lista é tão grande desse jeito?
- Não muito. Devo ter ficado só com umas 24 ou 25.
- TUDO ISSO? – eu parei e olhei pra cara dele.
- São 3 anos de faculdade... Não é um número grande comparado com os outros meninos. O Vini já passou de 40.
- Pouco me importa, o problema aqui é com você!
- Qual o problema?
- Como qual o problema, Digão? E todas foram pra cama com você?!
- Claro que não! Só metade – ele caiu na gargalhada.
Eu não achei a menor graça.
- Brincadeira, Caio. Só levei 7 pra cama até agora.
- Só SETE. Pouca coisa!!! – bufei. Eu estava roxo de ciúmes, de verdade.
- Qual é? Acha que vou virar padre? Tô fora! Não sou de ferro, sou de carne e osso.
- Não estou gostando nada, nada desse assunto. Vou pra minha sala.
- E eu pra minha. Se cuida, viu? Ciumentinho...
- Olha quem fala, né?
- Eu não sou ciumento.
- Claro que não é. Fui eu que fiquei com ciúmes do Víctor quando ele veio me visitar.
Digão ficou calado e vermelho.
- Até a saída – falei.
- Até.
Eu exagerei um pouco, mas estava com ciúmes dele sim. Acho que eu estava mesmo sentindo algo diferente pelo meu melhor amigo, mas eu tinha que ser cauteloso.
Ele demonstrou claramente que não estava a fim de mim. Talvez só o que estivesse rolando fosse uma carência de ambas as partes. Mas bem que eu poderia aproveitar aquela carência para tirar uma casquinha dele, né?
NÃO! Não podia fazer isso porque corria o risco de estragar a minha amizade. Mas ao mesmo tempo, se eu não aproveitasse a oportunidade, nunca provaria o sabor do beijo dele e também nunca ia saber se ele tinha pegada ou não.
Só nesse momento eu percebi que estava entrando em um campo minado. Tinha que ser extremamente estrategista para saber se ele estava a fim de ficar comigo ou não. Como disse, talvez fosse só carência, afinal ele demonstrou mais que claramente que o negócio dele era mulher.
Eu precisava andar mais com o Vinícius, o Fabrício e o Rodrigo. Só assim eu ia saber os papos de heteros que eles falavam. Não sei por qual motivo eles desviavam o assunto quando eu estava por perto.
No quarto, até aquele momento, não tinha presenciado muitas conversas sobre mulheres. E era isso que eu queria ouvir para saber dos rolos dos 3.
As duas últimas aulas foram de Contabilidade. Mais números para a minha cabeça. Fiquei novamente desmotivado.
A professora se chamava Lúcia e era uma senhora muito culta e bem arrumada. Ela estava usando um conjunto social muito elegante e estava usando sapatos de salto alto.
- Contabilidade é uma das aulas mais dinâmicas e divertidas que temos – disse Marcela.
- Ah, é? Por quê?
- A Profª Lúcia é extremamente divertida.
- Não parece.
- Mas é.
Eu o encontrei na escada. Rodrigo estava trocando ideia com um cara. Pelo menos dessa vez não era uma periguete.
- Caio esse é o Leônidas, ele estuda na minha sala. Léo, esse é meu melhor amigo, Caio. Ele mora comigo.
- Tudo bem? – apertamos as mãos.
Não era um cara chamativo. Ele era bem comum e não me interessou nadinha.
- Então a gente se vê amanhã – falou o moleque ao meu amigo.
- Beleza. Até amanhã e não esquece de fazer o trabalho.
- Pode deixar.
- Que trabalho? Já tem trabalho? – perguntei.
- Claro. Isso aqui é faculdade, cara. E aí, arrasou muito com as gatinhas hoje?
- Sai fora!
- Pois você chamou a atenção, viu? Uma menina que eu peguei queria ficar com você.
- Quer parar de mentir?
- É verdade! Eu não estou mentindo.
- Sei.
- Te juro, amanhã eu te apresento.
- Hã? E o que ela disse? – eu não estava acreditando nele.
- Perguntou quem era você, como se chamava, qual a sua idade e disse que você é muito gostoso – ele sorriu.
- E o que você respondeu?
- A verdade, que você é o Caio, meu mano e que tem 19 anos.
- Hã? E ela?
- Disse que é pra bolar um esquema pra vocês ficarem.
- Hã? E você não falou que eu não gosto disso?
- Não! Isso quem vai falar é você.
- Eu? Por que eu? Por que não fala você?
- Porque ela vai pensar que eu estou mentindo. Simples assim.
- Eu sei que sou discreto, que não parece que eu sou viado, mas por que ela vai desconfiar da sua palavra?
- Porque vai. Ela vai pensar que você não quer ficar com ela.
- E não quero mesmo, obrigado.
- Nem um beijinho?
- Nem um beijo no rosto.
- Nem um selinho? – ele sorriu.
- Não. Que nojo!
- E se você experimentar? Vai que gosta.
- Já experimentei em uma fase da minha vida e não gostei. Não vai ser agora que eu vou gostar.
- Tem certeza?
- Qual é, mano? Está tentando fazer com que eu vire hetero?
- Não seria má ideia – ele coçou o queixo.
- Ah, é? Então eu vou tentar te fazer virar gay!
- Vou te trancar num quarto com 10 mulheres peladas.
- E eu te tranco em um com 20 homens pelados!
Ele riu e eu acabei rindo também.
- Deus me livre – falamos juntos e rimos mais ainda.
- É só brincadeira, tá bom? – Digão passou o braço pelo meu ombro. – Sabe que é brincadeira, não sabe?
- Sei e é por isso que eu não vou brigar com você!
- Já passou o ciúme da Gaby?
- Já sim. Desculpa, eu exagerei um pouquinho.
- Quer saber?
- Hum?
- Eu amei te ver com ciúmes de mim – ele sorriu.
- É? – abri um sorriso também.
- Sim! De verdade, gostei muito. Achei super fofinho...
- Que lindinho!
Fiquei realizado com aquela frase dele. Nunca imaginei ouvir aquilo da boca do Digão.
- Deus, dai-me coragem para enfrentar a academia.
- Você já marcou com a nutricionista?
- Marquei, vou passar hoje com o médico e a nutricionista.
- A dieta que ela vai te passar vai ser ruim no começo, mas depois acostuma.
- Eu sei, estou pronto para enfrentar tudo.
- Então boa sorte. Eu não vou te esperar então, já que você ainda vai passar com os médicos... A gente treina junto amanhã.
- Beleza! Bom treino, mano.
- Obrigado. Até mais tarde.
- Até!
Quando cheguei, as meninas estavam almoçando. Falei com o Jonas muito rapidamente porque aparentemente ele estava em um dia turbulento.
- Desculpa não te dar muita atenção, eu tenho que resolver um problema de imprensa.
- Relaxa, Jonas. Mais tarde a gente conversa.
- Beleza, Caio. Bom trampo.
- Pra nós!
Meu 2º dia no colchões e estofados foi melhor que o primeiro. Consegui vender mais e fiquei um pouco mais conformado de ter saído da linha branca.
- Lindo – Alexia me agarrou. – Que saudadinha!
- Eu também, amor. Ontem a gente nem conseguiu se falar.
- Verdade. Como você está aqui?
- Bem e você lá?
- Bem também. É uma delícia vender linha branca, eu estou gostando muito.
- É bom não é? Você vai amar aquele setor.
- Nunca vou cansar de te agradecer pelo que você fez por mim.
- Não precisa agradecer, eu fiz de coração.
- Sei disso!
- E o seu tio?
Ela desfez o sorriso e suspirou.
- Na mesma. Os médicos falaram que estão fazendo tudo o que podem para salvá-lo, mas as esperanças são poucas.
- Você terá que ser forte – eu segurei na mão dela.
- Eu estou tranquila, sei que quando ele partir, vai ser muito melhor. A minha preocupação é a minha mãe. Ela vai ficar desolada.
- Vai mesmo. Ela terá que ser forte também.
- Ah, Caio! Você sabe que para as pessoas mais velhas é sempre mais difícil encarar as perdas, né?
- Verdade. Amigaaaaaaaaaaaaaaaaaaa – eu coloquei a mão nos lábios. – O que você achou do babado do Gabo?
- Caio Monteiro do céu, eu fiquei passada na chapinha como diz Janaína Santos! Menino, que babado foi esse?
- Nem me fala, amiga. Eu fiquei rosa choque cintilante com o escândalo que foi aqui.
- Eu fiquei sabendo. Eu acho é pouco – ela bateu o pé no chão. – Benfeito. Me largou por causa dessas piranhas, olha só no que deu. Tomara que a Evelin também apareça grávida de quíntuplos!
- Nossa, amiga. Agora você foi má, hein?
- Quando eu sou boa, eu sou boa, mas quando eu só má...
- Você é melhor ainda – completei a frase dela e caí na gargalhada.
NO DOMINGO...
Recebi tantas mensagens do tal admirador no meu celular, mas tantas mensagens que fiquei até cansado de tanto respondê-las.
Trocamos muita ideia. Muita mesmo. Falamos de praticamente tudo, mas em nenhum momento eu falei sobre a minha intimidade, afinal eu não sabia quem era.
Eu ainda tinha as minhas dúvidas se era ou não o Rodrigo, mas algo dentro de mim gritava, pedia para eu averiguar se não se tratava do Vítor.
Por esse motivo, no domingo de manhã eu acordei mais cedo que o normal só para ir até Ipanema conversar com o garoto. Eu queria que ele me falasse se era ele ou não que estava fazendo aquelas brincadeirinhas idiotas.
- VÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍTOR? – chamei no portão da casa dele.
Ainda bem que a casa estava barulhenta. Fiquei com medo de acordar as pessoas porque ainda era um pouco cedo demais.
Toquei a campainha, mas esta estava quebrada. Então o jeito foi me esguelar mesmo.
- VÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍTOR?
- Pois não? – uma mulher jovem saiu para a garagem.
- O Vítor está?
- Quem gostaria?
- Caio.
- Só um momento, Caio.
- Obrigado.
Eu me virei para trás porque alguns garotos estavam jogando bola na rua. Fiquei olhando e um me chamou um pouco a atenção.
Ele era alto, branco como leite e com o cabelo arrepiado. O menino estava sem camisa e me lembrava muito uma pessoa, mas eu não sabia quem.
- Caaaaaaaio? – Vítor abriu o portão. – Que surpresa boa você por aqui...
- Tudo bom, Vítor?
- Nossa eu estou ótimo e você?
Ele apertou a minha mão e em seguida me deu um abraço rápido.
- Estou bem, obrigado.
- Que bons ventos o trazem por aqui? Vamos entrar?
- Não, não obrigado. Eu preciso ir embora.
- Como assim você vem e já tem que ir embora?
- Preciso dar uma passada na praia, estou precisando ver o mar, conversar com ele para pedir um conselho.
- E desde quando o mar fala, Caio? – Vítor riu.
- Comigo é como se ele falasse. Eu só preciso tirar uma dúvida.
- Que dúvida?
- Vou direto ao ponto, promete que me fala a verdade?
- Claro! O que é?
- É você que está me mandando mensagem de um número diferente daquele que você me passou?
Ele me fitou, mas não esboçou nenhuma reação. Nesse momento eu analisei profundamente o semblante do Vitor para saber se ele iria esconder a verdade de mim.
- Não! Eu nem sei do que você está falando!
- Não mesmo? Não está mentindo pra mim?
Os moleques que estavam jogando bola estavam fazendo muito barulho.
- Não, eu não estou mentindo. Por que pergunta isso?
- Porque tenho motivos pra pensar que é você. Está me falando a verdade? Não está me mandando mensagens falando que é um tal de admirador secreto?
- Lógico que eu estou! Juro por Deus, juro pela minha mãe que eu não fiz nada disso.
- Eu vou confiar em você. Se eu descobrir que você está mentindo, você vai me pagar.
- Por que eu mentiria pra você? E por que eu faria uma coisa dessas?
- Vai saber. Você não passou meu número pra ninguém não, né?
- Não!
- Assim espero.
- Vamos entrar um pouco? Depois você vai pra praia!
- Não, não obrigado – repeti. – Era só isso que queria...
Nesse momento eu ouvi um barulho na minha orelha direita e senti um ventinho passar pelo meu rosto.
A bola dos meninos que estavam jogando futebol passou a menos de 1 centímetro da minha cabeça e entrou direto pelo portão da casa do Vítor. Se eu tivesse mexido a cabeça, teria recebido uma bela de uma bolada nas minhas fontes.
- Desculpa aí, Vítor – uma voz de adolescente soou atrás de mim.
- Se essa bola me acertasse, eu quebraria os dentes de um por um – Vítor bufou e entrou para pegar a bola.
Olhei pra trás e nossos olhos se cruzaram. Era ele. O bonitinho que estava sem camisa. Olhando mais de perto ele me lembrou ainda mais uma pessoa, mas eu ainda não sabia quem.
- Foi mau aí, Vítor – o menino estendeu as mãos para pegar a bola.
- Vê se presta atenção nas coisas, hein Murilo?
- Desculpa aí – ele pegou a bola e depois olhou pra mim.
Uma onda elétrica percorreu o meu baixo ventre. Que garotinho interessante... Ele estava todo suado e parecia cansado. Eu queria entender porquê diabos eu tinha uma tendência a me interessar por “novinhos” como aquele tal de Murilo.
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