Aquilo só podia ser brincadeira, e uma brincadeira de muito mau gosto.
- Ah, por favor – dei risada. – Conta outra!
- Acha que estou brincando com você?
- Não acho, tenho certeza! – afirmei.
- Por que você acha isso? Não posso me interessar por você?
- Eu já disse que tenho certeza! Conta outra, hoje não é 1º de abril.
- Nossa, Caio... Fiquei chateado agora... Está desconfiando de mim?
- O que você me falou é no mínimo suspeito, Vítor!
- Por que? O que tem de errado em querer ficar com você?
- Tudo. Primeiro: eu sou o ex do seu melhor amigo. Segundo: pra isso acontecer eu também tenho que querer ficar com você. E isso eu não quero, desculpe.
- Nada a ver! O Bruno continua sendo meu melhor amigo e o fato de você ser ex dele não quer dizer nada pra mim.
- Ah, não? Não quer dizer nada? Suponhamos que ele fique sabendo, o que iria acontecer?
- Ele não precisa ficar sabendo!
- Sei... Isso está suspeito demais pro meu gosto.
- Não é suspeito, Caio! Acredita em mim, eu estou a fim de você – Vítor segurou na minha mão direita. – Fica comigo?
- Não!
- Por que não? O que eu tenho de errado?
- Você não tem nada de errado, eu só não estou a fim de você. Simples assim!
- Sou tão feio assim? – ele fez um bico.
- Não, besta! – eu sorri. – Não é isso, eu só não quero ficar com o melhor amigo do meu ex-namorado.
- Não tem nada demais nisso, você que está grilado. Não esqueceu o Bruno?
- Louvado seja Deus, amém três vezes!!!
- Então? Que é que tem ficar comigo? Você vai gostar.
- Simplesmente não estou a fim. Desculpa!
- Poxa, poderia me dar um beijo de presente de aniversário, né?
Eu suspirei e beijei a bochecha do Vítor.
- Pronto. Feliz aniversário.
- Não era bem aí que eu queria um beijo, Caio.
- Esse é o único lugar que eu posso te beijar, Vítor. E não insista mais, não fale mais no seu melhor amigo e vá curtir a sua noite. Tenho certeza que você vai encontrar outro cara para ficar.
- Duvido encontrar um gostosinho como você.
- A balada tá cheia de gostosões e obrigado pelo elogio.
- Você está uma delícia, Caio. Uma delícia... Queria tanto que o Bru... – ele não terminou a frase e ficou de bico calado.
- Queria tanto que o quê, Vítor? – eu suspirei e revirei meus olhos.
- Nada. Deixa pra lá!
- Acho melhor mesmo.
- Já que não vai ficar comigo, posso pelo menos tirar uma foto com você?
- Foto? Pra quê?!
- Pra fazer macumba – ele bufou de raiva. – Para que eu quero uma foto sua, garoto? É minha festa de 18 anos, eu quero guardar de recordação!
- Sendo assim eu deixo.
Fui inocente. Acreditei no que ele disse, mas não era bem pra isso que ele queria a minha foto – mais pra frente o verdadeiro motivo aparecerá.
Eu juntei o meu rosto com o dele e ele mesmo tirou a foto com o celular – uma selfie, eu sei. Só que naquela época não conhecíamos esse termo. Isso ainda não era moda. – Era um celular bem chique, pois naquele período os aparelhos ainda não eram tão modernos como hoje em dia.
- Da hora seu celular.
- Gostou? Bonito, né? Ganhei de presente.
- Bacana. Bom, vai lá curtir seu aniversário, garoto.
- Não vai ficar com a gente?
- Não vou atrapalhar?
- Claro que não, Caio! Até parece...
- Promete que não vai me agarrar a força? – brinquei e sorri.
- Prometo que vou tentar me controlar.
- Então tudo bem. Sendo assim eu fico com você e seus amigos.
- Obrigado, você é um amor além de ser lindo e gostoso também.
Fiquei com as bochechas e toda a cabeça queimando.
- Quer parar?
- Desculpa, mas eu só falei a verdade!
Queria saber onde ele queria chegar com aquelas investidas. Eu não ia ficar com ele de jeito nenhum. Se fizesse isso, era pedir para ficar com o Bruno o resto da noite e talvez até o resto do mês na cabeça. E isso eu não queria.
Por outro lado, ele sempre vinha aos meus pensamentos naturalmente. Por mais tempo que tivesse passado e por melhor que eu estivesse, sempre, sempre o Bruno invadia meus pensamentos. Era meio que inevitável. Ficando ou não com o Vítor, ele poderia surgir na minha mente a qualquer momento.
- Posso saber no que você está pensando? – perguntou Vítor. – Está reavaliando o meu pedido?
- Não – falei. – Eu estou decidido. Vou pegar outra bebida, já volto.
- Ih, tô achando que vai ficar bêbado, hein?
- Fico nada, Vítor. Pode esquecer que você não vai conseguir tirar casquinha de mim.
Peguei outra caipirinha, mas dessa vez de kiwi. Ela era uma das minhas preferidas.
- O que está bebendo? – perguntou um dos amigos do Vítor.
- Caipirinha. Quem é você mesmo?
- Amigo do Vítor. Já esqueceu?
- Não, que você é amigo dele eu sei. Eu quero saber o seu nome.
- Ah, eu sou o João.
- Um dia eu decoro seu nome, tá bom?
- É caipirinha de quê?
- Kiwi.
- Posso experimentar?
- Pode.
Ele deu um gole e fez uma careta mega engraçada. Com certeza o garoto não estava acostumado a beber.
- Como consegue beber isso? – a voz dele ficou até mais grave depois de ter ingerido a bebida alcoolica.
- É muito bom!
- É horrível, credo.
- Ah, eu adoro. Um dia você acostuma, vai por mim.
- Pelo jeito você é bem experiente nesse assunto de bebidas, né?
- Não é questão de ser experiente, João. Eu só bebo socialmente e bebo desde a época que era menor de idade.
- Quantos anos você tem?
- 19 e você?
- Fiz 18 esses dias.
- Você também? Não me diga que foi no dia 30?
- Não. Foi dia 27.
- Caraca! Tudo pertinho um do outro.
- Nós somos todos da mesma idade, nascemos tudo na mesma época. Acho que é o destino, sabe?
- Não vou acreditar se você disser que os outros dois também fizeram aniversário essa semana.
- Não – ele sorriu. – O Matheus fez 18 em setembro e o Maurício em agosto.
- Então hoje você também está comemorando o seu aniversário?
- É, pode-se dizer que sim – ele confirmou.
- Ah, então meus parabéns! – eu estendi a mão em sinal para parecer educado.
- Obrigado – João sorriu e apertou minha mão com suavidade. – Já ouvi falar muito de você, viu?
João. Lembrei do padre que me ajudou quando eu cheguei ao Rio. Estava na hora de fazer uma visitinha...
- Ouviu, é? – ergui as sobrancelhas.
- Ouvi. Todos nós cansamos de ouvir sobre você.
- Eu espero que tenha ouvido do Vítor.
- Também, mas ouvimos mais pelo Bruno.
Suspirei e senti um calor esquisito dentro do peito. Por que eu tive que encontrá-los na boate? Eu estava tão bem antes de trombar com o Vítor...
- Sabe, João, esse cara faz parte do meu passado. Eu gostaria que você não tocasse no nome dele.
- Hum... Tudo bem, desculpe.
- Não tem problema.
Só que depois disso o clima ficou meio estranho entre a gente e nós quase não conversamos mais.
O show daquela madrugada foi com uns bombadões lindos. Eles fizeram streap tease e só naquele momento eu me dei conta que não havia nenhum cara dançando em cima dos palcos que eram espalhados pela casa.
- GOSTOSO – o Vítor gritou e eu fiquei só olhando.
Como ele lembrava o meu ex. Em todos os sentidos. Tinha o mesmo jeito, o mesmo modo de se vestir, a mesma personalidade... Pareciam até irmãos.
Por mais que eu tentasse não pensar no falecido, isso foi impossível. Foi impossível pelo simples fato de estar ao lado dos amigos dele. Como podia esquecê-lo, meu Deus?
- Meninos, eu vou pro dark – avisei.
- Adoro dark room – falou Maurício. Eu já sabia quem era quem.
- Então vamos todos, pô – falou Vítor.
- E legal mesmo? – perguntou João.
- É foda! – falou Maurício.
Eu deixei eles na discussão e subi as escadinhas para me divertir um pouco. No momento exato que coloquei meu pé no último degrau, a luz apagou. Vários caras já estavam se pegando e a putaria rolava solta.
Encostei na parede e fiquei esperando alguém se aproximar, mas isso não aconteceu de imediato.
Eu estava afoito. Queria porque queria beijar alguém, tirar o atraso. Por isso eu fui ao encontro de quem quer que fosse. Saí andando pela parede e quando trombei com um cara, tratei logo de segurar na mão dele.
Nós cruzamos os dedos e em seguida o beijo aconteceu, mas eu parei de imediato. Ele fumava e estava com o hálito péssimo.
- O que foi? – o desconhecido perguntou.
- Rola não. Boa sorte.
Ouvi a voz do Vítor na ponta da escada e isso me deixou meio alerta. Algo estava me dizendo que ele ia tentar ficar comigo ali no dark room.
Mas antes disso acontecer eu me atraquei com um boy e fiquei o resto da noite aos beijos. Foi bom para me desestressar e para tirar a teia de aranha que eu estava.
- Como você se chama? – perguntei depois de um tempão.
- Bruno e você?
Bruno?! BRUNO? B-R-U-N-O? Eu tinha ouvido certo?
- Caio. Quantos anos você tem?
- 25 e você?
- 19.
- Novinho, hein?
- Curte?
- Pra caralho! – senti a mão do cara invadir a minha cueca e ele apertou a minha nádega. – Que Bundinha gostosa, garoto.
- Você acha?
- Acho sim...
Eu fiz a mesma coisa que ele fez comigo, mas ao invés de apertar a bunda, eu segurei no pau do cara. Ao contrário do André, ele não era dotado.
- Você gosta? – ele perguntou.
- Com certeza.
- Então brinca com ele...
Brinquei sim, mas não coloquei na boca porque não tive como me abaixar. Quando senti que ele ia gozar, empurrei uns dois ou três caras para a direita e deixei ele esporrar no chão. È claro que eu não queria me sujar.
- Pena que você não chupou, garoto – ele deu um tapa na minha bunda.
- Como? Só se fizesse malabarismo e te pendurasse no teto.
Ele riu e colocou o pau pra dentro.
- Vou nessa. Boa noite.
- Boa noite!
Por que o nom dele tinha que ser logo esse? Ele poderia ter qualquer nome, menos esse! O cara poderia se chamar Juvenal, Florisberto, Raimundo ou qualquer nome horroroso, menos Bruno!
Depois do Bruno, eu fiquei com mais alguns caras, mas nenhum deles foi o Vítor ou os amigos dele. Pelo menos o meu recado ele tinha entendido.
Não rolava ficar com o melhor amigo do meu ex, né? Seria sacanagem demais se isso acontecesse. Era melhor deixar esse assunto de lado.
Como de costume, só saí do quarto escuro quando a música da pista parou. Isso significava que a boate ia fechar e que era hora de descansar.
Desci as escadas e encontrei os meninos perto do banheiro.
- E aí, gostaram? – perguntei.
- Adoramos – o Vítor foi o porta voz. – Chupei vários!
Abri um sorriso. Como era indiscreto aquele moleque...
- E você? – ele me olhou.
- Beijei muito. Só isso.
- Bem que eu poderia estar no meio desses que você beijou!
- Quem sabe mais pra frente? Agora eu vou embora. Parabéns aos aniversariantes e bom dia!
- Não vai agora, vamos pra praia com a gente?
- Não, não – balancei a cabeça negativamente. – Estou cansado e preciso dormir. Tenho muitas coisas pra fazer hoje. Mas obrigado pelo convite.
- Aparece lá em casa qualquer dia desses. Você disse que seríamos amigos...
- E somos!
- Então vai me visitar, poxa.
- Agora fica complicado, eu mudei pro Realengo.
- Mudou? Caramba, que longe do seu bairro antigo...
- Pois é! Daí fica um pouquinho mais difícil vir para Ipanema, mas quem sabe um dia que eu esteja de folga?
- É, quem sabe. Fico no aguardo. E seu amigo Víctor, como está?
- Bem, bem. A última vez que falei com ele foi no meu aniversário.
- Foi em agosto, né?
- Isso.
- Parabéns atrasado.
- Obrigado. Bem atrasado, né? – ri.
- Nunca é tarde para se parabenizar um amigo, ainda mais sendo você.
- Valeu, Vítor. Eu já tenho mesmo que ir. Bom dia! Bom dia, meninos.
- Bom dia – responderam os três.
- Vou esperar a sua visita, hein?
- Pode esperar – falei quando já estava subindo as escadas para sair na entrada da boate.
O que ele queria comigo? Por que estava investindo tanto? Algo de muito estranho estava acontecendo. Por que diabos ele pediu para ficar comigo depois de tanto tempo? E por que estava traindo a confiança do Bruno? O que o Bruno pensaria a respeito disso se ficasse sabendo?
Será que eu não significava nada para ele? Bem provável; afinal, ele me abandonou praticamente no meu aniversário de 18 anos. Foi o aniversário mais traumático da minha vida e eu devia isso à ele. Àquele filho da mãe de uma figa...
O que ele estava fazendo não era certo. Ou era? Eu só queria entender se era verdade ou se ele estava fazendo isso para me testar e para contar pro Bruno depois. Será que era isso?
O calor que fez na noite anterior se dissipou por completo naquela madrugada. Não sei como isso foi possível, mas era fato que a temperatura tinha despencado. Eu estava até sentindo frio.
- Vai entender – falei comigo mesmo.
Como eu queria voltar pro Catete. Se ainda morasse lá, era só pegar o metrô, descer na Glória ou no próprio Catete e seguir a pé para casa, mas como eu estava no fim do mundo, era obrigado a esperar um ônibus cujo horário que ia passar eu nem fazia ideia.
Ainda bem que eu já sabia andar na cidade de olhos fechados. Sabia onde era o ponto de ônibus e parti direto para lá. Só Deus sabia quanto tempo eu ia ficar naquele lugar até o coletivo chegar.
E as minhas suspeitas se confirmaram quando a minha espera passou de 40 minutos. Eu já estava pra lá de impaciente e já estava até mesmo cogitando a possibilidade de ir de táxi. Será que ia ficar caro?
Nem resolvi arriscar. Já que estava na chuva, eu ia me molhar. Mais cedo ou mais tarde o ônibus ia passar. Ou não?
Senti fome e senti vontade de comer um pedaço de pizza. Estava sentindo cheiro daquela delícia, mas não sabia de onde vinha o aroma. Será que ia dar tempo de comer e voltar para esperar o busão? E se ele passasse quando eu estivesse fora do ponto?
Achei melhor não arriscar. Pelo sim e pelo não, era melhor esperar. E foi isso que eu fiz. O desgraçado do ônibus só passou às 7:10. Fiquei quase 1 hora e maia no ponto, mas no fim das contas deu tudo certo.
Entrei, paguei a passagem e fui sentar lá no fundão como sempre fazia. O transporte público estava vazio e foi só encostar no banco para eu começar a cochilar.
Todavia, cada vez que o motorista passava em uma lombada, eu acordava. Teve uma hora que eu bati a cabeça com tudo no vidro e isso me fez acordar de vez.
- Está carregando jegue, filho da puta?
Que ódio que eu fiquei do motorista. O que custava dirigir direitinho? Queria ver se fosse a mãe dele que tivesse batido as fontes no vidro. Ainda bem que não fiquei com dor de cabeça.
Desci no meu ponto e fui direto pra casa. Mesmo sentindo um cheirinho delicioso de pão francês, não tive coragem de entrar na padaria. Eu queria e precisava muito da minha cama.
Só quem estava no quarto era o Rodrigo. O Vini provavelmente estava com a Bruna. E o Fabrício? Onde teria se metido?
Rodrigo estava dormindo e eu fiz o mínimo de barulho possível. Peguei uma cueca limpa, a minha toalha preferida e fui direto pro chuveiro.
A água morna tirou um pouco do meu sono, mas eu estava tão cansado que tinha certeza que ia dormir muito tranquilamente.
E isso aconteceu. Só acordei por volta das 16:00, quando não aguentei mais de calor e fui obrigado a levantar. Eu não sei se era impressão minha ou não, mas parecia que o Realengo era um pouco mais quente que o Catete. Será qe eu estava doido ou aquilo era realmente verdade?
Percebi que o Fabrício também estava dormindo. Então provavelmente ele também tinha ido pra balada... Será que tinha ficado com alguém?
Como era gostoso apreciar o corpo daquele gato quando ele estava dormindo. E eu ainda tinha o privilégio de dormir bem ao ladinho da cama dele, isso me dava uma visão panorâmica de todo o 1m82 daquele gostosinho. Não poderia querer nada melhor que aquilo.
- Pena que é hetero – falei comigo mesmo.
Tomei banho e fui pra cozinha. Rodrigo, Maicon e Miguel estavam na sala assistindo o futebol.
- Boa tarde – falei.
- E aí, Caio? – Rodrigo não tirou os olhos da tevê.
- Quem tá jogando? – indaguei.
- Flamengo e Fluminense – respondeu Miguel
O maior clássico do Estado do Rio. Fiquei com saudades de assistir o jogo do Timão com meu irmão gêmeo.
Pro meu deleite, um filho de Deus havia feito lasanha. Quem teria sido a boa alma que aprontou aquela delícia de almoço?
- QUEM COZINHOU? – perguntei.
- O KLÉBER – respondeu Miguel.
Não gosto de comer lasanha pura, então coloquei um pouco de arroz no prato e mandei ver. Bye, bye dieta; bye, bye controle de comida. Quem resiste a uma lasanha 4 queijos? Eu não resisti e quebrei todos os protocolos da academia. O Well e a nutricionista não iam precisar saber do meu deslize.
- Olá, Caio – o cozinheiro apareceu na cozinha. – Tudo bem?
- Meu querido, meus parabéns! Sua lasanha ficou ótima!
- Ah, obrigado – ele ficou sem graça. – Que bom que gostou!
- Adorei, amei. Boa demais. Já pode casar, viu?
- Tá faltando é alguém pra casar. Vou lavar minhas roupas, até mais!
- Até.
Ele era gay. Eu tinha certeza e precisava só averiguar direitinho. Era só ter um olhar um pouco mais crítico para poder identificar alguma coisa que o denunciasse.
.
Eu já estava inscrito no ProUni. Dentre as 5 opções que tinha para escolher de faculdade/curso, resolvi tentar em uma única universidade: a que o Vini, o Digow, o Fabrício, o Éverton e o Maicon estudavam. É claro que eu ia querer ficar perto dos meus amigos, né?
Como curso, escolhi 4 opções: Administração de Empresas, Jornalismo, Direito e Gestão de Recursos Humanos. Dentre estes, eu queria o último, por isso o deixei como duas opções. Uma para matutino e outro para noturno.
A sorte estava lançada e eu deixei tudo nas mãos de Deus. Se fosse para passar, eu ia passar. Se não fosse daquela vez, também não teria problema.
Fiquei pensando nos meus cursos. Administração de Empresas seria legal. Eu ia me formar na parte administrativa. A única coisa ruim era o tempo. 4 anos. Se essa opção fosse selecionada, eu iria me formar só emTempo demais para o meu gosto...
Jornalismo também seria interessante. Eu poderia trabalhar em jornais expressos, em sites, em redações ede revistas, ou até mesmo na televisão. Eu poderia tentar a sorte nessa úlyima opção, consolidar a minha carreira e quem sabe um dia entrar ao vivo como âncora do “Jornal Nacional”. Não custava nada sonhar. Mas também seriam 4 anos de estudos, também seria tempo demais...
Se estava pensando que levaria tempo demais nos dois primeiros cursos, que dirá Direito. 5 anos. Só me formaria em 2.012 e iá fiquei todo desmotivado. Nem sei porque escolhi essa opção. Porém, também seria uma boa profissão. Eu poderia ser advogado, um bom advogado. Poderia ser conceituado, respeitado e admirado. Ou talvez, pudesse ser juiz. Poderia fazer honrar as leis do Brasil, leis essas que são tão antigas e que quase nunca são respeitadas... Era um caso a se pensar!
Todavia, eu gostei de RH. 2 aninhos apenas e isso passaria num piscar de olhos. Em 2.009 me formaria e também ia ficar na parte administrativa, contudo com enfoque menor e em um leque menor de opções de trabalho. Talvez eu pudesse ser diretor ou gerente de uma grande empresa, ou talvez pudesse prestar serviços terceirizados ou qualquer coisa do tipo.
Acontecesse o que acontecesse, eu já estava feliz. O ano estava terminando e mais um ciclo finalizandoia chegar em menos de um mês e isso me deixou bem acelerado para as comemorações de natal e ano novo.
A parte ruim de dezembro ter chegado foi o aumento no movimento na loja onde trabalhava. Praticamente todos os dias da semana eu ficava depois do meu horário e isso acabou me prejudicando na academia.
Por outro lado, eu ia tirar uma boa grana e bem no final do ano. Foi por esse motivo que eu resolvi encarar esses acontecimentos como positivos. Era muito mais fácil encarar dessa forma ao invés de ficar reclamando.
- Eduarda e Jonas – eu me aproximei. – Eu já vou, tudo bem?
- Beleza, Caio – Jonas concordou.
- Vai lá, Caio! Você já fez demais por hoje.
- Só vou mesmo por causa da academia, senão ficava.
- Então fica, ué – Jonas riu. – Deixa pra treinar ano que vem!
- Nada, meu personal me mata. Amanhã a gente conversa, bom término para vocês.
- Obrigada, querido – Duda deu dois beijos no meu rosto. – Boa noite e bom descanso.
- Vai lá, queridão – Jonas apertou a minha mão. – Valeu por hoje, hein?
- Valeu mesmo!
Fui me despedir da Alexia e da Janaína. Ambas estavam atendendo, então por isso eu só dei um beijo rápido nelas e parti pra academia.
Estava cansado, muito cansado. Nunca pensei que chegaria a trabalhar tanto em toda a minha vida.
- Que bom que você chegou – disse Wellington. – Pensei que não ia mais vir.
- Estou todo enrolado na empresa, Well. Final de ano chegando, vendas aumentando, trabalho dobrando...
- Te entendo. Logo, logo entraremos em recesso e você terá férias disso daqui.
- Ah, é? Que dia vai ter recesso?
- Começa agora dia 15 e vai até 05 de janeiro.
- Da hora! Vou ter férias mesmo, finalmente!
- Mas isso não significa que você vai abusar, hein?
- Ah, pelo amor de Deus... Eu estou tendo um colapso nervoso já! Preciso de um chocolate urgente!
- O que nós combinamos? Precisa ficar 3 meses sem comer doces para conseguir pegar um corpo legal. Já está quase completando.
- Por isso que no final de ano eu vou me acabar nos doces.
- Isso, faz isso e acaba com tudo o que você conquistou que eu te capo!
Ui... Bem que eu queria mostrar meu pau pra ele, mas não na circunstância que ele abriu.
- Muito engraçado!
- Anda, troca de roupa e corre pro treino que você já está atrasado!
.
Ainda na mesma semana todos os meninos ficaram de férias da faculdade. Era muito bom ver todos reunidos, a bagunça ficava maior, mas as risadas eram garantidas.
- Vão sentir a minha falta? – perguntou Rodrigo.
- Não – respondemos eu, Fabrício e Vinícius.
- Porra, vou me lembrar disso mais pra frente – ele se fingiu de ofendido.
- Mentira, Digow – falei. – Eu vou sentir a sua falta!
- Obrigado, Caio. Você é meu amigo, esses daí nem falo nada.
- Não chora, neném – Vinícius estava comendo morangos e assistindo televisão.
Eu ia ficar quase 2 meses longe do meu melhor amigo. Ele ia passar o final de ano no Paraná e só ia voltar em fevereiro quando as aulas fossem começar.
- Que dia você vai partir? – perguntou Fabrício.
- Vou no dia 08 e volto 1º de fevereiro.
- Tempão longe daqui, hein? – comentou Vinícius. – Vai perder o pouco de sotaque que adquiriu.
- Vou mesmo! Certeza...
O Vinícius também ia viajar, mas a viagem dele estava programada só para a semana do natal. Fabrício também estava de viagem marcada, mas ele só ia ficar alguns dias fora. Ainda bem, senão eu ia passar o réveillon sozinho no Rio de Janeiro!
- Vamos, Fabrício? Já está pronto? – perguntei.
- Já, Caio! Só vou terminar de passar perfume.
- Perfume novo? – perguntou Rodrigo.
- É! Gostou?
- É bom... Quanto pagou?
- Paguei não, ganhei.
- Hum... – Vinícius tirou os olhos da tevê e fitou o melhor amigo. – Ganhou de quem, vagabundo?
- De uma gatinha que eu tô pegando.
Pronto! Bastou isso para os outros dois encherem o Fabrício de perguntas. Eu fui obrigado a puxá-lo senão íamos acabar nos atrasando pro trabalho.
.
Fiquei triste demais quando me despedi do Rodrigo e fiquei mais triste ainda por não poder acompanhá-lo ao aeroporto.
- Queria tanto ir com você – falei no abraço que dei no meu amigo.
- Eu também queria que você fosse comigo!
- Boa viagem, tá?
- Obrigado, mano!
- Manda um salve para seus pais. Diga que qualquer hora eu vou visitá-los.
Digo sim! Se cuida, Caio! Juízo, hein?
- Você também. Vai com Deus e boas férias, mano!
- Obrigado! Não se esqueça que eu te amo, hein?
- Eu também, Digow! Eu te amo!
- Obrigado. Obrigado por salvar a minha vida...
- Ainda falando nisso? Já fazem quase 6 meses!
- Vou te agradecer pra sempre, pra sempre!
- Bobo! Vai lá senão você perde o avião!
- Vou sim. Até a volta então, Caio!
- Até a volta, Digow. Vai com Deus...
.
Quando eu cheguei do trabalho na noite do domingo, me deparei com o Miguel, o Kléber, o Fabrício e o Vinícius rodeados de caixas na sala.
- O que estão aprontando aí? – achei estranho.
- Vamos montar a árvore de natal – explicou Miguel.
- Ajuda a gente, Caio – pediu Kléber.
- Claro que sim!!! Vocês precisam de um virginiano pra essa tarefa!
Sempre gostei muito de montar árvore de natal. Adorava fazer isso na minha casa em São Paulo. Juntávamos eu, minha mãe e meu irmão e deixávamos nossa árvore linda. Foi inevitável não ficar com saudades deles.
- Cuidado para não estragar o caule – falou Vinícius. – Odeio árvore estragada.
- Relaxa, eu sou bom nisso – falou Fabrício.
Eu fiquei com a parte dos enfeites. Queria saber quem tinha comprado tanta coisa. Eu gostaria de ter ajudado na escolha.
- Quem comprou os enfeites?
- Nós mesmo – disse Miguel. – Não gostou?
- Gostei, mas falta muita coisa! Só isso daqui? É muito pouco!
- Ah, se você quiser pode comprar mais um pouco – disse Kléber.
- Vou fazer isso mesmo!
E ia ser pouco mesmo porque a árvore era enorme. Tinha 1m40, quase da altura do Éverton!
- Grandona, hein? – meus olhos brilharam. – Vai ficar linda!
- Vai mesmo – concordou Fabrício. – Adoro árvore de natal, a casa fica alegre!
- È verdade – concordou Miguel.
Depois de uns 5 minutos o Maicon chegou e também resolveu nos ajudar. Eu achei super legal essa ideia de ter comprado uma árvore. Pelo menos a nossa casa ia ficar mais alegre e ia ficar com ar mais familiar também.
- Onde compraram esses enfeites, meninos?
- Aqui no bazar, Caio.
- Vou descer lá e comprar mais coisa. Acho que ainda está aberto, né?
- Está! A mulher falou que só fecha às 23:00 nessa época de final de ano.
- Então vou descer lá e já volto.
- Vou com você, Caio – disse Maicon. – Também quero colaborar um pouco.
- Então vamos!
Maicon e eu escolhemos mais algumas coisas. Eu comprei uns lacinhos vermelhos, mais algumas bolas, algumas estrelinhas e duas renas. O Maicon comprou um Papai Noel, vários pirulitos e alguns bonequinhos de neve.
- Acho que é suficiente – falei.
- Também acho.
Mas não foi. Faltou enfeite e também faltou pisca-pisca.
- Está apagada demais – reclamei. – Não gostei.
- Também acho – concordou Vinícius.
- Já usamos 3 pisca-pisca, meninos – disse Fabrício.
- Então vamos usar 4 – falou Vinícius. – Já volto, vou comprar mais um.
E com esse novo pisca-pisca, a árvore ficou muito melhor. Meus amigos e eu fizemos uma redistribuição dos enfeitinhos e nenhum galho ficou pelado.
- Agora sim – aplaudi de animação. – Adorei!
- Ficou lindo, hein? – Kléber também aprovou.
A gente não recebia visitas, mas não era para ninguém. Era pra gente! Nós queríamos, nós fizemos. Isso mostrou que a nossa turma estava cada vez mais unida.
.
- Boa tarde – eu estava atendendo 3 clientes ao mesmo tempo. – Posso ajudar?
- Pode – respondeu o homem.
- Pois não? O que o senhor vai comprar?
- Eu quero 10 fogões, 10 geladeiras e 10 máquinas de lavar.
- Oi?!
Meu coração deu um pulo e eu fiquei com as pernas bambas. Será que eu tinha ouvido direito?
- Como, senhor? Desculpa, eu entendi certo?
- Entendeu, garoto! Pode me ajudar ou não?
- Lógico que eu posso!
Fiquei me perguntando para que ele queria tudo aquilo, mas pouco me importava. O importante era vender tudo o que ele tinha me pedido.
- O senhor já escolheu os modelos?
- Ainda não. Vou dar uma olhada.
- Perfeito! Enquanto isso eu vou finalizar a compra de outro cliente e já volto para atendê-lo, pode ser?
- Perfeito!
- Por favor, não fale com nenhum outro vendedor. Eu me chamo Caio e faço questão de ajudá-lo.
- Pode deixar, Caio. Eu compro com você sim.
- Ah, muito obrigado!!!
Minha comissão de janeiro estava feita. Como nós já tínhamos passado do fechamento da folha de dezembro, aquelas vendas ficariam para janeiro, mas não tinha o menor problema. O importante era finalizar com aquele cliente.
Despachei os outros dois e já colei no cara. Eu ainda não estava acreditando na quantidade de produtos que ele ia levar...
- Já escolheu?
- Já sim! Eu quero essa geladeira aqui, aquele fogão ali da ponta e aquela máquina ali encostada com o ar-condicionado.
- Perfeito. Por favor, sente-se ali naquela mesa. Eu vou pegar os códigos dos produtos e já vou fazer a reserva das mercadorias.
- Tudo bem.
Anotei com muita felicidade os códigos dos produtos e rapidamente sentei na frente daquele anjo em forma de homem.
- Já tem cadastro na loja?
- Não, nunca comprei aqui.
- Me empresta seu RG e CPF, por favor?
- Claro!
O cara se chamava Osmar. Nunca serei capaz de esquecer o nome dele!
- O senhor trabalha?
- Sim! Sou empresário. Esses produtos são presentes para meus funcionários e uma parte eu vou doar para a igreja fazer bingo.
Então era esse o motivo de tantos produtos...
- Sei que o senhor não pediu a minha opinião, mas esse é um gesto muito bonito de sua parte. Meus parabéns!
Se antes eu já estava atendendo o cara com toda a boa vontade, daquele momento em diante eu dobrei a minha atenção. Que gesto bonito ele teve!
- Muito obrigado.
- Pode me informar o nome da empresa?
- Claro!
Depois de finalizada a inserção dos dados dele em sistema, parti para a parte chata: liberar os 30 produtos que ele havia pedido.
- Como são 30 produtos, eu terei que fazer 3 pedidos diferentes, tudo bem? Isso vai demandar um tempo.
- Sem problema, Caio.
Ainda bem que ele era paciente. Separei os produtos por tipo e coloquei 10 unidades em cada pedido.
- Qual vai ser a forma de pagamento?
- À vista.
Como é bom ser rico...
- Seu Osmar, eu vou pleitear um desconto com meus gerentes para o senhor, tudo bem? Tem como me esperar aqui?
- Lógico, garoto! Agora você falou a minha língua, hein?
Sorri.
- Só um momento.
Como eu não podia ceder desconto para ele? Ia comprar 30 produtos e ia pagar à vista? Ele merecia um desconto com toda certeza do mundo.
- JONAS, DUDA...
- O que foi, garoto? Por que está gritando? – perguntou Jonas.
- Que é isso, Caio? Onde estão os bons modos?
- Desculpa gente, é a emoção!
- Emoção? Por causa de quê? – perguntou a mulher.
- Tem um cliente comigo que vai comprar 10 fogões, 10 geladeiras e 10 máquinas de lavar! Podem conceder um desconto pra ele?
- TUDO ISSO? – foi a vez dela gritar.
- Pois é – a minha felicidade era evidente.
- Como ele vai pagar? – perguntou Jonas.
- À vista – respondi.
- E aí, parceira?
- Jonas, vamos conceder 5% pro cara! Ele merece.
- 5% não é demais não?
- Quanto ficou a compra dele, Caio?
Falei o montante e eles ficaram discutindo. No fim das contas, acabaram concordando com os 5%.
- Seu Osmar, obrigado por aguardar e desculpa pela demora. Esses aqui são os meus gerentes e eles vão conceder 5% de desconto ao senhor, tudo bem?
- Maravilha, Caio!
Os três ficaram conversando por um tempinho e só depois o Jonas inseriu a senha dele em sistema para liberação do desconto.
- Pronto. Concedido com sucesso.
- Muito obrigado!
- Nós é que agradecemos.
Depois de mais alguns minutos, eu imprimi os pedidos do homem e falei:
- Prontinho, Seu Osmar. Esses daqui são os seus pedidos. Agora é só o senhor ir ao caixa e efetuar o pagamento. Sua entrega será realizada no dia 20 em horário comercial.
- Perfeito, Caio! A entrega é na empresa, né?
- Isso mesmo!
- Perfeito. Muito obrigado, hein? – ele estendeu a mão direita.
- Eu que agradeço, Seu Osmar! Mais uma vez meus parabéns pelo gesto lindo do senhor.
- Obrigado!
- Boas festas e volte sempre!
- Obrigado, Caio! Boas festas para você também.
.
Passei o resto da semana feliz da vida. Essas vendas me deixaram muito contente mesmo. Queria eu que todos os clientes fossem dessa forma.
Fiquei feliz de chegar em casa e ainda ter encontrado o Vinícius. Se ele tivesse ido viajar sem eu me despedir, iria ficar me sentindo chateado o resto do ano.
- Caio... – ele ma abraçou bem forte. – Boas festas, mano!
- Obrigado, gatão! Pra você também viu? Boa viagem, bom final de ano. Aproveita bastante as suas férias!
- Obrigado, cara! Você é demais.
- Você que é – sorri e senti o perfume delicioso dele invadir meu nariz. – Gosto demais de você!
- Eu também, pivete. Fica com Deus aí!
- Amém, você também. Até a volta!
- Até.
.
Não ir pra academia estava me fazendo ficar mais tempo na loja, mas isso não me importou em nada. Era bom para vender cada vez mais e consecultivamente aumentar a minha comissão no final de janeiro.
A república já estava praticamente vazia. Maicon também viajou para casa e os irmãos Miguel e Kléber também iam voltar para o aconchego do lar. Só iríamos restar Fabrício e eu.
- Casa só nossa, né? – falei no dia 21 de dezembro.
- Então, eu preciso falar com você.
- Ih... O que foi?
- Fui mandado embora!
- Sério? Nossa, mas por quê?
- Porque eu queria já. Ano que vem eu me formo e preciso fazer estágio. Por isso eu pedi e eles aceitaram.
- Ah! Bacana, Fabrício... Se você queria eu fico feliz por você.
- Estava cansado demais, mano.
- Imagino!
- Mas então... Já que eu fui mandado embora... Eu também vou viajar...
- Eu sei, você já disse isso.
- Mas acontece que eu não vou voltar esse ano, Caio...
- Hã? Não?
- Não! – ele suspirou.
- Então eu... Então eu vou ficar... Sozinho aqui na república?
Nenhum comentário:
Postar um comentário