- Ca-Caio? – ele gaguejou e olhou nos meus olhos.
- O que você está fazendo com a cueca do Vini?
- Eu... Eu posso explicar, Caio – ele estava com muito medo. Isso era evidente.
- Então explica – eu cruzei os braços e comecei a bater o pé no chão.
Não era necessário nenhuma explicação, eu sabia por qual motivo ele tinha pego aquela cueca e por qual motivo ele estava com ela nas mãos.
- É que ela estava caída no chão, eu ia colocar no balde – ele desviou os olhos dos meus. Parecia que o Kléber estava suando frio.
- Mentira! – exclamei. – Eu vi quando você tirou a cueca do balde do Vinícius. O que está acontecendo aqui?
- Ca-Caio... De-deixa eu te explicar...
- Não precisa – abri um sorriso e coloquei a minha roupa suja dentro da máquina. – Eu sei o que está acontecendo.
- Sa-sabe? Como você sabe?
- Depois eu te explico, acho que aqui não é o melhor lugar pra gente falar sobre isso, né?
Ele só fez abaixar a cabeça. Com toda certeza do mundo estava envergonhado.
- Ei, deixa eu te falar uma coisa, Kléber – coloquei minha mão no pulso dele. – Eu não vou falar nada, tá bom?
- Não? – ele continuou com a cabeça baixa.
- Não e depois eu te explico o motivo. Agora eu tenho que ir ao trabalho.
- A gente pode conversar mais tarde?
- Claro! Eu prometo, juro por Deus que nunca vou falar o que aconteceu aqui, tá bom?
- Obrigado, Caio. Então mais tarde a gente conversa – Kléber continuou com a cabeça baixa e não me olhou um segundo sequer.
- Não fica grilado, de verdade. Finge que nada aconteceu. Beleza?
- Eu vou tentar.
- Então tá bom. Agora eu vou sair. Até mais tarde!
- Até, Caio.
Deixei o garoto na lavanderia, voltei no quarto, peguei tudo o que tinha que pegar, dei uma bela de uma analisada na bunda do Vinícius, me entupi de perfume e por fim saí. Acabei trombando com o Kléber antes de descer as escadas para a rua.
- Fica tranquilo – falei de novo.
- Vou tentar – ele não estava olhando nos meus olhos. – Agora se você me dá licença eu vou ao banheiro que fiquei com dor de barriga.
Fazia tempo que eu não dava tanta risada como naquele momento, mas eu ri sozinho porque o Kléber estava sério, muito sério e ao mesmo tempo constrangido demais para rir da situação, o que era totalmente compreensível.
- Vai lá – sequei uma lágrima que escorreu. – E para de ficar grilado, eu já disse que não vou falar nada pra ninguém.
- Queira Deus. Com licença – ele entrou no banheiro e puxou a portinha articulada até o canto.
Sorri, balancei a cabeça negativamente e desci as escadas correndo. Eu já estava praticamente atrasado e se o ônibus demorasse, aí que eu ia me atrasar mesmo.
E me atrasei. Só uns 10 minutinhos, mas me atrasei.
- Desculpa pelo atraso, chefe – fui cumprimentar a Eduarda e aproveitei para explicar o que tinha acontecido. – O meu ônibus atrasou um pouquinho.
- Não tem problema, Caio. Hoje eu vou precisar muito da sua ajuda.
- Para quê?
- Nós vamos mudar os produtos de linha branca em exposição.
- Como assim?
- Lembra que eu falei que viriam novos modelos de refrigeradores?
- Lembro!
- Então, a gente vai substituir os modelos que saíram de linha por esses que chegaram. Nada muito complicado.
- E o que você quer que eu faça?
- Quero que ajude a colocar no lugar, oras bolas!
- Por que eu? – me choquei. – Vai me fazer suar a camisa? O que você tem contra mim? Eu nunca te xinguei para você me maltratar desse jeito!
- Ah, meu Deus... Quanto drama – ela riu e levou na esportiva. – Coloca esses músculos que você está criando para trabalhar, meu filho!
- Só vou quebrar esse galho porque você é legal, senão nada feito.
- Obrigada, Caio! Você é um amor, sabia?
Nem falei nada, apenas sorri. Interesseira! Ela só estava me adulando para eu ajudar a colocar as coisas no lugar, mas tudo bem.
Foi extremamente difícil fazer a reposição das peças. Trocar geladeiras enormes de lugar não foi lá muito fácil. Eu e os outros homens do departamento de linha branca tivemos que ser cautelosos para não arranhar nem danificar nenhuma peça, senão teríamos que arcar com os gastos e isso eu não queria que acontecesse.
- Recua mais um pouco, Caio – a Eduarda que foi guiando a gente. – Aí, aí tá bom...
- Pronto? – até o Renato estava ajudando a gente.
- Pronto meninos. Essa foi a última, muito obrigada!
- Quero um adicional de 500% no meu salário só pelo esforço físico que fiz – brinquei com a Eduarda.
- Vai ganhar é 500 advertências se continuar com essas gracinhas, bobão! Obrigada, viu? Você foi muito útil.
- Mudando de alhos para bugalhos, o holerite já está disponível?
- Sim! Desde ontem. Não viu ainda não?
- Como assim? Desde ontem e ninguém me avisa nada? E eu aqui com comichão de curiosidade para saber quanto que foi a minha comissão? Muito obrigado pela parte que me toca, Duda!
- Hoje você está tão dramático, Caio Monteiro – ela até bocejou. – Bem menos, hein? Não exagera não.
- Só vou te perdoar porque a minha comissão deve ter vindo boa esse mês, senão eu não falaria mais com você.
- Então vai ver seu holerite, mister exagero. Também estou curiosa para saber quanto você recebeu.
- Você não sabe?
- Lógico que não! Eu só mando o cálculo ao RH lá na matriz, são eles que fecham a folha e disponibilizam o valor em sistema. Eu só tenho uma noção básica.
- Interessante – sentei na minha mesa, abri o Internet Explorer, digitei o link do “RH Online”, inseri minha matrícula, minha senha e abri o meu holerite.
Ainda bem que eu estava sentado, porque se estivesse de pé eu teria caído duro no chão de tanta emoção.
- M-E-N-T-I-R-A? – minhas mãos começaram a suar frio e assim como o Kléber, eu também fiquei com dor de barriga.
- Caramba, Caio! Arrasou, hein?
- Posso soltar um palavrão? – olhei para a minha chefe com vontade de chorar. Nunca imaginei que ganharia tanto em toda a minha vida.
- Não – ela gargalhou. – Mas pode gritar se você quiser, mas só lá fora aqui dentro não.
- Deixa, Duda? Deixa eu começar a pular aqui no meio da loja? Tem alguma coisa que eu possa quebrar? Eu quero correr... AAAAAAAAAAAAAAH, EU VOU PIRAR!
- Calma, garoto! Não precisa exagerar...
- Exagerar? Eu nunca ganhei tanto em toda a minha vida!
- Isso se dá pela comissão das 30 mercadorias que você vendeu para aquele homem lá que eu não lembro o nome.
- Seu Osmar...
- Isso! Ele mesmo. E também pelo tanto que você vendeu em dezembro. É normal. Linha branca não é lá muito barato e no final do ano as pessoas extrapolam. Por qual motivo está surpreso? Isso é resultado do seu trabalho! Meus parabéns, nada mais justo do que você ser recompensado.
- Também caiu as horas extras... Ai que lindo... Vou tirar uma foto desse holerite para fazer um quadro.
- Mas não vá se animando não, Caio. Isso foi em dezembro, época de final de ano. Agora as coisas vão voltar ao normal e essa comissão aí vai cair pela metade ou menos da metade. Portanto, não se anime muito.
- Pô, Duda... Você cortou o meu barato agora!
- Era pra cortar mesmo, não vá se animando porque nem todo dia é dia santo.
- Ah, mas eu estou feliz demais. A minha vontade é de sair correndo por aí de tanta felicidade.
- Faça isso mais tarde na academia.
- Ah, com certeza!
- Algum problema por aqui? – Jonas chegou e já foi logo dando os dois beijos na Duda. Em seguida ele apertou a minha mão.
- O Caio, Jonas – Duda explicou. – Ele está todo bobo com a comissão dele.
- Ganhou muito?
- Olha aí – virei a tela para ele ver meu holerite.
- Caramba! Mandou bem, hein? Mas também é porque era dezembro e por causa daqueles 30 produtos que você vendeu pro cliente lá.
- Eu disse isso pra ele. E disse que não é pra ficar muito animado porque agora as coisas já voltaram ao normal.
- Isso é verdade, Caio – Jonas concordou. – Nesse mês as suas vendas caíram mais de 50%.
- Mas a culpa não é minha!
- Não falei que a culpa é sua, nós só estamos expondo isso para você não se animar muito.
- Entendi – suspirei. – Não tem problema, só de ter recebido tudo isso a minha vida está salva.
- Use o dinheiro com responsabilidade – falou Eduarda. – E agora vá correr atrás da comissão de fevereiro porque tem cliente te esperando.
- Alguma novidade por aqui? – ouvi o Jonas perguntar para ela quando eles se afastaram.
Quanto dinheiro, meu Deus! Nunca que eu ia imaginar que iria ganhar tudo aquilo em um único mês de trabalho.
- Olá, boa tarde – me aproximei da cliente. – Posso ajudá-la?
- Boa tarde. Pode sim, eu queria levar uma geladeira.
- A senhora já escolheu o modelo?
- Essas daqui são novas?
- Sim! Acabaram de chegar. São modelos novos, é exclusividade da nossa empresa.
- Sério? Mas está tão caro...
- Podemos verificar uma melhor forma de pagamento pra senhora. Não se preocupe. De qual a senhora gostou?
- De todas...
- Quer levar todas? – eu sorri de brincadeira. – A gente negocia e parcela pra senhora.
- Deus me livre, menino! Quer me matar de dívidas, é?
- Imagina. É brincadeira. Então enquanto a senhora decide, eu vou atender esse outro cliente, mas a senhora pode me chamar quando decidir, está bem?
- Combinado.
Fiz as duas vendas ao mesmo tempo. Por coincidência ou inveja de uma das partes, os clientes acabaram optando pelo mesmo modelo de refrigerador.
- Então a sua entrega será realizada no dia 9 de fevereiro, não neste sábado, o outro.
- Ah, tudo bem. Qual será o horário de entrega?
- Horário comercial das 8:00 às 18:00. Importante que haja uma pessoa maior de idade na residência, Dona Neide.
- Tudo bem, querido. Muito obrigada, sim?
- Nós é que agradecemos. Por favor, compareça ao crediário com esse papel e os seus documentos. Lá eles darão continuidade e irão fazer o seu carnê.
- Obrigada, Caio.
- Por nada! Boa tarde e volte sempre.
- Boa tarde pra você também.
- Seu José, pode sentar. Fique à vontade.
- Hum...
- Pagamento no carnê não é isso?
- É.
- Quantas vezes o senhor vai fazer?
- Quantas der, moço.
- Eu tenho essas opções aqui – virei a tela do computador para ele acompanhar as informações no sistema.
- Faz pra mim em 12 vezes, por favor.
- Perfeito. O senhor deseja adquirir a garantia complementar?
- Quanto fica?
Depois de muita argumentação, ele aceitou inserir 2 anos de garantia estendida, o que me deixou muito contente.
Sempre que um cliente aceitava a garantia complementar, a minha comissão aumentava e isso me deixava bem contente.
- Pronto, Seu José. Por favor, compareça ao crediário com esse papel e seus documentos. Lá eles darão continuidade e farão o seu carnê.
- Certo.
- Sua entrega será realizada no dia 7 de fevereiro em horário comercial.
- Quando é dia 7? – o cara indagou.
- Na próxima quinta-feira. A entrega será realizada em horário comercial das 8:00 às 18:00. Importante que haja um maior para receber a equipe de entregadores, tudo bem?
- Sim, sim. Muito agradecido.
- A empresa é que agradece! Boa tarde e volte sempre.
- Boa tarde.
- Nossa, como ele atende bem os clientes dele – Alexia riu e foi me abraçar. – Tudo bem, gostosinho?
- Sou foda, querida. Eu estou ótimo e você?
- Bem. Posso saber qual o motivo da sua felicidade?
- Meu pagamento veio mais que dobrado esse mês, acredita?
- Dobrado?
- Na verdade mais que o dobro. Quase o triplo... – sorri.
- Jura? Que tudo! Mas também, vamos combinar? Você vendeu pra chuchu mês passado, né?
- Só aquele cliente comprou 30 em um dia, lembra?
- Lembro! Toda a loja ficou com inveja de você...
- Paciência, né? Eu estou dando muita sorte nessa loja.
- Que bom! Eu fico muito feliz por você. O meu salário não triplicou como o seu, mas ganhei bem também. Vai dar para guardar uma graninha.
- O meu salário fica todo na poupança.
- Tudo? Tudinho mesmo?
- Não, tudo não. Eu pago o que tiver que pagar, compro o que tiver que comprar e o resto deixo na conta. A minha conta é poupança, então nem me preocupo com taxas do banco e essas coisas todas.
- Como você fez isso?
- Quando eu abri a conta, eu pedi pra moça vincular uma poupança também. É simples: o dinheiro cai na corrente e eu migro pra poupança. Super fácil.
- Menino, vou fazer isso também!
- Eu recomendo. Já tenho uma boa graninha aplicada e vai continuar lá.
- Isso mesmo, tem que fazer um pé de meia.
- Né?
- Será que o donzelo em questão já pode almoçar? – perguntou Janaína.
- Agora eu posso, amiga. Já terminei o trabalho de burro de carga.
- Vou te contar, hein? – a negra parecia impaciente. – Atrasei meu almoço por sua causa, vai ter que me pagar a sobremesa.
- Aproveita, Jana – Alexia se meteu. – O salário dele veio triplicado esse mês.
- Triplicado? Como assim triplicado? Que história é essa, Caio Monteiro?
- Minha comissão e minhas horas extras, Jana. Salvaram o meu mês. Nunca recebi tanto em toda a minha vida.
- Cachorro, safado, sarnento, desgraçado... Por isso que eu queria ficar aí na lInha branca. Viado do caralho!
- Desculpa, quem pode, pode – sorri. – Vamos almoçar?
- Depois dessa você é que vai pagar o meu almoço.
E eu paguei mesmo, mas só paguei porque estava usando o meu vale. Se fosse para usar meu salário, eu não teria feito isso.
.
Cheguei cantarolando na academia. O Wellington saiu ao meu encontro e eu percebi que havia algo de diferente no braço dele.
- Que tatuagem é essa? – bati o olho e não parei mais de analisar o formato daquele nome. – Quem é Alessandra? Sua namorada?
- Não, é a minha mãe. Curtiu?
- Ah, que legal! Nossa, bonita homenagem. Curti sim, ficou bacana.
- Estou fazendo um dragão nas costas, depois te mostro.
- Beleza.
- Agora vai lá se trocar, hoje tem aula de bike e eu quero que você participe.
- Aula de bike? Mas isso não vai me fazer queimar calorias?
- Vai, mas também vai ajudar na musculatura da perna e do glúteo. Anda logo, vai se trocar que já está quase começando.
Foi 1 hora de aula com um instrutor que eu não conhecia. Saí da sala pingando suor e quase não tive coragem para fazer meu treino diário.
- Nada de moleza – disse Wellington. – Agiliza isso aí, agiliza isso aí...
- Calma! Eu estou convalescendo aqui, deixa eu respirar um pouco.
- Respira enquanto puxa o ferro. Anda!
- Você deveria ser sargento, Deus me livre!
.
Quase não tive forças para subir as escadas de casa. Estava com as pernas leves demais, parecia até que eu estava flutuando.
- Por que está cambaleando? – perguntou Vinícius. – Está com tontura?
- Não, Vini. Eu fiz uma aula de bike na academia e não estou sentindo as minhas pernas direito.
Ele riu.
- Cuidado para não tropeçar e cair.
Quase que isso aconteceu mesmo. Tropecei no tapete e quase fui de cara com o chão, mas consegui me segurar na estante.
- Eu avisei – ele gargalhou e ajudou a me erguer.
- Obrigado – sentei ao lado do gostosão. – Como você está?
- Bem e você?
- Com dor no corpo todo. O Wellington judiou de mim hoje.
- Saudades de treinar – ele suspirou.
- Queria entender como você fica com esse corpo sem treinar?
- Alimentação correta, futebol de vez em quando, caminhada, abdominais em casa... Essas coisas.
- Nunca vi você fazendo abdominal em casa.
- Porque você nunca para em casa, só por isso. E sexo. Sexo também ajuda a manter a forma – Vinícius abriu aquele sorriso safado que me encantava.
- Safado! Você não presta... Lembrei que tenho que fazer uma coisa... Depois a gente se fala!
- O que você tem que fazer?
- É segredo, Vini. Até mais!
Nem sequer tomei banho. Fui direto ao assunto porque imaginei que o menino deveria estar muito aflito. Bati na porta do quarto e para minha surpresa, quem abriu foi o nanico do Éverton.
- E ai? – ele me fitou.
- Oi, Éverton! Esqueci que você ia voltar hoje. E aí, tudo bem?
- Aham e você?
- Também. Como foi de viagem?
- Bem e por aqui? Ficou sozinho, né?
- Fiquei sim, mas tranquilo. Eu me acostumei, não foi ruim.
- Ah, que bom. O que você quer? Falar comigo?
- Não é com o Kléber.
- Ah... Kléber, o Caio...
- Já vou!
- E aí, Maicon? – coloquei a cabeça no quarto. – Tudo bom?
- Fala, Caio! Beleza e você?
- Em ordem. Como foi de viagem?
- Bem, obrigado. Por aqui está tudo em ordem?
- Na mais tranquila paz.
- Oi? – ele apareceu. Aparentemente estava bem.
- Podemos conversar aquele assunto?
- Uhum – ele suspirou. – Vou sair, Miguel.
- Quer conversar no meu quarto? – perguntei quandoe ele passou e encostou a porta.
- Não, não quero conversar aqui. Se importa se a gente for até uma sorveteria aqui perto?
- Por mim tudo bem – dei de ombros. – Vamos então?
- Sim!
- Só vou guardar as minhas coisas. Se você quiser, pode me esperar lá na calçada, eu já vou descer.
- Fechou!
Entrei no quarto. Ele estava quente, parecia até uma sauna seca. Guardei o que tinha que guardar, peguei a carteira e abri a janela. Não entendi por qual motivo o Vini deixou a janela fechada. Será que tinha chovido?
- Desculpa a demora – falei quando pisei na calçada de casa. – Onde fica essa sorveteria?
- É aqui embaixo, vem comigo.
Eu segui o Kléber e percebi que o local era bem perto da nossa casa. Como eu ainda não tinha explorado o bairro, eu não sabia onde ficavam os lugares. Só sabia onde eram os pontos de ônibus, o mercado, a padaria e a farmácia.
- Aqui é bem legal, sabe? – ele puxou uma cadeira e sentou. – Eu venho aqui de vez em quando com o meu irmão.
- Parece ser legal mesmo. Tem sorvete de quê?
- De tudo que é sabor, mas eu recomendo um de abacaxi com vinho. Uma delícia.
- Então eu vou experimentar. Quer algum?
- Não, estou bem assim.
Mas eu comprei um pra ele. Talvez fosse mais fácil conversar com alguma coisa para se distrair. Acho que ele ia ficar mais calmo.
- Não... Não precisava. Obrigado.
- Quer ir direto ao assunto?
- Você é que sabe!
- Não vou fazer rodeios então. Nem te fazer perguntas porque eu já entendi tudo.
- Entendeu o quê?
- Entendi que você é gay. Simples assim. Ou eu estou mentindo?
- Quem disse pra você que eu sou gay?
- Ninguém precisou me dizer nada, eu vi você pegando a cueca do Vini. Não preciso de nenhuma prova maior que essa.
Ele ficou calado. Em nenhum momento Kléber olhou nos meus olhos e eu sabia o motivo pelo qual ele não estava fazendo isso. Era vergonha.
- Por que não se abre comigo? – questionei.
- E se eu for gay? O que você vai fazer? Vai me mandar embora da república? Vai falar para os meninos?
- De jeito nenhum – experimentei meu sorvete e gostei. – Não tenho direito de fazer isso com você. Você é, não é?
- Uhum – ele confirmou o que eu já sabia. – Vai ficar sem falar comigo?
Ele parecia comigo. Eu também tinha esses questionamentos. Será que todo gay fazia essa mesma pergunta quando saía do armário?
- Claro que não – fui firme. – Vou te tratar naturalmente, talvez até melhor do que antes.
- Por quê?
- Você não é assumido, né? – fugi da pergunta dele.
- Não. Só algumas pessoas sabem. Minha família, meu irmão, alguns amigos... E agora você!
- Compreendo. E sua família te aceita?
- Normal. Por que está fazendo essa pergunta? E por que disse que vai me tratar melhor do que antes?
- Suponho que o que estamos conversando aqui vá ficar só entre nós dois, certo?
- Na verdade não. O Miguel vai querer saber de tudo.
- E se eu pedir para você guardar um segredo, você seria capaz?
- Seria – foi a primeira vez que ele me olhou nos olhos. – Que segredo é esse?
- Você não imagina? Você nem sequer desconfia?
- Desconfiar de quê?
- Nunca percebeu nada com relação ao meu respeito? Nunca me olhou mais atentamente?
- Posso ser sincero?
- Deve – fiquei com medo do que ele ia falar.
- Desde o primeiro dia que te vi, senti algo esquisito por você. Não sei te explicar, é um sentimento muito estranho. É como se algo me dissesse para confiar em você, para me aproximar de você...
- Que estranho. E o que mais?
- Só. Eu te olho todos os dias e sinto essa coisa esquisita. É como se existisse algo por trás de você, não sei.
- Sabe por que você sente isso?
- Não. Queria entender.
- Porque nós somos iguais, Kléber.
- Como assim, iguais? Você também sente isso que eu sinto?
- Mais ou menos. Desde o primeiro segundo que eu te vi eu já sabia que você é homo.
- Eu tenho tanta pinta assim?
- Não é questão disso, também não sei te explicar. Eu bati o olho em você e já sabia que você gosta de homens.
- Mas por que? Por que você soube disso? Por acaso está escrito na minha testa que eu sou gay?
- Não é isso. É que um gay conhece outro de longe, filho.
- Hããããããããããããããããããããããã? – ele até deixou o sorvete cair na camiseta quando eu falei isso.
- Não precisa fazer essa cara de espanto – eu ri. – O que você ouviu é verdade antes que você me pergunte se eu estou falando sério.
- Ma-ma-ma-ma-mas como assim? Você também é do babado?
- Desde pequenininho. Nunca desconfiou?
- Claro que não, Caio! Você tem a maior pinta de hetero!
- Graças a Deus, assim eu sofro menos preconceito.
- Impossível você ser do babado, Caio! Impossível.
- Impossível por que? Não posso curtir a fruta? Qual o problema nisso? O que há de errado em ser gay?
- Nada, não há nada de errado em ser gay, mas é claro que você não está falando a verdade.
- Estou sim. Sua camiseta está suja.
Ele olhou pra baixo e nem ligou para a mancha de vinho que ficou na camiseta.
- É sério mesmo?
- É sério, porra. Acha que eu vou mentir com uma coisa dessas?
- Estou bege! Me belisca para ver se eu não estou sonhando, por favor.
Fiz o que ele me mandou e depois eu quase apanhei.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI, PORRA – ele passou a mão no antebraço. – Era só uma força de expressão!
- Eu só fiz o que você me mandou – dei de ombros. – Entendeu agora porque eu não vou te denunciar?
- Estou passada!
Ele usou esse termo mesmo. “Passada” ao invés de “passado”.
- Não sei por que, mas tudo bem. Agora eu só quero entender por que diabos você pegou a cueca do Vinícius?
- Ah, não resisti. Ele é um tesão. É uma delícia, é um pão de mel, é um gostoso... Ah, se eu pego eu me acabo!
- Só que você tem que ser mais discreto, garoto – aconselhei. – Os outros meninos também acham que você é do babado...
- Acham? Quem acha?
- O Éverton, o Maicon, o Rodrigo...
- Eles acham, é? Puta merda e agora?
- Agora você vai continuar sendo você mesmo, só vai ser mais discreto. Já pensou se um deles te pega com a cueca do Vini na mão? Eles no mínimo iam te dar um monte de socos.
- Deus me livre! Eu vacilei mesmo.
- Vacilou bonito. Ainda bem que fui eu que te peguei no flagra.
- É ainda bem! Mas eu ainda estou passado com essa revelação.
- Esse é o segredo que eu preciso que você guarde, tudo bem?
- Claro! Eu vou guardar porque você também vai guardar o meu, certo?
- Certíssimo. Entendeu agora por que eu disse que iria te tratar até melhor do que eu tratava antes?
- Agora eu entendi sim. Posso te fazer umas perguntas?
- Pode.
- Você é assumido?
- Praticamente – falei. – Só não contei ainda para alguns amigos, mas a maioria já sabe.
- Os caras da república sabem?
- Só não o Éverton, o Maicon e o seu irmão. O resto sim.
- E eles te aceitam?
- Numa boa, graças a Deus!
- E sua família?
- Minha família não me aceita – terminei o meu sorvete. – Eles me expulsaram de casa quando ficaram sabendo.
- Sério?
Fiz um resumo de tudo o que aconteceu. Já que era pra abrir o jogo, falei tudo de uma vez.
- Complicado – ele fez cara de triste. – Mas já superou?
- Superar eu não superei, mas consigo conviver numa boa com isso hoje em dia. Já passaram 2 anos e 7 meses, então tudo está adormecido dentro de mim, mas a dor ainda existe.
- Imagino! E você namora?
- Não e não quero namorar tão cedo.
- Por que não?
- Porque eu já sofri muito na mão dos meus ex-namorados.
- Quantos namorados você teve?
- 2. 2 filhos da puta, não sei quem é pior.
- Por quê?
- Porque os dois me traíram e um deles ainda me largou e foi morar na Espanha.
- Sério? Porra, você não dá sorte então...
- Pois é. Cheguei a conclusão que o amor não foi feito pra mim, portanto eu quero ficar sozinho.
Era mentira. Era uma mentira imensa. Eu queria um amor sim, mas um amor verdadeiro e fiel.
- Entendi. Eu também não dou sorte com namorados. Tive 3 e nenhum prestou. Fui traído também e um deles eu não gostava.
- Se não gostava por que namorou?
- Porque ele insistiu muito, mas eu dei um pé na bunda. Nem bom de cama ele era, então não rola.
- Que horror! Você fica com um cara só se ele for bom de cama?
- É um dos principais motivos. Sou sincero.
- Gosto de pessoas sinceras.
- Promete que não vai falar nada? Jura que isso tudo vai ficar só entre nós dois?
- Desde que você não conte nada aos meninos, por mim tudo bem.
- Boquinha de sirí aqui – ele passou o zíper na boca.
- Então estamos combinados. Só fica atento para não fazer mais isso.
- Ah, mas vamos combinar? Fala se aquele Vinícius não é tesudo?
- Até demais – eu suspirei e cocei a nuca. Fiquei com saudades da época em que ele me usou de cobaia para sexo.
- E os outros também são. Só quem é meio zoado é o Maicon e o Éverton. E eles caíram bem no meu quarto. Não dou sorte.
- Eu acho eles bonitinhos...
- Aonde? O Éverton tem meio metro e o Maicon é sem sal. Bom mesmo é o Vini... Não estou resistindo mais... Principalmente quando ele anda de cueca pela casa...
- O que acha do Fabrício?
- Gostoso também.
- E se eu te falar que ele dorme pelado?
- MENTIRA? Muda de quarto comigo agora!
- Na-na-ni-na-não – eu ri. – O quarto é meu e eu vou ficar onde estou.
- Bicha má... Vai ter que dividir essa visão do paraíso comigo, Caio!
- Você que se vire então pra ver, eu não vou mudar de quarto.
- É grande? – ele mordeu os lábios.
- Um pouco.
- Sério? Já viu duro?
- Uma vez quando ele estava dormindo. É meio grandinho.
- É grosso?
- Mais ou menos. É normal eu acho.
- É peludo?
- Isso é. Varia porque às vezes ele dá uma aparada.
- Delícia – percebi que o Kléber ficou todo alvoroçado. – Quero ver isso, Caio!
- Se vira nos 30 e dá seus pulos – brinquei.
- Malvado! Você adora me maltratar, vive me dando sustos e agora fica negando o ouro...
- Mudando o foco, e o Rodrigo? O que acha?
- Ele é bonito, mas aquela cicatriz na barriga dele é feia demais. O que foi aquilo?
- Apendicite. Faz pouco tempo que aconteceu, não gosto nem de lembrar. Foi uma época horrível.
- Ah! Desconfiei que tivesse sido isso.
- A cicatriz já está desaparecendo, ele está passando um negócio lá que o médico mandou. Vai ficar só um arranhão.
- Imenso, né? Um arranhão imenso!
- Isso é só um detalhe. Ele vai fazer uma tatuagem por cima mais pra frente.
- Ah, aí vai ser legal. Ele é gato, mas não faz meu tipo.
- Por quê?
- Ele é moleque demais. É meio crianção ainda.
- Ele é mais velho que você... Não é molecão não.
- É sim. O jeito que ele se veste é meio de adolescente. Meio largado demais.
- Isso nem é problema. O que vale é o coração e posso te garantir que o coração dele é mais valioso que ouro. Ele é meu melhor amigo e sempre será!
- E desde quando um hetero tem um melhor amigo gay?
- Sabe Kléber, eu não acho nada pior do que um gay preconceituoso!
- Hã? Não entendi.
- Você é gay e é preconceituoso! Onde é que já se viu? Qual o problema dele ser meu melhor amigo? Por que ele não poderia ser meu melhor amigo? Só por que é hetero?
- Não sou preconceituoso, mas isso é esquisito! Um hetero não costuma ter amizade com um gay. É por isso que eu não me abri ainda com eles...
- Eu também pensava isso, mas me enganei. Os meninos são prova... Eu fui rejeitado pela minha família e fui aceito por eles! Normalmente teria que ser o contrário.
- Nisso você tem razão. Podemos voltar pra casa? Acho que já foi tudo esclarecido, né?
- Verdade. Nosso segredo, beleza?
- Nosso segredo!
- Então vamos embora porque já é muito tarde, já passou da meia noite e amanhã eu acordo cedo.
- Eu também.
- Você também por que? Amanhã não tem aula, as aulas ainda não começaram.
- Mas eu já tenho que me acostumar com o ritmo de novo, entendeu?
- Ah, sim. Saquei.
Fiquei feliz em me abrir com o Kléber e de saber um pouco mais sobre a vida dele. Seria bom ter um amigo que curtia as mesmas coisas que eu por perto, pelo menos eu ia poder me abrir com ele de vez em quando e vice-versa, se bem que provavelmente ele deveria se abrir sempre com o irmão, né?
.
Chegar em casa e dar de cara com o Rodrigo me fez subir pro céu.
- Que saudade, que saudade – eu falei quando ele me abraçou.
- Eu também. Você está bom?
- Aham e você?
- Maravilhosamente bem.
- Nossa! Você engordou...
- Obrigado, Caio! Obrigado pelo elogio... Eu fico fora praticamente 2 meses e qusndo volto é assim que você me recebe? Não, desse jeito não dá!
- Desculpa, foi mais forte que eu. O que a comida da mamãe não faz, né?
- Ah, nem me fala. Ela fez cada coisa gostosa... Toda hora aparecia com um docinho, um queijinho, um pãozinho... O resultado foi esse: 5 quilos mais gordo.
- Tudo isso?
- Tudo isso! Vou ter que voltar a malhar agora pra voltar ao meu peso certo.
- Você tem que ficar gostosinho que nem os meninos, Digow.
- É tenho mesmo, preciso arrumar uma namorada esse ano.
- Precisa? – já fiquei com ciúmes.
- Preciso, estou sozinho há muito tempo. Não aguento mais ficar sozinho.
- Antes de começar a namorar, a menina vai ter que passar pela minha aprovação.
- Ah, e é assim que funciona, é? – ele sorriu.
- Claro! Você disse a mesma coisa pra mim, lembra?
- Lógico que lembro!
Eu tinha certeza que a gente só ia deixar o papo em dia depois de uma semana.
Dois dias depois dele aparecer, foi a vez do Fabrício voltar. Ele foi o último a sair de férias e o último a voltar. O rapaz chegou faltando 1 dia para o início do semestre na faculdade.
- Ainda estou com remorso por ter te deixado sozinho – ele suspirou.
- Nem fica grilado, eu me adaptei muito bem. Fica em paz, de coração.
Não estava com mágoa por ele ter viajado, muito pelo contrário. Ficaria se ele tivesse ficado e não tivesse curtido a família.
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Quando eu entrei na quadra da Salgueiro, um arrepio percorreu toda a minha espinha dorsal.
- O que é isso? Um formigueiro? – perguntei.
- Semana de carnaval é assim mesmo – disse Janaína. – Vamos lá pro meio da muvuca.
Fiquei um pouco desolado, mas quando me soltei foi de vez. Ver a Janaína e a Alexia sambando me deixou solto para fazer o mesmo, mas eu não mandei nada bem na tentativa de dançar.
- Como você é desengonçado, Caio – Alexia riu.
- Vamos dar uma aulinha pra ele, amiga.
E foi assim a madrugada toda. Janaína, Alexia e eu quase não conseguimos parar de rir. Foi engraçado e divertido demais.
- Você vai pro desfile com a gente? – perguntou Janaína.
- Vou, Jana! Só vou pra você parar de encher meu saco.
- Você vai ver que é muito bom – disse Alexia.
- Vai ter gatinhos pra paquerar? – perguntei.
- Isso é o que não vai faltar.
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E não é que para a minha total surpresa, o Rodrigo e o Fabrício também foram ao sambódromo?
- Que energia maravilhosa – falou Janaína. – Daqui a pouco eu vou me acabar de tanto dançar nesse lugar.
- Eu também amiga – disse Alexia.
Foi cansativo, mas lindo. Ver os desfiles tão de pertinho me deixou com gostinho de “quero mais”. Se eu soubesse que era tão bom, eu teria ido desde o ano de 2.006.
Dancei, mas não tanto como as meninas. Fiquei praticamente sozinho porque o Rodrigo e o Fabrício foram na intenção de passar o rodo. E realmente fizeram isso.
- Quantas? – perguntou Fabrício.
- 12 e você? – perguntou Rodrigo.
- 13. Estou ganhando, hein? Lembra que apostamos uma caixa de cerveja!
- Não vou esquecer. Deixa que eu vou me recuperar...
- Vem, Caio – Jana me puxou pelo pulso esquerdo. – Vamos cair no samba, gato.
- Sou péssimo nisso, Jana!
- Não importa, mexe só os braços e já era.
- Bem que isso poderia ser mais fácil. Acho que vou fazer dança de salão para arrasar no ano que vem.
- Se você fizer, me chama que eu também quero – falou Alexia.
- A gente pode combinar...
Mas foi quando a Beija-Flor entrou na avenida que eu senti algo diferente. Estava gostando muito de todos os desfiles, a energia estava muito boa, mas quando essa escola começou a desfilar, o meu coração disparou e eu me joguei de vez e caí na dança.
- Isso, Caio! Se libera, amigo – falou Alexia.
- Que bateria é essa? – comentei. – Arrepia até a alma!
- Né?
- Gente? – Janaína parou de dançar e puxou os nossos braços. – Estão vendo aquela senhora ali?
- Sim – falou Alexia.
- O que é que tem? – perguntei.
- Meu... Enquanto ela samba ela está soltando uns gases tóxicos pelas nádegas. Eu já estou ficando até amarela ao invés de negra!
Alexia e eu rimos demais. A Janaína só poderia ser louca...
- Quer parar de graça? – bati na nuca dela.
- É verdade, menino! Fica aqui e sente o cheiro de ovo podre.
E não é que era verdade? Eu senti um cheiro super desagradável quando fiquei no lugar da Janaína e achei isso uma grande falta de educação por parte daquela senhora.
- Credo em cruz – tampei o nariz e só não saí correndo porque o camarote estava cheio demais.
- Ninguém merece – Janaína começou a se abanar e a Alexia não parou de rir um segundo sequer.
E assim foi indo até a última escola sair da avenida do samba. Se eu pudesse, iria novamente no outro dia, mas seria pedir demais.
- Quantas? – perguntou Rodrigo.
- Fechei com 21 e você? – o gostosão abriu um sorriso safado.
- Putz... Perdi! Fiquei só com 17.
- Só? – eu me meti. – Você diz só?
- Por se tratar de carnaval é pouco – Rodrigo deu de ombros. – Queria ter ficado com mais, mas o Fabrício me venceu. Vou pagar uma caixa de cerva pra ele!
- Mas eu divido com você, parceiro – Fabrício passou o braço pelo pescoço do meu amigo. – Eu disse que ia ganhar de você.
- Espero que não esteja roubando, hein?
- Não confia em mim, filho da puta?
- Confio desconfiando – Rodrigo brincou.
- E você, Caio? Não pegou ninguém?
- Não – falei. – Aqui não tem como rolar.
O Rodrigo já sabia que eu tinha aberto o jogo com o Fabrício e me apoiou na minha decisão de falar a verdade.
- Como é bom não ter que se esconder, né? – ele comentou.
- Bom? É excelente! Agora nós podemos ir para casa? Eu estou sem pés...
- Espera, eu só vou me despedir da Alexia – disse Rodrigo.
Ainda bem que ele voltou rápido, porque se tivesse demorado muito, eu teria largado o meu melhor amigo para trás.
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Ganhar mais 5 dias de folga me ajudou bastante. Eu pude recuperar a minha marquinha de sunga que já estava sumindo e pude descansar bastante também.
- Que vida boa é essa? – perguntou Miguel. – Não trabalha mais não?
- Estou de folga – expliquei.
- De novo?
- São 5 dias. Ainda faltam 3.
- Que delícia, hein? Vai ficar em casa?
- Vou!
- Se alguém me ligar, pede para ligar no meu celular, por favor?
- Pode deixar.
- Até mais então. E obrigado.
- Até, por nada.
Aproveitei essas folgas para arrumar minhas coisas. Precisei separar umas roupas que eu não ia mais usar para doação e isso deixou um espaço vago na minha gaveta da cômoda. Era hora de renovar o vestuário novamente.
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Fevereiro estava na metade e eu ainda não tinha feito nada do que queria para mudanças no meu ano de 2.008.
Falei que queria estudar, queria conhecer pessoas novas, lugares novos e não me mexi para nada disso acontecer.
O fato é que eu precisava saber se ia ser selecionado ou não na 3ª e última chamada do ProUni.
Enquanto isso não acontecesse, eu não ia poder me matricular em nenhum curso. Vai que eu passasse... Como ia ficar?
- E aí? – Duda me cutucou. – Quanto recebeu de comissão esse mês?
- Menos da metade do que recebi em janeiro, mas está ótimo.
- Eu não disse?
- Disse!
- Esqueci que esse mês tem 29 dias. Não gosto de anos bissextos.
- Por que? – estranhei.
- Sei lá. Parece que é longo demais.
- Um dia a mais só, Duda. Nem faz muita diferença.
- Não vejo a hora de chegar dia 1º de março...
- Calma, as suas férias estão chegando. Relaxa.
- Falando em férias, logo, logo o senhor completa 1 ano de empresa, né?
- Sim! O tempo passa rápido, né?
- Verdade. Parece que foi ontem que você chegou aqui.
- Parece mesmo.
- Quando vai querer suas férias?
- Não vou querer tão cedo. Pode retardar o máximo que você conseguir.
- Você é doido? Tem que descansar, menino!
- Já estou muito descansado, quero férias não.
- Por que não aproveita e viaja um pouco?
- Seria uma boa, mas não rola. Viajar sozinho é muito ruim.
- Ah, eu adorava viajar sozinha. Pena que inventei de casar e tudo foi pro espaço. Adeus, liberdade.
- Que horror, Eduarda – eu ri.
- É verdade, menino. Quer um sonselho? Nunca se case.
- Eu não acharia estranho se estivesse ouvindo isso de qualquer pessoa, Duda... Menos de você!
- Estou brincando, Caio – ela sorriu. – Era só pra ver sua reação.
- Aham, sei!
- EDUARDA, JONAS... – uma funcionária começou a gritar. – A PATRÍCIA DESMAIOU!
Foi a maior algazarra. Até os clientes foram acudir a vendedora de móveis. Ficou um clima muito estranho na loja.
- Eu já estou melhor – ouvi a moça dizer. – Eu já estou melhor.
- Pega um copo com água pra ela, Jonas... – pediu Eduarda. – O que você está sentindo?
- Náusea, mas já estou melhor.
- Tem certeza? Melhor você ir ao médico.
- Não precisa, Duda...
- Precisa sim senhora! Pegue suas coisas que nós vamos ao médico. Não posso deixar você passando mal assim dentro da empresa.
- Mas eu já estou melhor...
- Você está gelada, pálida! Não está bem, sua pressão deve estar baixa. Jana, pega as coisas dela e vem comigo, vamos levá-la ao pronto socorro.
Patrícia era a nova peguete do Gabriel. Pelo que percebi, ele ficou todo preocupado com a nova conquista da loja. Pelo que eu estava sabendo, depois da Alexia ele já tinha ficado com umas 4 ou 5 meninas da filial.
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Eduarda, Janaína e Patrícia só voltaram no final do meu expediente. Se elas tivessem demorado mais 5 minutos, eu teria ido embora sem saber o que tinha realmente acontecido.
- Como você está? – perguntei,
- Melhor, Caio. Obrigada.
- Já sabe o que aconteceu?
- Nada demais – ela não pareceu ser sincera. – Só queda de pressão mesmo.
- Ah, que bom. Fico feliz que você esteja melhor. Se cuida.
- Obrigada, Caio.
Em seguida eu fui falar com a Janaína. Não engoli aquela história que ela estava só com a pressão baixa, a Patrícia não me passou segurança naquela informação.
- E aí? O que aconteceu com a doida?
- Adivinha? – Jana parecia apreensiva.
- O quê? Fala logo, eu tenho que ir embora.
- A bonita está buchuda!
- O QUÊ? – fiquei abismado. – Não creio!!!
- Creia. É a mais pura verdade. Gabriel vai ser papai.
- Puta que pariu... O que será que a Alexia vai fazer quando ela souber?
- Essa é a minha preocupação. Se bem que passou tanto tempo, Caio... Será que ela ainda gosta dele?
- Quem ama nunca esquece, Jana. Sou prova disso.
- Ainda pensando no Bruno?
- Às vezes sim. Não vou mentir e falar que estou pensando como pensava no começo, mas às vezes eu ainda lembro dele sim.
- Complicado. E agora? Eu falo ou não falo?
- Olha, melhor ela saber pela gente do que saber pela rádio peão. Daqui a pouco a loja toda vai estar sabendo.
- Então você vai ter que me ajudar nessa, Caio.
- Eu ajudo, só preciso de coragem...
- É dois!
Janaína e eu nos aproximamos da branquela da Alexia. Ela estava cantarolando uma música que tocava no rádio.
- Nossa, que honra ter vocês no meu departamento – ela sorriu.
- Sua linda – Janaína foi logo segurando no braço da nossa amiga. – Nós temos que contar uma coisa pra você.
- O quê? – ela já ficou toda curiosa.
- É algo meio chato, Alexia – falei.
- O que é? Falem logo, já me deixaram curiosa.
- É algo sobre o Gabriel – complementei a frase.
- O que tem ele?
- O que você sente por ele, amiga? – perguntou Janaína.
- Só um carinho de amiga, Jana!
- É sério mesmo?
- Sim, Caio! Por que estão me perguntando isso?
- Porque aconteceu algo hoje... – disse Janaína. – Que vai mudar a vida dele.
- E o que seria? Ele saiu da loja por acaso? Não saiu, ele está ali com a namoradinha dele.
- Pois é... É sobre isso também...
- O que tem? Eles terminaram? Que dó dessa daí, deve ser só mais uma na lista de conquistas dele.
- Não é bem isso, Alexia – tentei ser cauteloso. – Você viu que ela passou mal hoje, né?
- Vi! E daí?
- E daí que ela está grávida, amiga – Janaína falou de uma vez.
- Grávida? – Alexia ficou meio sem reação. – Quem disse?
- Eu fui ao médico com ela e a Eduarda – explicou Janaína. – Ela fez um exame de sangue e comprovou a gravidez, amiga.
- Ah é, é? Que bom pra eles! Que sejam muito felizes com esse neném.
- Não está sentindo nada? – perguntei. – Raiva? Vontade de chorar?
- Estou meio vazia, só isso. Por mim, eles façam o que quiserem da vida deles. ele já me largou mesmo, estou ótima agora. Foda-se.
- Ufa – Janaína suspirou aliviada. – Pensei que você ia ficar mal.
- Que nada! A vida é deles, eu não tenho nada a ver com isso.
- Ainda bem que você pensa desse jeito, amiga – falei. – Agora eu estou aliviado.
- Pode ficar, Caio – Alexia me fitou. – Eu juro que não quero saber de mais nada com relação a esse garoto.
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- Onde está o Gabriel, Caio? – perguntou Wellington.
- Não sei. Ele não chegou ainda?
- Não!
- Não faço ideia do que possa ter acontecido.
Mas 5 minutos depois eu lembrei da gravidez da Patrícia. Então esse era o motivo pelo qual ele não foi treinar. E para o Gabriel não ir treinar, algo muito grave teria que acontecer. Esse foi um motivo plausível.
- 5, 4, 3, 2, 1 e descansa – falou Well. – Vou ali com uma aluna e já volto, beleza? Descansa aí e não começa a próxima série sem mim, hein?
- Pode deixar.
Um bebê. Gabriel ia ter um bebê. Fiquei pensando e cheguei a conclusão que era isso que ele merecia. Ter um filho talvez fizesse com que o rapaz sossegasse o facho um pouco. Ou não, né? Vai saber...
Quando eu peguei o meu celular no vestiário, percebi que havia recebido uma mensagem de texto, mas não conhecia o número que apareceu no meu visor.
- Ué? De quem será?
Apertei o botão verde e a mensagem apareceu diante dos meus olhos:
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“Olá.”.
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Foi só isso que a pessoa mandou. Eu achei estranho. Quem teria me mandado aquele torpedo? Será que tinha sido engano?
Provavelmente sim, porque quem me mandaria só um simples “olá”? Talvez a pessoa que mandou digitou um número errado. É, deveria ser isso. Não era nada demais então apaguei a mensagem em seguida. Nem dei muita atenção ao fato.
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Quando eu fui me despedir da Eduarda na noite seguinte, ela me entregou dois bombons de presente.
- Pra que isso? Quer fazer o meu personal me matar?
- Não! É só pelo fato que estou saindo de férias – ela sorriu.
- Mas suas férias não eram em março? – estranhei.
- E são. Acontece que eu tenho muito banco de horas e várias extras, consegue pegar alguns dias a mais!
- Ah, danada! Então amanhã você não está mais aqui... Coitadinho do Jonas!
- Mas em maio é a vez dele sair e eu me lasco todinha...
- Maio está longe ainda! Então boas férias, chefa! Descansa bastante e volta novinha em folha.
- Pode deixar, Caio – ela me apertou. – Bom trabalho aí e comporte-se.
- Eu sempre me comporto!
- Assim espero, assim espero.
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ALGUNS DIAS DEPOIS...
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Gabriel estava muito alienado e eu não sabia se era felicidade ou tristeza pela gravidez da namorada.
A notícia se espalhou pela loja como rastilho de pólvora. Todo mundo estava sabendo que ela estava grávida e as meninas com as quais o Gabriel ficou, não ficaram nada contentes com essa novidade,
- Olha a cara da Fernanda – disse Janaína. – Ela está fuzilando a Paty com os olhos.
- Normal – falei. – Deve ser inveja. Deixa eu ir amiga, hoje é dia de resultado do ProUni e meu amigo já me ligou umas cem vezes para saber se eu saí da loja.
- Ai, boa sorte, amor.
- Obrigado.
Me despedi da Alexia, do futuro papai e do Jonas e enfim saí. Quando coloquei os pés na escada rolante, ele me atendeu:
- Vai demorar muito para chegar em casa?
- Acabei de sair da loja, ainda vou treinar. Só chegarei no mesmo horário de sempre.
- Por que não deixa pra treinar amanhã e vem direto pra cá?
- Porque não sou igual a você que vive falando que vai pra academia e nunca vai. Eu preciso manter o ritmo, se faltar hoje eu quebro todo o meu treino.
- Então vê se faz um treino mais rápido e vem voando pra cá porque eu não aguento mais de tanta ansiedade.
- Calma, Digow. Você é ansioso demais!
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Quando eu abri a porta da minha casa, percebi que ele estava no topo da escada.
- Quer fazer o favor de subir logo?
- Não estou com pressa!
Subi os degraus sem correria. Eu fiz de propósito só para aumentar a ansiedade do meu melhor amigo.
- Desse jeito você vai me matar, Deus me livre!
- Meu... Você deve ter nascido de 5 meses, só pode. Pelo amor, que ansiedade é essa? Eu não devo ter passado nessa porra...
- Que pessimismo, hein Caio? – Fabrício estava na sala com todos os demais componentes da república.
- Se eu não passei antes, vou passar agora? Até parece!
- Vem, vamos tirar a prova no quarto – Rodrigo me puxou com força pelos braços.
- Já vou, não precisa me puxar.
Para o meu total espanto, a página do MEC já estava aberta no meu notebook. Eu só ia precisar logar com meus dados para ter a resposta que o Digow tanto desejava.
- Loga logo...
- Calma! Antes eu vou abrir o MSN e o Orkut...
- Puta que pariu, Caio... Assim não dá! Depois dessa eu vou até mijar... Anda logo com isso aí!
Sorri e assim que ele saiu, eu coloquei os meus dados. Eu tinha certeza que não tinha passado. Já estava até vendo as 5 bolinhas vermelhas informando que eu não havia sido selecionado para nenhum curso.
Mas... A não ser que eu estivesse daltônico ou com algum problema de visão, havia 1 bolinha verde no meio de 4 vermelhas...
Será que era isso mesmo? Eu não estava acreditando... Eu... Eu tinha sido escolhido... Eu tinha passado no ProUni... Eu tinha... Eu tinha... Conseguido uma bolsa de estudos... Uma bolsa de estudos de 100%... Uma bolsa de estudos para o curso de Recursos Humanos!!!
- RODRIGOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO – eu gritei totalmente eufórico. Só nesse momento eu percebi que tinha ficado sem ar. – RODRIGOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO...
- O que foi? – ele voltou correndo pro quarto.
- O que aconteceu, Caio? – perguntou Fabrício.
- Que gritaria é essa, doido? – Vinícius também entrou no quarto.
- EU PASSEI, GENTE! EU PASSEI NO PROUNI!!!
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