Sair da faculdade me animou bastante porque eu tinha certeza que à partir daquele momento o sono não iria mais fazer parte da minha vida.
E encontrar o Rodrigo me esperando na saída me animou mais ainda.
- Oi – falei, um pouco sem graça.
- Oi – ele também me pareceu tímido. – Como foi o seu dia?
- Monótono e o seu?
- O meu também. Sem contar que eu estava morrendo de sono.
- Dois, mas o meu passou quando o último sinal bateu.
- É o meu também. Vamos treinar?
- Claro!
O garoto e eu seguimos pra academia, mas não trocamos uma palavra sequer durante todo o caminho. Acho que ele estava pensando no que tinha acontecido.
Trocamos de roupa e enquanto isso aconteceu, trocamos também um breve olhar. Percorri meus olhos por todo o coropo dele, mas me detive obviamente no volume da cueca.
Será que era grande como o do Vinícius? Será que era grosso? Cheiroso? Peludo? Eu tinha tantas dúvidas...
Tentei desviar os meus pensamentos e tentei focar no meu treino. Eu não tinha lá muito tempo para ficar perdendo com coisas supérfluas...
- Vamos? – perguntei.
- Uhum – ele assentiu.
Procurei o Felipe e levei o Diguinho comigo. Quando os dois se viram, ambos ficaram surpresos:
- Você? – Rodrigo se espantou.
- Eu lembro de você, mas não me recordo seu nome...
- Rodrigo – ele falou.
- Ah, é verdade. Desculpa a falta de memória. Quer dizer que vocês treinam juntos aqui também?
- Na verdade o Rodrigo faz há pouco tempo – eu comentei. – Bem que você poderia ser o treinador dele, né?
- Claro! Eu estou quase sem alunos... Se quiser eu te encaixo numa boa.
- Ah, eu quero – ele assentiu. – Obrigado.
- Então vai treinando aí, Caio. Eu vou fazer um treino pra ele, beleza?
- Tranquilo.
Meu parceiro e eu nos olhamos e trocamos um sorriso sem graça antes dele acompanhar o Felipe.
- A gente se vê mais tarde – falei.
- É, a gente se vê!
.
- Que cara de peixe morto é essa? – Alexia me procurou no meio do expediente.
- Ah, amiga – eu suspirei profundamente. – Acho que eu estou apaixonado.
- Mentiraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa? Quem é o bofe?
Claro que eu não podia falar pra Alexia que se tratava do Rodrigo não é? Eles ficaram por um tempo e eu não estava com a menor vontade de causar um curto circuito no cérebro da minha amiga.
- Um carinha aí que você não conhece – menti.
- Mas me conta, amado! É da faculdade? Como ele se chama? Qual a idade? É rico? É pobre? Não mora na Rocinha não, né? Ele é bonito? É gostoso...?
- Caaaaalma, Alexia! – eu dei risada. – Desse jeito você me enlouquece, garota!
- Me fala, criatura – ela me sacodiu. – Eu estou curiosa!
Eu respondi tudo o que ela queria saber. Inventei que era um cara da faculdade e não dei maiores detalhes sobre o assunto. Na verdade, eu nem deveria ter me aberto com ela e sim com a Janaína.
Isso aconteceu ainda naquele dia, mas só quando ela estava prestes a ir embora:
- O que você tem hoje, menino? Parece que está no mundo da lua!
- E estou mesmo, Jana. Aconteceu algo e eu quero um conselho seu.
- O que houve? Não me diga que você aceitou o meu convite para assaltar o Banco Central?
- Não, louca. Não é isso...
- O que é então?
- Ai, Jana... Acho que eu estou apaixonado!
- Apaixonado? Então por isso que você está com essa cara de idiota?
- Hã? – nem me abalei.
- Meu Deus... O Caio deu pane... Temos que mandá-lo pro manicômio!
- Pra quê? Eu estou apaixonado, não estou louco!
- É a mesma coisa, queridinho. Brincadeira! Mas me conta, quem é o coitado, quero dizero, o felizardo?
- Se eu te contar você jura pela alma de todos os seus familiares que você não conta pra Alexia?
- Juro! Juro por Deus, pelos santos do mundo todo. Fala quem é que eu preciso ir embora.
- Eu acho que eu estou gostando do meu melhor amigo.
- Que melhor amigo? O que isso tem a ver com a Alexia?
- Acontece que o meu melhor amigo é o Rodrigo, ex-ficante da Alexia...
- ESTOU PRETA PASSADA NA CHAPINHA! – ela esbugalhou os olhos e deu um pulo no meio da loja. – PELA SAIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA, QUE HISTÓRIA É ESSA?
- Será que você pode ser um pouco mais discreta? – eu até fiquei vermelho porque alguns clientes e vendedores olharam para nós.
- Meninooooooooooooooooooooooooooo – ela agarrou os meus braços. – Me conta isso direito, pelo amor de Deus!
- Ah, Jana – eu suspirei. – Eu não sei o que está acontecendo, sabe?
- Caio do céu... Eu nunca te vi desse jeito antes, menino! Estou preta torrada no ferro de passar... Que babado fortíssimo...
- Nem me fala!
- Vocês ficaram?
- Não, mas ontem ele dormiu na minha cama.
- MENTIRA?
- Verdade. Primeiro eu sonhei que nós dois estávamos ficando e que ele me pedia em namoro daí eu acordei e ele estava lá do meu lado, porque tipo, eu chamei o nome dele no sonho né, aí ele ficou meio preocupado e foi ver o que estava acontecendo comigo...
- Estou passada!
- Daí eu disse que estava carente e pedi pra ele dormir comigo e ele dormiu!
- Puta que pariu... E aí? Rolou?
- Não, não rolou nada. Na verdade eu não sei se ele curte a parada ou não...
- Mas vocês dormiram na mesma cama, né?
- Uhum.
- Mas dormiram separados ou agarradinhos?
- De conchinha...
Foi a primeira vez que eu vi a Janaína ficar perplexa de verdade. A fisionomia de incredulidade dela foi tão engraçada, mas tão engraçada que só me restou rir.
- Tô preta – ela falou.
- O que eu faço, Jana? Me dá uma luz, por favor...
- Como assim o que você faz, meu filho? Arranca logo a cueca do moço e parte pro abraço! Qual é a chance dele não estar a fim de você? NENHUMA!
- Será, Jana? Eu tenho as minhas dúvidas.
- Meu... O cara dormiu agarrado com você, qual a chance dele não curtir?
- Ele é hetero demais, Jana! Hetero demais...
- Nenhum hetero dorme agarrado com um gay, desculpa. Ele não é hetero!
- Será?
- Hello? Em que mundo você vive? Qual hetero dorme agarrado e de conchinha com um gay? Isso não existe, Caio!
- Eu já pensei nisso, mas o que eu faço pelo amor de Deus?
- Fácil: arranca logo a cueca e parte pro abraço.
- Ah, se fosse fácil assim, Janaína Santos! Se fosse fácil assim – eu suspirei.
- Calma lá que eu tenho que bater meu ponto. Se você se mexer um centímetro daí eu quebro todos os seus dentes em uma bofetada só. Espera, eu já volto!
Fiquei rindo sozinho. Só a Janaína mesmo pra me fazer rir numa situação daquelas. Ainda bem que ela foi e voltou rapidinho.
- Caio Monteiro do céu, isso é um babado fortíssimo. O Rodrigo é um lindo, pega logo, menino!
- Bem que eu queria. Então você acha que eu devo investir?
- Só se você for burro para não fazer isso. O cara está babando por você pelo que você contou. Não perde mais tempo, faz logo o que tiver que fazer e agarra esse partidão, meu filho!
- Ai, Jaaaaaaaaaana – eu agarrei a minha amiga. – Eu estou tão confuso!
- Nunca te vi desse jeito, criança. Ou isso é amor, ou é amor. Das duas uma!
Caímos na gargalhada e em seguida ela me deu um super beijo na bochecha.
- Parte pro investimento, hein? – ela me olhou no fundo dos olhos. – Amanhã eu quero novidades.
- Eu vou ver o que eu faço – suspirei e fechei os olhos.
- Arranca a cueca do Rodrigo e o resto você já sabe o que tem que fazer.
- Besta – senti o meu rosto queimar. – Obrigado pelo conselho.
- Disponha. Não esquece de fazer o investimento. É sério!
- Vou tentar. Bom descanso, amiga. Te adoro.
- Eu te adoro também, bom término de expediente e boa sorte com o bofe hoje.
- Obrigado – suspirei de novo.
.
- Eu posso saber por que você está tão calado hoje? – perguntou Jonas. – Nem trocou ideia comigo direito.
- Ah desculpa, chefe. Eu estou com um problema pessoal e isso está me matando.
- Quer conversar sobre o assunto? – ele abriu a torneira e começou a lavar as mãos.
- Falou, rapaziada – um dos vendedores abandonou o vestiário.
- Nâo – me olhei no espelho e dei uma ajeitada nos cabelos. – Não vai adiantar nada e você não entenderia também.
- Como quiser – Jonas secou as mãos e deu um tapa no meu ombro. – Vamos?
- Aham.
Quando peguei meu celular, me deparei com 17 mensagens recebidas. Olhei os remetentes e uma delas era do Rodrigo, todas as outras do admirador secreto. Abri a dele primeiro:
.
“Queria te esperar acordado pra gente conversar um pouco, mas não estou aguentando o sono e talvez não esteja acordado quando você chegar. Se isso acontecer, saiba que eu gosto de você pra caralho, beleza? Boa noite, DIGUINHO.”.
.
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu abri um sorriso enorme.
- Que lindo! – me derreti todinho.
- Eu sei que sou lindo, obrigado – Jonas falou, mas eu nem dei atenção. É claro que eu ia responder o SMS dele, não é mesmo?
.
“Eu também gosto pra caralho de você, Diguinho! Descansa bastante, fica com Deus, dorme bem e sonha comigo, tá bom?! Te amo muito. Beijos.”.
.
Com o envio desse torpedo, os meus créditos se esgotaram.
Eu não sei se agi certo mandando aquele beijo ao Rodrigo e nem sabia como seria a reação dele, mas resolvi seguir o meu coração e fazer as coisas da forma que eu achava que deveriam ser feitas.
Após mandar o torpedo dele, abri todas as mensagens do tal admirador secreto:
.
“Não vai mesmo falar comigo?”.
.
“Eu queria ouvir a sua voz...”.
.
“Fala comigo, Caio?”.
.
“Hoje você estava muito, muito cheiroso!”.
.
Como assim? Que história é essa que eu estava cheiroso? Como essa pessoa sabia que eu estava cheiroso? Então era realmente alguém do meu convívio diário!
.
“E estava lindo com a camiseta vermelha...”.
.
Eu estava mesmo de camiseta vermelha! Caraca, fiquei muito grilado... Era alguém que vivia comigo, alguém que tinha contato comigo... Então não poderia ser o Vítor... Não, não poderia!!! Se existia qualquer tipo de dúvidas a esse respeito, naquele momento não havia mais...
Não poderia ser o Vítor pelo simples fato da gente não ter se encontrado naquela segunda-feira. E se a gente não tinha se encontrado, como ele poderia saber que eu estava cheiroso? Como poderia saber que eu estava de vermelho? Não... Graças a Deus essa hipótese estava totalmente descartada.
.
“A cada segundo que passa eu tenho mais vontade de experimentar o seu beijo, garoto. Você é lindo demais!”.
.
A curiosidade chegou ao extremo. Era alguém do meu convívio, alguém que estava muito perto de mim, mas quem???
.
“Eu não faço outra coisa a não ser pensar em você o dia todo, o tempo inteiro. Eu durmo e acordo pensando em você, eu respiro você...”.
.
Que bonitinho... Confesso que ao ler essas mensagens, o meu coração bateu mais forte. Quem quer que fosse, estava conseguindo mexer comigo.
.
“Eu queria te dar o céu, as estrelas, te dar a lua...”.
.
Isso era meio impossível, né?
.
“Mas como isso é impossível, fica comigo que pelo menos eu faço você conhecer o céu. Fica comigo?”..
Como eu poderia ficar com ele se eu nem sabia quem ele era? Só se eu fosse beijar a tela do meu celular e isso não ia me satisfazer muito!
Senti vontade de responder, mas como estava sem crédito não tive essa possibilidade. Assim que o Jonas estacionasse, eu ia ser obrigado a passar na padoca para recarregar o meu celular, só para responder essas mensagens doidas.
- Não acredito que começou a chover – falei.
- Com esse calor é normal cair uma chuvinha – comentou Jonas.
Mas não foi uma simples chuvinha. Foi um baita temporal que pegou todos nós de “calças curtas”.
- Melhor parar, Jonas – eu já estava com medo. – Não está dando pra ver nada aí na frente.
- Vou parar ali, Caio. Ali tem uma ruazinha e eu vou parar lá.
- E se inundar?
- Essa região não inunda.
- Menos mal então...
Ele andou mais alguns metros, virou à esquerda e parou o carro em uma rua sem movimento. Um relâmpago rasgou o céu do Rio de Janeiro e quando o trovão soou, eu quase fiz xixi nas calças.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI – gritei de susto.
- Você tem medo? – Jonas caiu na gargalhada.
- Não, não tenho medo. Eu só fui pego desprevenido, o trovão foi muito alto.
- Aham, sei! Vou fingir que acredito.
Mas eu estava falando a verdade. Tanto é que no próximo trovão eu nem esbocei reação.
- Viu só? Eu não tenho medo – falei.
- Ah, então tá bom!
Foi uma chuva muito forte mesmo. Parecia até que eu estava em São Paulo ao invés de estar no Rio de Janeiro. Nunca havia presenciado uma tempestade tão forte como aquela.
- Como estará o mar agora, hein? – me perguntei.
- Com esse vento ele deve estar é bravo – comentou Jonas.
- Da hora. É legal ver as ondas.
- É...
Jonas e eu ficamos mais de 40 minutos parados e a chuva não diminuiu de intensidade. Quando ele fez menção de ligar o carro, o meu celular começou a tocar feito um desesperado.
- Alô? – nem vi o identificador.
- Caio? – era ele.
- Ooooooooooooooooooooooooooooooooooi – impossível não me derreter quando ouvi aquela voz.
- Onde você está, Cacs? – Rodrigo parecia preocupado.
- Parado em uma rua com o meu chefe.
- Como assim?
- Eu estou indo de carro – informei. – Você está bem?
- Bem preocupado com você, né? Está tudo bem contigo?
- Sim, Diguinho – tentei não esboçar nenhuma reação porque não estava sozinho. – Está tudo em ordem por aqui.
- Tem certeza? Não quer que eu vá te buscar de táxi?
- Precisa não, Diguinho – acabei sorrindo. Que fofo! – Eu já estou de carro com o meu patrão.
- Ufa... menos mal então. Que horas você vai chegar? Eu queria conversar com você...
- Com essa chuva? Eu não sei! Pode dormir, a gente conversa depois...
- Vou tentar te esperar acordado até mesmo porque eu estou preocupado.
- Não fique, mano – eu fachei meus olhos e apertei um lábio no outro. – A chuva já vai passar e eu já vou pra casa.
- Qualquer coisa me liga, tá bom?
- Eu estou sem créditos – informei.
- Não tem problema, você pode ligar à cobrar. Eu te retorno.
- Combinado então. Até mais.
- Até, se cuida. Te adoro!
- Eu também.
Como era fofo o meu melhor amigo! Um verdadeiro gentleman, um verdadeiro anjo, um verdadeiro príncipe encantado. Se ele estivesse a fim de mim e se chegasse a oportunidade da gente ficar junto, eu com certeza seria o cara mais feliz do mundo.
- Acho que já dá pra ir, Caio – falou Jonas. – Já melhorou a visibilidade.
- Então vamos, Jonas. Então vamos. Ainda bem que você não veio de Fusca hoje, hein?
- Qual é, garoto? O meu velho amigo não ia nos deixar na mão não!
- Será? – eu gargalhei. – Não espero muita coisa de um velho de 41 anos de idade.
- Não fala assim dele não, hein? Olha que eu te processo por bullying.
- Ai, Deus... Era só o que me faltava!
Com muita dificuldade a gente conseguiu andar pelas ruas do Rio. Muito vagarosamente a chuva foi dando uma trégua e quando o meu patrão chegou no meu bairro, já não caía mais água do céu.
- Pronto, pronto – eu tirei o cinto de segurança. – Pode parar aqui, eu preciso ir na padaria.
- Quer que eu te espere?
- Precisa não, Jonas – eu olhei pro meu gerente. – A minha casa fica logo ali, eu posso ir a pé mesmo. Obrigado.
- Sendo assim, uma boa noite para você.
- Boa noite – eu apertei a mão do cara. – E obrigado pela carona.
- Por nada. Até amanhã!
- Até amanhã.
Saí e entrei rapidamente na padaria. Fui direto ao caixa e comprei uma recarga para o meu celular. Fiz a ligação dali mesmo e em seguida joguei o cartão do crédito no lixo.
Corri até a minha casa porque o céu ainda estava ameaçando desabar e antes mesmo de abrir a porta que dava acesso a escada, as gotas de chuva voltaram a cair.
- Já está bom. São Pedro – falei olhando pra cima e uma gota acabou caindo dentro do meu olho direito. – Pô, não precisa se vingar de mim, caramba!
Sequei o olho quando entrei. Dei duas voltas na fechadura e subi as escadas de dois em dois degraus. A sala estava escura e solitária. Provavelmente todos os meninos já estavam nos quartos.
Abri a porta do dormitório e me deparei com um breu imenso. O coitado do Diguinho realmente não aguentou me esperar acordado. Olhei pra cama dele e o vi todo esparramado, deitado de barriga pra baixo, com a cabeça virada pra parede e a mão direita virada pra cima. Ele estava com as pernas em forma de “4“ e usava só uma cueca branca. Uma verdadeira obra prima de Deus.
Não sei quanto tempo fiquei olhando pra ele, mas quando percebi o que estava fazendo, resolvi não ficar parado do jeito que eu estava. Naquela noite o Fabrício e o Vinícius estavam em casa e para a minha total surpresa, os dois também estavam dormindo.
Abri a minha gaveta com o máximo de cuidado que pude. Eu não queria fazer barulho para não acordar ninguém. Peguei uma cueca – de cor amarela – e fui direto para o banheiro para descarregar todo o meu cansaço.
E como eu estava cansado. Como quase não dormi na madrugada daquela segunda, o meu corpo estava muito pesado e os meus olhos ardiam demais.
Me dei ao luxo de demorar mais que o normal no banho. A água quente estava me fazendo tão bem... Mas como estava relampeando bastante, a cautela acabou falando mais alto e eu desliguei o chuveiro, mesmo ainda sentindo vontade de ficar embaixo dele.
Coloquei a minha cueca e fui direto pra lavanderia. Joguei a minha roupa suja dentro da máquina e em seguida dei uma passada na cozinha. As panelas estavam vazias. Fiquei chateado por ninguém ter feito comida ou por simplesmente ninguém ter se preocupado comigo...
Como eu estava com fome, fui obrigado a beber um copo de leite puro. Não quis colocar achocolatado para não acabar com a minha dieta da academia.
Até que era gostoso. Eu achei bom o leite gelado e resolvi que ia tomar mais vezes. Diziam que fazia bem aos ossos.
Lavei o meu copo porque a pia estava muito limpa para ele ficar lá solitário e assim que o coloquei de volta no armário, o Kléber apareceu para falar comigo:
- Finalmente você chegou – ele estava só de samba canção.
- Quer falar comigo? – cruzei os meus braços.
Eu ainda estava com raiva por ele ter entrado no banheiro sem pedir a minha autorização, mas a raiva não era tão grande como no começo.
- Ainda está bravo comigo?
- Um pouco.
- Você não vai me perdoar nunca?
- Nunca é uma palavra muito forte. Com o tempo eu te perdoo.
- Por favor, eu não fiz por mal! De verdade...
- Ah, nessa eu não acredito. E não venha me falar que você pensou que o Miguel estava no banheiro porque isso não é verdade.
- É verdade sim, Caio! Eu juro que eu pensei que era ele, porque ele não estava no quarto!
- Aham. E onde ele estava? Na lua?
- Não, ele tinha ido levar o lixo pra fora...
- Ah, entendi. Coincidencia, né?
- Me perdoa, vai? – ele parecia bem triste.
- Ah, tá bom, tá bom... Só vou te desculpar para você não ficar mais enchendo o meu saco!
- Já é um começo – Kléber abriu um sorriso. – Um tal de Víctor te ligou hoje, viu?
- Víctor ou Vítor?
- Víctor.
- Ele disse de onde era?
- Falou que é seu melhor amigo. Eu pensei que seu melhor amigo era o Rodrigo.
- Os dois são. O que ele queria? Ele falou? Por que não ligou no meu celular?
- Disse que não tinha crédito para ligar no celular. Não me falou o que era.
- Ah... Obrigado pelo recado, amanhã eu ligo pra ele. Agora eu vou dormir. Boa noite.
- Caio, Caio... Espera! Deixa eu entrar no seu quarto?
- Pra ver meus amigos? Eu não. Não quero ser responsável por isso.
- Vai, Caio... É rapidinho!
- Nem a pau, Juvenal. Eu te disse aquilo brincando... Nem deveria ter te contado que o Fabrício dorme pelado.
- Acha que eu vou atacá-lo se o vir assim?
- Aham, acho sim – dei risada.
O Kléber acabou rindo também.
- Eu não sou esse tipo de bicha, Caio.
- Então você vai ter que me provar, querida. É sério, Kléber... Eu vou dormir, estou parecendo um zumbi já.
- Seus olhos estão vermelhos. Isso tudo é sono?
- Isso tudo é sono – confirmei e em seguida bocejei.
Kléber bocejou também.
- Até mais, depois a gente se fala – eu falei. – Boa noite.
- Boa noite, Caio.
Eu fui pro quarto e fechei a porta com a chave quando passei. Não acendi a luz para não acordar os meus amigos.
Quando meu corpo caiu em cima da minha cama, eu me senti muitíssimo aliviado. Era como se tivessem tirado um peso de 2 toneladas de cima das minhas costas.
Eu me senti leve, relaxado e pouquíssimo tempo depois, o sono já tomou conta de mim.
.
Pra variar, na manhã seguinte eu acordei com o Digão me cutucando:
- Caio? Monteiro? Silva? Acorda...
- Huuuuuuuum? – eu gemi baixinho e coloquei o travesseiro em cima da minha cabeça.
- Acorda, Caiô! A gente tem que ir pra faculdade...
- Que horas aão, Diguinho? – quando eu abri os meus olhos até fiquei com medo tamanho o ardor que eu senti.
- 6:15. Anda, levanta logo!
Eu nem briguei com o coitado. Naquele dia tinha que fazer a barba e por isso eu acabei levantando imediatamente.
- Bom dia – ele estava tão lindo com aquela barba rala!
- Bom dia, Diguinho – nos olhamos profundamente.
- Não consegui te esperar ontem, desculpa!
- Sem crise – eu bocejei. – Não tem problema.
- Mas eu queria conversar com você.
- A gente conversa hoje, relaxa.
- Então tá bom.
Mais uma vez Rodrigo e eu dividimos o banheiro. Enquanto um tomava banho, o outro fez a barba e vice-versa.
- Anda, Caio – ele passou só de toalha atrás de mim. – Senão a gente se atrasa de novo.
- Já estou finalizando, Digão.
Lavei o rosto, escovei os dentes rapidinho e finalmente liberei o banheiro para os irmãos.
- Obrigado, obrigado – Miguel entrou e fechou a porta.
- Por nada – eu respondi. – Eu, hein?
Me troquei muito rapidamente. Passei desodorante, perfume, gel pós-barba, gel no cabelo e enfim fiquei pronto para sair de casa.
- Podemos ir? – perguntei.
- Podemos – ele passou as alças da mochila nos ombros. – Vamos.
Imitei o meu parceiro e nós saímos. Quando eu passei, desliguei a luz e encostei a porta o mais suavemente possível para não acordar os marmanjos.
- Cheguei, saí e não falei com o Vini e o Fabrício – comentei.
- Eles dormiram super cedo ontem – falou Rodrigo. – A chuva nem tinha começado direito.
- Então eles não foram pra faculdade?
- Não, mas eu não sei o motivo.
- Estranho!
- Verdade.
Fazia uma manhã límpida. O céu estava muito azul e eu tive uma ligeira sensação que ia ser um dia extremamente quente. Será que a minha intuição estava correta?
.
A primeira mensagem do dia chegou ainda na minha primeira aula:
“Sonhei com você essa noite.”.
.
Que sonho teria sido? Um sonho bom? Um sonho ruim? Um sonho alegre? Um sonho... Erótico? Caí na gargalhada com essa hipótese. Nunca me imaginei sendo o protagonista dos sonhos de ninguém...
.
“Sonhou? Como foi o sonho?”.
.
Enquanto eu digitei a mensagem fiquei ouvindo as instruções do Profº Élcio. A matéria dele era uma das minhas preferidas.
.
“Foi o sonho mais lindo do mundo. Nós estávamos ficando...”.
.
Sorri feito um abestalhado. Automaticamente lembrei do sonho que tive com o Rodrigo.
.
“Da hora.”.
.
Só foi isso que eu consegui responder. O professor passou uma atividade surpresa. Ainda bem que foi em trio.
Jéssica, Marcela e eu nos unimos e começamos a discutir, mas o meu celular me atrapalhou e eu fui obrigado a desligá-lo.
- Pronto – falei. - Desculpem.
A minha rotina na univerisade estava pra lá de estabelecida. Já tinha anotado os horários das aulas, já tinha conhecido todos os professores, já tinha solicitado os meus livros – mas eles ainda não tinham chegado – e já tinha me acostumado a acordar mais cedo que o normal. Daquele momento em diante, era só dar o melhor que eu podia para alcançar a média 7 em todas as matérias.
.
Naquela terça o Diguinho não foi me encontrar na frente da sala na hora do intervalo e isso me deixou chateado. Será que ele estava com raiva de mim?
- Pensei que o seu irmão estivesse aqui – comentou Marcela.
- Pois é, eu pensei isso também.
Nós acabamos nos encontrando na cantina. Ele cutucou as minhas costas e quando eu me virei ele disse:
- Eu saí mais tarde da sala hoje. Desculpa.
- Tudo bem – não tive como não abrir um sorriso. – Como você está?
- Confuso e você?
- Confuso? – ergui as sobrancelhas.
- Ah, desculpa! Pensei que você estava falando sobre aquele assunto.
- Acho que aqui não é lugar pra gente falar sobre isso, Digão.
- Com certeza não. A Marcela está vindo aí.
- Oi, Rodrigo – a mulher estava com uma bandeja nas mãos. – Tudo bem?
- Bem, Marcela e você?
- Estou ótima.
- Que bom...
Quando a menina saiu, eu olhei pro meu irmão e disse:
- Você não vai me mostrar com quem você ficou aqui na facul?
- Ah, é! Deixa eu ver se tem alguma por aqui.
Ele deu uma olhada nos arredores com discrição e depois de uns segundos disse:
- Está vendo aquele grupinho ali perto do elevador?
- Aham.
- Já fiquei com a loirinha e com as duas moreninhas.
- Sério? – senti vontade de arrancar os cabelos daquelas vacas.
- Sim. Não estou vendo mais ninguém por aqui...
- Ainda bem, porque eu sinto vontade de arrancar os olhos dessas barangas – bufei.
- Hãããã? – ele ficou boquiaberto e em seguida gargalhou.
- Bando de vacas – bufei de novo. – Que não se aproximem de mim se tiverem amor aos cabelos.
- Ai, que horror – ele deu um soquinho no meu ombro. – Como você é malvado!
- Sou ciumento, é diferente.
- Isso eu já percebi...
- Bom dia – disse a garçonete. – O que vai ser hoje?
- Uma vitamina, por favor.
- Algo mais?
- Um Halls preto.
- Halls preto? Eu adoro Halls preto – ele colocou o cotovelo no balcão e olhou pra mim.
- É? Eu também. A maioria das pessoas não gosta porque é muito ardido.
- Eu adoro. Adoro mesmo, mas deixa pra lá. Vou pegar uma mesa, tá?
- Não vai pegar nada?
- Não. Ultimamente eu não estou sentindo fome.
Será que estava relacionado com o que havia acontecido entre nós dois?
Esperei pacientemente a minha bebida e quando ela ficou pronta, procurei o Rodrigo e fui direto ao encontro dele.
- Por que você não tem ficado com seus amigos no intervalo? – perguntei.
- Porque eu prefiro ficar com você, oras. Não gosta da minha companhia?
- Óbvio que eu adoro a sua companhia, garoto. Que pergunta boba!
- Então não fica fazendo pergunta, beleza?
- Nossa! Que grosso...
- Não é grosseria, você que não entendeu nada do que eu quis falar.
- Entendi sim, bobo – fiquei sem graça. – Você quer um gole?
- Quero. Posso?
- Lógico que pode.
Ele pegou o copo, colocou o canudinho na boca e deu um chupão. Rodrigo não tirou os olhos de mim um segundo sequer e isso me deixou ainda mais sem graça.
- É de banana com mamão, não é?
- Só tem essa – dei de ombros.
- Posso pegar uma bala? – ele continuou me fitando.
- Quantas você quiser.
- Só uma. Uma é suficiente.
- Não quer mais a vitamina?
- Não. É ruim. Eu não sou fã de vitamina.
- Mas é bom você tomar, não pode ficar sem se alimentar.
- Não sinto fome, cara!
- Mesmo assim...
Ele tirou um Halls do pacotinho e colocou dentro da boca. Eu desviei um pouco os olhos e fiquei olhando os alunos à minha volta. A faculdade estava abarrotada de gente.
- Quantos alunos estudam aqui? – perguntei.
- Não faço ideia.
Quando eu estava no meio da minha vitamina o canudinho entupiu e eu fui obrigado a beber pelo copo mesmo.
- Droga!
- Entupiu?
- Uhum.
Aproveitei e coloquei o resto do líquido pra dentro. Quando terminei e olhei pro Digow e ele disse:
- Você ficou com bigodinho – deu risada.
- Fiquei? – comecei a limpar com um guardanapo. – Saiu?
- Não.
- E agora?
- Ainda não – Rodrigo sorriu de novo. – Me dá aqui que eu limpo pra você...
Ele pegou um guardanapo limpo e secou o meu buço. Eu não acreditei que ele estava fazendo aquilo em público.
- Obrigado – falei.
- Por nada.
Lembrei que o meu celular estava desligado e resolvi ligá-lo. Bastou o aparelho carregar as informações para um monte de mensagens chegarem ao mesmo tempo. Todas eram do admirador secreto:
.
“Desejo que a sua manhã seja linda, assim como você é.”.
.
“E que seu dia seja encantador, como você é.”.
.
“Que sua noite seja completa...”.
.
“Eu gosto muito de você!”.
.
- Quantas mensagens, hein?
- São do meu admirador – eu falei.
- São é? – ele mudou de feição.
- São, mas bem que poderia ter uma sua aqui no meio...
- Não por isso.
Rodrigo tirou o celular do bolso e começou a digitar.
- O que está fazendo?
- Te mandando uma mensagem.
- Não precisa! Você vai fazer isso só porque eu comentei...
- Vou fazer isso porque eu quero, para de ser chato...
Me calei e fiquei trombudo. Eu não queria que ele mandasse mensagem porque eu tinha feito aquele comentário e sim porque ele queria mandar. Não tardou e o torpedo chegou:
.
Li e reli aquilo umas mil vezes. Foi impossível não sorrir com aquela mensagem.
- Isso é sério?
- Uhum – todo o rosto do Diguinho ficou em chamas, mas as orelhas é que ficaram mais vermelhas entre todo o resto.
- Ai que lindo – eu me derreti. – Como você é fofo!
- Para – ele ficou mais vermelho ainda, se é que isso era possível. – Eu estou sem graça!
Fiquei irritado com o toque do sinal. Eu não queria sair de perto dele.
- Vamos? – ele levantou e colocou a cadeira embaixo da mesa.
- Precisa mesmo? – olhei pro rosto do meu amigo.
- Aham, não seja dramático, hein? Vamos estudar!
- Droga, viu? Odeio essa responsabilidade.
.
A minha rotina com o Rodrigo estava a mesma. Nós estávamos nos falando normalmente, brincando normalmente e tudo estava acontecendo naturalmente, mas desde aquela madrugada de segunda, a gente não tinha mais dividido a mesma cama e tampouco conversado sobre o assunto.
- O que está fazendo, Caio? – perguntou Fabrício.
- Separando umas roupas que não vou mais usar para doar pra caridade.
- Sério? Vai doar pra quem?
- Pra igreja.
- Ah, mano! Eu tenho umas também, posso colocar junto?
- Pode sim, Fabrício. Eu levo tudo junto.
Eu estava disposto a entregar tudo ao Padre João. Há muito eu não o visitava e estava disposto a enfrentar uma viagem para entregar todas aquelas roupas pra ele doar pra caridade.
- Que gesto bonito o seu – Fabrício comentou depois de um tempo.
- Obrigado, tio.
- Tio? – ele parou e ficou como uma estátua. – Eu tenho idade pra ser seu tio por acaso?
- Mais ou menos – falei rindo.
- Aí você força a amizade!
- É brincadeira, Brício.
- Eu acho que o Vinícius tem também, viu?
- É? Cadê ele?
- VINÍCIUS? – Fabrício gritou.
- Precisa me deixar surdo não, tio.
- Foi mal aí.
- Quem morreu? Quem morreu? – o futuro médico entrou no quarto.
- Você tem roupa velha pra doar aí? – perguntou Fabrício.
- Ah, é isso! Pensei que era algo mais importante.
- Tem ou não tem? – Fabrício questionou.
- Aham. Quem vai doar?
- Eu vou levar pra igreja – expliquei.
- Ainda hoje?
- É. Algum problema?
- Nenhum. Vou separar então.
O Vini passou por mim e eu percebi que o cara estava muito, muito cheiroso. A vontade que eu tive foi de jogar aquelas roupas no chão e agarrá-lo ali mesmo.
Ainda bem que não deu muita coisa. O Rodrigo já tinha dado as dele e tudo deu apenas quatro sacolas grandes.
- Vai agora? – perguntou Fabrício.
- Vou.
- Posso ir com você?
- Pode! Vou adorar porque vai ser de muita ajuda.
- Folgado! Eu só vou trocar de roupa, aguenta aí.
Ele ficou pelado ali mesmo, na nossa frente e como eu já estava mais do que acostumado com isso, nem me abalei. Queria mesmo era ver o Digão daquele jeito, isso sim!
Vinícius e Fabrício já faziam parte do meu passado. Por mais que eu nunca tenha ficado com o Fabrício, era inquestionável a beleza que ele tinha e era impossível não querer tirar uma casquinha daquele gato, porém, como eu já estava cansado em vê-lo pelado todos os dias, o encanto foi por água abaixo. Com o Vini aconteceu a mesma coisa. Minhas transas com ele foram boas, aliás, foram ótimas, mas ficaram para trás também. Ele estava namorando e eu estava envolvido com o Rodrigo, então eu tinha plena convicção que nunca mais aconteceria nada entre nós dois.
Já com o Rodrigo era diferente. Nunca tinha visto o menino pelado – salvo um dia na academia, mas não contava – e como nós ainda estávamos naquele joguete de olhares, a minha vontade de dar uma conferida só aumentava a cada dia.
- Cadê o Digão? – perguntou Vinícius.
Eu pensei que só eu o chamava daquele jeito.
- Foi comprar pão – falei.
- Opa, gostei.
- Pronto, já podemos ir – falou Fabrício.
- Então vamos.
- Onde fica essa igreja? Ainda não conheço a igreja desse bairro.
- Quem disse que é nesse bairro? A gente vai é pro Catete, “titiô”.
- Pro Catete? Tão longe assim?
- Pois é, longe assim! Vamos ou desistiu?
- Vamos, né? Preciso sair um pouco de casa.
.
- Caio!!! – Padre João lembrou de mim. – Que bons ventos o trazem aqui?
- Tudo bem, Padre? – estiquei a mão e ele a apertou. – Quanto tempo!
- Pois é, meu filho... O que aconteceu? Por que abandonou a casa de Deus?
- Ai, padre... Desse jeito o senhor me faz me sentir culpado...
- Não, não – o sarcedote riu e balançou a cabeça. – Não é essa a minha intenção. Bom, pelo que posso ver você está muito melhor, hein?
- Graças a Deus. Deixa eu te apresentar o meu amigo, padre... Esse é o Fabrício!
- Muito prazer, meu filho.
- Prazer, Padre – meu amigo apertou a mão do homem de Deus. – A sua bênção?
- Deus te abençoe.
- Padre João, nós trouxemos essas roupas para doar... Será que o senhor tem para quem dar?
- Poxa, filho... Pessoas carentes é o que não falta nessa cidade. Mas é tudo isso?
- Sim, tudo isso.
- Deixa-me ver...
- São roupas masculinas, porque são nossas, sabe? – comentei. – Nós não vamos mais usar e queremos doá-las.
- Um gesto muito bonito da parte de vocês. Deus os abençoe.
- Padre, o senhor tem notícias da Dona Elvira?
- Não tem mais falado com ela, meu filho?
- Não! Desde que ela se mudou para Minas eu não falei mais com ela. Na verdade, até mandei uma carta, mas ela não me respondeu.
- Quer que eu passe seu número de telefone para ela?
- Ficaria muito agradecido se o senhor fizesse isso.
- Pois então anote que eu passo pra ela quando ela me ligar.
Fabrício e eu ficamos uns 20 minutos na igreja. Depois que o padre olhou todas as roupas, ele nos agradeceu profundamente, nos abençoou e depois nós fomos embora.
- Faz tanto tempo que eu não venho a uma igreja – falou Fabrício.
- É eu também. Preciso tirar um domingo para ir à missa.
.
NO ÚLTIMO DIA DE MARÇO...
.
Só foi botar os pés na filial e a Eduarda foi falar comigo:
- Que porcaria é essa? – ela parecia brava, mas eu sabia que estava brincando. – Quer dizer que eu fico fora por 40 dias e quando volto você não é mais da minha equipe? Que palhaçada é essa?
- Duda – eu a abracei. – Que saudades! Como foi de férias?
- Não mude de assunto, seu cachorro – ela riu e me beijou. – Que história é essa de ter mudado de horário?
- Agora eu sou um universitário, meu amor – sorri. – Eu fui obrigado a mudar de horário.
- E você acha que isso é desculpa? Pois pode ir mudando o horário dessa faculdade e pode voltar para a minha equipe! Quem disse que eu vou abrir mão de você tão fácil assim?
- Adoraria, mas não posso mudar porque sou bolsista do ProUni. Isso me impede de fazer alteração de curso e horário. Só lamento, Duda.
- Só lamenta, né seu patife? Deixa estar, eu vou me lembrar disso mais pra frente – ela me abraçou e nós rimos juntos. – Que saudades, garoto! Como você está?
- Só o coió – falei. – Nunca me senti tão cansado como agora.
- Sério? A rotina está pesada, né?
- Ao extremo, mas eu vou dar conta!
- Ah, vai sim. Eu confio em você. Vai me conta tudo, como foi? Como está sendo as aulas? Que curso está fazendo?
- Gestão de Recursos Humanos. Foi da noite pro dia, Duda. Quando eu cheguei em casa estava lá no site... Passei com bolsa integral.
- Mandou bem, hein? Você não é pouca coisa não, hein?
- Ai quem me dera, né? – dei risada. – Estou é me matando de tanto estudar.
- É pensa que é fácil? Não é não... Sei bem o que você está sofrendo, mas acredite: vale a pena.
- Eu sei que vale. E é só dois aninhos, vai passar rápido.
- É vai sim. Meus parabéns, viu? Estou orgulhosa do meu Caio Monteiro!
- Obrigado, Duda. E as suas férias, como foram?
- Incríveis. Adorei, queria ficar mais 90 dias, mas meu chefe não liberou. Ele é um chato!
- Sei como é isso – sorri.
- Eduarda? Telefone pra você – a funcionária do crediário apareceu atrás da nossa chefe.
- Quem é, Ana?
- É o Tácio. Transfiro?
- Transfere, Ana – ela suspirou. – Falando no demônio...
Eu caí na gargalhada.
.
Janaína e eu só tivemos oportunidade de conversar por volta das 6 da tarde, quando o movimento enfim caiu.
- Não acredito que você ainda não deu uns pegas nele, Caio? – ela se queixou.
- Como? Meus amigos não nos deixam a sós nunca!
- Dá um jeito! Sobe no telhado, entra na caixa d’água, vai pro matagal do Jardim Botânico, faz na saída de emergência do shopping... Se vira!
Caí na risada. Como se fosse fácil daquele jeito.
- Não é assim que a coisa funciona. Eu nem sei se ele quer!
- Ah, quer! Deitou, te abraçou e te acariciou? Se ele não quiser ele é um bom ator!
.
UMA SEMANA DEPOIS...
.
Cheguei do trabalho e percebi que o quarto estava vazio, exceto pela presença do Rodrigo.
- OI – falei.
- Oi, tudo bom?
- Sim e o senhor?
- Muito bem.
- Cadê os meninos?
- Vini está com a Bruna e o Fabrício foi dar continuidade ao TCC dele.
- Ele e esse TCC. É por isso que ele tem dormido fora de vez em quando?
- Aham. Não sabia?
- Não. Ninguém nunca me falou nada. Vou tomar um banho, tá?
- Beleza, mas não demora que eu também preciso tomar o meu.
Entretanto, eu não atendi o pedido do meu amigo. Fiquei no chuveiro o tempo que achei necessário e só saí de lá quando os meus dedos ficaram enrugados.
- Bom demais tomar um banho assim – falei para mim mesmo.
Coloquei minha cueca, sequei os meus cabelos e fui escovar os meus dentes. Como já tinha jantado no shopping e não estava mais com fome, eu podia escovar os dentes sem correr riscos de querer comer alguma coisa depois de feito.
Só voltei pro quarto depois que coloquei as minhas roupas na lavadora. Percebi que meu balde de roupas íntimas estava abarrotado. Era a hora de lavar tudo, senão em poucos dias eu não teria mais o que vestir. O que me alegrou foi o fato do meu balde não ser o único a estar lotado.
Assim que entrei ele deu um pulo da beliche e caiu elegantemente no chão. Não sei como não se machucava.
- Minha mãe te deixou um beijo – ele foi direto para a gaveta de cuecas.
- Obrigado, mande outro quando puder.
- Mando sim. Eu já volto.
Deitei na minha cama e fiquei de olho na televisão, mas como nada me interessou, virei pro lado e tentei pegar no sono.
Eu estava quase dormindo, mas acordei abruptamente quando senti o peso dele na minha cama.
- Cacs?
- Oi? – virei meu rosto e senti meu coração disparar.
- Posso deitar aqui de novo? – ele disse isso e já ficou vermelho.
- Po-pode – já senti o nervoso tomar conta de mim.
Digão levantou, desligou a luz e deitou-se ao meu lado. O corpo dele já estava começando a ficar mudado por causa da academia.
- Eu... Eu esperei muito para... Conversar com você... Cacá!
- Eu também esperei muito esse dia, Diguinho.
Ele deitou, passou o braço pelo meu corpo e ficou brincando com uma mecha do meu cabelo.
- Acho que agora dá ´pra gente fazer isso, né? – ele falou baixinho.
- Sim...
Era a hora, era o momento. Depois de vários dias. Depois de semanas, chegou a hora da gente conversar. E eu não sabia o que poderia esperar daquela conversa, se é que poderia esperar algo ou alguma coisa por parte do meu amigo/irmão. O jeito era ver o que ele ia me falar e entender o que estava acontecendo entre nós dois, não é mesmo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário