sábado, 4 de abril de 2015

Capítulo 76²

- E
u já te falei que não é isso – ele me olhou no fundo dos olhos. E eu estou sendo sincero com você!
Eu senti verdade naquelas palavras.
- Então por que você está reagindo assim?


- Por que eu me apego muito fácil às pessoas, Caio! E eu me apeguei à você. Eu sempre quis ter um irmão e quando finalmente eu tive você, me apeguei pra valer. Vai ser difícil ficar longe de você, entende?
- Eu também me apego às pessoas, eu te entendo sim, porém a gente não vai ficar sem se ver, diacho!!!
- Por favor, não vai embora assim de repente... Eu preciso de você aqui...
- Você ainda tem o Vinícius, mano!
- Não é a mesma coisa! Não é! Eu não gosto do Vinícius como gosto de você, entendeu? Você é meu irmãozinho, ele é só um amigo...
- Mas eu já disse que a gente vai se ver diariamente, se falar diariamente... Eu nunca iria te deixar sozinho, NUNCA!
- Promete que não me abandona? Promete?
- Claro que eu prometo, seu bobo! Até parece que eu ia deixar esse príncipe sozinho, meu Deus!
- Não vai... Não vai...
- Eu vou sim, Rodrigo. Eu quero ir, eu quero ficar com o Bruno pra sempre, sabe? Mas nem por isso eu vou te abandonar. Nem por isso...
- Eu tenho medo de te perder, juro! Você é meu único irmão, Caio!
- Eu também tenho medo de perder você, mas isso só vai acontecer se a gente quiser. Olha, a nossa amizade é bonita demais pra gente ficar com esse medo você não acha?
- Uhum.
- Olha pra mim, Rodrigo!

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Ele se afastou e me encarou com aquela carinha tristonha, carinha de cachorro que tinha caído da mudança. O rostinho do Digão estava molhado e muito vermelho.
- Eu nunca, nunca, nunca, nunca vou te abandonar, entendeu? Nunca!
- Eu também não vou te abandonar nunca, Caio!
- Então não fica assim, por favor! Vamos esquecer essa tristeza, vamos seguir em frente. Você tem que pensar que esse é um novo ciclo em nossas vidas...
- Eu... Eu vou tentar... Mas não me abandona, tá?
- Eu juro por Deus que eu nunca faria isso.
E era verdade mesmo. Pra que eu ia abandonar aquele garoto lindo? Se foi graças à ele que eu consegui chegar aonde cheguei?
- Eu te amo... Meu irmão... – ele falou baixinho.
- Eu também te amo, seu lindo! Muito, muito, muito!
Nos abraçamos de novo e dessa vez não foi preciso falar mais nada. Digão se acalmou, não chorou mais e aparentemente aceitou a minha saída da república, mas mesmo assim eu continuei achando que ele estava sentindo alguma coisa a mais por mim. Será que era isso ou eu estava ficando louco?
Não sei dizer quanto tempo ficamos lá fora, mas deve ter sido muito tempo porque quando nós voltamos o Nícolas já estava até dormindo.
- Ele dormiu agora – falou o pai.
- Que gracinha! – eu acariciei o rostinho do bebê.
- Nós vamos dormir na sala, tá?
- Na sala? – perguntei.
- To com medo de deixar ele aqui perto dessa parede fria. É melhor na sala. Eu vou levar os colchões pra lá.
- Você que sabe. Quer ajuda?
- Segura ele pra mim, rapidão?
- Lógico!
Eu segurei aquele anjinho e fiquei olhando pra carinha inocente dele. O Nico era muito lindo mesmo.

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- Ele é tão lindo, tão lindo – Rodrigo sentou ao meu lado e também ficou velando o sono do anjinho.
- Ele é mesmo. Em pensar que ele passou mais de um mês internado numa UTI...
- Por culpa de um bandido. É foda.
- Verdade. Tão novinho, tão inocente e já passou por poucas e boas. Essa é a vida, né?
- Mas ele saiu dessa. Né, Nico?
Depois que o Fabrício arrumou a sala, ele pegou o neném nos braços e saiu para poderem dormir em paz. Dessa forma, o quarto ficou pra mim e pro Rodrigo.
- Cacs?
- Hum?
- Dorme comigo hoje? Por favor?
- Claro que eu durmo!
Não pensei duas vezes em descer da minha cama e ficar na dele. Dormir ao lado do Rodrigo naquela noite seria uma oportunidade única pra gente se curtir mais um pouquinho. Essa seria a nossa última noite juntos na república.
- Me abraça? – a voz dele saiu em um silvo.

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Eu o abracei com força e nós suspiramos ao mesmo tempo. Seria difícil demais ficar longe daquele branquelo que eu tanto amava.
- Eu vou sentir muito a sua falta.
- Eu também vou sentir a sua falta, Digow. Meu irmãozinho mais velho...
- Meu irmãozinho mais novo...
Quase chorei lembrando de alguns momentos que nós passamos juntos. A hora da despedida ia ser muito complicada, muito complicada mesmo.
Mas eu não queria sofrer por antecedência; por isso tentei fazer o possível e o impossível para não ficar antecipando esse momento, mas eu não consegui. A única coisa que eu consegui pensar naquela noite de sexta-feira foi na minha saída da república no dia seguinte. Esse seria talvez o momento mais difícil que eu ia passar desde a minha chegada naquela cidade, 5 anos antes.
Rodrigo e eu acordamos exatamente no mesmo momento. Eu abri meus olhos, olhei pro quarto e suspirei novamente. Estava chegando a hora de dizer adeus àquele lugar.

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- Amor? – eu ouvi a voz do Bruno do outro lado da linha.
- Oi... Tudo bem?
- Eu estou sim e você? Que vozinha é essa? Aconteceu alguma coisa?
- Ah, amor... Eu to triste porque vou ter que me despedir dos meninos.
- Caio... Se você não quiser vir não tem problema! Eu vou entender.
- Não – eu fechei os olhos e abri um sorriso amarelo. – É claro que eu quero ir, é claro que eu vou. Eu só estou triste por causa da despedida mesmo. Eu odeio despedidas.
- E o Rodrigo? Como está?
- Mais ou menos. Ontem ele chorou muito, pediu para eu ficar...
- Você quer ficar?
- Claro que não, amor! Você sabe muito bem que eu quero esse momento tanto quanto você.
- Eu pergunto porquê se você não estiver preparado...
- Nós já falamos sobre isso a semana toda. Se você insistir nesse assunto eu vou pensar que você não quer mais a minha presença na sua casa.
- Pelo amor de Deus... Não fala uma coisa dessas nem de brincadeira. É claro que eu quero que você venha!
- Então não fale mais nada. Mais tarde eu estarei aí com todas as minhas coisas.
- Que horas eu posso te buscar?
- Na hora que você sair do trabalho.
- Então tá. Mal posso esperar pra você vir morar comigo, amor!
- Eu também não, de verdade. Vai ser um momento muito importante pra gente.
- Meu marido!
- Bobo – eu dei risada.
Eu poderia considerar a minha ida pro apartamento do Bruno como um casamento mesmo. Nós iríamos morar juntos, iríamos dividir as despesas da casa, iríamos dividir a vida. Enfim nós estaríamos juntos em todos os momentos. Finalmente!
Ainda pela manhã eu arrumei todas as minhas coisas que faltava arrumar. Deixei o guarda-roupa limpo e desocupado e o mesmo aconteceu com as minhas gavetas na cômoda.
- Isso daqui vai ficar tão vazio sem vocês dois – comentou Rodrigo. – Eu não sei se vou me acostumar com isso.
- A gente se acostuma com tudo, Digão – Fabrício terminou de arrumar as coisas.
- Não com isso – ele fungou.
Nesse mesmo momento o Nico começou a chorar. Era fome. O Fabrício deu a mamadeira e em seguida o neném capotou.
- Coisa mais linda!
- Quem vai te levar, Fabrício? – perguntei.
- Um táxi.
- Os montadores já terminaram de arrumar tudo?
- Ainda não. Minha mãe falou que falta muita coisa ainda.
O papai de primeira viagem ia sair da república só depois do almoço. Todos nós iríamos almoçar juntos, como forma de despedida e encerramento daquele ciclo; um dos melhores e mais importantes da minha vida.
Vinícius chegou por volta das 11, totalmente acabado de cansaço. O coitado estava até com olheiras.
- Que demora foi essa? – perguntou Fabrício.
- Tive uma cirurgia emergencial hoje cedo, mas de nada adiantou.
- Por que? – perguntou Rodrigo.
- Porque a paciente está com metástase. Não vai adiantar de nada essa cirurgia, eu tenho certeza.
- E nesses casos o que acontece? – indaguei.
- Nada. É só esperar alguns dias pra ela partir. Infelizmente.
- A medicina está tão avançada, tão evoluída... Por que não tem cura pro câncer ainda, hein?
- Boa pergunta, Caio. Boa pergunta.
Sempre que o Vinícius perdia um paciente, ele ficava arrasado. É por esses e outros motivos que eu não sirvo para ser médico. Eu desistiria no primeiro óbito, com toda certeza do mundo.
- Já vão sair? – o médico já estava só de cueca.
- Não – respondemos.
- Ainda bem. Posso tirar uma soneca?
- Claro! A gente vai te deixar em paz.
- Digão?
- Hum? – ele me olhou.
- Vamos tomar um sorvete?
- Claro. Boa ideia.
Ele já estava um pouco melhor. Pelo menos naquele dia ele ainda não tinha chorado. Eu sabia que com o passar do tempo o Rodrigo ia acabar se acostumando com a minha saída da república. Seria só uma questão de tempo.

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Ao chegar na sorveteria, fui logo escolhendo um sorvete para me deliciar. Escolhi um de chocolate e outro de pistache. Rodrigo ficou só com um de côco.
- Posso perguntar uma coisa?
- Que foi? – ele me encarou.
- Está mais calmo?
- Mais ou menos. Ainda não to gostando dessa ideia não, mas o que eu posso fazer? Nada!
- Não é bem assim. Você sabe disso.
- Por que você não fica mais um pouco?
- De que vai adiantar eu ficar? Uma hora eu vou ter que sair. É melhor não adiar o sofrimento, Rodrigo.
- Já falei que eu não estou preparado para te dizer adeus, Caio.
- E quem disse que a gente vai dizer adeus? Nem até logo eu vou te falar, porque a gente vai se ver sempre! E nos falaremos diariamente. Pelo menos no que depender de mim.
- Não vai ser a mesma coisa.
Ele já tinha falado aquilo tantas vezes que eu já estava me cansando. Por mais que fosse verdade, o Rodrigo tinha que se acostumar. Eu não ia voltar atrás na minha decisão.
Depois dessa resposta, a gente acabou ficando totalmente sem assunto. Era notório o sofrimento dele e acho que o meu também, mas a gente não falou mais nada, nada mesmo.
Terminei meu sorvete, ele terminou o dele e nós voltamos pra casa. Chegando lá, ficamos brincando com o Nícolas enquanto o Fabrício tomava banho. O neném estava esperto naquele sábado.
- Ele é tão calminho, né? – comentei.
- É sim.
- Vou tirar uma foto dele pra colocar nas minhas redes sociais.
Não tirei só uma, tirei várias fotos do menino. Ele era mesmo uma gracinha e todo cabeludo. O Nìcolas lembrava muito o pai dele, em vários sentidos.
- Olha, Digow... – eu fiquei abobalhado. – Ele segurou o meu dedo!
O Nícolas tinha fechado a mãozinha direita em torno de um dos meus dedos e isso me encantou. Era a primeira vez que um neném fazia aquilo comigo. Eu fiquei feliz da vida.
- Que coisinha mais fofa... – Rodrigo riu pela primeira vez em dias.
- Eu vou sentir saudades desse sorriso – falei, totalmente sério.
- Eu é que vou sentir falta do seu sorriso – ele me corrigiu.
- Não fica com essa carinha, mano... Você parte meu coração dessa forma...
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- Impossível. Sinto muito.
- Cadê meu campeão? – Fabrício voltou arrumado.
- Ele segurou meu dedo acredita?
- Ah, ele faz isso comigo direto. Né, filho?
- Ei, Fabrício? Como está o tio dele, hein? Mais conformado?
- Está melhor sim. Ainda é bem difícil, mas o tempo ameniza tudo.
- Deus me livre de perder a minha mãe e a minha irmã no mesmo dia – Rodrigo levantou. – Eu ficaria louco.
Era pra ficar mesmo. Se perder um ente querido já é difícil, imagina dois? E ainda mais nas circunstâncias que o tio do Nícolas perdeu a mãe e a irmã.
Logo a manhã chegou ao fim. Quando o Vinícius acordou, nós pedimos várias pizzas, comemos e enfim começamos a nos despedir.
- É... Está chegando a hora... – o engenheiro químico estava meio triste.
- Pô... Vai ser tão esquisito não ter você e o Caio aqui... – quem se pronunciou foi o Maicon.
- Vai ser estranho pra mim também.
- E pra mim também – eu concordei.
- Vocês fazem parte da minha vida já...
- E da minha também – eu repeti de novo.
- O Caio virou um papagaio? – Éverton me zoou.
- Quase – entrei na brincadeira, mas não ri. Eu estava triste.
- Ai gente... Que cara de velório é essa? Vamos nos animar!!! – pelo visto o Miguel não estava nem aí para a nossa saída.
Como eu ia sentir falta daquela casa, daqueles caras, dos meus amigos. Querendo ou não, eu convivi com eles por vários anos e eles já faziam parte da minha família. Ou melhor, eles eram a minha família.
Todos meus irmãos mais velhos e é claro que o mais especial era o Rodrigo. Ele seria a pessoa que mais sentiria a minha falta e ele seria a pessoa que eu mais sentiria falta.
Os menos importantes eram o Éverton, Maicon e Miguel. Deles eu não sentiria tanta saudade como sentiria dos outros, mas mesmo assim eles também fariam falta.
Quando uma amizade é verdadeira, a gente aprende a se preocupar com o outro, a gente aprende a querer cuidar do outro e eu ia me sentir vazio sem os cuidados dos meus amigos.
Por outro lado, toda essa ausência dos meninos seria preenchida pela presença do Bruno. Eu não podia simplesmente ignorar que eu amava o Bruno mais do que qualquer pessoa nesse mundo e era por isso que eu estava saindo daquela casa.
Nós fizemos o possível e o impossível para ficar num clima legal e até que conseguimos. Os meninos ficaram fazendo palhaçadas e até mesmo o Rodrigo deu risada.
Era daquele jeito que eu gostava de ver o meu amigo: sorrindo e dando risada. Eu não queria que ele ficasse triste por minha causa, mas ao mesmo tempo eu sabia que isso seria inevitável.
Após terminarmos o almoço, juntamos a louça e eu fiquei incumbido de lavar os pratos e talheres. Aquela seria a minha última tarefa doméstica na república.
- Eu seco a louça – falou Fabrício. – Pelo menos eu ajudo em alguma coisa, né?
- O Nícolas ainda está dormindo?
- Profundamente. Acabei de conferir.
- Que coisinha mais linda. Eu me apaixonei pelo seu filho, Fabrício!
- Ele é lindo mesmo. Um verdadeiro anjinho. Meu maior presente.
- Posso imaginar.
Quando terminei a louça, voltei pro quarto e deitei na minha cama. Faltava só algumas horas para eu sair da minha casa. Minha casa.
Minha e dos meus amigos. E dali a pouco tempo não seria mais minha. Eu fiquei pensando em todos os momentos felizes que eu tive naquele lugar. Não foram poucos.
E de repente o Fabrício apareceu no quarto com o semblante calmo, mas sério. Era a hora dele sair, dele ir embora pra sempre da república.
- Vocês não vão se despedir de mim?
- Você já vai? – Vinícius estava tenso.
- Já sim. O táxi está esperando aí embaixo. É hora de partir.
- E cadê o neném?
- Com os meninos ali na sala.
Engoli em seco. Eu odiava despedidas. O primeiro que foi falar com o engenheiro químico foi o Rodrigo. Para o meu espanto, ele chorou ao abraçar o nosso amigo.

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- Obrigado por tudo, tá? – Fabricio chorou, mas em silêncio.
- Eu é que agradeço por tudo, cara. Pela ajuda nas tarefas da faculdade, pelos conselhos, pelas broncas, pelos puxões de orelha... Você é um irmão, nunca se esqueça disso.
- Você também é um irmão pra mim, Digão. Fica bem, fica com Deus!
- Vai com Ele e cuida bem desse campeão aí. Ele é lindo demais. Tudo de bom pra você nessa nova fase.
- Pra você também. Juízo, hein garoto?
- Uhum – Rodrigo soltou o Fabrício, secou as lágrimas e voltou a deitar.
- Caio? Não vai vir falar comigo?
- Não queria falar, não queria me despedir... Mas...
Eu saí da cama e fui ao encontro do Fabrício. Nem precisei abraçá-lo para começar a chorar.
Eu lembrei do primeiro dia em que cheguei na república, lembrei da receptividade daquele garoto e foi impossível controlar a emoção...
- Vai ficar tudo bem – ele falou no meu ouvido.
- Eu sei!
Lembrei também de como ele sempre me tratou bem, de como ele sempre me ajudou nos momentos difíceis...
- Obrigado por tudo, Brício!
Lembrei dos conselhos, lembrei das orientações, das dicas, dos puxões de orelha, das broncas, das brigas, dos desentendimentos, dos risos, das gargalhadas...
- Eu é que te agradeço!
Lembrei do primeiro dia que fui dormir no mesmo quarto que ele...
- Eu gosto muito de você, Fabrício!
Lembrei de como foi a minha reação ao vê-lo pelado pela primeira vez...
- Eu também gosto muito de você!
Lembrei de todas as vezes em que fiquei excitado olhando aquele cara delicioso totalmente nu na minha frente...
- Eu nem tenho palavras pra te agradecer por tudo o que você fez por mim, Fabrício!
Lembrei de como era bom dividir o quarto com aquele deus grego...
- Não tem nada que agradecer, Caio!
Sim eu tinha muito o que agradecer... Cada conselho, cada bronca, cada orientação que ele me deu...
- Claro que eu tenho!
Lembrei de como ele foi importante na minha formação acadêmica, de como ele me ajudou com a matemática...
- Não tem não!
Lembrei de como ele me ajudou na loja, quando nós trabalhamos juntos...
- Você já me ajudou tanto, Fabrício...
Lembrei que a gente voltava juntos pra casa, que a gente dava risada, que a gente brincava, tirava onda com nossos colegas de trabalho...
- Fiz tudo de coração...
Eu tinha certeza disso... Eu tinha certeza que toda a ajuda que ele me deu havia sido de coração...
- Eu sei que foi, eu sei que foi...
Lembrei do dia em que ele passou mal e que eu tive que levá-lo praticamente carregado pra casa...
- Muita sorte pra você, Caio...
Lembrei das vezes em que ele me trouxe chocolates, doces, quitutes... Lembrei dos presentes, das lembranças, das mensagens que nós trocamos no celular...
- Pra você também, Fabrício!
Lembrei das nossas saídas aos finais de semana, das vezes em que nós bebemos juntos, das vezes em que jogamos futebol juntos...
- Deus te abençoe nessa nova etapa da sua vida...
Lembrei de tantas coisas que um verdadeiro filme passou na minha cabeça. Eu nem sequer imaginava que tinha vivido tantas coisas com aquele garoto.
- Amém. Que Deus ebançoe duas vezes mais a sua vida e a vida do seu filho. Que vocês sejam muito, muito, muito felizes, Fabrício!
Eu tinha passado muitos momentos felizes ao lado daquele cara. E iria sentir muito a falta dele.
- Amém! Obrigado por ser assim, Caio... Que você continue sempre assim... Sempre amigo desse jeito...

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- Digo o mesmo a você! Que essa amizade, esse carinho sempre continue vivo dentro de nossos corações. Muito obrigado por ser meu amigo, muito obrigado por me aceitar do jeito que eu sou...
Lembrei da conversa que tive com o Fabrício naquela ocasião em que nós estávamos sozinhos na república. Lembrei que ele me aceitou, que ele não me recriminou, que ele não foi preconceituoso com a minha orientação sexual...
- Você não tem nada que agradecer, de verdade. Nada mesmo. Eu gosto de você como um irmão, você sabe disso. E quero que não esqueça de mim nunca.
- Jamais! Nunca seria capaz de esquecer todas as coisas que eu vivi ao seu lado, mano!
- Eu também não. Obrigado por tudo!
- Não tem que agradecer. Te adoro!
Nesse momento eu me senti muito vazio. Seria difícil ficar longe daquele homem. Ele tinha sido importante na minha formação como ser humano, no meu amadurecimento.
- Cuida bem do Bruno e se ele fizer alguma coisa com você, é só me ligar. Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, não hesite em me ligar.
- Pode deixar – eu abri um sorriso. – Digo o mesmo. Cuida bem do Nico, tá?
- Com a minha vida. Não tenha dúvidas!
Saí de perto dele e voltei pra minha cama. Era a hora do Vinícius dizer tchau para o melhor amigo.
- Vini?
- Eita momento difícil esse, meu Deus!!!
E eu que jurava que o médico não ia chorar, acabei caindo do cavalo bonito. Vinícius chorou bem mais do que eu. Ele quase soluçou.
- Eu nunca vou esquecer o que você fez por mim, nunca!
- Cala a boca, caralho! – Fabrício ria. – Eu não vou morrer, porra!
- Eu sei que não, mas... É muito difícil! Você sabe que você é meu irmão, né? Nunca esquece isso, tá? Eu te amo de verdade, porra!
- Eu também, inferno. Vai, me larga... Eu tenho que ir...
O abraço dos dois durou muito mais tempo que o meu. a maior parte do tempo eles só choraram.
- Se você sumir, se você não der sinal de vida diariamente... Eu vou arrancar seu cabelo com uma pinça! Ai de você...
- Digo o mesmo... Não some, tá? Se cuida e não esquece de mim.
- Jamais, mano! Jamais. Você é uma das pessoas mais importantes da minha vida, você sabe disso.
- Idem. Idem, idem e idem. Se cuida, de verdade. Eu vou sentir muito a sua falta.
- Eu também. Eu também vou. Muito mesmo!
Que amizade linda a dos dois... Era idêntica a minha com o Rodrigo, sem tirar nem pôr. A única diferença entre a amizade dos dois e a minha amizade com o Digão, era que o Vini e o Fabrício nunca tinham... Brincado como eu brinquei com o Rodrigo. Pelo menos era isso que eu achava!
Depois das despedidas formalizadas, o Vinícius, eu e o Rodrigo ajudamos o nosso amigo com as coisas, afinal ele tinha que levar o Nícolas, né?
Colocamos as malas no carro, ele se despediu mais uma vez de nós 6 e com lágrimas nos olhos, entrou no táxi.
- Vai com Deus, Fabrício – falei comigo mesmo, já com meu coração dilacerado.
- É... Vai com Deus... – Vinícius parecia inconsolável por dentro, mas ele já não chorava mais.
- Se cuidem, rapaziada! Não esqueçam de mim – o cara colocou a cabeça pra fora do carro e nos fitou.
- Não some – Vinícius se pronunciou.
- Não vou sumir! Continuem torcendo pro Vasco que ele é campeão!!!
- Vai te catar, filho da puta – o Dr. Vinícius deu risada. Nesse momento o carro foi embora. – Vai com Deus, meu irmão!
- Quanta melancolia – Éverton bufou. – É só mais um que vai embora! Ele foi e vem outro...
- Cala a boca, nanico! – Vinícius exclamou. – Ninguém vai ocupar o lugar do Fabrício. Ele é insubstituível.
Isso era pra lá de verdadeiro. Ninguém iria substituir o Fabrício, ninguém mesmo. E acho que ninguém ia me substituir também. Ou será que eu estava enganado?
Quando o carro sumiu no horizonte, nós resolvemos entrar. Eu fui direto pro quarto, deitei e fiquei olhando pro teto, pensando na vida. Não tardou e o Bruno me ligou:
- Amor?

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- Oi, bebê! – fiquei feliz ao ouvir a voz de anjo dele.
- Você está bem?
- Eu estou indo e você?
- Bem. Está triste, né?
- Um pouco, mas é porque o Fabrício acabou de sair daqui.
- Ah, é mesmo! Eu tinha esquecido que ele também ia sair da república hoje. Que tenso...
- Uhum. Fica o vazio, sabe?
- Posso imaginar. Amor? Eu to doidinho de vontade de te encher de beijos, sabia?
- Que coisinha mais fofa – eu dei risada. – Eu também estou, meu príncipe! Muita saudades já...
- Verdade. Eu também estou!
Conversamos pouco porque ele estava em horário de trabalho, mas o pouco que falamos foi suficiente para levantar o meu astral. Pelo menos um pouquinho.
- É tão estranho entrar nesse quarto e não ver o meu amigo – Vinícius estava muito chateado.
- Nem me fala – Rodrigo estava com a voz rouca.
- Imagina quando o Caio sair...
- Não fala isso... Eu não quero nem pensar nisso...
Bruno e eu combinamos que ele me pegaria às 19 horas. Esse era o horário que eu ia sair da minha casa, que eu ia mudar a minha vida, que eu ia subir mais um degrau rumo a minha independência...
Enquanto não chegava a hora de sair, eu fiquei pensando em tudo de bom e também de ruim que tinha acontecido na minha vida durante todos os anos que morei naquela república.
Em um parâmetro geral, eu cheguei a conclusão que tive mais momentos bons que ruins e isso eu levaria pro resto da minha vida.
Só pelas amizades que fiz, só pelas conquistas que tive durante aquela época eu não poderia querer mais nada.
Tinha coisa melhor que isso? Tinha coisa melhor do que a amizade do Fabrício, do Vinícius e do Rodrigo? É claro que não.
Eles foram amigos fiéis, amigos leais e verdadeiros... Eu nunca esqueceria aquele tempo que nós passamos juntos, aquele tempo em que nós dividimos as nossas vidas, nossas intimidades...
Pensei em tudo isso até às 17:30. Nesse horário, eu criei coragem, respirei fundo e resolvi tomar meu último banho na república. Estava chegando a hora mais difícil do dia.
- Você já vai? – Rodrigo se assustou e levantou da cama.
- Não. Eu vou tomar banho.
- Hum...
A carinha dele era de dar dó. Eu sabia o quanto ele estava sofrendo e daria a minha vida para que isso não acontecesse, mas eu não podia fazer nada.
Por mais que eu amasse o meu amigo, eu precisava dar um passo adiante rumo à minha independência, rumo à minha evolução na vida. Até quando eu ia ficar dividindo aquela casa com aqueles garotos?
Não, não. Era a hora de dar a cara à tapa, era a hora de subir mais um degrau na minha vida, era a hora de mudar de ares, de mudar de casa e de ficar mais perto do Bruno.
A nossa relação era séria, é verdade, mas ela se tornaria ainda mais à partir daquele momento. E eu queria que isso acontecesse.
Não só eu como o Bruno. Morar junto do meu amor seria um tapa na cara da sociedade, um tapa na cara de todos aqueles que falaram que nós não tínhamos futuro – como o Rodrigo, o Víctor e o Vítor, por exemplo –, que nós nunca iríamos ficar juntos e que ele me trairia novamente ou qualquer coisa do tipo.
Ficar junto do Bruno seria um tapa até na minha própria cara. Eu que fiz o que fiz, eu que fiz jogo duro, eu que fui tão irracional, tão irredutível com o meu garoto dos olhos azuis, estava finalmente cedendo e indo ao encontro dele em definitivo. Que mudança, hein?
Em pensar que na volta dele ao Brasil eu não queria vê-lo nem pintado de ouro... Que mudança radical! Era o amor. O amor fez essa mudança em mim, essa mudança na minha vida.
Eu já não precisava fingir que eu não o amava como eu fazia antes. Eu não precisava mais bancar o durão, bancar o ofendido... As coisas já não eram mais assim há muito tempo.
Eu amava o Bruno com todas as forças que eu tinha, então, nada mais justo que viver aquele amor com toda a intensidade que fosse possível, nada mais justo que viver aquele amor com plenitude e nada melhor que viver ao lado dele para isso acontecer.
Sim, essa seria uma nova fase em nossas vidas e seria uma fase maravilhosa. Eu tinha mais do que certeza que iria dar tudo certo, que nós dois seríamos felizes da melhor forma possível e que nada iria derrubar a nossa felicidade. Eu confiava nisso. E confiava muito.
Entrei na ducha e deixei a água lavar a minha tristeza, a minha melancolia. Eu tinha que ficar feliz, afinal eu estava indo ao encontro da minha cara-metade, da minha alma gêmea.
Mas como eu podia ficar feliz se o Rodrigo estava sofrendo pela minha partida?
Eu não podia estar totalmente feliz enquanto o Digão estivesse sofrendo. Será que aquele sofrimento ia perdurar por muito tempo? Eu estava torcendo para que não.
É claro que não. Deveria ser questão de dias para ele se acostumar, para ele dar a volta por cima e esquecer de mim. Não literalmente falando, mas esquecer daquela dor que ele estava sentindo.
Quando isso acontecesse aí sim eu poderia ser feliz, eu poderia me entregar de corpo e alma ao meu sentimento e para o meu namorado. Ou marido.
Então, a minha alternativa era rezar e torcer para que tudo ficasse bem entre nós dois. E ia ficar. Pelo menos no que dependesse de mim.
Desliguei o chuveiro, me sequei, me troquei e fui até a lavanderia, para colocar a minha toalha pra lavar. A roupa suja eu coloquei na mochila pra lavar no apartamento do Bruno, já que aquela seria a minha nova casa.
- Já vai sair, Caio? – perguntou Maicon.
- Daqui a pouco, Maicon.
- Posso me despedir de você agora? É que eu tenho que sair com a patroa...
- Hum... Então tá, né? – eu abri um sorriso amarelo.
O garoto me deu um abraço rápido, me desejou sorte e disse que sentiria a minha falta.
- Eu sentirei a sua falta também, Maicon. Obrigado por tudo.
- Imagina. Eu é que te agradeço. Vai com Deus e boa sorte em tudo mesmo. Você merece, você é um cara legal.
- Obrigado, você também é! Fica com Deus também e sempre que der eu venho aqui visitar vocês.
- Pô, aparece sim. Abraço, Caio!
- Outro, Maicon.
E assim eu me despedi do primeiro integrante da república. Só faltava mais quatro. Eu suspirei.
Aos poucos, o vazio dentro de mim foi aumentando, aumentando, aumentando... Será que esse vazio não ia parar de crescer, meu Deus?
Se ia parar de crescer ou não, eu não sabia. Mas eu tinha certeza que com o passar do tempo, tudo ficaria bem, tudo voltaria ao normal. Tinha que ser assim...
Às 19 horas em ponto eu ouvi uma buzina do lado de fora da minha casa. Era o Bruno. Estava na hora de ir embora, estava na hora de sair da república e eu não estava preparado para me despedir de meus amigos. Não mesmo.


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Fui até a rua, abri a porta do carro, entrei, beijei o Bruno e ele me abraçou.
- Como é bom te ver...
- É bom ver você também, amor. Como foi o seu dia?
- Foi normal e o seu?
- Bem triste. Está sendo difícil, mas vai ficar tudo bem.
- Caio? Você está pronto pra isso?
- Já falei que sim! Eu só não estou preparado pra me despedir dos meninos. Só isso.
- Você não precisa se despedir de ninguém, Caio. A sua amizade continuará a mesma. Ou não?
- Claro que sim, mas querendo ou não, este é o encerramento de um ciclo. Querendo ou não, as coisas vão mudar entre nós, não vai ser mais a mesma coisa, mas vai dar tudo certo!
- Então tá. Eu te espero aqui.
- Bruh... Eu posso demorar muito. Tem problema?
- De jeito nenhum. Faça as coisas no seu ritmo, amor. Eu te espero sem problema algum. Enquanto você não vem, eu vou colocar crédito no celular, vou tomar um sorvete ali na sorveteria, vou ao banco pegar dinheiro...
- No banco? Essa hora?
- Preciso de dinheiro pra pagar umas contas. Eu vou ao caixa eletrônico mesmo.
- Então tá bom. Você volta que horas?
- Daqui uma hora. Pode ser?
- Uhum. Mas e se eu demorar mais de uma hora?
- Continuarei te esperando. Eu espero o tempo que for necessário, não se preocupe.
- Obrigado por ser tão lindo, tá?
- Você que é lindo! Vai lá curtir seus amigos. Eu te espero.
- Farei o possível pra não demorar.
- Faça as coisas no seu devido tempo. Eu espero.
Saí do carro e entrei de novo na minha casa. Aquela poderia ser a última vez que eu pisaria naquele lugar. Será que era isso? Ou será que eu ainda voltaria naquela casa mais alguma vez?
Subi a escada sem pressa. Eu olhei pro teto e lembrei do dia em que cheguei em casa e vi aquele monte de baratas passeando pelas paredes da escada. Eu ri.
Ao chegar na sala, olhei para os móveis. Lembrei das vezes em que eu e os meninos nos reunimos naquele cômodo pra assistir futebol ou qualquer outra coisa na televisão. E então eu chorei.

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“- Vai, Vasco... Vai, Vasco... – Fabrício levantou do sofá quando o artilheiro do Vasco se aproximou do gol. – VAAAAAAAAAAAAI, FILHO DA PUTA!!!
- Qualquer dia desses esse daí vai ter um ataque do miocárdio – Vinícius fez pouco caso.
- PUUUUUUUUUUUUUUUUUTA, QUE PÉ TORTO DO CARAAAAAALHO! – Fabrício colocou as duas mãos na cabeça e chutou o ar.
Eu ri.
- Caio? – Rodrigo me chamou.
- Eu? – me virei para meu irmão e o mesmo jogou uma pipoca na minha cara. Caiu bem no meio da minha testa.
- Que é isso? Você se acha no direito de me atacar desse jeito, espiga de milho cabeluda?
- GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL – Fabrício gritou e eu dei um salto do sofá, quase caindo do mesmo. Rodrigo riu da minha cara.”
- Calma, Caio! Calma!
Respirei fundo e fui pro quarto. Ambos os meninos estavam deitados de lado, olhando para as paredes. Eu não falei nada, apenas pigarreei.
- Você já tem que ir? – a voz do médico estava rouca, assim como a do Rodrigo.

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- Já – respondi baixinho.
Eles não falaram nada, absolutamente nada. E tampouco se mexeram.
Eu suspirei, fechei os olhos, dei meia volta e resolvi falar com os outros meninos. Eu tinha que me despedir deles também.
Saí com a cabeça baixa, abri a porta do meu quarto e segui para os aposentos ao lado. Bati na porta duas vezes e o Miguel pediu para eu entrar. Eles estavam vendo televisão.
- Meninos?
- Caio? Já vai?
- Sim. Eu vim me despedir...
Quem foi me abraçar primeiro foi o irmão do Kléber. O futuro pediatra estava usando só uma bermuda. Acho que pela primeira vez eu olhei o corpo daquele garoto. Ele estava bonito, bem bonito.
- Boa sorte, fica com Deus e obrigado pela amizade de sempre. Foi um prazer te conhecer.
- Obrigado, Miguel! Foi muito bom passar esses anos com você. Valeu por tudo, tá?
- Eu que te agradeço. Boa sorte nessa nova etapa.
- Obrigado!
Ele se afastou e foi a vez do nanico me cumprimentar. Ele apertou a minha mão, deu alguns tapinhas no meu ombro e me desejou sorte.
- Desculpa qualquer coisa aí, viu Caio? Eu sou assim mesmo.
- Não esquenta. Se cuida e boa sorte no fim da sua faculdade.
- Muito obrigado. Só falta 1 semestre agora.
- E vai passar rápido, acredite. Boa sorte mesmo.
- Pra você também.
Eu olhei para todos os móveis daquele local. Era como se eu estivesse querendo gravar cada detalhe daquela casa – e isso aconteceu –. Como eu ia sentir falta daquele lugar...
Saí com a garganta tampada. Como aquele momento estava sendo difícil. Encostei a porta do quarto dos meninos, respirei fundo. Fechei os olhos e uma lágrima escapoliu. Como eu fui feliz naquele lugar...
Olhei pro corredor, olhei pra porta do banheiro e lembrei de todas as vezes em que nós fizemos quase que uma guerra para dividir aquele lugar.

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“- Some já daí – Éverton me puxou pelos ombros. – A prioridade são dos mais velhos.
- Ih... Vai te catar, nanico de 5 centímetros! Eu preciso ir pra faculdade!
- E eu com isso?
- Ei, ei – Rodrigo puxou Éverton pelo cotovelo. – Pode saindo daí que quem vai entrar sou eu!
- Nem vem que não tem, Rods! Eu cheguei primeiro!
- Até quando as donzelas vão ficar brigando? – Vinícius apareceu para colocar ordem no negócio. – Podem tirando os cavalinhos da chuva, que a prioridade é minha que sou o presidente!
Vinícius expulsou todos nós do banheiro, entrou e fechou a porta. Éverton, Rodrigo e eu ficamos brigando e tentando entrar, mas isso foi impossível.
- EU PRECISO IR PRA FACULDADE! – gritei.
- TO NEM AÍ, TO NEM AÍ – Vinícius começou a cantar dentro do banheiro.”


Lembrei das manhãs em que havia rodízio para entrar naquele lugar da casa, das vezes em que o Rodrigo e eu brigamos para tomar banho, das vezes em que eu fiquei bravo por causa da bagunça que os meninos faziam, espalhando roupa suja para todos os lados... É... Eu fui feliz e não sabia!

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“- O que é isso? – indaguei. – Fila do INSS?
Fabrício, Maicon, Miguel, Kléber e Rodrigo estavam encostados nas paredes e todos com cara de cansaço.
- O Éverton entrou e morreu lá dentro.
- Eu ouvi isso, hein Maicon? – a voz do nanico saiu de dentro do banheiro.
- Foda-se!!!
Quando o cara saiu, foi a maior briga para entrar no sanitário. Rodrigo e eu fomos obrigados a ficar para o final.
- QUE ALGAZARRA É ESSA AQUI? – eu esbravejei quando entrei e vi várias roupas espalhadas pelo chão.
A casa ficou em silêncio.
- ÉVERTON, MAICON, MIGUEL E KLÉBER! PODEM TIRANDO ESSAS ROUPAS SUJAS DAQUI E COLOCANDO NA LAVANDERIA!!!
- Calma, Caio... – Kléber apareceu no banheiro.
- CALMA É O CARALHO! ORGANIZAÇÃO, POR FAVOR! ANDEM COM ISSO!
Eu só sosseguei quando todos recolheram as roupas sujas do banheiro e colocaram no devido canto. Meu sendo de organização não me deixa quieto quando eu via algo daquele tipo.
- Você me assusta! – Rodrigo estava me olhando.
- Cala a boca aí. Dá licença que eu vou tomar banho!
- Na-na-ni-na-não – o jovem me puxou pelos ombros. – Quem vai sou eu!
- E por que você acha que eu vou deixar você entrar aí nesse Box?
- Porque você me ama, porque você é boa pessoa e porque eu tenho que sair com a Marcela. Obrigado!
- Não mesmo! – foi a minha vez de puxar o meu irmão. – Eu também vou sair com o Murilo e não posso me atrasar.
- E daí? O que eu tenho a ver com essa história? Você vai esperar e ponto final.
- CHATO! – gritei quando ele fechou a porta na minha cara.”.
Entrei. Entrei e olhei cada pedra de cerâmica que havia no chão e nas paredes do sanitário. Era como se os momentos de felicidade que eu vivi estivessem cravadas naquele banheiro. Era como se eu estivesse ouvindo as nossas risadas, as nossas brigas, as nossas desavenças... As nossas memórias...
“- Sai logo desse chuveiro, mano! – Rodrigo exclamou.
- Não estou com pressa, Rodrigo!
- Mas eu estou! Se você não sair logo eu vou me atrasar pra faculdade!
- Ai que saco! – desliguei o chuveiro e saí do Box.
Quando Rodrigo me viu, caiu na gargalhada.
- Que é? Tá me achando com cara de palhaço pra você rir da minha cara?
- Caio, eu queria que você saísse logo, mas também não precisa sair com o cabelo cheio de xampu, cara!
Passei a mão na minha cabeça e percebi que eu tinha esquecido de enxaguar meus cabelos.
- A culpa é sua! – senti minha pele esquentar. – Quem manda ficar me apressando?

Voltei pro chuveiro e fiquei ouvindo a gargalhada do Rodrigo. Ele ia me pagar depois!”.

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Olhei pro espelho e vi um Caio mais velho. Eu não era mais o mesmo Caio de antes, eu não era mais o Caio de 17 anos que havia chegado recentemente no Rio de Janeiro. Eu era o Caio de 21 anos, formado em Gestão de Recursos Humanos e que estava saindo de casa pra morar com o namorado. Como as coisas tinham mudado...
Abri a portinha do armário que ficava sobre a pia e olhei as escovas de dentes que ali estavam. Antes eram 8 e naquele momento só restavam 5.
Minha escova, sempre na cor azul, ficava ao lado da do Rodrigo, sempre na cor verde. E ao lado da minha, à direita, ficava a do Fabrício, mas esta não estava mais lá. O meu coração apertou e eu voltei a chorar. E chorei com força total.
Olhei os potinhos de gel, olhei a caixinha de fio dental, olhei o creme dental, olhei os pentes, as lâminas de barbear... Eu ia sentir falta de tudo aquilo. Isso era certeza...
“Abri a portinha do armário e percebi que o creme dental tinha acabado.
- O que você está procurando, Caio? – perguntou Vinícius.
- Creme dental, Vini. Acabou e ninguém tem coragem de colocar outro no lugar.
- Esses caras... – o presidente da república suspirou.”.
Fechei o armário e fui até o chuveiro. Entrei, olhei pra janela e vi os vários frascos de xampus que estavam naquele lugar.
Antes também eram 8 e naquele momento 5. Lembrei de todas as vezes em que eu arrumei aqueles xampus durante o meu banho.
Me recordei das vezes em que o Rodrigo, sempre o Rodrigo, me pediu o xampu emprestado...
“- CAIO?
- O que é dessa vez?
- Posso pegar seu xampu emprestado?
- De novo, Rodrigo?
- É que ele deixa meu cabelo cheiroso e a mulherada gosta...
- Não deveria emprestar, mas pega essa porcaria logo... Folgado!
- É por isso que eu te amo, mano!”.
Como essas discussões iam me fazer falta... Muita falta...
E então eu vi as saboneteiras. Umas com, outras sem sabonetes, mas todas ali. As 8. A minha novamente ficava ao lado da do Rodrigo. E a minha estava vazia. Que dor no peito, que dor no coração...
Me lembrei de um dos primeiros banhos que tomei na república, ainda na casa antiga. Eu lembrei que fiquei pasmo quando vi um sabonete coberto de pelos e lembrei de como aquilo mexeu com o meu imaginário... Eu era tão bobo...
Respirei fundo e deixei as lágrimas lavarem o meu rosto. Eu não estava exagerando. Ali eu vivi talvez os melhores momentos da minha vida. Como aquele dia não poderia ser marcante? Como?
Antes de voltar para o corredor, eu encarei mais uma vez o banheiro e suspirei profundamente. Havia dentro de mim uma sensação incrivelmente ruim, uma sensação de pura despedida. Essa é que era a verdade.
Eu iria visitar todos os cômodos daquela casa, eu iria me despedir de todos os móveis, de todos os eletrodomésticos, de todos os locais da república. Eu queria que aquele ciclo fosse fechado com chave de ouro. E realmente seria assim.
Fui até a lavanderia e lá me deparei com as cordas onde nós estendíamos as nossas roupas. Até daquilo eu ia sentir falta.
Sempre houve briga para estender as roupas e nunca houve espaço físico que comportasse tantas peças que a gente lavava. Eu ri lembrando das discussões que tive naquele local da casa...
“- Eu nunca tenho espaço suficiente pra estender as minhas roupas. Quem mexeu nas minhas camisetas?
- Fui eu – falou Miguel. – As suas camisetas estavam na minha parte da corda!
- Mas o que eu posso fazer? Eu não tenho espaço suficiente para colocar as minhas camisetas!
- E por que não coloca lá na laje, Caio? Precisa colocar na minha parte do varal?
- Mas Miguel, lá em cima já está tudo lotado!
- Eita, pobreza! A gente tinha que ter uma lavanderia do tamanho do Maracanã só para poder colocar as nossas roupas.
- Verdade – eu dei risada. – Oitocentas pessoas morando juntas dá nisso.”.
Bons momentos, boas risadas, boas lembranças que iriam fazer parte do passado, mas que nunca sairiam da minha cabeça e do meu coração...
Olhei pro tanque e recordei as vezes em que lavei as minhas roupas naquele lugar. Olhei pra máquina de lavar e revivi todos os dias em que eu fui guardar uma peça de roupa suja e que não havia mais espaço dentro daquele eletrodoméstico.
“- Caralho, viu? – suspirei. – Que povo desorganizado! Custa colocar a roupa suja pra lavar? Não custa!
- Falando sozinho, Cacs? – Rodrigo falou no meu ouvido e eu quase tive um troço de tanto susto.
- QUER ME MATAR DO CORAÇÃO, FILHO DA PUTA?! COM OUTRA DESSAS EU PARO NO CEMITÉRIO!!!
Rodrigo gargalhou e eu coloquei a máquina para trabalhar. O Digow não precisava ter feito aquilo comigo!”.
Mirei a secadora e me recordei de todas as vezes em que eu a utilizei, em dias de frio ou de chuva na cidade do Rio de Janeiro.
Fui até o armário que ficava ao lado da secadora, abri as portas e vi as vassouras, o rodo e os produtos de limpeza. Me lembrei das vezes em que nós 8 fizemos faxina naquela casa...

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“- Limpa esse quarto direito, Rodrigo!
- Quer parar de pegar no meu pé, Cacs?
- Então faz as coisas direito, cacete!!!
- Se você está reclamando tanto por que não vem fazer?
- Porque eu já estou ocupado limpando a janela. Daqui dá pra ver a sujeira que está nessa cômoda.
- Você é tão chato que às vezes chega a ser insuportável!
- Ei, dá pra parar de varrer os meus pés, Fabrício?
- Desculpa aí, Caio. Quem manda você ter o pé maior que uma prancha de surf?
- Porra, quem vê pensa que eu calço 57!
- Tá quase lá.
- Para de varrer meu pé, filho da puta! Eu quero casar um dia, peste bobônica!”.
Chorei com mais vontade, chorei com mais força, fiquei mais emocionado. Como eu fui feliz naquela casa!
E finalmente fui ao encontro dos baldinhos onde nós deixávamos as nossas roupas de baixo. Cada balde tinha uma cor, cada balde tinha um nome, mas o meu não estava mais lá. Alguém já tinha tirado e isso deixou o meu coração dilacerado...
Eu olhei pro balde do Vinícius e me veio à mente todas as vezes em que ele pediu para eu lavar as suas cuecas...
“- Lava as minhas também?
- Eu não! Que folgado!
- Lava, vai? Eu te dou um chocolate...
- E você acha que vai me comprar com um chocolate?
- Acho!
- Achou certo. Passa o balde pra cá...”.
Dei risada lembrando dessa cena. O Vinícius sempre me pedia para lavar suas cuecas e muitas das vezes eu acabei lavando. Como eu era idiota!
Subi a escada e fui até a laje. Fazia uma noite bonita naquele dia. Eu olhei pro céu, olhei pra lua, pras estrelas e fiquei pensando nos meus amigos. Eu ia sentir muito a falta deles, muito mesmo.
O carro do Bruno estava no mesmo lugar. Será que ele já tinha voltado? Ou será que tinha saído a pé? Eu tentei me apressar, mas não consegui. Eu queria curtir muito cada lugar daquela casa. Eu não saberia dizer se iria voltar ali ou não.
Fui até a churrasqueira e revivi o dia da formatura do Fabrício e do Vinícius. A casa estava cheia, nós estávamos felizes, dando risada, contentes, leves, livres... Foi um dia inesquecível...
A imagem das famílias dos dois reunidas em torno da mesa não saiu da minha cabeça. Eu fechei os olhos e vi todos, absolutamente todos que estavam na república naquele dia. Aquele dia que parecia tão longínquo...
Olhei para a laje toda e me lembrei também do dia em que Vinícius cismou em tomar banho de sol naquele lugar...
“- Eu não sou obrigado a ir à praia, sou? – ele reclamou quando Kléber sugeriu que ele fizesse isso.
- Não, né? Mas tomar banho de sol na laje ainda de sunga branca? As vizinhas vão é curtir, isso sim!
- Problema é delas! Ninguém precisa ficar olhando.
Ele subiu e nós ficamos lá, incrédulos com o que estava acontecendo.
- Ei, tive uma ideia – Fabrício falou baixo.
- Que ideia? – perguntei.
- Venham comigo...
Antes de subir na laje, Fabrício encheu um balde com água da geladeira. Eu me perguntei para quê ele estava fazendo aquilo.
- O que você vai fazer? – Rodrigo ergueu as sobrancelhas.
- Jogar em cima do Vini!
- Não acredito!!! – fiquei chocado.
Nós subimos as escadas e percebemos que o doutor estava deitado de bruços e aparentemente parecia dormir. Fabrício se aproximou lenta e silenciosamente e quando eu menos esperei, ele jogou a água e os gelos em cima do melhor amigo.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI, PUUUUUUUUUUUTA QUE PARIU, EU MAAAAAAAAAAAAATO VOCÊS!!!”.
Desci e da lavanderia fui para a cozinha. Sentei na mesa, olhei pro armário e lembrei das vezes em que nós fomos fazer compras juntos...
“- Vinícius, não esquece de colocar peixe. O Caio adora! – falou Fabrício.
- Deus me livre e guarde na hora do meio dia!!!
Eu não como isso nem pra ficar bilionário!
- Será que 5 quilos de sabão em pó dá pro mês? – perguntou Rodrigo.
- Acho que dá sim – falei. – Será?
- Pelo sim e pelo não, melhor colocar mais duas caixas – falou Vinícius.
- Quanto tá? – perguntei.
- Sei lá! Nem vi o preço.
- Ah, e é assim? Não, não! Vamos lá ver o preço e pegar do mais barato porque as coisas não estão fáceis não.
- Ele tem razão – Fabrício concordou comigo.
- Segura aqui, Rodrigo – coloquei um detergente nos braços do meu amigo.
- É, segura aqui, Rodrigo – Fabrício também colocou alguma coisa nos braços do meu irmão.
- Segura aqui, Rodrigo – Vinícius também entrou na onda.
- Ei! Estão me achando com cara de burro de carga?
- Estamos! – respondemos meus amigos e eu.”.
Suspirei e as lágrimas continuaram caindo. Foi ali, naquela cozinha, que nós tivemos as maiores brigas da casa...

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“- Custa você ajudar a secar a louça, Rodrigo?
- Hoje não é meu dia, Caio!
- Mas eu to cansado, eu só quero uma ajuda!
- Eu também to cansado, cara. Na próxima eu te ajudo, na boa!
- Eu te ajudo, Caio – Fabrício foi o único que quis me dar uma mãozinha.
- Obrigado, Fabrício! Pelo menos você me ajuda e tem dó de mim!
- Fresco e exagerado como sempre – Rodrigo saiu da cozinha.”.
Lembrei também dos nossos almoços; das nossas risadas; das vezes em que eu cozinhei para os meninos...
“- Nossa... Está bom demais...
- Muito obrigado, Vini!
- Já pode casar, hein? – Miguel brincou.
- Quem sabe um dia...”.
O dia tinha chegado... Era naquele dia... Era naquele dia que eu ia casar... Não literalmente falando, mas a minha saída da república pra ir morar com o Bruno não deixava de ser um casamento...
Um casamento que seria muito feliz... Muito feliz mesmo... A minha saída daquela casa tinha que valer a pena e ia valer a pena...
Suspirei e as lembranças continuaram com força na minha mente. Eu olhei pro fogão e lembrei das várias vezes em que fiz a minha macarronada pros meninos, mas lembrei também das vezes em que alguém cozinhou e a comida não ficou legal...
“- Ficou muito salgado – Vinícius fez careta.
- Acho que errei a mão – Fabrício ficou sem graça. – Que merda!
- Não está tão ruim assim – Rodrigo mentiu. – Dá pra gente comer. Não vamos desperdiçar comida...”.
Eu já não conseguia mais controlar o choro. A minha emoção era tamanha, que as lágrimas já estavam molhando o colarinho da minha camiseta.
Deitei a cabeça na mesa e continuei pensando nos momentos que vivi naquela casa, com meus amigos, com meus irmãos. As melhores lembranças vieram a tona e o meu choro se intensificou ainda mais.
Eu levantei, fui até a geladeira, a abri e fiquei olhando as latinhas de cerveja que estavam espalhadas pelas prateleiras do eletrodoméstico.
Eu lembrei das vezes e vezes em que todos nos reunimos nas tardes de domingo para beber, jogar conversa fora, fazer piada e dar risada. Como aquilo era bom..

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“- Não acredito que você já foi numa praia de nudismo! – exclamou Rodrigo.
- Claro que fui – Fabrício bebericou a cerveja. – Eu não tenho o menor problema com isso, vocês sabem.
- E como é? Tem muita gostosa lá? – indagou Vinícius.
- Até tem, mas também tem umas velhassem noção com os peitos batendo nos joelhos, aí já viu!
- Brincou? – Rodrigo já começou a rir.
- Pior que não! Teve uma vez que eu fui e tinha uma mulher bem idosa deitada na areia. Ela era bem gordinha.
- Eita visão do inferno! – até me benzi.
Vinícius gargalhou da minha cara.
- E o pior de tudo não é nem isso. O pior é que a filha da puta estava deitada na areia e com uma tosse de cachorro magro que só por Jesus Cristo.
- E o que tem demais nisso? – quis saber.
- Tem que conforme ela tossia os peitos balançavam e ela esparramava areia com a periquita, não sei como mas a xereca Dela tossia junto dela.”.
E lembrei também das vezes em que eu fui limpar a casa e encontrei várias latinhas embaixo das camas, principalmente na do Fabrício...
“- E essas latinhas embaixo da sua cama, Fabrício?
- Pô, Caio... Foi mal... Eu esqueci de colocar no lixo...
- Percebi. Vê se cria jeito, seu cara de pau!!!
- Prometo que não vai acontecer novamente. Palavra de escoteiro...”.
Fechei a geladeira e peguei a listagem com a relação de quem iria lavar a louça naquela semana. O meu nome constava na lista, mas ele estava riscado. Isso doeu tanto, mas tanto que eu poderia jurar que seria capaz de tocar a minha dor.
Coloquei a lista no lugar, arrumei os ímãs por ordem de tamanho e com muita tristeza, saí da cozinha, mas antes, olhei de novo para aquele cômodo para me despedir de tudo. Eu estava sofrendo.
Cheguei na sala novamente. Mesmo já tendo lembrado de alguns momentos, eu não pensei duas vezes em sentar no sofá e ficar olhando para todos os móveis.
Aquela televisão foi protagonista de vários momentos ao lado dos meus amigos. Quantas e quantas vezes eu sentei naquele sofá e fiquei vendo televisão com algum deles? Quantas e quantas vezes nós brigamos por causa das músicas que tocavam naquele som?
“- DESLIGA ESSA PORCARIA DE FUNK, ÉVERTON!
- Nem a pau. Eu gosto!
- Mas eu odeio! – fui e desliguei a porcaria do som...
- Ei! Você não tem esse direito, Caio!
- Tenho esse direito sim, Éverton! À partir do momento que você mora com outras pessoas, você precisa respeitar os gostos de cada um e eu ODEIO funk, entendeu?
- Problema é seu, filho da puta! – ele voltou a ligar o som.
- PROBLEMA É MEU UMA VÍRGULA! – voltei a desligar o aparelho. – NA MINHA FRENTE VOCÊ NÃO OUVE ESSE LIXO E ACABOU!!!”.


Dei outro suspiro. Lembrar de tudo aquilo não estava sendo fácil. Era tanta lembrança que a minha cabeça estava dando um nó e já estava começando a doer. Meu peito estava apertado e a minha garganta tampada. Eu quase não conseguia respirar.
E depois da sala, só me restou o meu quarto. Aquele com certeza foi o lugar em que eu passei a maior parte do tempo durante todos aqueles anos que morei naquela casa. E foi ali que eu vivi os melhores momentos com meus amigos.
Entrei e notei que os meninos ainda estavam na mesma posição. Olhei para todos os lados, para todos os móveis, para todas as paredes e respirei bem fundo. Eu precisava me despedir dos dois. E tinha que ser naquele momento.
Andei até o meio do quarto e olhei para os dois. Rodrigo estava encolhido, parado e parecia que nem estar respirando. Vinícius estava deitado de bruços, com a cabeça virada pra parede. Ele fungava de vez em quando.
- Me-meninos? – a minha voz falhou.
Eles não falaram nada. Nesse momento eu ouvi o choro do Rodrigo. Ele também estava fungando.
- Eu... Preciso... Ir...
Novamente eles não falaram nada e isso já estava me deixando chateado. Eu sabia que eles não queriam se despedir, eu também não queria, mas era necessário. Eu não podia ir sem falar com eles. Seria muita falta de educação e de respeito da minha parte se assim eu fizesse.
Primeiro quis falar com o Vinícius. Eu fui até a cama do médico, encostei o queixo no colchão e coloquei a mão em seu ombro direito. Ele não se mexeu.
- VinI... – sussurrei.
- Caio... – ele suspirou.
- Me dá um abraço? Por favor?
O oncologista demorou para se mexer, mas quando o fez e me encarou, eu notei o quanto ele estava chateado pela ida do melhor amigo. Eu nunca havia visto o VinI naquelas condições.
Ele sentou, secou as lágrimas e desceu pro chão. Em seguida, o médico me abraçou com muita força, mas não falou nada.
- Eu que-queria... Te agradecer por... Tudo o que você... Faz por mim... – a minha voz quase não saiu.
- Não fala nada, tá?
- Me perdoa por qualquer coisa...
- Não fala nada!
Eu chorei e chorei bonito. Depois do Rodrigo, talvez o Vinícius fosse o amigo mais importante que eu tinha na vida.
Ele sempre me aconselhou, ele sempre me ajudou, ele sempre me deixou chorar em seu ombro, ele sempre me ouviu, ele sempre me entendeu, sempre me ajudou nos momentos difíceis... Ele era um bom homem e um excelente amigo.
Foi impossível não lembrar do começo, de quando eu cheguei na república do Catete e do interesse imediato que eu tive por ele.
Vinícius sempre fora um homem lindo, gostoso e interessante. E ainda continuava sendo. Eu nunca poderia esquecer o que nós vivemos no passado...
“- Agora você não me escapa, garotinho...”.

O Vinícius era uma das pessoas mais importantes que havia cruzado o meu caminho. Eu sabia que podia confiar naquele garoto, eu sabia que podia contar com ele em todos os momentos da minha vida, fossem esses bons ou ruins.
- Muito... Obrigado... Por tudo...
Vinícius sempre apoiou as minhas decisões, independentemente das consequências que elas poderiam ter.
Ele me apoiou na época em que o Bruno me abandonou, me apoiou quando eu quis voltar com ele, me aconselhou de forma positiva para isso acontecer, me apoiou e muito na época da faculdade, me incentivou a fazer academia, me incentivou a fazer inglês... O que eu poderia esperar de ruim daquele cara? Nada!
- Não precisa agradecer nada, Caio! Eu gosto muito de você!
Eu fiquei lembrando de vários momentos em que nós passamos juntos... O réveillon em Copacabana, as partidas de futebol nas praias do Rio, as idas ao supermercado, as conversas sobre filmes, as várias afinidades que nós tínhamos...
- Eu também gosto muito de você...
- Eu te desejo toda a sorte do mundo nessa nova fase da sua vida, te desejo tudo de bom...
- O-obrigado!
- Não quero que você fique assim – Vinícius se afastou de mim e limpou o meu rosto. – Não é pra chorar mais! Você vai ficar com o seu amor e isso é o que importa.
- Eu não quero que as coisas mudem entre nós dois...
- E não mudarão, pelo menos no que depender de mim. Eu vou continuar gostando de você da mesma forma, acredite.
- Então por que está chorando também?
- Porque a hora da despedida é muito difícil. Dói, mas a gente tem que aprender a conviver com essa dor e com esse vazio que fica. Logo tudo isso vai passar.
Fiquei calado, apenas chorei.
- Vai com Deus, tá? Cuida bem do Bruno, pede pra ele cuidar bem de você e que vocês dois sejam muito felizes juntos. Esses são meus votos.
- O-obrigado...
- Eu não quero que nada de ruim aconteça com você. Se precisar de mim, me liga, seja a hora que for... Eu to aqui pra te ajudar, nunca esqueça disso, tá?
Agarrei aquele deus grego com muita força e solucei. Ele era tão lindo...
- Não fica assim... – mas ele também chorou com mais força.
- Eu te adoro!
- Também te adoro, garoto!
Continuei pensando nas várias lembranças boas que eu tinha do VinI e isso só fez o meu desespero aumentar. Por que dizer “tchau” era tão difícil daquele jeito? Por que eu não conseguia parar de chorar?
- Vai ficar tudo bem...
- Vini...
- Não fala mais nada, tá bom? Eu te adoro muito, Caio! Nunca esqueça disso, por favor. Agora seca essas lágrimas e respira fundo. Quer uma água?
- Não... Não...
- Muito boa sorte, irmãozinho. Você merece ser feliz. Eu bem sei o que você tem passado nesses últimos anos, desde que chegou na república... Sei o quanto você sofreu, sei o quanto você merece ser feliz. E eu sempre estarei rezando por você, sempre.
Nem tive palavras pra agradecer. Só intensifiquei o nosso abraço e logo em seguida o soltei. Eu não queria prolongar aquele momento por muito mais tempo.

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- Força. Vai dar tudo certo. Mais cedo ou mais tarde isso ia acontecer.
- É... Eu sei...
Olhei pro Rodrigo. Ele ainda estava na mesma posição, mas estava chorando com mais força. Eu fiquei com meu coração partido.
- Agora... Chegou... A hora mais... Difícil... – falei baixinho.
- Vai ficar tudo bem – Vinícius me incentivou, mas algo dentro dele demonstrava o quão triste ele estava. – Quer ficar sozinho com ele?
- Quero sim. Por favor...
- Eu vou sair. Conversem tudo o que tiverem que conversar. Vou ficar na sala.
- Obrigado, Vini!
Eu esperei o médico fechar a porta para ir até a cama dele, até a cama do meu melhor amigo. ele continuava chorando e não respondeu quando eu chamei pelo seu nome.
Sentei no chão e fiquei olhando pro corpo daquele menino. Eu não estava chorando, mas estava com muita vontade de fazê-lo. Essa seria realmente a parte mais difícil naquele dia: me despedir do Rodrigo. Será que eu ia conseguir fazer isso? Será que eu conseguiria dizer tchau ao meu irmão? Será que a gente conseguiria se separar? 

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Um comentário:

nevertonnitoly@gmail.com disse...

Nossa,Caio me emocionei do início ao fim despedidas e sempre dolorosas mas em fim e necessário né.coitado Rodrigo tô chorando junto com ele amo de mais esse muleque e vc tmbem Caio,mto triste esse cap vio.bjkassss adoro te❤❤