sábado, 18 de abril de 2015

Capítulo 99²

Devo confessar que fiquei tenso quando os olhos do meu pai se mantiveram fixos no meu rosto.
Ele não sabia se olhava pra mim ou pro Cauã, mas era mais do que óbvio que ele ficou desnorteado ao perceber que eu tinha voltado.

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Edson se aproximou de nós dois lentamente e eu confesso que em um determinado momento senti vontade de sair da frente daquela maternidade, mas eu não iria me acovardar.
Eu tinha que enfrentar a fera como homem que era, então eu fiquei parado onde estava e só fiquei esperando a reação do meu pai, que não foi das mais agradáveis.
Edson só parou quando chegou perto o suficiente para me confrontar, ou melhor, para confrontar o Cauã. Ele ainda estava nos confundindo e pensava que eu era meu irmão e que meu irmão era eu:
- Ora vejam só... – meu pai depositou os olhos no Cauã. – Vejam quem teve a coragem de aparecer depois de tanto tempo! Eu jurava que você já tinha morrido!!!
- Pai... – Cauã tentou falar alguma coisa, mas ele estava totalmente travado.
- Cala a boca e faz o favor de sumir daqui! A minha vida está ótima sem você por perto... Garoto!
- Eu sou o Caio, EDSON – falei.

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Ele ficou branco e só olhou pra mim depois de alguns segundos. Se o Cauã estava travado, meu pai ficou paralisado ao ouvir essa frase.
Os olhos dele cruzaram com os meus e eu senti um misto de raiva, ódio e revolta dentro do meu coração. Definitivamente, eu sentia muitas coisas pelo meu pai, mas nenhuma delas era amor e eu só cheguei a essa conclusão quando ele me olhou com nojo como estava olhando naquele momento.
- Quer dizer que foi você que eu vi hoje de manhã?
- Exatamente. E você é tão burro que não soube nem reconhecer o seu filho predileto, o seu queridinho, o Cauã!
Se ele estava paralisado, nesse momento ele ficou uma estátua, mas já não era mais branco: ele virou vermelho púrpura.
- Eu não imaginei que você estaria assim hoje em dia, GAROTO!
- Ah é, EDSON? O que esperava? Que eu tivesse virado travesti? Que estivesse com dois litros de silicone? Com o cabelo na cintura? Usando cílios postiços, maquiagem, salto de 20 centímetros e roupas de mulher? Pensou que eu estivesse com a voz afeminada?

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- Exatamente! Era assim que eu imaginava que você estivesse hoje em dia, caso estivesse vivo, é claro. Porque eu também cogitaba a possibilidade de você ter morrido. Pena que não aconteceu.
- Pois é! Você já viu que eu estou vivo, mas não se preocupe! Eu também esperava te encontrar bem diferente do que você está.
- Ah, é? – ele desdenhou de mim e riu da minha cara com ar de deboche.
- Sim! Eu esperava te encontrar bem mais jovem, mas me enganei porque na verdade você está um caco!
Se antes o meu pai ficou vermelho púrpura, naquele momento ele ficou foi roxo e eu não sabia se era de raiva ou pura vergonha.
Fosse como fosse, não me importava. O importante pra mim foi não ter deixado as provocações dele baratas. Se tinha algo que eu não ia aceitar, era ser humilhado por ele. Nem por ninguém.
- Enfim – eu suspirei. – Já perdi tempo demais por aqui. Com licença.
E dizendo isso eu desci a calçada e saí da porta do hospital. A única coisa que eu queria naquele momento era ficar longe, bem longe da minha família. Na verdade eu precisava disso.
O sentimento que ficou dentro do meu peito foi a raiva. Raiva por ter sido descoberto pelo meu pai e raiva por ele ter sido tão nojento comigo.

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Mas o que eu poderia esperar daquele cara? Nada além disso!!! Ele continuava sendo o mesmo homem homofóbico de 7 anos atrás. Como alguém poderia ser tão retrô, meu Deus?
Saí andando pelas calçadas de São Paulo como um foguete. Vez ou outra eu bufava de tanta raiva que estava sentindo. Edson teve a audácia de esfregar na minha cara o quanto ele me odiava, porém eu não poderia esperar outro sentimento do meu pai além de ódio.
Mas ao mesmo tempo, esse embate me deixou entristecido. No fundo, bem lá no fundo, eu não posso negar que queria outra reação do meu pai. É claro que eu sabia, eu tinha certeza que isso poderia acontecer, mas o que eu queria mesmo era um reconhecimento, uma palavra amiga ou o que quer que fosse, menos briga. Menos xingamentos, menos ofensas, menos reprovação... Menos desperzo...
Eu chorei e também não sei explicar o motivo do choro. Não sei dizer se foi de raiva por causa do que aconteceu com o meu pai, ou se foi de saudade dele e dos demais.
Entrei no ônibus chorando e esse choro parecia que não ia cessar tão facilmente. Era raiva. Só podia ser raiva. O que seria a não ser isso?

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Talvez ódio. Somente o ódio poderia ser superior à raiva que eu estava sentindo naquele momento. Eu realmente não estava conseguindo sentir nada, além desses sentimentos. Pelo menos naquele momento.
Eu tive a maior boa vontade ao ir visitar a minha mãe e fui recebido com quatro pedras nas mãos. Por que isso? Se ela queria tanto me ver, por qual motivo não deixou o Edson ciente que eu poderia aparecer de uma hora para outra?
E por que será que ele, o meu pai, sentia tanto prazer ao me ofender? Algum motivo deveria existir atrás daquele ódio todo que ele sentia por mim. Será que tudo era por causa da minha orientação sexual? Será que todo aquele ódio, todo aquela raiva que ele sentia por mim se dava única e exclusivamente pelo fato de eu ser homossexual?
A resposta é sim. Provavelmente sim. Eu nunca tinha feito nada de errado com o meu pai para ele me odiar tanto. O meu erro era ser gay, isso na opinião dele.
Mesmo querendo ser forte, eu desabei. Desabei porque eu não queria ouvir nada do que eu ouvi. O Edson foi claro quando deu a entender que preferia que eu tivesse morrido.
Ele preferia me ver morto ao me ver vivo e feliz da vida com a minha sexualidade. Como um pai de família poderia agir daquela forma, Deus? Por que ele tinha que ser tão cruel comigo daquele jeito?
Será que ele não pensava que eu tinha sentimentos? Será que ele não percebia que no fundo eu me magoava com tudo aquilo? Qual o motivo de tanto ódio, Senhor? Será que eu merecia toda essa carga negativa em cima das minhas costas?
Pensei imediatamente no meu namorado e não hesitei em pegar o celular e ligar para ele. Somente o Bruno seria capaz de me acalmar e foi exatamente isso que aconteceu.

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- Você está chorando, amor? – a voz dele já mudou da água pro vinho.
- Sim – eu falei baixinho e funguei.
- Ai, meu Deus... O que aconteceu?
- Eu briguei com meu pai, Bruno.
- Com seu pai? Então ele descobriu que você chegou?
- Sim! Ele me viu falando com o Cauã. Ele nos viu juntos.
- E aí?
Desabafei com meu namorado e contei tudo o que tinha acontecido, inclusive a minha briga com o Cauã. Bruno ficou extremamente preocupado comigo:
- Você quer que eu vá até aí para ficar com você? Eu estou preocupado! Não gosto de te ver desse jeito, anjo! Isso me deixa muito agoniado!
- Querer você por perto eu quero, mas sei que isso é impossível. Eu me contento com a sua voz, amor. Obrigado por estar ao meu lado, tá?
- Não tem que me agradecer. Eu sempre vou estar ao seu lado, Caio. Nunca esqueça disso. Mas fica calmo, por favor! Eu não aguento ver você desse jeito.
Nosso papo durou até o momento em que eu cheguei na casa do meu melhor amigo. Só desliguei a ligação quando o Víctor foi abrir o portão para eu entrar:

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- E aí? Como foi tudo?
- Extremamente tenso.
- Você encontrou todo mundo?
- Sim.
- Vem, vamos pro quarto. Eu quero saber de tudo.
Eu já estava com uma tonelada a menos nas costas só por ter desabafado com o Bruno e desabafar com o Víctor só me fez ficar ainda melhor e mais calmo.
Meu melhor amigo paulistano me ouviu com atenção, não me interrompeu e só opinou quando eu calei a boca:
- Adorei a sua atitude com o seu pai e com seu irmão. Assim eles vão ver que você não é mais o mesmo de antes.
- É isso que eu quero deixar bem claro.
- Agora, com relação a sua mãe, tenha calma. Não faça nada, não fale nada. Ela está acamada e uma discussão nesse momento pode ser prejudicial pra ela e pros bebês. Eu juro que não sabia que ela esperava gêmeos. Isso pra mim é uma tremenda novidade.
- Não, nem me fala. Eu quase desmaiei quando ela falou. É surpresa demais para mim e tudo aconteceu em um dia só.
- Imagino que você esteja exausto, né amigo?
- Você não imagina o quanto!
- Vamos jantar? Daí depois você pode descansar o quanto quiser.
- Obrigado, Víctor. Eu aceito o convite, mas antes eu gostaria de tomar um banho.
- A casa é sua, você sabe disso. Pode ficar à vontade.
- Muito obrigado, amigo. Eu nunca vou esquecer o que você está fazendo por mim.
- Não estou fazendo nada demais.
- Víctor, na correria eu nem perguntei pelo seu namorado. Como ele está?
- Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.
- Como assim? Brigaram?
- Terminamos. E não quero falar sobre isso.
- Pô... Desculpa! Eu não sabia. Sinto muito. Espero que esteja tudo bem.
- Está sim. Já estou superando.
- Se precisar desabafar, conta comigo!
- Obrigado, gatinho. Você é nota dez.
- Você que é!

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Não falei mais nada e parti pro banho. Fiquei debaixo do chuveiro tempo suficiente para me sentir melhor, mas não tanto quanto queria ficar e só não fiquei mais porque não estava na minha casa.
Jantei com o Víctor e nós aproveitamos para deixar o papo em dia com relação a tudo. Foi nesse momento que meu amigo ligou para a Amanda para avisar que eu estava na cidade.
- Oi, Amandoca! – atendi a ligação.
- Caio! Seu cachorro! Quanto tempo!
- Pois é, sua cadela de chifres! Você ficou de me visitar e nada, né?
- Ai, coração... E o tempo? Cadê o tempo?
- Sei!

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Conversei um pouco com a menina e depois desliguei. Eu realmente estava muito, muito cansado e tudo o que o meu corpo queria naquele momento era de cama. Cama e Bruno, mas a segunda opção eu não tinha naquele instante. Infelizmente.
Deitei, mas não dormi de imediato. Fiquei pensando em tudo o que acontecera naquele dia e mais uma vez chorei em silencio.
Ainda bem que eu estava sozinho, porque assim eu pude deixar o choro sair sem ter que me preocupar em fingir que nada estava acontecendo. Chorei e coloquei toda aquela mágoa, revolta e sentimento ruim que existia no meu peito pra fora.
Depois de 7 longos anos, nós tínhamos nos encontrado. Cauã, minha mãe e meu pai e eu. Novamente juntos em uma casualidade do destino. Incrível que as coisas tenham acontecido dessa forma.
Grávida. Minha mãe estava grávida e esperava gêmeos. Dois meninos. Tudo se repetia depois de quase 25 anos. Por que isso estava acontecendo?
Por que a minha mãe engravidou perto dos 50 anos? Por que a gestação era de gêmeos? E por que eram dois meninos?

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Isso me atormentava! Não posso negar o quanto isso me atormentava. Era surpreendente demais pra mim saber que a minha mãe estava esperando gêmeos depois de tanto tempo. E logo dois meninos.
Se fosse uma gestação comum, com um único bebê, talvez fosse um pouco mais fácil digerir, mas dois... Pra mim era demais.
O que mais me deixou desnorteado foi o fato de ter acontecido tudo em um único dia. No mesmo dia eu revi meu pai, revi minha mãe, fiquei sabendo que ela poderia morrer, que estava esperando gêmeos, que eram dois meninos, eu revi meu irmão, briguei com ele e briguei com meu pai. Eram muitos acontecimentos de uma vez só e isso me deixou um pouco balançado. Essa é que era a verdade.
Fui obrigado a ponderar a minha ida até São Paulo. Será que foi uma boa ideia? Eu tinha duas opções, uma boa e uma ruim:
Olhando por um ponto de vista mais simplório, eu poderia considerar a minha ida até São Paulo boa.
Eu revi meu melhor amigo, revi minha cidade, revivi um pouco de minhas raízes e querendo ou não, me aproximei de novo de minha família.
Mas, olhando por um ponto de vista mais abrangente, eu não poderia considerar a minha ida à São Paulo boa porque eu revivi mágoas, revivi sentimentos ruins, senti raiva, briguei com meu pai e com meu irmão e fiquei com raiva de minha mãe.
A minha ida não estava sendo boa como deveria ser, pelo contrário: aquele momento estava sendo tudo, menos bom. Eu não poderia considerar o que estava sentindo como bom, porque não era.
Raiva e ódio não são sentimentos bons. São sentimentos ruins e era isso que eu sentia naquele momento.
Principalmente tratando-se do Edson. Ele era o maior motivo de todo o meu estresse, da minha raiva, da minha chateação e também de meu ódio.
Ele me odiava. Me humilhou, tentou me desarmar, mas não conseguiu!
Ele disse que esperava que eu voltasse travestido de mulher. Será que era verdade? Será que ele realmente esperava isso de mim? Ou será que falou isso apenas para me atingir?
Conhecendo meu pai como eu conhecia e mediante a cena que ele fez ao me expulsar de casa, eu poderia julgar esse pensamento como sendo verdadeiro.
Talvez ele realmente esperasse que eu tivesse virado travesti ou transexual. Talvez ele realmente tivesse pensado que eu poderia ter morrido no decorrer daqueles 7 anos longe de casa.
Ou melhor, ele poderia ter desejado a minha morte. Talvez ele tivesse feito exatamente isso. Talvez ele tivesse amaldiçoado a minha vida e tivesse desejado que eu levasse fim!!!
Vai ver essa era a raiva dele. Vai ver ele estava amargurado por sua praga não ter dado certo. Ou talvez ele estivesse apenas fazendo jogo duro. Talvez ele estivesse bancando o durão pra cima de mim só para parecer o mesmo machão de 7 anos antes.
O que era verdade e o que era mentira eu não sabia, mas uma coisa era certa: quando ele soube que eu estava na cidade, ele mostrou o quanto me odiava. Ou será que isso era puro teatro?
E minha mãe? Será que estava verdadeiramente arrependida por ter me renegado no passado?
Provavelmente sim. Se não fosse dessa forma, acredito que ela não teria pedido para o meu irmão me ligar solicitando a minha ida até São Paulo.
Porém, eu não podia negar que eu ainda sentia muita raiva por ela. Mesmo ela estando na situação que estava, mesmo ela estando entre a vida e a morte, eu ainda conseguia sentir raiva por tudo o que ela me fez no passado.
Ela queria me levar para uma igreja, a fim que um padre ou um pastor tentasse me exorcizar ou qualquer coisa do tipo. Eu não tinha me esquecido disso.
Talvez a Fátima pensasse que eu estivesse possuído por um demônio. Talvez ela não fizesse outra coisa a não ser compartilhar dos mesmos pensamentos antiquados do marido.
Ou talvez não. Vai ver ela estava mesmo arrependida. Vai ver ela me aceitasse do meu jeito à partir daquele momento. Será?
Será que as coisas poderiam mudar entre nós dois? Será que ela ia me reconhecer de novo como filho?
Claro que ia. Se não fosse assim ela não teria me chamado. Ela queria recuperar o tempo perdido. Provavelmente era isso.
Entretanto, eu não podia simplesmente fingir que nada tinha acontecido no passado. Naquele momento eu não tinha como simplesmente engolir o meu orgulho. Eu seria tolo demais se agisse dessa forma.
Era como eu disse pro Cauã: o meu limite começava onde terminava o deles. Eu estava de volta em São Paulo sim, mas eles tinham que perceber que eu não era mais o mesmo idiotinha do passado. Eu não ia engolir sapos. De jeito nenhum!
E o Cauã, hein? Quem ele pensava que era para exigir alguma coisa de mim? Quem ele pensava que era para fazer algum tipo de cobrança? Para querer pedir ou cobrar alguma espécie de comportamento de minha parte?
Ele não era ninguém! Eu não estava esquecido das palavras que ele me disse no passado. Eu não estava esquecido da nossa briga na frente da escola, no dia em que eu fui pegar os papéis para fazer a minha transferência!
Ele não tinha o direito de pisar no meu calo ou de invadir o meu espaço, o meu território. Não mesmo. E isso ele ia ficar ciente e bem ciente.
É claro que eu estava no calor da minha raiva e talvez estivesse pensando de uma maneira fria demais, mas eu não tinha como pensar diferente naquele momento.
Foram 7 anos de separação para qualquer um deles querer cobrar ou exigir alguma coisa de mim. Nem a minha mãe tinha esse direito. Pelo menos era o que eu achava.
Eu estava sendo orgulhoso? Claro que estava, mas quem em sã consciência agiria de uma forma diferente caso estivesse no meu lugar? Acho que ninguém.
Eu e somente eu sabia o que eu passei naqueles 7 anos em que vivi longe do seio da minha família.
Fui humilhado e espancado pelo meu pai, humilhado pelo meu irmão e a minha mãe não me estendeu a mão no momento em que eu mais precisava de colo.
Por causa deles eu fui pro Rio, passei fome e quase fui despejado da hospedaria do Seu Manollo. Tudo aconteceu por culpa deles.
Até mesmo o meu sucesso pessoal e profissional. Eu não poderia ser injusto nesse quesito. Foi graças ao meu pai que eu conheci o Bruno e conquistei tudo o que tinha através da ajuda e do incentivo do Rodrigo.
Eu estava confuso, essa é que é a verdade. Eu pensava em tudo e não chegava a nenhuma conclusão, mas não era pra menos. Tudo aconteceu repentinamente e rápido demais.
Em um único dia eu recebi várias cargas de surpresa, uma pior do que a outra. Não tinha cérebro e nem coração que aguentasse tanta coisa junta. Eu não era de ferro.
E foi justamente por isso que eu continuei chorando baixinho. Eu precisava limpar o que estava sentindo, precisava colocar pra fora toda a minha emoção. Não foi fácil.
Eu não era de ferro e não ia conseguir suportar aquilo por muito mais tempo. Eu me conhecia e sabia que aquela carga que eu estava sendo obrigado a carregar iria cair no chão a qualquer momento.
Eu estava me sentindo como um barril de pólvora que poderia explodir a qualquer segundo ao menor sinal de fogo. E para eu explodir, bastava uma faísca; e ela poderia vir de qualquer um. Do Cauã, da minha mãe ou principalmente do meu pai.
Pensei nos gêmeos e senti pena dos dois por eles nascerem numa família tão preconceituosa como a minha. As crianças mereciam coisa melhor, mas isso não cabia à mim julgar. Somente à Deus.
Mas eu continuei pensando em como aquela gravidez poderia ter acontecido. A notícia que eu teria dois irmãozinhos ainda estava mexendo muito comigo.
Suspirei, fechei os olhos e coincidentemente ou não, o meu celular vibrou. Era uma mensagem do Bruno: ele queria saber se estava tudo bem.
Respondi ao torpedinho e nós dois acabamos trocando ideia por mensagens de texto por um tempão. Eu estava sentindo saudade do meu namorado. Ele me fazia tanta falta! E olha que só faziam 24 horas que nós estávamos separados. E se fosse mais tempo?
Pensei tanto nele que fiquei excitado. Mandei uma mensagem falando o meu estado e ele acabou me ligando. O danadinho ficou rindo da minha cara:

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- Ficou excitado, é amor?
- Muito! – respondi de imediato.
- Eu também fiquei, sabia?
- Ficou, é?
- Uhum! Saudade de você! Saudades dessa voz linda no meu ouvido...
- Saudade de falar no seu ouvido...
- Eu te amo! Não esquece de mim, tá?
- Você é louco? Você acha que eu ia esquecer de você? Não sou capaz disso não, menino!
- Acho bom.
- Anjo, tenho que desligar. Meus créditos vão acabar.
- Tudo bem. Vai dormir, amor. Você deve estar cansado.
- Você também. Vá dormir.
- Não. Eu tenho que estudar mais um pouco.
- Ô, coitadinho! Bons estudos então. Não vou te atrapalhar mais.
- Você nunca me atrapalha.
- Um beijo, minha vida! Eu te amo!
- Eu também te amo, amor. Boa noite.
- Boa noite.
Continuei excitado, mas não fiz nada. resolvi me preservar para ele quando eu voltasse pro Rio.
Puxei meus créditos e vi que ainda tinha saldo o suficiente para ligar pro Rodrigo e assim o fiz, mas mais uma vez o celular dele estava na caixa postal.
Eu já estava ficando preocupado com meu postiço preferido. Será que tinha acontecido alguma coisa?
Eu estava tão confuso, tão envolvido nos meus próprios problemas que sequer tive cabeça pra pensar no pobre do Rodrigo.
Poderia ter acontecido alguma coisa com ele e eu não estava sabendo! Ou talvez não tivesse acontecido nada. Vai ver o celular dele estava apenas desligado.
Continuei pensando em tudo o que tinha acontecido. Pensei tanto, mas tanto que minha cabeça começou a doer repentinamente.
Não só a cabeça, mas também o corpo. De repente eu senti uma fisgada na minha coluna, um cansaço anormal nas minhas pernas e me senti podre, quase literalmente falando.
Bocejei, cocei os olhos e senti que a minha mente também estava cansada. Não era apenas um cansaço físico. Era também cansaço mental.
Não era pra menos. Depois de tantas bombas como as que eu tinha recebido naquele dia, eu só poderia ficar cansado. Eu precisava descansar.
Mas quem foi que disse que eu consegui pegar no sono rapidamente? Minha mente voou até o Rio de Janeiro e eu pensei em tudo o que poderia estar acontecendo lá.
Coitadinho do meu namorado. Ele estava com milhares de coisas da faculdade pra fazer e eu nem podia ajudar... Que espécie de namorado era eu?
O pobrezinho deveria estar cansado, com sono e morrendo de vontade de dormir e não podia. Que judiação! Eu queria tanto estar ao lado dele para dar um beijo de boa noite!
E o Digow? Por que o celular dele estava caindo na caixa postal durante todo o dia? Liguei de novo e mais uma vez caiu no atendimento eletrônico. Algo tinha acontecido. Eu sabia disso.
E a pobre da Janaína? Como estaria se saindo sem a minha presença na filial? A coitada estava dobrando por minha causa! Eu teria que gratificá-la mais pra frente.
Bocejei de novo e abracei o travesseiro. O Bruno estava mesmo me fazendo muita falta naquele dia. Eu não estava mais acostumado a dormir sem olhar pro rostinho dele, sem sentir o cheiro dele. Como aquilo era ruim!
A única coisa que eu poderia fazer naquele momento era pensar nele. Pensar e pensar mais um pouco. E foi exatamente isso que eu fiz. Pensei no homem da minha vida até pegar no sono.
Quando eu abri os olhos, percebi que o dia já tinha amanhecido, mas só tive uma noção do quanto havia dormido quando olhei o relógio do meu celular.
Era tarde, muito tarde. Já tinha passado inclusive do horário de almoço. Por que eu dormi tanto?
Sentei, calcei os chinelos e fui direto pro banheiro para tomar banho e escovar os dentes. Que vergonha! Eu dormi mais do que poderia ter dormido, mas a culpa não foi minha.
A culpa foi do cansaço e da exaustão, porque era assim que eu estava me sentindo: exausto. Mesmo tendo dormido horas initerruptas, eu ainda me sentia exausto.
Tomei um banho rápido e só depois eu desci para a sala. A casa parecia vazia. Será que eu estava sozinho?
- Víctor?
Silêncio. Eu andei pela casa e acabei encontrando a avó do meu melhor amigo no quintal. Ela estava lavando roupa.
- Caio! Boa tarde, querido.
- Olá, Dona Maria!
- Dormiu bem?
- Sim – fiquei muito sem graça. – Até demais.
- Imagina. Você pode ficar à vontade. Quer almoçar?
- O Víctor não está?
- Nâo. Eu estou sozinha, mas ele falou que a casa é sua.
- Ah, sim...

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Que vergonha! Eu dormi tanto que o meu amigo saiu e eu nem vi. Isso não poderia mais acontecer!
- Quer almoçar? – ela repetiu a pergunta.
- Hã...
Claro que eu queria! Eu estava faminto, mas estava com vergonha de pedir comida.
- Venha, eu vou servir o almoço!
- Obrigado, Dona Maria!
Ela serviu o almoço e eu comi tranquilamente e sem pressa. Ainda bem que ela me deixou sozinho na cozinha, senão eu ficaria meio travado. Eu estava morrendo de fome.
Após almoçar, lavei o meu prato e só depois eu me despedi da avó do Víctor. Era a hora de voltar ao hospital e enfrentar novamente as feras.
- Dona Maria, obrigado pelo almoço. Estava uma delícia! Eu lavei o prato e deixei no escorredor.
- Ô, Caio! Precisava disso não, menino!
- Imagina! É o mínimo que eu posso fazer. Eu vou pro hospital e volto mais tarde. A senhora avisa ao Víctor?
- Claro! Vá com Deus e boa sorte.
- Muito obrigado!
Ela era quase um anjo. Boazinha e dócil, como todas as avós. Eu gostava muito da Dona Maria.
Saí e na rua liguei mais uma vez pro Rodrigo e novamente o celular estava na caixa postal. É, definitivamente algo tinha acontecido.
Liguei pro Bruno e me desculpei com ele por não ter ligado antes. Ele entendeu e disse que não me ligou justamente para não atrapalhar o meu sono:
- Eu sabia que você ia dormir até tarde, por isso não quis te incomodar.
- Como você sabia?
- Eu te conheço, Caio Monteiro!
- Nossa... Me senti agora!
- Você pode se sentir, você é o cara!
- Bobo! Como estão meus filhos?
- Gertrudes está entrando no cio e o Enzo continua com aquela cara de tédio dele.
- Não fala assim dele! – fiquei bravo. – Só eu posso xingar o meu filho! Mas vem cá, cadê a vacina da dona Gertrudes Filomena? O senhor esqueceu de dar, né?
- Esqueci – ele riu. – Não briga comigo, por favor.
É claro que eu não ia brigar.
- Ai, Bruno... Os vizinhos vão reclamar. Não deixa ela sair por nada, pelo amor de Deus!!!
- Não vou deixar, não se preocupe. Se não passar até depois de amanhã eu vou levar no veterinário pra ele dar um jeito.
- Faça isso. Eu cheguei no hospital, amor. Tenho que desligar.
- Tudo bem. Eu tenho que trabalhar. Boa sorte aí, viu? Me liga mais tarde para me contar como foi.
- Pode deixar! Beijo, amor. Eu te amo muito!!!
- Não mais do que eu amo você.
Desliguei, entrei, passei na recepção e fui direto pro quarto da minha mãe. Antes de entrar, pedi a Deus que o meu pai não estivesse presente e Ele atendeu as minhas preces.
- Boa tarde – falei quando entrei.
- Filho!!! Você voltou!!!
Não falei nada. Minha mãe e o Cauã estavam sozinhos. Meu irmão não me dirigiu a palavra e eu nem me preocupei com isso.
- Como você está se sentindo? – perguntei.
- Mais ou menos, filho – ela fechou os olhos e suspirou. – Hoje estou com taquicardia.
- Já falou isso pra médica?
- Daqui a pouco eles vão vir me examinar.
- Conte tudo o que está sentindo.
- É tão bom ver que você se preocupa comigo, filho!
Fiquei calado. É claro que eu me preocupava. Querendo ou não, a Fátima continuava sendo a minha mãe.

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Em menos de 5 minutos os médicos entraram. Dessa vez era uma equipe médica. Além da ginecologista, havia dois cardiologistas e uma enfermeira. Ela estava sendo muito bem assistida.
- Eu estou vendo dobrado? – um médico ficou confuso e olhou para mim e para o meu irmão.
- Não – respondeu o meu gêmeo. – Não está. Nós somos gêmeos.
Só faltou ele falar “infelizmente”, mas ele não falou. Eu olhei pra ele, ele pra mim e um clima esquisito ficou no ar.
- A senhora gosta disso, hein? – o médico se aproximou do leito e começou a medir a pressão da minha mãe.
- Deus me premiou duas vezes – ela brincou, mas a brincadeira foi sem graça.
- Acho melhor vocês dois saírem – disse a ginecologista. – Nós precisamos examiná-la!
- Tudo bem – concordei de imediato.
Saí e não falei mais nada. Cauã chegou atrás de mim bem rapidinho e disse:
- Posso falar com você?
- Sobre?
- Só quero conversar, Caio. É possível?
Dei de ombros e aceitei. Seria bom descarregar um pouco mais da minha raiva. Será que ele ia ficar com gracinha pra cima de mim?
- Vamos até a lanchonete?
- Por mim tanto faz – falei.
- Então vamos. Eu estou com fome.
Nós fomos e ele pediu alguma coisa pra comer. Eu não quis nada, uma vez que tinha acabado de almoçar.
- Não quer realmente nada?
- Não, valeu.
- Um suco?
- Hum... Um suco pode ser.
- De caju?
- Como você sabe?
- Pensou que eu tinha esquecido que suco de caju é o seu favorito? Já volto.
Por essa eu não esperava. Eu amava realmente suco de caju. Era um dos meus preferidos. Eu não esperava que ele se lembrasse disso.
Cauã voltou com um X-Salada, um refrigerante e o meu suco. Ele sentou na minha frente e começou a comer. O garoto só falou depois de um tempo:
- Você está bem? – essa foi a pergunta dele.
- Sim. Por que não estaria?
- Só foi uma pergunta. Não precisa me matar por causa disso.
Fiquei calado e apenas bebi meu suco. Ele estava com a roupa parecida com a minha novamente e eu só percebi isso naquele momento.
- É incrível, né? – meu irmão tentou puxar assunto.
- O que é incrível?
- Que a gente continue pensando igual para escolher as roupas que usamos.
Ele queria interagir. Eu senti isso.
- Uhum – murmurei.
- Não posso negar que estou surpreso pelo fato de você também estar usando aparelho.
- Pois é. Coincidência, não?
- Não. Vai ver não é coincidência.
- E o que seria?
- Sei lá. Uma forma do destino brincar com nós dois.
Eu já tinha pensado nisso.
- Sabe, Caio... Eu queria te pedir uma coisa.
- Que coisa?
- Queria te pedir pra você ser mais gentil com nossa mãe.
- De novo essa cobrança, Cauã? De novo exigindo coisas? Você não tem esse direito, tá legal?
- Calma! Eu estou falando numa boa!

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- Eu também estou! Só que nós já falamos sobre isso ontem. Não me peça o impossível. Não foi você que foi expulso de casa, rapaz!
- Mas não é o momento pra ficar lembrando disso!
- Ah, não. Como se fosse fácil assim. Como se fosse fácil olhar pro seu focinho e não lembrar das coisas que você me disse no passado.
Ele ficou calado.
- Como se fosse fácil olhar pra cara da sua mãe e não lembrar que ela não quis me dar um abraço na hora que eu mais precisava.
Ele continuou calado.
- Como se fosse fácil olhar pra cara do desgraçado do seu pai e não lembrar o quanto ele me espancou! Ah, se liga! Não foi com você e você não está na minha pele. Por isso fica na tua e não enche o meu saco, beleza?
- Desculpa...
- E não vem me pedir desculpas não. Eu não estou a fim de ouvir essas coisas. Eu vim aqui só pra fazer a minha parte, só isso. Não me peça nada além disso. Muito menos pra eu ser gentil com quem não foi gentil comigo no passado.
Cauã continuou calado.
- Era isso que você queria falar comigo?
- Era.
- Então você já falou. Com licença.
- Não! Fica...
- O que você quer? Já falou o que tinha pra falar. Não temos mais nada pra conversar! Muito obrigado pelo suco.
Eu saí e deixei ele sentado sozinho na mesa da cantina da maternidade. Eu realmente não estava com a menor vontade de ficar debatendo o que tinha acontecido com o Cauã. Aquele não era o local e nem o momento para falar do passado. Eu não estava ali pra isso. Não naquele momento.
Eu voltei pro quarto, mas eles ainda estavam a examinando. Fiquei fora e tentei ligar pro Digão, mas mais uma vez o celular estava desligado. O que estava acontecendo?
O jeito foi ligar no telefone fixo e quem atendeu foi a Dona Inês. É claro que eu não poderia esperar que o Digow atendesse naquela hora da tarde, né?

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- Não posso falar muito, Dona Inês! Eu só queria saber se aconteceu alguma coisa com o Rodrigo.
- Não, Caio! Por quê?
- É que eu estou ligando desde ontem pra ele e só cai na caixa postal!
- Ah... Ele deixou o celular cair no vaso sanitário, acredita?
- Ah, mentira? – eu ri.
- Verdade. Não pega nem com reza brava!
- Eita, Rodrigo atrapalhado! Que susto, pensei que tinha acontecido algo.
- Não, não. Está tudo bem. Mas e você? Como estão as coisas por aí?
- Caminhando. Eu tenho muito o que falar com a senhora, mas não posso falar agora. Meu crédito está acabando.
- Ah, tudo bem. Mas você está bem mesmo?
- Acho que sim! Depois a gente se fala, viu Dona Inês? Um beijo!
- Outro, querido. Fique com Deus.
- Amém. A senhora também.
Aproveitei que os médicos ainda não tinham saído do quarto para ir até uma banca de jornal para colocar crédito no celular. Eu não poderia ficar sem crédito. Eu tinha que falar com o Bruno, né?
Quando voltei pra maternidade, o quarto já estava desocupado. Cauã ainda não tinha voltado e eu achei isso esquisito. Será que ele tinha ficado chateado comigo?
Se sim o problema era dele. Eu é que não ia ficar recebendo cobranças de graça. Não mesmo!
- E aí? Alguma novidade?
- Tudo na mesma – ela respondeu. – Minha pressão está estabilizada.
- Que bom. E a taquicardia?
- Eles vão controlar. Me medicaram.
- Hum.
- Filho... Eu tenho tanta coisa pra te falar...
- Não quero saber de nada agora, por favor.
- Mas, Caio...
- Não. Não fala nada. Beleza?
- Eu posso pelo menos saber como você está?
- Bem.
- Mas... Me fala mais... Como é a sua vida...?
- Uma vida normal como outra qualquer.
- Mas...
- O que você quer saber?
- Tanta coisa... Você está estudando? Trabalhando?
- Eu sou formado  e pós-graduado. Acredite ou não.
- Ai meu Deus... – minha mãe ficou meio emocionada.
- E eu trabalho sim.
- Posso saber em quê?
Contei a minha função e a empresa em que trabalhava e nesse momento ela chorou pra valer.
- E eu... Perdi todos esses momentos...
Fiquei calado e saí de perto dela. Deixei a mulher chorando e fui ver a paisagem pela janela do quarto onde ela estava internada. Eu não senti nada por ela estar chorando.
Cauã entrou no quarto e ficou preocupado com a nossa mãe. Ele ficou fazendo um monte de perguntas e depois me culpou por ela ter se emocionado:
- Dá pelo menos pra você maneirar? Será que não percebe que pode fazer mal a ela e aos nossos irmãos?
- O que você quer que eu faça? Quer que eu entre nos olhos dela pra segurar as lágrimas? Faz favor, né?
- Não briguem, meus filhos... Não briguem...
- Fica calma, tá? Não se exalta não. Pode fazer mal pros meninos...
Continuei olhando pela janela. A vontade que eu tinha era de sair correndo daquele quarto e nunca mais voltar. Eu não me sentia parte daquela família. Não mais.
Depois de muito tempo eu voltei a encará-la. Deu pra notar nos olhos da Fátima o quanto ela estava sofrendo não só pela gravidez, mas também pela minha indiferença.
Porque eu estava indiferente. Por pior que possa parecer, essa é a mais pura verdade. Eu não estava sentindo nada naquele momento.
- Ui... – ela gemeu de dor.
- Que foi, mãe? – Cauã foi logo ficando perto dela. – Você está sentindo alguma coisa?
- Não, filho. Não se preocupe. Só foi um chute.
- Eles estão chutando, é? – aparentemente o meu gêmeo ficou todo bobo com aquele acontecimento.
- Sim. Estão mexendo muito hoje.
- E dói?
- Às vezes sim. Não é muito fácil carregar duas crianças dentro de você, sabe?
- Eu sei que não é, mas vai ficar tudo bem.
Cauã colocou a mão na barriga de nossa mãe e depois de alguns segundos ele deu risada.
- Mexeu!
- É!
Eu só fiquei olhando de onde estava. Não esperava que eles me convidassem para aquele momento, mas...
- Vem, Caio! Vem sentir os seus irmãozinhos mexendo, filho...
Fiquei parado e calado. Não sabia se essa era uma boa ideia ou não. Eu não estava me sentindo à vontade para colocar a mão na barriga de minha mãe.
- Vem, filho... Por... Favor...
Acho que ela queria chorar de novo e só por causa disso o Cauã pediu que eu fosse. Resolvi atender ao pedido deles.
Suspirei e coloquei a mão no ventre de minha mãe com muita cautela. Eu não senti nada a não ser algo muito duro debaixo da minha pele.
Foi um longo momento de silêncio. A única coisa que eu ouvia era o barulho do meu coração e a minha própria voz dentro do meu cérebro. Eu não estava mesmo me sentindo bem naquela situação.
- Nossa! – eu tive que exclamar porque de repente senti um chute na direção da minha mão. Aquilo foi tão esquisito!
- Não tira a mão, Caio – essa foi a primeira vez que eu vi a minha mãe dando risada. Era a mesma risada de sempre. Não mudou em nada.
- Dá agonia! – eu sorri.
Nossos olhos grudaram por um momento e só nesse instante eu senti vontade de abraçá-la, mas a vontade passou rapidinho. A raiva voltou a tomar o meu coração em fração de segundos.
- Hã... – eu cocei a nuca e resolvi fazer uma pergunta. Eu estava curioso. – Eles já têm nomes?
- Não – minha mãe respondeu. – Quer ajudar a escolher?
- Não, obrigado.
- Ah, qual é, Caio? – Cauã ficou enraivecido. – Custa você dar uma opinião?
- Não tenho a menor ideia. Só isso.
- Eu estava pensando em colocar Gustavo e Guilherme – disse a minha mãe.
- Nossa, mãe! Esses são nomes de crianças bagunceiras – Cauã sorriu.
O sorriso dele era simplesmente o clone do meu sorriso. Como isso era possível, gente?
- Qual você quer, Cauã?
- Eu gosto muito de Enzo!
Quase caí pra trás. Será possível que até nisso a gente se parecia?
- Enzo? – minha mãe ponderou.
- Enzo é o nome do meu filho – falei baixinho.
- Seu... Filho? – minha mãe ficou pálida e com os olhos arregalados.
- Filho? – Cauã também ficou desnorteado.
- Calma, gente. Calma! É o meu gato!

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- Ah... – Fátima respirou aliviada. – Pensei que eu já era avó... Quer me matar do coração, filho?
- E desde quando se coloca nome de gente em gatos, Caio? – Cauã ficou irritado de novo.
- O gato é meu e eu coloco nele o nome que eu quiser.
- Nossa... Não está mais aqui quem falou!
- Tem foto dele, Caio? Quero conhecer meu netinho!
- Tenho sim.
Peguei o celular e mostrei a foto do gato pra minha mãe. Ela ficou encantada.
- Nossa! Ele é igualzinho ao gato da vizinha! Mas que cara de zangado é essa?
- Ele me odeia – eu dei risada.
- Hein? Por que diz isso?
- Porque é a verdade. Ele me odeia. E olha, essa é a Gertrudes Filomena. Irmãzinha dele.
Pra que eu fui falar o nome da minha gata pra eles? Os dois caíram matando em cima de mim dizendo que Gertrudes Filomena não era nome de gato.
- Não foi eu que escolhi – expliquei.
- Ah...
O assunto morreu nesse momento. Acho que eles perceberam em que terreno iam entrar e resolveram ficar calados.
- Mas você ainda não opinou – minha mãe segurou no meu braço e fez carinho. – Não quer mesmo dar uma opinião sobre os nomes?
- Ah, sei lá. Eu gosto de Enzo também.
- Não vou colocar o nome do seu gato no meu filho, Caio. Desculpa.
- E gosto de Davi também.
- Davi? Davi... Bonito nome!
- E o outro poderia se chamar David, mãe – Caua deu a opinião.
- David e Davi? – Fátima pensou com ela mesma. – Taí... Gostei dos nomes!
Eu jurava que ela não ia levar a minha opinião em consideração, mas caí do cavalo. Ela realmente optou por David e Davi e hoje em dia eu me sinto muito orgulhoso por ter escolhido o nome de um dos meus irmãozinhos.
O papo continuou e eles não fizeram mais perguntas e nem cobranças. Quando anoiteceu eu resolvi ir embora pra não encontrar com o Edson e por sorte isso não aconteceu.
- Você volta amanhã, né filho?
- Volto, Fátima. Não se preocupe.
Ela ficou vermelha, muito vermelha. Eu não deveria tê-la chamado assim, mas foi mais forte do que eu. Eu ainda não conseguia dizer a palavra “mãe”.
- Até logo. Cuide-se.
Saí e nem me despedi do Cauã. Eu estava com ele atravessado na garganta e era melhor evitar qualquer transtorno.
Quando entrei no ônibus liguei pro Bruno, mas nós não pudemos falar muito tempo, já que ele estava em horário de trabalho.
- Está tudo bem sim, não se preocupe – garanti.
- Está melhor?
- Sim!
- Alguma novidade por aí?
- Aham. Eu ajudei a escolher o nome do meu irmãozinho, mas duvido que ela coloque.
- Jura? E como eles vão se chamar?
- David e Davi. Eu escolhi Davi. Pensei em você nessa hora porque eu sei que você ama esse nome.
- Amo mesmo! Bonitos nomes, amor. Tomara que ela opte por eles.
- Segundo ela serão esses os nomes.
- Que bom. Anjo, tenho que voltar pro trabalho. Mais tarde a gente se fala mais. Eu te amo!
- Eu também te amo, amor. Fica com Deus e bom trabalho.
- Obrigado, beijo!
- Outro.

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Desliguei e ponderei sobre os últimos acontecimentos. David e Davi. Gostei dos nomes dos gêmeos.
Vìctor e eu chegamos na casa dele ao mesmo tempo. Ele me abraçou rapidamente, perguntou se estava tudo bem e nós entramos.
- As coisas estão se encaixando. Aos poucos eu estou colocando os pensamentos no lugar.
- Que bom. Vai dar tudo certo. Anda, vem jantar. Depois a gente conversa.
O jantar naquela noite foi com toda a família e foi bem agradável. Aos poucos eu já estava começando a me sentir mais à vontade com a família do meu melhor amigo.
- Parece chateado, Caio? – perguntou Susana. – Problemas com a sua família?
- Mais ou menos, Susana. Mais ou menos.
Eu estava mesmo um pouco chateado. Querendo ou não, eu estava lá em São Paulo e não estava resolvendo nada do que eu tinha pra resolver.
- Caio, eu fiquei sabendo que você já é formado e pós-graduado? É isso mesmo?
- Isso mesmo, Roberto. Sou formado e pós-graduado em Gestão de Recursos Humanos.
- Bacana. O mesmo curso do Víctor.
- É sim.
- E você trabalha na área já?
- Mais ou menos, Roberto. Eu trabalho como gerente de vendas em uma empresa nacional.
- Nada a ver com a área, Caio. Pelo amor de Deus, como você aguenta?
- Eu acostumei. Na verdade tem um pouco a ver com a área, porque eu estou em cargo de liderança e posso fazer gestão de pessoas.
- E você está satisfeito com o salário, com as condições de trabalho, com os benefícios?
- Ah, não posso reclamar não. A empresa é boa nesse aspecto.
- Posso ser indiscreto e perguntar quanto você ganha por mês?
- Varia muito, sabe? É porque eu sou comissionado de acordo com o rendimento de minha equipe, mas normalmente eu tiro por volta de... Por mês.
- Hum... Sabe por que estou te fazendo essas perguntas?
- Não!
- É que na empresa que eu trabalho nós estamos precisando de um gerente de RH.
- Hum?
- E olhando assim superficialmente você preenche todos os requisitos da vaga. O salário é de...
Quando ele falou o valor eu simplesmente me engasguei e me engasguei pra valer, de verdade. Fiquei sem ar, tossindo e com os olhos lacrimejando. O valor era simplesmente cinco vezes maior do que eu ganhava por mês, contando com minhas comissões.
- Respira... Respira... – Susana levantou meus braços.
- Calma, Caio! Bebe um pouco de suco – mandou Víctor.
- Meu... Deus... – eu tossi e bebi o suco. – Tudo isso?
- Sim. Bom, não é? – Roberto não tirou os olhos de mim um segundo sequer.
- Bom? Esse salário é maravilhoso!
- E aí? Topa vir trabalhar com a gente?

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Um comentário:

nevertonnitoly@gmail.com disse...

Olá Caio!bom esse seu pai é difícil de engolir,hem?Mas eu ñ espero tanto a sua reconciliação com sua mãe,como eu espero com o Cauã!!!O conto estar perfeito últimos capítulos cheios de emoções.Assim meu ❤ ñ aguenta.bjossssss te adoro Caio ahhhhhhhhhhhhhh tô com xldades do Bruno quero vcs dois logo juntinhos 😚