segunda-feira, 20 de abril de 2015

Capítulo 100²

Eu juro que por essa eu não esperava.
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Não posso negar que me senti lisonjeado pelo pai do Víctor ter me convidado apenas pelo meu histórico acadêmico, mas não posso negar também que ele se precipitou demais ao me fazer aquele convite.
A gente se conhecia há muito tempo, é verdade, mas ele nem sabia dos meus interesses profissionais, nem sabia do meu potencial, não sabia se eu tinha chance de concorrer à vaga ou não... Ele se precipitou e muito!
- Nossa... Por essa eu não esperava – eu ainda estava me recuperando do engasgo que tive.
- É claro que ainda teremos que falar muito sobre o assunto. Se você quiser, eu te levo até a empresa pra você conhecer e lá a gente fala melhor sobre isso. O que acha?
- Eu fico muito grato, Roberto. Mas não posso negar que esse convite está sendo um pouco precipitado, você não acha?
- Talvez, mas é como eu te disse: ainda precisamos falar muito sobre o assunto. Olhando superficialmente, você tem os requisitos. Basta saber se você tem interesse ou não.
- Interesse eu até posso ter, mas esse é um assunto que tenho que pensar e muito. Eu não posso simplesmente sair do Rio de Janeiro de uma hora para outra.
- E por que não?

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- Porque eu tenho amigos, tenho namorado, tenho emprego... Lá eu tenho toda uma estrutura que aqui eu não vou ter.
- Mas pode conseguir.
- Mas não de imediato.
- Vocês não acham que esse é um assunto que deve ser tratado em outra ocasião? – Susana meteu o bedelho.
- É verdade, pai. O Caio já tem muita coisa na cabeça pra ele ficar pensando nisso agora.
- Quando você volta pro Rio? – perguntou o pai do Víctor.
- Se der tudo certo, volto daqui 3 dias. Mas posso antecipar a minha volta.
- O que acha de fazer uma visita na empresa amanhã?
- Amanhã? Por mim tudo bem.
- Combinado então.
Ainda na mesa eu fiquei pensando sobre o assunto. Ganhar 5 vezes mais do que eu ganhava era bem tentador, mas eu não podia largar o Rio de uma hora para outra. Esse era um assunto que eu realmente teria pensar e muito.
A surpresa pelo convite do Roberto me fez esquecer momentaneamente os meus pais e meu irmão. Voltar em definitivo pra São Paulo? Será que seria uma boa ideia?
Fiquei em dúvida, é claro. Não podia ser diferente. Mas era melhor não pensar naquele assunto naquele momento. Eu tinha outras prioridades e uma delas era o meu Bruno.
Após o jantar, eu fiquei conversando com o Víctor e falei tudo o que acontecera naquele dia e só depois desse papo, que durou muito tempo, foi que eu liguei para o meu namorado:
- Anjo? Já chegou em casa?
- Ainda não, amor. Eu estou no meio do caminho.
- Ah... Então eu vou desligar. Não quero que você morra no volante por estar falando comigo.
- Eu encostei.
- Jura?
- Sim. Não se preocupe. Você está bem?
- Mais ou menos. Um pouco chateado, irritado e muito surpreso.
- Surpreso com o quê? O que foi dessa vez?
- O pai do Víctor me chamou pra trabalhar com ele aqui em São Paulo.
- OI?
- Pra ganhar...
- TCHAU, AMOR! FOI BOM TER TE CONHECIDO!
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- Seu besta! – eu ri. – É claro que eu não aceitei.
- AINDA BEM, VIU? Se você fosse sem me falar eu te mataria!
- Até parece que eu ia fazer uma coisa dessas. É muito dinheiro, não é?
- Muito! Tem vaga pra mim também?
- Não sei, mas posso verificar. Bobo!
- É sério! Por esse dinheiro eu faria qualquer coisa.
- Até me abandonar?
- Menos isso, é claro. E sua família?
- Na mesma. Minha mãe não estava muito legal, mas melhorou.
- É, você comentou. Fora isso está tudo bem?
- Sim e você?
- Bem. Cansado, mas bem.
- Estudou direitinho?
- Sim, amor. Claro que sim.
- Então tá bom. Não vou te atrapalhar mais. Eu só queria te contar essa novidade.
- E que novidade. Não tome nenhuma decisão precipitada, pelo amor de Deus.
- Não farei isso. Amanhã irei até a empresa para ver como é a parada. Eu te aviso.
- Por favor.
- Vai lá descansar, coisa mais linda! Estou morrendo de saudade.
- Eu também. Se cuida, tá? Juízo!
- Você também.
Sempre que eu ouvia aquela voz grossa e gostosa no telefone eu ficava excitado. Uma pena que ele não estivesse pertinho de mim pra resolver aquele problema.
Eu suspirei e fiquei olhando pro teto por alguns segundos. Voltar em definitivo para São Paulo? Será que era uma boa ideia?
Era melhor não pensar em emprego naquele momento. Eu tinha que focar os meus pensamentos em coisas boas e não em problemas, se é que isso era um problema.
Ponderei a respeito dos meus irmãozinhos. David e Davi. Será que iriam se parecer comigo e com o Cauã? Ou será que eles iam ter a infelicidade de se parecerem com o nosso pai?
Se bem que eu e meu gêmeo nos parecíamos um pouco com nosso pai, para a minha desgraça. Ainda bem que o coroa era bonitão!
Parecesse com quem parecesse, eles seriam muito amados, pelo menos por mim. independentemente do que acontecesse, independentemente se eu mantivesse contato com a minha família ou não, eu ia amar aqueles dois anjinhos de Deus.
É claro que eu queria que eles crescessem pertinho de mim, mas se isso não fosse possível, eu iria me conformar.
Eu cheguei a conclusão que eu estava mais calmo naquele segundo dia. As mágoas estavam dando lugar a saudade e aos poucos eu já estava me acostumando novamente em tê-los ao meu redor. E foi pensando nisso que eu entendi que aquela gravidez serviu para nos reaproximar.
E se a gravidez serviu para nos reaproximar, o nascimento dos bebês não seria diferente. Aquela talvez estivesse sendo a chance para nós fazermos as pazes. Será?
Essa era uma resposta que eu teria só com o tempo. infelizmente naquele momento tudo estava recente e fresco demais para eu chegar a alguma conclusão.
Eu só podia e conseguia entender o que eu estava sentindo e só. Cauã, Edson e Fátima eram outros quinhentos.
Era a hora de dormir. Eu estava cansado, mas não tão cansado como no dia anterior. Acho que o fato de ter dormido até o horário de almoço me fez descarregar toda a tensão e estresse das últimas 48 horas.
Antes de apagar eu pensei mais um pouco em tudo o que estava acontecendo. Eu ainda estava me sentindo confuso, embora estivesse um pouco mais calmo.
.
No dia seguinte eu não acordei tarde e consegui ficar pronto no horário combinado com o Roberto.
Nós tomamos café e saímos de carro. Eu nem me lembrava mais como era andar de carro por São Paulo.
- Perdido em pensamentos? – ele perguntou.
- É sim. Relembrando esses lugares.
Nós estávamos na Avenida Paulista e esse era um dos lugares que eu mais gostava em Sampa City. A arquitetura, os prédios, as árvores e até o asfalto me deixavam encantado. Eu queria morar lá um dia se tivesse a oportunidade.
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- E como está a sua mãe?
- Bem. Ela está melhorando.
- Que bom. E o bebê?
- São dois meninos.
- Hã? – Roberto ficou pasmo.
- Pois é. Eu também fiquei assim quando soube. São dois meninos e eles estão bem. Quer dizer, eu acho. Nunca perguntei pela saúde deles.
Pela primeira vez eu pensei nisso. Eu perguntei pela saúde de minha mãe, mas nunca me preocupei de fato com a saúde dos meninos. Eu me preocupava com o futuro deles, estava surpreso com a novidade, mas perguntar por eles eu nunca o fiz. Que coisa feia!
- E aqui.
Até aquele momento eu não sabia exatamente o que aquela empresa fazia, mas só em olhar para o prédio deu para perceber que a coisa ali era bem séria.
- Queria saber o que essa empresa faz.
- Eu já vou te falar tudo.
- Nossa... Eu nem perguntei qual o seu cargo!
- Sou um dos diretores.
AH! ESTAVA EXPLICADO! Então era por isso que ele me fez aquele convite tão inusitadamente.
Descemos do carro e ele já foi logo me mostrando toda a empresa. Entramos departamento por departamento e ele me explicou que ali funcionava a sede administrativa, mas que havia muito mais o que conhecer.
Conforme a gente andava eu ia percebendo o quanto ele era temido naquele lugar, porque só em olhar os funcionários tinham outra postura.
A empresa era nova no mercado e eu realmente nunca havia ouvido falar no nome dela.
- E aqui é o RH. Pode entrar.
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Eu entrei e me deparei com uma sala gigantesca, repleta de mesas, computadores, impressoras e papéis por todos os lados.
Havia também uma espécie de arquivo, um filtro d’água, telefones, FAX e os funcionários, é claro. Eu contei 15 no total.
- Roberto! – um cara saiu do fundo da sala e foi cumprimentar o pai do meu melhor amigo. – Não sabia que você vinha!
- Como vai, Ulisses? Eu vim só apresentar a empresa para esse jovem. Ele é o Caio.
- Olá, Caio. Como vai?
- Muito bem, obrigado – apertei a mão do cara. Eu nem sabia quem ele era.
- Está tudo bem por aqui?
- Sim. Está tudo em ordem, Roberto.
- Que bom. Vem comigo, Caio. Eu vou te apresentar o resto da empresa.
Saímos e eu conheci cada canto daquele lugar. Não posso negar que me apaixonei pela correria que vi em vários departamentos.
- Essa é a minha sala. Pode sentar, fica à vontade.
- Obrigado, Roberto.
- E aí? Gostou?
- Simplesmente incrível. Amei a correria.
- Você gosta disso, né?
- Adoro. Me acostumei muito com a vida de gerente de vendas. Eu não paro um segundo sequer.
- Posso imaginar. Mas não acha que está na hora de ficar um pouco mais tranquilo?
- Pode ser que sim. Que nem eu te falei: eu preciso ponderar.
Não sabia que estava passando por uma entrevista. O pai do meu melhor amigo paulistano me fez milhares de perguntas e acabou falando que queria me contratar.
- Eu fico grato pela confiança, mas eu não posso aceitar.
- Por que não?
- Porque eu tenho a minha vida no Rio e não quero largar tudo de repente.
- Eu posso te esperar se for o caso.
- Por que está tão interessado em mim?
- Porque dá pra ver de longe o quanto você é centrado. Eu gostei do seu perfil e quero te contratar. Qual o problema?
- Quer dizer que isso foi uma entrevista?
- Foi! – ele riu.
- Se soubesse tinha vindo bem arrumado.
- Não precisa disso. Você é como um filho pra mim e eu quero muito te contratar. Não só por isso, mas também pela sua competência profissional.
- E como você pode ter tanta certeza que eu sou competente?
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- Caio, eu sou macaco velho no assunto. Enquanto você vem com a farinha eu já fiz o bolo e comi um pedaço. Eu sou analítico por natureza e dá pra notar que você está falando a verdade.
- Você nem viu meus diplomas!
- Isso é algo que a gente vê depois.
- E se você estiver enganado ao meu respeito? E se eu não tiver o perfil?
- Claro que você tem o perfil. Eu sinto isso. Deixa eu te dar uma oportunidade?
- Suponhamos que eu aceite, como seria a minha vida aqui? Onde eu iria morar? Eu não tenho casa aqui em São Paulo, você sabe disso.
- Com o salário que a empresa oferece isso seria facilmente resolvido.
- Certo, mas e o primeiro mês? Eu só iria receber depois de 30 dias, correto? Como eu viveria nesse tempo?
- Aí existem duas opções.
- Quais?
- Eu vou te falar como o pai do seu melhor amigo e vou te falar como o diretor da empresa. Falando como o pai do seu melhor amigo, eu poderia te convidar para morar lá em casa com a gente.
Ah, tá! Até parece que eu ia aceitar ficar um mês com eles.
- E falando como diretor da empresa, eu posso te garantir que a empresa irá custear esses 30 dias em um hotel.
Melhorou. A segunda hipótese me agradou mais.
- Entendi.
- E aí? O que me diz? Continua dizendo não?
- Sim, Roberto. Eu agradeço imensamente a oportunidade, mas eu não posso aceitar. Não de repente desse jeito.
- Vamos fazer o seguinte? Eu deixo você pensar o quanto você quiser. Se em algum momento você mudar de ideia e quiser aceitar a proposta, é só me ligar que a gente arruma tudo.
- E eu posso pensar durante quanto tempo?
- Olha, pra te falar a verdade, eu preciso ocupar essa vaga em janeiro. Então até o final do ano você pode pensar. Pode ser assim?
- Sendo assim eu fico mais tranquilo. Prometo que vou ponderar muito a respeito.
- Faça isso. Você não vai se arrepender.
- Mais uma vez muito obrigado pela confiança.
- Imagina. É um prazer.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Lógico.
- Por que não coloca o seu filho na vaga?
- Porque ele não está preparado. Ele já trabalha comigo, mas não num cargo tão alto assim. O cargo exige muita responsabilidade, muita competência e eu acho que ele não está preparado para isso. Essa é que é a verdade.
Adorei a sinceridade do Roberto, mas fiquei com dó do Víctor. Ele merecia aquele cargo, coitadinho.
- Enfim... Obrigado mais uma vez. Agora eu preciso ir.
- Quer uma carona até a maternidade onde sua mãe está internada?
- Não, Roberto. Obrigado, mas eu prefiro ir de metrô. Faz muito tempo que eu não ando de metrô por aqui e quero reviver esses momentos. De toda forma, muito obrigado.
- Por nada, Caio. Disponha. Eu te acompanho pra você não se perder.
- Muito obrigado.
Se eu já estava tentado pelo salário, eu fiquei mil vezes mais tentado quando conheci a rotina daquela empresa. Era muito legal, muito legal mesmo!!!
- Obrigado novamente, Roberto.
- Por nada, Caio. Até mais tarde.
- Até! Bom trabalho.
- Obrigado.
Eu fiquei pensando em tudo o que o pai do Víctor me disse e fiquei muito tentado com aquela proposta. Tão tentado que a primeira coisa que fiz foi ligar pro meu namorado pra contar o que tinha acontecido:
- Calma! Não é pra tomar nenhuma decisão precipitada – ele me aconselhou.
- Não vou fazer isso, mas que eu fiquei tentado eu fiquei.
- Eu também ficaria com esse salário que ele te ofereceu, mas não é assim que as coisas funcionam. Pense direitinho.
- Eu vou fazer isso, amor.
- Tenho que desligar. Preciso voltar pra aula.
- Tudo bem. Desculpe ter te incomodado.
- Imagina. Beijo.
- Outro.
Pelo que eu pude notar, o meu namorado não ficou nada contente com aquela novidade que eu contei para ele. Será que ele não ia me apoiar se eu aceitasse a proposta do Roberto?
.
- Bom dia – cumprimentei a minha mãe.
- Bom dia, meu filho! Como é bom te ver...
- Você está bem? – não dei ouvidos ao que ela me falou.
- Sim, graças a Deus está tudo bem.
- Cadê o seu outro filho?
- O seu irmão não veio ainda. Ele tinha uma entrevista de emprego hoje.
- Entendi. Deixa eu te perguntar uma coisa que não perguntei ainda: os bebês têm saúde, né?
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- Sim! Graças a Deus eles são perfeitos. Estão dentro do peso, na altura certa... Não tem nada de errado com eles, mas pode acontecer alguma coisa por causa da minha pressão alta. Essa é a minha maior preocupação.
- Não vai acontecer nada. Você tem que ter pensamento positivo.
- É difícil, filho. É muito difícil ter pensamento positivo na situação em que eu me encontro.
- Eu sei, mas você tem que ter. Não adianta ficar se lamentando não. Vai dar tudo certo.
- Queria ter essa fé que você tem.
Eu tinha mesmo. Tinha e tenho. Pra mim a fé move montanhas. E acreditar e acima de tudo confiar em Deus era o mínimo que ela poderia fazer.
- Confie em Deus.
Ela suspirou.
- Você está tão diferente, sabia?
- É mesmo? – debochei.
- Sim... Eu queria... Ter visto o seu amadurecimento...
Fiquei calado.
- Me dá um copo de água, filho?
Eu não gostava quando ela me chamava de filho. Pra mim aquilo soava com tanta falsidade...
Levei a água dela e depois ela me pediu ajuda para sentar na cadeira. Eu fiquei com medo, mas resolvi atender ao seu pedido.
- É melhor não arriscar muito...
- Não se preocupe. Eu estou me sentindo bem.
Quando ela ficou de pé, eu tive uma real noção do tamanho daquela barriga. Da outra vez eu não analisei tão profundamente porque fiquei estático com o abraço que ela me deu.
- Sua barriga está imensa.
- É... E pesada também...
- Eles estão mexendo muito hoje?
- Um pouco. Mexeram mais na madrugada. Quase não consegui dormir.
- Nossa! Você passa a noite sozinha?
- Não. O seu pai fica aqui comigo.
Meu pai. Essa era boa. O Edson era qualquer coisa minha, menos meu pai.
- Eu soube que vocês se encontraram...
- Pois é – eu mexi no celular e não olhei pra ela.
- Posso... Saber o que você... Sentiu?
- Asco – respondi na hora e ela ficou calada por um tempão.
- Caio, só Deus sabe o quanto eu queria que as coisas tivessem sido diferentes.
Pra que ela foi falar isso? Ouvir essa frase só me fez ficar com ódio da Fátima.
- Olha, eu vou ser bem sincero com você: não é o que parece! Não é o que parece mesmo!
- Mas é a verdade.
- Pode ser a sua verdade, mas não a minha. Existem formas muito diferentes de se interpretar as coisas, sabia?
- Não seja tão duro comigo, por favor...
- Vai se fazer de vítima, é isso mesmo? Por favor, não venha com drama pra cima de mim não.
- Filho... Eu estou morrendo!
- AH, POR FAVOR! Morrendo você estaria se estivesse com uma doença incurável. Você está grávida. É de risco, eu sei, mas morrendo você não está. Faz favor, né?
Ela ficou pálida e sem reação. Quem ela pensava que era pra vir com chantagem pra cima de mim? Será que eu tinha que desenhar que eu não era mais o mesmo idiota de antes?
- Olá... – uma enfermeira entrou no quarto. – Fátima! O que faz aí?
- Eu estou bem, Claudete.
- Que bom que está conseguindo sair da cama. Eu vim trazer seus remédios e te levar pro ultrassom.
Era quase um coquetel e isso me fez perceber que eles estavam escondendo alguma coisa de mim. Por qual motivo ela estava tomando tanto remédio se estava apenas com pressão alta?
Após tomar os remédios, a enfermeira ajudou a minha mãe a sair do quarto. Lá fora, um enfermeiro a esperava com uma maca. Ela ia fazer mais um ultrassom.
- Quer ir junto? – perguntou a profissional da saúde.
- Hã...
- Vem, filho! – exclamou Fátima. – Vem ver seus irmãos.
Dei de ombros. Seria legal ver meus irmãozinhos no ultrassom. Eu os acompanhei.
Nós andamos por vários corredores. A sala de ultrassonografia era longe do quarto da minha mãe.
- Olá, Dona Fátima! – falou um médico. – Olá, Cauã!
Eu ainda não conhecia aquele médico.
- Ele não é o Cauã – minha mãe deitou-se na maca do exame. – Ele é o Caio.
- Como assim? – o médico perguntou. – Não me diga que...
- É, eu tenho gêmeos.
- Você gosta da coisa, hein? – o cara brincou.
Eu ficava sem graça com esses comentários.
Eu fiquei encostado na parede e acompanhei o exame em silêncio. Será que eu conseguiria ver meus irmãozinhos mesmo?
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- Vamos ver como estão essas crianças... – falou o doutor.
Quando eu vi a barriga da minha mãe desnuda, tive uma real dimensão de como o ventre dela estava grande. Parecia uma gravidez de 9 meses.
- Que barrigão, hein Fátima? – falou a enfermeira.
- É!
E de repente, eu vi as crianças na tela do computador. À princípio, não consegui ver muito bem, mas depois eu identifiquei os corpinhos dos dois. Parecia ser bem apertado ali dentro.
Não tardou para os coraçõezinhos soarem no ar. Minha mãe se emocionou.
- Não, não! Olha a pressão – falou Claudete.
Eu também senti vontade de chorar. Que lindo! Eram meus irmãos! Eu os estava vendo pela primeira vez!
- Olha só – o médico riu. – Eles mudaram de posição.
- Eles mexerem muito de madrugada – explicou a paciente.
- Agora dá pra ver o sexo direitinho.
Ele colocou a seta do mouse na genitália das crianças, mas eu não consegui ver nada.
- Vou colocar em 3D pra você ver o rostinho deles, irmão do Cauã.
- É Caio – explicou a minha mãe.
- Caio. Desculpe.
Quando o rostinho do David e do Davi apareceram na tela, eu quase entrei em colapso nervoso. Que gracinha!!!
- Ai meu Deus! – falei pela primeira vez.
- Não são lindos? – minha mãe ficou emocionada de novo.
Era simplesmente o milagre da vida. Eu fiquei olhando pro rostinho dos bebês e fiquei apaixonado pelos dois. Como eram engraçadinhos!
- Que curioso! Nossa! Ele abriu a boca!
- Às vezes isso acontece – falou o médico.
- Está tudo bem com eles? – não me contive e tive que perguntar.
- Sim! Tudo ótimo. A cada dia que passa eles ficam um pouco maiores. Estão dentro da média para o tempo de gestação.
- Que bom – falei.
O exame terminou rapidamente. Eles limparam a barriga da minha mãe e logo em seguida eles a levaram até o quarto. Ela foi caminhando mesmo, porque reclamou que estava cansada de ficar deitada. Os médicos liberaram.
- Você está escondendo alguma coisa de mim? – perguntei, já no auarto.
- Por que faz essa pergunta, filho?
- Porque você tomou vários remédios. O que você tem de verdade?
- Ah... É um pra pressão e os outros são hormônios e um pro colesterol.
- Hum.
Não caí nessa. Ela tomou quatro remédios de uma vez só. Ela deveria estar me escondendo alguma coisa.
- Me ajuda a deitar, filho... Os bebês estão mexendo muito e eu estou preocupada.
Ajudei a minha mãe a voltar pra cama e quando ela deitou deu pra ver direitinho os meninos se mexendo na barriga dela. Eu fiquei foi agoniado com isso.
- Quer que eu chame alguém?
- Não. Está tudo bem. Obrigada.
- Que bom.
Voltei pro sofá e continuei jogando um joguinho no meu celular. Percebi que ela não parava de me olhar um segundo sequer.
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- Ontem quando você disse que tinha um filho...
Percebi que ia vir bomba da boca dela.
- Eu cheguei a pensar que você... Tinha...
- Virado homem? – eu parei de mexer no celular e olhei pra cara dela.
Pausa. Ela ficou calada.
- Fala! É isso que você pensou? É isso que você ia falar?
Fátima continuou calada.
- Fala!!! Era isso que você ia falar?
- Não...
- Era sim, não precisa mentir. Vem cá, você também pensou que eu ia virar transexual ou travesti? Por acaso eu deixei de ser homem pela minha opção sexual?
Ela ficou calada.
- Responde! Eu te fiz uma pergunta!
- Não é isso, filho...
- Não é isso? E é o que então?
- Eu pensei que era só uma fase...
Eu ri. Eu tive que rir. Eu ri e me revoltei. Me revoltei tanto que levantei, fui até a cama e disse:
- Quer saber de uma coisa? Você e seu marido se merecem! Vocês dois são farinha do mesmo saco!
- Caio...
Não tem essa de Caio não! É a verdade!!! Pra mim chega, tá legal? Eu vim aqui na maior boa vontade, mas eu não sou obrigado a engolir preconceito da sua parte não!!!
- Calma, filho...
- Não vem com essa de calma pra cima de mim não, Fátima. Eu não sou o mesmo de antes, se é que você ainda não percebeu. Eu vim, te vi, já fiz sua vontade, mas não me peça mais nada. Eu vou voltar pro Rio hoje mesmo.
- Não, filho... Fica... Por favor...
- Ficar pra quê? Pra ficar ouvindo essas besteiras? Pra ouvir da boca do seu marido que ele quer me ver morto? Pra ficar ouvindo sermão do seu filho preferido? Não, obrigado. Eu já fiz a minha parte e estou com a consciência tranquila.
- Caio...
- Eu te desejo toda a sorte do mundo, Fátima. Não te desejo mal não. Espero que dê tudo certo com a sua gravidez, que os bebês nasçam com muita saúde e que fique tudo bem com vocês três, de coração.
- Por favor, não vai embora...
- Eu vou sim. Eu vou porque eu estou me sentindo sufocado aqui. Eu já fiz a minha parte, não é? Te vi, falei com você, fiquei com você... Agora eu tenho que ir.
- Filho...
Fiquei calado por um segundo. Ai que vontade que eu tinha de chorar!
- Fica mais um pouco?
- Melhor não, tá bom? – falei com calma. – Eu tenho muita coisa pra fazer lá no Rio, eu tenho que voltar. Olha, eu ligo para receber notícias.
Ela ficou calada. Será que estava tudo bem?
- Enfim... Até mais. Se cuida.
- Não vai... Fica!
- Não. Eu vou sim. Boa sorte pra você.
- Caio... Me dá... Um abraço?
Eu travei totalmente. Metade de mim queria aquele abraço e a outra metade não.
- Por favor... Só um abraço...
- Você... Não deve querer um abraço meu, senão não teria me negado um há 5 anos atrás. Boa sorte, Fátima. Fica... Com Deus!
E dizendo isso eu dei as costas e saí andando. A única coisa que eu ouvi foi o choro dela, mas eu não me importei. Eu tinha que sair dali o quanto antes. Eu estava me sentindo muito sufocado.
Antes de sair do hospital as lágrimas escorreram, mas eu as sequei rapidamente porque o Cauã estava indo em minha direção. Ele não merecia me ver chorando. Não mesmo!
- Caio!
- Cauã!
- Vai sair?
- Não. Eu vou embora.
- Como assim? Já?
- Já, Cauã. Eu não me sinto bem aqui. Me sinto muito sufocado. Eu não faço mais parte dessa família.
- Caio... Não faz isso com ela...
- Eu já fiz. E eu iria socorrê-la se fosse você. Ela está chorando.
- Caio... Pode ser ruim pra eles...
- Sinto muito. Ninguém pensou se seria bom ou ruim me expulsar de casa com 16 anos. Ninguém pensou no meu sofrimento.
- Eu sei, mas...
- Sabe nada. Você não foi diferente deles em nenhum momento. Eu não sou obrigado a ficar aqui não. Eu já vim, fiz a minha parte, mas agora eu vou embora.
- E não vai voltar mais?
- Pra quê? E eu sou bem-vindo aqui por acaso? Não foi você mesmo que disse que nunca mais queria me ver na sua frente? Então! Eu vou atender de novo ao seu pedido.
- Mas, Caio...
- Engraçaso, né Cauã? Você chegou a falar que nunca mais queria me ver na sua frente e você mesmo me ligou pedindo para eu voltar. O mundo dá voltas, né?
Ele ficou calado.
- Vai lá cuidar de sua mãe.
- Npssa mãe!
- SUA mãe. Cuida dela e espero que dê tudo certo com a gravidez e com os meninos. Não espera nada de mim. Boa sorte pra você.
- Pra você... Também...
Eu saí e deixei o meu gêmeo pra trás e aí sim eu chorei. Chorei como não fazia há anos e foi a primeira vez que eu senti aquela maldita dor que existia no fundo da minha alma voltar com força total. Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por quê?

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- RAUL – ela miou de novo.
Minha gata deixou de ser monossilábica à partir do momento em que entrou no cio. Além de falar “mãe”, naquele momento ela também falava “Raul”. E não é mentira, é a mais pura verdade.
- Segura as mãozinhas dela.
- Pra quê?
- Vai, segura!
Meu namorado segurou as mãos da gata, eu abri as pernas dela, puxei o rabo pra trás e fiquei surpreso quando vi a perseguida dela.
- GERTRUDES! Você está menstruada?
- Hum... – a gata gemeu e se contorceu todinha.
- Vou dar um jeito nisso!
Simplesnte coloquei o gelo na perseguida da gata. Ela miou e me olhou nos olhos.
- CAIO! VOCÊ É DOIDO? – Bruno quase chorou de rir.
- Ah, só assim vai parar esse fogo. Que nojo!
- Mãe...
- Cala a boca!
Deixei a pedra por uns 5 minutos, mas de nada adiantou. Ela continou miando e eu tive que tomar medidas mais drásticas.
- Calma aí...
- Vai pegar mais?
- Não! Já volto.
Dessa vez eu peguei água gelada e coloquei dentro do tanque. Pedi pro Bruno continuar segurando as mãozinhas dela e eu fiquei de novo com as pernas e o rabo.
- Agora você vai parar de miar...
Coloquei a bunda da gata dentro d’água gelada e ela arregalou aqueles olhos azuis.
- Que judiação... – Bruno ficou com dó.
- Quer saber? Você vai tomar um banho por completo, neguinha.
Joguei a gata no tanque e dei um banho gelado nela. O Bruno quase me matou:
- Ela vai ficar resfriada, Caio!
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- Vai nada! Ela tem é que parar de miar. Safada!
- Seca a coitada!
- De jeito nenhum. Ela tem que ficar molhada pro fogo baixar. Deus me livre, que gata escandalosa!
A pobrezinha ficou andando pra um lado e pro outro e molhou todo o chão da lavanderia, mas isso era o de menos. O importante era ela parar de miar e a minha ideia deu certo.
- Viu? Ela se calou.
- Você é muito mau! Muito mau!
- Sou nada. Não ia dormir com esse miado todo. Raul... Essa é boa!
- Raul? – ouvi a Gertrudes na lavanderia. – RAUL? RAUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUL?
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Só no dia seguinte eu fiquei cara a cara com o Rodrigo e é claro que eu tive que bater nele por ele não ter me ligado.
- Seu cachorro, seu safado, seu sem vergonha... Por que você não me ligou?
- Quer parar de me bater, faz favor?
- Quem manda você ser ruim comigo? Meus dedos quase caíram de tanto que eu te liguei e o telefone só na caixa postal!
- Eu deixei cair na privada, mano!
- Mas você é muito burro!
- Não fala assim comigo – ele fez bico.
- Um marmanjo de 30 anos fazendo bico! Vê se eu posso com isso.
- Opa... Eu não tenho 30!
- Mas está perto.
- Precisa lembrar?
- Uhum.
- Para de graça e me conta como foi a sua estadia na sua cidade.
- Um horror.
- Caio! Você chegou! – Dona Inês foi me cumprimentar.
- Olá, Dona Inês. Cheguei ontem.
- E como foi?
Contei tudo aos dois e eles me ouviram atentamente. A mãe e o filho não me interromperam até...
- Só que a gravidez se torna mais perigosa ainda porque ela está esperando gêmeos...
A cara do Rodrigo foi cômica. Ele arregalou os olhos lentamente e na mesma medida que os olhos abriam a boca também abria.
- Gêmeos? – Dona Inês foi mais contida.
- Sim! Que cara é essa, Rodrigo?
- Isso é sério?
- Claro que é. Acha que eu ia mentir?
- Minha... Nossa!!!
- Mais uma vez ela vai ter gêmeos e mais uma vez serão dois meninos.
- Fiquei passado como dizem por aí – foi o que o Rodrigo comentou.
- E dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar – eu abri um sorriso amarelo.
- Por essa eu não esperava. Duas vezes gravidez de gêmeos... – Rodrigo estava mesmo muito surpreso.
- Isso pode acontecer, filho! Não lembra a minha prima?
- Que prima, mãe?
- A Rosa, filho. Não lembra que ela teve 7 filhos em 3 anos?
- OI? – foi a minha vez de ficar surpreso.
- Sim! – Dona Inês riu. – Em 3 anos ela teve 7 filhos.
- Misericórdia! Ela é uma coelha?
- Não – a mulher continuou rindo. – Acontece que em um ano ela teve gêmeos, no outro ela teve trigêmeos e no outro ela teve gêmeos de novo.
- Deus é mais! Essa daí foi contemplada!
- Pois é, mas prossiga...
- Então...
Contei tudo e depois eles debateram a minha reação. É claro que o Rodrigo ficou ao meu lado e é claro que a Dona Inês não.
- Independente de qualquer coisa, ela é sua mãe.
- Eu sei, Dona Inês.
- E você não poderia ter agido dessa forma no estado em que ela se encontra.
- Mãe... Na boa... Eu faria a mesma coisa se você me abandonasse!
- Eu nunca faria isso, Rodrigo. Eu entendo o seu lado, Caio, mas também entendo o lado dela. Eu sou mãe e entendo o lado dela sim, embora não concorde com a atitude dela.
- Você está sendo contraditória – Rodrigo ficou contra a mãe.
- É que eu entendo os dois lados, filho. Caio, você deveria ter se segurado.
- Não tive como. Por isso eu voltei, pra não piorar as coisas.
- E você teve notícias dela de ontem pra hoje?
- Por enquanto não.
- Será que aconteceu alguma coisa?
- Notícia ruim chega rápido. Não aconteceu nada.
Eu tinha certeza que estava tudo bem. Eu fui duro com ela, mas ela também foi dura comigo no passado. Nós estávamos quites.
- Enfim... Já está feito. Agora é esperar as cenas dos próximos capítulos.
- Eu estou contigo e não abro. Você fez certo.
- Obrigado, Digow. Obrigado, Dona Inês.
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- Conte sempre com a gente – ela falou, com ar maternal.
- Obrigado mesmo. Não foi fácil, mas eu sobrevivi.
- E a proposta de emprego? Você vai aceitar?
- Sei não, Dona Inês. Eu tenho que pensar e muito.
- É isso aí – Rodrigo continou me apoiando. – Nada de tomar uma decisão precipitada.
- Uhum.
Conversar com os dois me alivou muito. Eu saí da casa deles bem mais leve e com a consciência bem tranquila.
- O que vai fazer agora? – perguntou o meu irmão postiço.
- Vou no Fabrício ver o Nícolas. Ele mandou mensagem falando que o menino não está bem.
- É ele me mandou também. Parece que é virose.
- Coitadinho!
- É. Dá um beijo nele, tá?
- Pode deixar.
- Puta que pariu... Toda vez que eu olho pro seu carro eu fico com dor nas vistas.
- Ai seu tosco. Cala a boca que ele é lindo!
- Cor de catarro. Eca!
- Idiota.
Abracei o safado do Digão e parti pro Fabrício. Me surpreendi ao encontrar o Vinícius na casa do melhor amigo e cumpadre.
- Que bom vocês dois juntos. Assim eu já conto tudo de uma vez só.
- É mesmo! E aí, como foi? – perguntou o médico.
- Lamentável.
Eu já estava cansando de repetir a mesma história mil vezes, mas era o jeito. Os meninos ficaram tão ou mais surpresos que o Rodrigo quando eu cheguei na parte dos gêmeos:
- Ah, vá? – Fabrício riu.
- Jura que você vai ter dois irmãozinhos a essa altura do campeonato? – Vinícius ficou sério.
- Uhum. Dois meninos. David e Davi.
- Seria cômico se não fosse trágico.
- Pois é, Fabrício. Pois é!
Fabrício me apoiou. Vinícius não. O oncologista disse as mesmas coisas que a Dona Inês. Eu aceitei tudo numa boa.
- Eu entendo o que você diz, Vini. Porém eu não posso simplesmente passar uma borracha no passado. O que ela fez foi muito difícil de suportar, sabe? Só eu sei o que eu passei naquela época.
- Eu te entendo, Caio. Contudo, não pode deixar o orgulho te cegar desse jeito.
- Falar é fácil, viu? Difícil é suportar tudo o que eu suportei.
Ele não falou mais nada. Nesse mesmo momento o Nícolas começou a chamar pelo pai e nós fomos ver o que estava acontecendo:
- O que foi, filho?
- Eu “quelo” água.
- Oi, Nico! – me aproximei do berço do menino. – O tio veio te ver.
Ele só me olhou e depois fechou os olhinhos. Deu pra notar que o menino não estava bem.
- O que ele tem, hein? Coitadinho...
- Diarreia e febre – explicou o médico. – Creio que seja uma virose.
- Já levou ao médico?
- Já – Fabrício voltou com a água. – É virose sim. Aqui, filho. Bebe tudinho, tá?
O menino bebeu a mamadeira de água e depois colocou a chupeta na boca. Ele estava deitado com o boneco do Homem Aranha do lado.
- A febre está baixando – falou o padrinho do Nícolas. – Logo ele ficará bem. Né, campeão?
O menino não falou nada e ficou lá, deitado e agarrado com o boneco. Ele não largava o boneco por nada. Deu dó de ver o Nícolas doentinho daquele jeito, mas eu tinha certeza que logo ele ia melhorar.

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- JANAÍNA DOS SANTOS, SANTOS, SANTOS!
- OI!
Nós rimos e nos abraçamos. Ela me balançou como sempre e quase não me largou mais.
- Que saudade!
- Eu também, nega. E aí, como estão as coisas por aqui?
- Ih... Melhor nem perguntar. Está um inferno!
- Problemas?
- Milhares. Já “tretei” com a Duda esses dias...
- Por que? – indaguei.
- Ah, ela fica querendo impor metas inalcançáveis pra minha equipe! Meu ovo que eu vou baixar a cabeça e aceitar.
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- Ai, Deus... E ela vai impor pra mim também?
- Com certeza. Não aceita não, hein?
- Vamos ver o que ela vai me falar.
- Mas deixa isso pra lá e me conta como foi a sua viagem, menino?
- Janaína do céu... Nem te conto as novidades...
- Ah, me conta sim! O que houve?
As caras e bocas que ela fez me fizeram rir. Quando eu falei que chamei meu pai de caco ela quase caiu da cadeira e deu um show:
- ARRASOU! VEM COMIGO QUE É SUCESSO! – a negra ficou dançando com os dois braços pra cima e não parou de rir. – E AÍ? E AÍ?
- Aí que eu fui embora, oras. E eu lá sou obrigado a ficar olhando pro focinho daquele desgraçado?
- “ADOOOOOOOOOOOOOOOOOOGO”! E a sua mãe? E a sua mãe? Ai que badalo!
- Bom, com ela foi mais tranquilo, até a parte em que ela disse que pensou que a minha homossexualidade era uma fase.
- MENTIRA QUE ESSA VADIA DA 3ª IDADE FALOU ISSO?
- Não. Mentira não. É a mais pura verdade. Foi por isso que eu resolvi voltar antes.
- E a gravidez? É de risco mesmo?
- De altíssio risco porque além da idade ela tem pressão alta e está esperando gêmeos.
- OOOOOOOOOOOOOOOOI???
Eu ri.
- M-E-N-T-I-R-A QUE A COBRA DA 3ª IDADE VAI TER GÊMEOS DE NOVO?
- V-E-R-D-A-D-E!!!
Ainda bem que nós estávamos na sala da Duda, porque assim ninguém nos ouviu. A Janaína teve um verdadeiro ataque de loucura nesse momento.
- ESTOU PRETA... PRETA MANCHADA COM CARVÃO... PRETA ESTURRICADA NA CHURRASQUEIRA... MENINO...
- E são dois meninos, viu?
- CABRUNCO DA PESTE, DA GOTA SERENA, DO RAIO DA SAIA FURADA... ESTOU PASSADA NO FERRO À VAPOR...
- David e Davi.
- ESTOU PRETÉRITA, CAIO! IMPOSSÍVEL A COBRA DA 7ª GERAÇÃO ESTAR ESPERANDO GÊMEOS?
- Juro por Deus!
- MENINO... POIS EU ACHO É POOOOOUCO! ELA DEVERIA ESPERAR SÊXTUPLOS SÓ PRA PAGAR O QUE FEZ COM VOCÊ... COBRA MALDITA... ELA É A MULHER DO CAPETA PORQUE SEU PAI É UM DEMÔNIO!!!
Jana ficou totalmente do meu lado. Ela ficou passada com as coisas que eu falei e é claro que eu ri e muito das tiradas que ela deu. Nosso papo só foi interrompido quando a Duda apareceu na sala, tirando satisfação:
- Posso saber por qual motivo a loja está sozinha?
- Eu e a Janaína estávamos conversando a respeito de algumas mudanças que queremos fazer – menti.
- E quais mudanças são essas?
Tive que improvisar e menti falando que nós queríamos mudar algumas pessoas de setor, queríamos mudar a posição dos produtos e por aí vai.
- Pensarei a respeito disso. Janaína, me deixa a sós com o Caio. Eu quero dar um feedback nele.
- Beleza. Depois a gente continua o papo, Caio.
- Combinado, Jana.
Quando a negra saiu, a Duda começou e descarregou tudo o que estava bom e ruim na minha gestão. Eu ouvi tudo atentamente.
- É isso. Agora eu tenho uma coisa pra te pedir, Caio.
- O que foi, Duda?
- Eu quero que você aumente as vendas de sua equipe em 50%.
Quase que eu dizia “MEU OVO” como a Janaína falava.
- Tudo bem. Então cadê as novas contratações para a minha equipe?
- Não haverá e você sabe disso.
- Hã... Impossível. Sinto muito.
Pra que eu fui falar isso? A Duda soltou os cachorros em cima de mim e finalizou o assunto dizendo que eu tinha um mês pra aumentar as vendas da minha equipe.
- Um mês? Sinto muito, não vai dar. Eu não posso fazer milagre.
- É a meta e ela tem que ser cumprida.
- Quem estipulou essa meta? Você ou o Antony?
- Nós dois. Por quê?
- Porque isso é surreal. Primeiro que eu não tenho time pra isso e vocês sabem disso. Minha equipe está desfalcada depois das demissões e por causa disso o meu rendimento até caiu. Segundo que 50% é um número muito alto. Não tem gerente no mundo que consiga fazer isso com uma equipe tão pequena como a minha. Não dá.
- Ah, dá. Basta você querer.
- Olha, Duda, se dá então por que você não faz? Porque eu não consigo fazer mágica.
Esse foi o ponto chave pra nossa discussão. Ela estava muito mudada, muito autoritária e não era mais a mesma de antes.
- Quer saber de uma coisa, Eduarda? Eu não vou fazer o que você está me pedindo enquanto você não maneirar o tom de voz comigo. Eu não sou cachorro pra você gritar. E tem mais: antes você não era assim. O que foi? A promoção está subindo pra cabeça depois de tanto tempo?
- Quer ser sancionado, Caio?
- Vai me suspender? Faz a sanção! Eu assino numa boa, mas não sou obrigado a levar desaforo pra casa. Eu não sou mais vendedor pra ninguém ficar subindo em cima de mim! Ah, pelo amor de Deus!
Esse papo durou mais de uma hora e eu só saí da sala quando tudo ficou esclarecido. Não fui sancionado, mas pelo visto a Duda iria fazer isso a qualquer momento. Eu estava sendo insubordinado.
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A única coisa que eu fiz nos dias que passaram, além de namorar, foi pensar na minha família.
Como estaria o meu pai? Como estaria o Cauã? Como estaria a minha mãe? Pensei tanto neles que isso acabou me conectando de novo com o Cauã e ele acabou me ligando:
- Oi, Cauã!
- Tudo bem, Caio?
- Tudo ótimo e você?
- Tudo em ordem.
- E a Fátima? Ela está bem?
- Sim, na medida do possível. Ela pediu para eu ligar pra ver se estava tudo bem com você.
- Sim está tudo bem. Ela não piorou?
- Não. Graças a Deus não.
- Que bom. Eu preciso desligar.
- Ah, beleza. Era só pra saber notícias.
- Até mais.
Desliguei sem esperar ele falar alguma coisa. Engraçado o Cauã me ligar só para saber de notícias.
- Gerência, Caio?
- OI, Caio. Sou eu – era a Eduarda. – Puxei um relatório e vi que sua média de vendas caiu comparado ao mês passado. Por que isso aconteceu?
- Porque eu não tenho gente pra vender. Só por isso.
- Nós já falamos a respeito disso, Caio.
- Sim eu sei e eu continuo mantendo a mesma opinião. Não dá pra atingir a sua meta se não me derem novos funcionários. Não vou matar ninguém de trabalhar não.
Ultimamente a Duda estava me pilhando tanto que eu nem conseguia ser gentil com ela. Eu não sabia dizer se ela tinha virado chata ou se a mulher estava sendo obrigada a fazer o que estava fazendo comigo e com a Janaína.
- Cadê a Janaína?
- Em horário de almoço.
- Peça pra ela me ligar quando voltar.
- Peço sim.
- Obrigada.
- De nada.
O nosso relacionamento mudou muito nessa época. Eu, que adorava a Eduarda de paixão, estava começando a pegar raiva dela. Ela que não pisasse no meu calo!
- Voltei – Jana apareceu na minha frente poucos minutos depois da Duda ter desligado. – Alguma novidade?
- Sua chefe pediu pra você ligar. Hoje ela tá com o cão no couro. Já me ligou 15 mil vezes.
- O que aconteceu com a Duda, hein? Será que o marido não tá mais dando conta do recado?
- Não sei e também não quero saber. Ela que não fique me enchendo muito.
- Digo o mesmo!
- Liga pra ela.
- Depois eu ligo, deixa eu fazer a digestão primeiro.

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Minha regional me pilhou tanto naquele dia que eu saí da loja com a cabeça explodindo. Quando entrei no meu carro e comecei a dirigir, lembrei da empresa onde o Roberto trabalhava e pela primeira vez eu fiquei realmente tentado em aceitar a proposta de trabalho que ele me fez.
- ... reais por mês... É um bom dinheiro – comentei comigo mesmo. – O que eu faço?
Fiquei tentado, literalmente falando. Eu ia ter que conversar com o Bruno a respeito disso. Se a loja onde eu trabalhava continuasse caindo do jeito que estava caindo, eu ia ser obrigado a aceitar aquele pedido.
- Que carinha é essa, hein senhor Caio?
- Problemas, amor. Problemas.
- Ih... O que aconteceu?
- A Duda me pede coisas escabrosas. Ela quer que eu esgote o estoque da loja sem me dar subsídios pra isso. Estou ficando maluco!
- Calma... Calma... Vem aqui, vem?
Eu fui até ele e nós nos beijamos. Bruno afrouxou a minha gravata e foi desabotoando a minha camisa.
- E esses pelos aqui no peito, hein? – meu namorado acariciou a minha pele.
- Preciso me depilar.
- Deixa... É gostoso...
- Você gosta?
- Tudo o que vem de você eu gosto, meu gostoso...
Pronto. Foi o pontapé inicial para uma noite quente e prazerosa, mas antes eu tomei aquele banho caprichado. Foi bom demais ficar ao lado do Bruno porque ele me aliviou em todos os sentidos.
- Sabe?
- Hum? – ele me fitou.
- Eu estive pensando na proposta que o pai do Víctor fez!
- É mesmo?
- Sim. O que você acha a respeito disso? Verdadeiramente?
- Uma boa proposta, é fato. Porém não dá pra trocar o certo pelo duvidoso assim de uma hora pra outra.
- É nisso que eu penso também.
- Eu não sei. Se estivesse no seu lugar eu ficaria simplesmente dividido.
- É assim que eu me sinto, mas me dá uma opinião?
- Eu acho que dinheiro não é tudo nessa vida, Caio. A proposta é muito boa, mas você teria que morar em São Paulo e isso faria você se aproximar daquelas pessoas que se dizem sua família. Será que isso é uma boa ideia?
- É nisso que eu penso também.
- É claro que São Paulo é a maior cidade do país, mas mesmo assim você correria o risco de encontrá-los.
- Eu sei!
- Mas é um bom dinheiro.
- É...
- Eu não sei. Estou confuso.
Se ele estava confuso imagina eu. A palavra dúvida me resumia. Eu precisava conversar com meus amigos a respeito dsso. A opinião deles também contava muito para eu tomar a minha decisão.
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ALGUNS DIAS DEPOS...
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Foi em uma noite de sexta-feira em que meu namorado e eu resolvemos passar a noite no motel.
Fazia muito tempo que a gente não tirava a noite pra namorar de verdade e eu confesso que estava precisando disso, uma vez que os problemas que eu estava enfrentando na loja estavam me deixando caótico.
- Tira a roupa pra mim, tira? – eu pedi.
- Por que você não vem tirar? Hum?
Eu tirei a roupa dele e pedi que ele ficasse deitado na cama para que eu começasse a agir. Quando ele deitou, eu joguei uma quantidade imensa de chantilly por todo o seu corpo e comecei a lamber.
- Ai que delícia... – ele se contorceu todo.
- Você gosta?
- Eu adoro!
Tinha morangos e nós comemos as frutas juntos e em seguida nos beijamos. Fiquei mais de uma hora só nas preliminares e depois ele me penetrou com gosto.
- Delícia – Bruno deu um tapa forte na minha bunda. – Geme gostoso, vai...
Eu gemi, urrei, gritei e senti muito prazer com aquela transa. Foi incrível e inesquecível. É claro que não paramos por aí. A noite foi longa e muito gostosa.
- Ainda bem que nós estamos de folga nesse final de semana – comentei.
- É verdade. Se não estivesse eu ia ficar só o pó.
- Eu também.
- O que você acha de colocar essa delícia que você tem aqui na minha boca, hein?
- Hum... Quer mamar, quer?
- Quero – Bruno mordeu os lábios.
Eu levantei e ele me chupou com gosto. Aquela noite foi quente como há tempos não era. Não que as que aconteciam no nosso apartamento não fossem, mas aquela teve todo um preparo, toda uma espera e uma expectativa. Foi bom demais. Eu perdi as contas de quantas vezes ele me fez gozar e vice-versa.
- Deixa eu passar na sua boca?
- O que é isso? – perguntou.
- O gel que faz adormecer.
- Hum... Passa!
Passei e nós nos beijamos. Foi diferente e gostoso. Eu adorava fazer isso. Era bom demais.
Já no sábado, eu tive a oportunidade que tanto queria para conversar com o Rodrigo a respeito da proposta de emprego que eu recebera.
- Eu lembro disso. Você me disse. Então você está pensando em aceitar?
- Não sei, Rodrigo. Eu estou tentado.
- Problemas com a loja, né?
- Muitos! A Duda está comendo o meu juízo ultimamente. Desde que eles vieram com essa de demitir metade do time de vendas, ela não é mais a mesma.
- Por quê?
- Problemas lá pra atingir a meta das vendas.
- Por isso que eu não sirvo pra essas coisas.
- Pois é. E se eu aceitasse a proposta, eu ficaria na minha área.
- Entendo. É tentador mesmo ganhar cinco vezes mais.
- Muito, mas eu não queria sair do Rio.
- Entendo isso também. Complicado. Você tem que pensar. Eu no seu lugar faria o que fosse melhor pra mim.
- Grande ajuda você me deu.
- Ah, sei lá. É uma boa proposta, mas voltar pra Sâo Paulo agora acarretaria na nossa separação. E eu não quero que isso aconteça. Portanto, fique.
- Cachorro – eu abri um sorriso. – Você não existe.
Nós estávamos na aula de inglês e quase nem prestamos atenção na professora. Ela nos chamou a atenção:
- Meninos... Controlem a língua, por favor.
Fiquei sem graça, mas o jeito que tinha era falar com o Digow naquele momento, já que a gente quase não tinha tempo de se ver.
O pobrezinho estava todo atarefado com as coisas do doutorado e eu trabalhava mais que camelo no deserto. Sábado era o dia que nós tínhamos pra ficar juntos, pelo menos durante a aula de inglês.
Contudo, nós nos falávamos diariamente por celular ou por internet. Ele já tinha comprado um aparelho novo e era simplesmente perfeito. Eu gamei no aparelho dele.
- Você curtiu tanto assim? – perguntou o meu namorado.
- Curti. Por quê?
- Não, por nada.
- Não inventa de comprar um pra mim. pelo amor de Deus.
- Falei alguma coisa?
- Não, mas nem precisa. Eu sei o que você está pensando só em olhar nos seus olhos azuis.
- Chato!
- Você que é.
- Não briguem, crianças. Essas crianças...
- Cala a boca, Rodrigo – nós dois falamos ao mesmo tempo.
- Eu, hein? Vocês se merecem!
Queria a ajuda do Rodrigo e ele nem me ajudou, mas eu entendi perfeitamente o que ele quis dizer. Eu também não queria me separar do meu irmão postiço e muito menos do meu namorado.
Porém a separação com o Rodrigo iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Nós já estávamos no finalzinho de setembro e acabando o doutorado ele ia voltar pro Paraná... Seria questão de tempo dizer adeus, ou melhor, até logo ao meu melhor amigo paranaense.
- Seu gêmeo não ligou mais não, né?
- Não, “carionense”. Por quê?
- Não gosto dele. Tenho ciúmes!
- Ei, o ciumento aqui sou eu – Bruno brincou.
- Eu também sou, palhaço.
Bruno era mesmo o mais ciumento de todos, mas isso se dava pelo signo dele, que é escorpião. Os escorpianos são mesmo bem ciumentos. Entretanto, o ciúme do meu namorado era algo muito tranquilo e bonitinho. Ele não era daquele tipo de pessoa que fica cega quando sente ciúmes de alguém.
- No que você está pensando, amor?
- Em tudo, Bruno. Eu ainda estou tentado em aceitar a proposta de trabalho.
- Já estou ficando preocupado com isso.
- Por quê?
- Sinto que vou te perder...
- Ei! – eu exclamei e coloquei a mão no queixo dele. – Você NUNCA vai me perder, cabeção! Nunca!
- Promete?
- Por tudo o que há de mais sagrado nesse mundo.
- Me abraça? Me dá um beijo?
Eu também senti o que ele estava sentindo. Um pressentimento ruim tomou conta de minha mente e eu fiquei chateado. Eu não queria perder o Bruno.
E só por causa disso eu seria capaz de dizer não para o Roberto. Pelo Bruno eu faria qualquer coisa, até mesmo suportar a pressão na loja, que não estava fácil.
- Fica calmo – eu pedi. – Eu não vou te abandonar.
- Não quero que você fique por minha causa, tá? Se tiver que ir, vá! Eu vou entender.
- A gente não tem que falar sobre isso aqui, muito menos agora. Eu ainda não tomei a minha decisão.
Bruno e eu ainda tínhamos que falar muito sobre o assunto. Eu queria pensar direitinho, pesar todos os prós, todos os contras para só depois tomar a minha decisão.
Aquele final de semana longe de Copacabana foi crucial para eu me sentir mais leve. Eu aproveitei cada segundo ao lado do Bruno e dos meus amigos e isso me fez relaxar bastante.
- “Buno”... “Buno”... – Nícolas quis ir pro colo do meu namorado e é claro que o Bruno pegou o menino.
- Oi, coisa mais linda!
Nícolas estava melhor, mas estava manhoso, muito manhoso. Acho que o Fabrício estava mimando demais aquele garoto.
- Tão lindo! Sabia que você é lindo? – Bruno ficou conversando com o Nico.
- Sabia! “Bigado”
Lindo e modesto. Eu já estava até vendo o Bruno como pai. Ele seria um pai babão, coruja e ele ia estragar a criança. Fato.
- Dá o boneco do Homem Aranha pra mim? – perguntei.
- Nãããããão! É meu!
Que lindo! Ele agarrou o boneco e ficou abraçado com ele. Nícolas não soltava o brinquedo por nada.
- Caio? Parece preocupado ou é impressão minha?
- Não é impressão não, Vini. Eu estou passando por uns problemas lá na filial.
- Que se passa?
Resumi o que estava acontecendo e aproveitei para pedir um conselho para o médico. Ele, como sempre, foi seguro na opinião e muito maduro em tudo o que falou:
- Complicado isso daí, mas se você está se sentindo incomodado na loja, talvez seja o momento de partir para outra oportunidade. Você já está nessa empresa há vários anos, talvez seja a hora de subir um novo degrau.
- Mas eu não quero sair daqui, sabe?
- Caio, isso é o de menos. Você fala isso por causa do Bruno?
- Não só por ele...
- Se ele te amar de verdade, ele saberá entender e a distância nunca é problema para quem ama de verdade.
Fiquei calado. Ele foi sábio.
- E com relação a nós, nós estaremos sempre aqui. Você pode vir quando quiser. A nossa amizade não vai mudar por causa disso.
- Eu sei, mas...
- Mas cada um está seguindo por um caminho diferente agora, Caio. Nós não somos mais os menos jovens da república. Estamos casados e quem não está, está namorando. A vida segue seu rumo, meu querido. E ela não vai parar pra te esperar não.
PÁ. Senti isso como um tapa na cara.
- Ai, Vini...
- Acho que é hora de você amadurecer isso aí dentro de você. Você é um cara batalhador, Caiô! Merece muito esse novo passo na vida. Ganhar esse salário aí não é pra qualquer um. Isso porque você tem só a pós. Imagina se tivesse mais?
- Hã...
- Essa é uma oportunidade que você provavelmente não terá novamente. Se tiver tentado, é a hora de colocar os prós e os contras na balança. O que você tem a perder se aceitar?
- Sei lá... Eu realmente não quero sair daqui...
- O Rio fica do lado de São Paulo. Você pode pegar um avião sempre que quiser. É meia hora de voo.
- Eu sei...
- Pense direito. Não deixe esse medo bloquear a sua decisão. Você já passou por tanta coisa pior...
- É verdade!
- Pense, repense e pense de novo. A vida é sua, o futuro é seu. E se você perder essa chance, talvez se arrependa pelo resto da vida.
Isso também era verdade. Se eu já estava em dúvida, à partir daquele momento eu fiquei mais em dúvida ainda.
- Dona Elvira sabe disso?
- Sabe sim.
- E o que ela falou?
- Preferiu não opinar. Ela disse que essa era uma decisão que eu tinha que tomar e disse que sabia que eu saberia tomar a decisão certa.
- E com relação a sua família? O que ela falou?
- A mesma coisa que você falou. Disse que eu me precipitei demais e que perdi uma excelente oportunidade de colocar os pingos nos is.
- Viu só?
- É, mas não dava. Definitivamente não dava pra resolver nada naquele momento. Nada mesmo.
- Você é que sabe, né? Só você sabe o que passou e o que está passando. Por mais que a gente fale, só você entende o que se passa dentro do seu coração e da sua mente.
- Vini, às vezes eu acho que você tem uns 80 anos! É muito maduro!
- Ah, sei lá. Eu penso assim. Posso estar errado – ele abriu aquele sorriso lindo.
- Claro que você não está errado...
- Não sou o dono da razão. Ninguém é.
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- Ah... Achei você! – Bruno apareceu no quarto do Fabrício. – Pensei que tinha ido embora sem mim.
- Eu falei que ia vir conversar com o Vini.
- Falou? Não ouvi então. Desculpa.
- Claro que não ouviu. Quando você fica com o Nico você fica surdo.
- É que eu amo aquele menino.
- Eu sei disso. E o seu, hein? – perguntei.
- Ah, não... Ainda não. Muito cedo! Nem casei direito!
- Casou há quase um ano, Vini!
- Ai que exagero, Bruno! Casei tem 6 meses só.
Parecia que fazia muito mais tempo. Eu ainda tinha a imagem do casamento do Vinícius e da Bruna na minha mente. Aquela cerimônia entrou pra história. Foi a mais linda que eu já tinha visto, até aquele momento.
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- E 5, 4, 3, 2, 1... – Felipe estava acompanhando os meus exercícios. – Pode parar, Caio.
- Finalmente.
- Agora faz 10 minutos de bike e depois pode ir embora.
- Beleza. Valeu por hoje, Lipe.
- Valeu! Bom descanso.
- Bom término.
Fiz a bicicleta e depois fui direto pro banho. Mais uma vez vi vários caras pelados e tive que me controlar para não trair o Bruno em pensamento. Foi difícil, mas consegui resistir.
Quando cheguei na loja senti a tensão logo na entrada. O clima estava pesado e o Antony estava passeando pelo meio da filial.
- Caio! – ele me viu e foi me cumprimentar. – Como está?
- Bem, Antony. E você?
- Bem, obrigado. Que bom que chegou. Eu estou vendo alguns colaboradores ociosos com esse movimento todo. Pode ver pra mim?
- Claro! Só vou bater o ponto e guardar as minhas coisas. Eu vou fazer a ronda.
- Por favor. Obrigado.
- Disponha. Ficará aqui hoje?
- Sim. Eu preciso acompanhar a rotina dessa filial porque o índice de vendas caiu. Falaremos sobre isso depois.
- Perfeito.
Só por esse papo eu sabia que viria chumbo grosso pela frente. E não deu outra. No meio do expediente, Janaína, Eduarda, Antony e eu tivemos uma reunião que não foi muito boa.
- A meta é essa, quer vocês queiram, quer não – disse o diretor. – Eu preciso desses números em um mês.
Era a mesma meta que a Duda nos disse e mais uma vez a Janaína e eu dissemos que seria impossível, mas eles não nos deram ouvidos. Minha amiga e eu saímos da sala com o diabo no corpo.
- Esse nojento tá me tirando – Janaína bufou. – Eu não sou de levar desaforo pra casa não. Dessa vez passa, mas da próxima...
- Calma!
- Calma? Ah, eu não sou obrigada a aceitar isso não! Não sou escrava pra me matar de trabalhar e não vou obrigar a minha equipe a aumentar o ritmo não. Eles já estão sobrecarregados.
- Os meus também. Enfim... É complicado.
- Aquela vagabunda da Mirela está parada de novo. Deixa ela comigo. Vou mandá-la pra casa agora ou não me chamo Janaína Santos.
Minha parceira suspendeu a colaboradora e por causa disso ela teve problemas com nossa regional. Duda deu uma bronca na Janaína por ela ter feito isso:
- Com um quadro desses você ainda suspendeu a vendedora, Jana? Onde está o seu olhar analítico?
- Continua aqui. Tanto é que eu vi que ela estava parada e por isso ela foi pra casa. Isso já aconteceu antes e você sabe muito bem disso.
- Você deveria ter segurado a onda.
- Espera aí, Eduarda! Se não for pra fazer gestão de pessoas você nos avisa. Quer dizer que agora é só cobrança em cima deles, é isso? Se for fala logo porque eu não faço mais sanção, não acompanho mais as faltas...
- Calma, Janaína!
- Calma nada! Eu estou cansada disso. É só cobrança pra cima da gente. Antes não era assim. De uns tempos pra cá as coisas não estão legais, me desculpa.
- Quer falar em particular?
- Não. Já falei tudo o que tinha pra falar. Quer me ver preta com queimadura de 3º grau é me falar o que eu tenho e não tenho que fazer.
Ela saiu andando e foi respirar. Eu fui obrigado a cobrir a minha amiga. O clima estava tenso.
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UMA SEMANA DEPOIS...
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- Jonas? – eu me surpreendi com a visita do meu ex-gerente. – O que faz aqui? Que milagre! Lembrou dos pobres, é?
- Como assim “lembrou dos pobres”? A gente se fala todos os dias por telefone, brother!
- Mas não nos vemos há muito tempo.
- É a correria.
- Qual a boa de hoje?
- Eu tenho uma novidade.
- Que novidade? É boa ou ruim?
- Depende do ponto de vista. Pra mim é ótima!
- Então conta!
- Acabei de ser desligado.
Senti as minhas pernas morrerem aos poucos. Que história era aquela que o meu ex-gerente tinha sido mandado embora.
- Como é que é? – perguntei e fiquei incrédulo.
- Eu fui mandado embora! – ele sorriu.
- Não creio?
- Creia! É a mais pura verdade. Eu entrei na redução de custos, graças a Deus!
- Nossa, Jonas... Que barra!
- Barra nada! Eu queria. Não aguentava mais essa pressão que eles estão fazendo ultimamente. Isso daqui virou um inferno de 6 meses pra cá.
- Pior que você está certo. Virou mesmo. Mas... Não acredito... Você? Logo você? Quem vai me aconselhar agora?
- Você não precisa mais de conselhos. Você pode caminhar sozinho, com suas próprias pernas. Você está pronto.
Fiquei triste.
- Ah... Estou chateado agora...
- Não fique, eu não estou! Sério. Pra mim foi um alívio. E vem mais gente por aí!
- Será que eu estou no meio?
- Não sei. Só quem sabe é a Duda.
- Ai, Deus... Que coisa, viu?
- Relaxa! Eu estou em paz. Eu vim te dar um abraço e te desejar muita sorte.
- Ah, Jonas! Eu vou sentir a sua falta!
- Também, mas a gente não precisa perder o contato. A amizade vai permanecer sempre.
Isso é o que ele disse, mas na prática não funcionou assim. A gente se fala, mas é bem raro.
- Então só me resta te desejar muita sorte. Que Deus te abençoe nessa nova fase!
- Obrigado. Boa sorte pra ti também e vê se dá um jeito de segurar as pontas. Você precisa de mais experiência.
- Eu vou tentar, mas tá difícil!
- Eu sei que tá, mas tente. Faça o seu melhor.
Abracei meu amigo. Eu ia sentir muito a falta dele. O Jonas e eu nos falávamos diariamente e eu sempre pedia socorro pra ele. Quem seria o meu socorro à partir daquele momento?
- Boa sorte, Caio.
- Obrigado. Pra você também! Por favor, não some, tá?
- Não sumirei. Pode deixar. Ah, a Alexia disse que quer falar com você!
- Meu Deus... Faz mil anos que não falo com a coitada! Vou lá vê-la.
- Vá sim. Se cuida, Caio. Manda um beijo pra Jana. Cadê ela?
- Saiu pro almoço, já deve estar voltando.
- Depois eu venho aqui ver vocês. Como cliente, é claro.
- Não vem me pedir desconto, hein?
- Jamais compraria alguma coisa nesse lugar – Jonas sorriu. – Tudo o que eu quero agora é descansar.
- Você merece! Tira umas férias.
- Vou viajar com a patroa, isso sim. Modéstia à parte, eu mereço mesmo.
Receber aquela notícia não foi fácil. Saber que o Jonas e outros gerentes haviam sido desligados foi complicado, porque a tensão ficou no ar. Será que eu também seria?
Quando a Jana chegou e ficou sabendo da notícia ela chega ficou branca.
- O Jonas? – ela falou com os olhos arregalados.
- O próprio! Dá pra crer?
- Puta que pariu! E agora? Será que eu estou no meio?
- Não sei!
- Estou pretérita no tempo imperfeito. Ele queria?
- Disse que sim.
- Então tá valendo. Se ele queria eu não fico triste. Aliás, quem não quer nas circunstâncias atuais?
- Verdade.
- Vamos aguardar, né?
- Vamos aguardar!
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- Meu Deus... Que barriguinha linda, amiga!
- Está crescendo! – Alexia sorriu.
- Já sabe se é menino ou menina?
- Ainda não. Acho que eu vou querer surpresa de novo.
- Só você mesmo.
- Cadê a Jana?
- Entrou pra sala com a Duda e não voltou até agora. Estou com medo dela ser desligada.
- A Jana? Desligada? Até parece!!!
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Depois de alguns minutos a Janaína saiu e foi direto ao nosso encontro com um sorriso imenso nos lábios.
- Que sorriso é esse? – perguntei. – Não me assusta!!!
- É exatamente isso que você está pensando, bonito! Fui desligada!
- NÃO! – eu berrei e entrei em desespero. – NÃO É VERDADE!
- Jana, conta outra! – Alexia ficou tensa.
- Não estou brincando. Já pegaram o meu crachá e tudo. Não sou mais funcionária dessa empresa!
Eu quase chorei de raiva e desespero. Primeiro o Jonas e depois a Janaína. Quem seria o próximo?
A novidade voou pela loja na velocidade da luz. Naquele dia não se falou outra coisa a não ser nesse assunto. Eu fiquei verdadeiramente deprimido com a saída da Janaína.
- Não fica assim – ela me abraçou com força. – Eu nunca vou perder o contato com você, meu cachorrinho!
- O que vai ser de mim?
- Calma! Vai dar tudo certo. Eu prometo!
- Ai, Jana... Não quero ficar aqui sem você... Não quero! Foi você que me trouxe pra cá...
- Eu sei! E estou muito orgulhosa de você ser líder. De verdade, mas agora é hora de buscar novos desafios. O meu momento aqui acabou.
- Eu não acredito...
- Calma, calma! Vai dar tudo certo. Eu tenho que ir, não posso mais ficar aqui. Vou ficar lá na calçada pra me despedir de minha equipe. Não chore!
Eu quase chorei. Vontade não me faltou. Alexia ficou tão chateada quanto eu.
Pouco tempo depois o meu ramal tocou e era a Eduarda. Ela pediu para que eu fosse até a sala dela. Será que tinha chegado a minha vez também?
- Me chamou? – entrei.
- Senta aqui, Caio. Eu tenho que falar com você.
- Vou ser demitido também?
- Não, não. Você não. Como você já deve saber, a Janaína foi desligada.
- Eu já sei. Por que, hein?
- Apenas redução de custos. A empresa está passando por um momento de transição e cortes fazem parte da rotina. Você bem sabe disso porque é formado em Recursos Humanos.
- Mas por que a Janaína? Por que não mandaram outro no local?
- Porque sim. Nesse momento nós achamos por bem reincidir o contrato dela.
- E o que você quer comigo?
Eu já até sabia. Ela ia falar para eu ficar à frente da loja novamente.
- Preciso que você cubra a Janaína.
BINGO.
- Hã? E que mais?
- Eu tenho uma novidade pra você, Caio.
- Qual a novidade?
- Existe uma loja que precisa de um líder com o seu perfil e nós vamos te mandar para lá. Só que tem um porém...
- Hã? Qual é o porém?
- Essa loja não é aqui no Rio de Janeiro.
- E é onde?
Eu esperava qualquer coisa, menos o que eu ouvi naquele momento:
- A loja fica em São Paulo, Caio!!!

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