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inceramente, eu não sabia o que fazer.
Eu não sabia se ria, não sabia se chorava, não sabia se o encarava, não sabia se saía correndo, não sabia se ficava...
Um segundo parado ali na frente do meu pai parecia simplesmente uma eternidade. Meu coração batia tão acelerado, mas tão acelerado, que eu conseguia sentir as veias da lateral do meu pescoço pulsando no mesmo ritmo. Eu já estava ficando sem ar.

Era ele, era meu pai. Mesmo depois de 7 anos, mesmo depois de tanto tempo longe, eu o reconheci com facilidade. Meu pai continuava com o mesmo físico médio de sempre, mas o rosto estava mudado.
Envelhecido, com cabelos grisalhos, com a pele flácida, com olheiras e com a barba por fazer. A impressão que eu tinha é que ele não se cuidou durante todo aquele tempo em que eu não o vi. Ele estava com ar de puro desleixo.

E os olhos dele não saíam dos meus. Nós dois nos fitamos profundamente e eu confesso que fiquei com medo.
Medo da reação dele. Medo de ser novamente rejeitado, novamente humilhado, novamente massacrado, novamente espancado... Novamente desprezado. Esse era meu medo.
De todos os riscos que eu corria indo até aquele hospital, o pior era encontrar o meu pai e foi justamente isso que aconteceu, mas se aconteceu foi por culpa única e exclusivamente minha.
Eu não liguei pro Cauã, não disse que estava na cidade e muito menos que ia pro hospital para ver a minha mãe. Se eu tivesse feito isso, se eu tivesse ligado, dado sinal de vida, eu poderia ter evitado esse reencontro tão... Difícil.
Difícil porque eu não queria que acontecesse naquele momento. Eu não estava pronto e sabia que meu pai também não estava pronto.
Difícil porque o tempo não apagou as mágoas que aquele homem deixou em minha vida. Mesmo tendo passado tanto tempo, eu não consegui esquecer em nenhum dia o que ele me fez.
Esse homem foi a pessoa que desgraçou a minha vida, mas ao mesmo tempo foi graças a ele que eu consegui tudo o que eu tinha na minha vida.

Se eu tivesse ficado em casa, se meu pai não tivesse me expulsado, me chutado como se ele estivesse chutando um saco de lixo, será que eu teria conseguido tudo o que consegui?
Será que eu teria um amor como o amor do Bruno? Será que eu teria amigos como o Vinícius, o Fabrício, o Rodrigo, a Janaína e a Alexia? Será que eu teria duas mães como a Dona Inês e a Dona Elvira? Provavelmente não.
Então, ao mesmo tempo que eu deveria odiá-lo com todo o meu coração, eu deveria também agradecê-lo por ele ter feito o que fez, porque foi através disso que eu consegui meu namorado, meus amigos, meus diplomas, meu sucesso profissional e o meu carro. Tudo isso foi graças ao meu pai.
Cada segundo parado na frente dele parecia uma eternidade, uma verdadeira eternidade. Eu não sei quanto tempo passou, não sei nem o que aconteceu ao meu redor, só sei que de repente ele abriu um sorriso sincero e disse:
- Por que está me olhando tanto, filho?

Engoli em seco e fiquei calado. Aquela voz autoritária estava entrando de novo nos meus ouvidos depois de todo aquele tempo. Eu realmente não sabia o que fazer, muito menos o que falar.
- O que é que você tem, Cauã?
Cauã? Cauã? Respirei aliviado. Ele pensava que eu era o Cauã. Ele não me reconheceu. Ele não teve a capacidade de me reconhecer depois de todo aquele tempo em que eu vivi fora do convívio de nossa família. E eu não sei se isso era bom, muito bom, ou ruim, muito ruim.
- O que você tem, moleque? – meu pai segurou no meu ombro e me balançou. – Acorda!
- Hã...? – eu tinha que ser ator naquele momento. Eu tinha que fingir que eu não era eu, eu tinha que fingir que eu era meu irmão. – Eu estou bem!
- Eu estava te esperando. Tenho que ir pro trabalho.
Trabalho? Será que ele ainda estava trabalhando nos mesmos lugares? Será que ainda era publicitário? Será que ainda tinha sucesso na profissão?
- Aham...
Confesso que eu não sabia o que fazer, o que falar e como reagir ao que estava acontecendo. Eu fiquei totalmente travado.
Pela primeira vez eu olhei pro interior do quarto e notei que a maca estava vazia. Nesse momento o meu coração acelerou a tal ponto que a minha cabeça explodiu em dor e eu me senti pela primeira vez desesperado. O que será que tinha acontecido com a minha mãe?
- Cadê...? Cadê ela? Cadê? – eu estava tremendo de medo. Medo de não ter dado tempo. Medo dela ter partido...
- Ela foi fazer um ultrassom e a enfermeira vai dar banho. Logo ela volta, não se preocupe. Você está bem mesmo?

- Estou – tentei passar segurança nesse momento. – Muito bem.
- Então tá bom. Eu vou correr pra empresa que já estou atrasado. Fica com ela e qualquer coisa me liga.
- Hã... OK!
Meu pai apertou de novo o meu ombro, se despediu de mim e saiu andando pelos corredores daquele hospital. Eu fiquei desnorteado, pasmo, chocado e paralisado por mais alguns segundos e só depois entrei no quarto para esperar pela minha mãe.
Eu tinha visto meu pai. Depois de 7 anos eu tinha reencontrado com aquele que me deu a vida. Mas ele não tinha me reconhecido!
Pesei os prós e os contras do Edson não ter me reconhecido. Por um lado foi bom porque dessa forma evitaram-se perguntas, brigas e ofensas. Por outro lado, foi ruim porque eu me senti chateado. Depois de tanto tempo ele nem sequer percebeu que eu era eu. Fiquei me sentindo muito esquisito após aquele encontro.
Fiquei olhando pela janela do quarto onde a minha mãe estava internada e mirei a cidade. Fazia um dia claro em São Paulo. Eu não conseguia acreditar que estava ali, na minha cidade e que tinha ficado frente a frente com o homem que desgraçou com a minha vida, mas que ao mesmo tempo me deu a oportunidade de conseguir tudo o que eu tinha.

Fiquei perdido no tempo. Eu pensei tanto nele, pensei tanto naquele homem que perdi a noção do que estava fazendo. Só depois de sabe-se lá quanto tempo eu resolvi sair para ligar pro Bruno e pro Rodrigo. Eles precisavam saber o que tinha acontecido.
E eu saí porque a minha mãe não tinha chegado até aquele momento. Eu queria aproveitar a ociosidade, queria aproveitar o ápice daquele sentimento esquisito que eu tinha no peito para conversar com os meus amores. Bruno e Rodrigo. Rodrigo e Bruno.
Saí, andei alguns metros e me aproximei de uma janela bem grande que tinha numa espécie de sala de espera. Lá eu disquei o número do Bruno e ele não demorou a me atender:

- Amor? Está tudo bem?
- Oi, amor. Não sei. Adivinha quem eu acabei de ver?
- Sua mãe? Ela está bem?
- Não. Eu vi meu pai, amor.
- Seu pai? – a voz do Bruh quase não saiu.
- É! Quando eu ia abrir a porta do quarto da minha mãe, ele ia saindo. Nós nos vimos.
- Jesus, Maria José! Mas e aí? Ele te humilhou?
- Não. Ele nem me reconheceu.
- Oi? Como não, Caio? Tá louco?
- Não, não me reconheceu. Ele pensou que eu era o Cauã.
- Ah... Ah, é... Poxa então vocês são iguaizinhos mesmo, hein? Depois de 7 anos ele nem te reconheceu e pensou que você era o outro. Tenso!
- Eu estou me sentindo tão esquisito!
- Eu imagino, mas você está bem? Como se sente com relação a isso?
- Esquisito. Essa é a palavra certa. Ao mesmo tempo que eu senti ódio, eu senti raiva, senti mágoa, senti dor, senti saudade...
- E como ele está?
- Acabado. Eu juro pra você que eu não esperava encontrá-lo tão de imediato e juro que não esperava que ele estivesse tão envelhecido como está. Parece que passaram-se 20 anos ao invés de 7.
- Nossa, que tenso! Mas e sua mãe? Você já a viu?
- Não. Ainda não. Ela foi fazer um ultra e depois iam dar banho nela.
- Sinal que ela não está bem então, hein?
- Isso é o que eu vou saber daqui a pouco.
- Meu Deus... Eu queria tanto estar aí com você!
- E eu queria que você estivesse aqui comigo, mas enfim... Não é possível...
- Por enquanto não, mas se você for de novo eu juro que vou com você. Eu quero estar perto, eu quero te apoiar...
- Você é lindo demais. Obrigado por ser tão bom comigo.
- Eu te amo. Só por isso eu te apoio. Vou te apoiar sempre.
- Obrigado! Eu liguei mesmo só pra te avisar. Eu vou ligar pro Digão agora e depois vou lá ver se ela chegou. Eu não quero te atrapalhar.
- Você nunca me atrapalha, não se preocupa. Mas vai lá, vai ver sua mãe, vai resgatar o elo de vocês dois. Quem dera eu pudesse fazer isso com a minha. Mas nem conhecer eu conheço.
Coitadinho! Eu fiquei com uma dó do meu namorado nesse momento! Ele nem sequer sabia quem era a mãe biológica dele, pobrezinho.
- Eu te amo, tá? Não esquece disso.
- Também te amo! Boa sorte com sua mãe, tá? Desejo que dê tudo certo entre vocês dois.
- Obrigado, amor. Muito obrigado.
- Um beijo. Fica com Deus.
- Amém, você também! Beijo.
- Outro. Te amo demais.
- Eu também!
Nós desligamos e logo em seguida eu liguei pro Rodrigo, mas o celular dele estava na caixa postal.
Pensei em ligar para o Vinícius ou pra Janaína, mas achei melhor não incomodá-los naquele momento. Provavelmente ambos estavam no meio do trabalho e eu não queria causar transtorno pra ninguém.
Então o jeito foi voltar pro quarto dela. Eu caminhei lentamente, com a cabeça baixa e criei coragem para entrar.

Abri a porta lentamente e lá estava ela.
Prendi a respiração e entrei. Passei alguns minutos de costas para ela, com a mão na maçaneta da porta, pensando seriamente em desistir.
No entanto, eu não ia desistir. Eu não era covarde pra isso. Eu ia enfrentá-la! Já que eu estava ali, eu não ia embora. Eu não ia deixar que todo o esforço que fiz fosse em vão.
Por isso eu me virei. Me virei e a vi deitada de barriga pra cima. E que barriga enorme ela tinha!!!
Era verdade. Fátima estava mesmo grávida. E muito grávida, diga-se de passagem.
Me aproximei devagar e notei que ela estava dormindo. Como poderia dormir tão rapidamente? Será que estava sedada?
Minha mãe também estava envelhecida. Eu fixei meus olhos no rosto dela e notei como ela estava envelhecida.
O cabelo da minha mãe estava diferente. Antes era menor e naquele momento estava grande. Grande e com alguns fios brancos espalhados entre os negros. A testa estava com linhas de expressão e os olhos com pés de galinha. A bochecha já estava ficando um pouco flácida e os lábios estavam um pouco menos carnudos desde a última vez que eu a vira.
Suspirei. Suspirei e constatei o quanto a vida da gente é repleta de altos e baixos. Quem poderia imaginar que eu iria reencontrar com a minha mãe, com a minha família numa situação como aquela? Nunca imaginei que fosse desse jeito.
É o mundo dava voltas. Antes era eu que precisava dela e naquele momento era ela que precisava de mim. Como isso era engraçado. E inusitado também.
Não considerei a minha mãe grávida, a considerei gravidíssima. Eu, que cheguei a cogitar que aquela história fosse mentira, acabei percebendo que tudo era a mais pura verdade.
A barriga da minha mãe estava imensa, verdadeiramente imensa. Eu não podia acreditar que ela estivesse grávida apenas de 5 meses.

Mas ao mesmo tempo poderia ser exagero de minha parte. Depois de olhar com mais atenção, a barriga era normal. Uma barriga comum de grávida. Deve ter ficado maior porque ela estava deitada.
Fátima usava uma camisola azul-marinho e dormia muito tranquilamente. Ela parecia bem tranquila, mas ao mesmo tempo um pouco agoniada.
Minha mãe não se mexia, apenas respirava. Eu senti vontade de tocá-la, de acariciá-la, de beijá-la, mas não o fiz. Eu não tive coragem.
Ela me abandonou. Me renegou. E naquele momento estava ali, diante dos meus olhos.
Aconteceu um misto de sensações dentro do meu peito, mas a que falou mais alto com relação a minha mãe foi a mágoa.
Se do meu pai eu tinha ódio e raiva, da minha mãe eu tinha mágoa. Ela não quis me ver, não quis saber de mim quando eu precisei dela. Por quê?
Por que ela não quis saber de mim? Por que ela fez questão de me renegar, da mesma forma que fez o meu pai?
Será que ela não percebia o quanto eu sofri com aquela situação? Eu não queria nada mais além de um abraço apertado, além de um beijo molhado, além de uma palavra de apoio, além de um carinho na cabeça, além de um olhar de mãe... E nada disso eu tive.
Pra mim ela não era uma mãe como as outras. Talvez ela nem me amasse como deveria. Talvez ela só amasse o Cauã. Talvez a minha mãe fosse igualzinha ao meu pai. Talvez ela preferisse meu irmão.
Sempre foi assim. Eu sempre me senti o rejeitado da família e não estou me fazendo de vítima. Sempre me senti em segundo plano para eles, sempre! E se era assim, como eu poderia esperar um abraço? Um beijo ou uma carícia? Não. Era pedir demais. Era querer demais. Exigir demais.
Mas o tempo tinha passado. E mãe que é mãe, não esquece dos filhos. Se ela queria me ver é porque ela não tinha esquecido de mim. Ou será que eu estava enganado?
Eu tinha tanta coisa pra perguntar. Tanta coisa pra questionar. Tanta coisa pra esclarecer com ela, com meu irmão e até mesmo com meu pai. Será que eu conseguiria soltar tudo o que estava preso na minha garganta? Será?

Eu não sabia responder nada disso. Eu só conseguia pensar em como eu estava verdadeiramente chateado e magoado por estar ali depois de tanto tempo.
Suspirei. Suspirei e senti vontade de chorar de raiva, mas ao mesmo tempo de saudade. Saudade pelo tempo perdido, saudade pelo tempo em que eu vivi ao lado dela, saudade pela época em que eu era criança e dependia dela. Saudade de tudo, saudade até mesmo do que nós não vivemos!
Velha. Minha mãe estava velha e grávida, muito grávida. Indiscutivelmente grávida, incrivelmente grávida, incredulamente grávida, inacreditavelmente grávida. Eu não podia crer que eu ia ter um novo irmão ou finalmente uma irmãzinha.
Depois de 24 anos e alguns meses, ela ia ser mãe novamente. Isso pra mim era inacreditável, visto que ela estava realmente ficando velha. Por que aquela gravidez tinha acontecido? Pra mim tudo ainda era muito estranho. Muito estranho mesmo.
E então ela se mexeu. Mexeu os braços e respirou fundo. Mexeu a cabeça e gemeu, provavelmente com dor em algum lugar. Será que doía ficar grávida?
Por que a minha mãe ia ter um bebê novamente? Por que ela tinha engravidado? Será que aquele filho foi planejado?
E então pela primeira vez eu cogitei a possibilidade dela ter engravidado para o novo filho ficar no meu lugar. Será que era isso? Será que aquele bebê inocente, que ainda estava dentro da barriga da minha mãe foi concebido para ocupar o meu lugar?
E se fosse isso, para quê ela tinha me chamado? Para quê ela queria me ver? Tudo era tão estranho! Tão esquisito! Tão cheio de mistérios!
Se fosse isso, com certeza eu me sentiria a pessoa mais odiada do mundo, mas ao mesmo tempo eu saberia em que terreno estava pisando e saberia até onde eu poderia ir ou não.
Fosse como fosse, acontecesse o que acontecesse, eu já estava ali, diante dela e diante de nossos problemas e conflitos.
Se esses problemas e conflitos seriam resolvidos ou não, eu não sabia, mas no que dependesse de mim, a gente poderia pelo menos tentar.
O jeito era esperar para ver o que aconteceria daquele momento em diante. Meu pai não tinha me reconhecido e isso foi bom, minha mãe até aquele momento estava dormindo e não sabia que eu estava ali. Só faltava encontrar o Cauã.
Minha mãe se mexeu de novo e dessa vez se mexeu com mais vontade. Ela tentou virar, não conseguiu e por causa disso acabou acordando.
Eu senti meu coração acelerar de novo. Era naquele momento. Será que ela ia me confundir com o meu gêmeo também?
Ela abriu os olhos e pareceu meio atordoada e só depois de alguns segundos ela me olhou.
Nossos olhos se encontraram e eu senti uma espécie de arrepio percorrer a minha coluna. Eu estava novamente olhando para os olhos da minha mãe depois de 7 anos de separação, depois dela ter me negado um abraço, depois dela ter me negado um abraço de mãe. Isso doeu muito. Muito mesmo.
Eu fiquei sério e ela simplesmente continuou me olhando, me olhando com muita atenção. Acho que ela estava tentando descobrir se eu era eu, ou se eu era o meu irmão.
Muitas coisas passaram pela minha cabeça. Eu senti uma vontade imensa de chorar por estar de novo com ela, mas eu me segurei. Eu não ia fazer aquilo. Não ali, não perante ela, não naquele momento.
Nossos olhos não se desgrudaram um segundo sequer e foi em uma fração de segundos que eu vi os olhos dela ficarem marejados. Por que isso estava acontecendo?
- Caio... Meu filho... Você veio!!!

Eu não sabia se ria, não sabia se chorava, não sabia se o encarava, não sabia se saía correndo, não sabia se ficava...
Um segundo parado ali na frente do meu pai parecia simplesmente uma eternidade. Meu coração batia tão acelerado, mas tão acelerado, que eu conseguia sentir as veias da lateral do meu pescoço pulsando no mesmo ritmo. Eu já estava ficando sem ar.
Era ele, era meu pai. Mesmo depois de 7 anos, mesmo depois de tanto tempo longe, eu o reconheci com facilidade. Meu pai continuava com o mesmo físico médio de sempre, mas o rosto estava mudado.
Envelhecido, com cabelos grisalhos, com a pele flácida, com olheiras e com a barba por fazer. A impressão que eu tinha é que ele não se cuidou durante todo aquele tempo em que eu não o vi. Ele estava com ar de puro desleixo.
E os olhos dele não saíam dos meus. Nós dois nos fitamos profundamente e eu confesso que fiquei com medo.
Medo da reação dele. Medo de ser novamente rejeitado, novamente humilhado, novamente massacrado, novamente espancado... Novamente desprezado. Esse era meu medo.
De todos os riscos que eu corria indo até aquele hospital, o pior era encontrar o meu pai e foi justamente isso que aconteceu, mas se aconteceu foi por culpa única e exclusivamente minha.
Eu não liguei pro Cauã, não disse que estava na cidade e muito menos que ia pro hospital para ver a minha mãe. Se eu tivesse feito isso, se eu tivesse ligado, dado sinal de vida, eu poderia ter evitado esse reencontro tão... Difícil.
Difícil porque eu não queria que acontecesse naquele momento. Eu não estava pronto e sabia que meu pai também não estava pronto.
Difícil porque o tempo não apagou as mágoas que aquele homem deixou em minha vida. Mesmo tendo passado tanto tempo, eu não consegui esquecer em nenhum dia o que ele me fez.
Esse homem foi a pessoa que desgraçou a minha vida, mas ao mesmo tempo foi graças a ele que eu consegui tudo o que eu tinha na minha vida.
Se eu tivesse ficado em casa, se meu pai não tivesse me expulsado, me chutado como se ele estivesse chutando um saco de lixo, será que eu teria conseguido tudo o que consegui?
Será que eu teria um amor como o amor do Bruno? Será que eu teria amigos como o Vinícius, o Fabrício, o Rodrigo, a Janaína e a Alexia? Será que eu teria duas mães como a Dona Inês e a Dona Elvira? Provavelmente não.
Então, ao mesmo tempo que eu deveria odiá-lo com todo o meu coração, eu deveria também agradecê-lo por ele ter feito o que fez, porque foi através disso que eu consegui meu namorado, meus amigos, meus diplomas, meu sucesso profissional e o meu carro. Tudo isso foi graças ao meu pai.
Cada segundo parado na frente dele parecia uma eternidade, uma verdadeira eternidade. Eu não sei quanto tempo passou, não sei nem o que aconteceu ao meu redor, só sei que de repente ele abriu um sorriso sincero e disse:
- Por que está me olhando tanto, filho?
Engoli em seco e fiquei calado. Aquela voz autoritária estava entrando de novo nos meus ouvidos depois de todo aquele tempo. Eu realmente não sabia o que fazer, muito menos o que falar.
- O que é que você tem, Cauã?
Cauã? Cauã? Respirei aliviado. Ele pensava que eu era o Cauã. Ele não me reconheceu. Ele não teve a capacidade de me reconhecer depois de todo aquele tempo em que eu vivi fora do convívio de nossa família. E eu não sei se isso era bom, muito bom, ou ruim, muito ruim.
- O que você tem, moleque? – meu pai segurou no meu ombro e me balançou. – Acorda!
- Hã...? – eu tinha que ser ator naquele momento. Eu tinha que fingir que eu não era eu, eu tinha que fingir que eu era meu irmão. – Eu estou bem!
- Eu estava te esperando. Tenho que ir pro trabalho.
Trabalho? Será que ele ainda estava trabalhando nos mesmos lugares? Será que ainda era publicitário? Será que ainda tinha sucesso na profissão?
- Aham...
Confesso que eu não sabia o que fazer, o que falar e como reagir ao que estava acontecendo. Eu fiquei totalmente travado.
Pela primeira vez eu olhei pro interior do quarto e notei que a maca estava vazia. Nesse momento o meu coração acelerou a tal ponto que a minha cabeça explodiu em dor e eu me senti pela primeira vez desesperado. O que será que tinha acontecido com a minha mãe?
- Cadê...? Cadê ela? Cadê? – eu estava tremendo de medo. Medo de não ter dado tempo. Medo dela ter partido...
- Ela foi fazer um ultrassom e a enfermeira vai dar banho. Logo ela volta, não se preocupe. Você está bem mesmo?
- Estou – tentei passar segurança nesse momento. – Muito bem.
- Então tá bom. Eu vou correr pra empresa que já estou atrasado. Fica com ela e qualquer coisa me liga.
- Hã... OK!
Meu pai apertou de novo o meu ombro, se despediu de mim e saiu andando pelos corredores daquele hospital. Eu fiquei desnorteado, pasmo, chocado e paralisado por mais alguns segundos e só depois entrei no quarto para esperar pela minha mãe.
Eu tinha visto meu pai. Depois de 7 anos eu tinha reencontrado com aquele que me deu a vida. Mas ele não tinha me reconhecido!
Pesei os prós e os contras do Edson não ter me reconhecido. Por um lado foi bom porque dessa forma evitaram-se perguntas, brigas e ofensas. Por outro lado, foi ruim porque eu me senti chateado. Depois de tanto tempo ele nem sequer percebeu que eu era eu. Fiquei me sentindo muito esquisito após aquele encontro.
Fiquei olhando pela janela do quarto onde a minha mãe estava internada e mirei a cidade. Fazia um dia claro em São Paulo. Eu não conseguia acreditar que estava ali, na minha cidade e que tinha ficado frente a frente com o homem que desgraçou com a minha vida, mas que ao mesmo tempo me deu a oportunidade de conseguir tudo o que eu tinha.
Fiquei perdido no tempo. Eu pensei tanto nele, pensei tanto naquele homem que perdi a noção do que estava fazendo. Só depois de sabe-se lá quanto tempo eu resolvi sair para ligar pro Bruno e pro Rodrigo. Eles precisavam saber o que tinha acontecido.
E eu saí porque a minha mãe não tinha chegado até aquele momento. Eu queria aproveitar a ociosidade, queria aproveitar o ápice daquele sentimento esquisito que eu tinha no peito para conversar com os meus amores. Bruno e Rodrigo. Rodrigo e Bruno.
Saí, andei alguns metros e me aproximei de uma janela bem grande que tinha numa espécie de sala de espera. Lá eu disquei o número do Bruno e ele não demorou a me atender:
- Amor? Está tudo bem?
- Oi, amor. Não sei. Adivinha quem eu acabei de ver?
- Sua mãe? Ela está bem?
- Não. Eu vi meu pai, amor.
- Seu pai? – a voz do Bruh quase não saiu.
- É! Quando eu ia abrir a porta do quarto da minha mãe, ele ia saindo. Nós nos vimos.
- Jesus, Maria José! Mas e aí? Ele te humilhou?
- Não. Ele nem me reconheceu.
- Oi? Como não, Caio? Tá louco?
- Não, não me reconheceu. Ele pensou que eu era o Cauã.
- Ah... Ah, é... Poxa então vocês são iguaizinhos mesmo, hein? Depois de 7 anos ele nem te reconheceu e pensou que você era o outro. Tenso!
- Eu estou me sentindo tão esquisito!
- Eu imagino, mas você está bem? Como se sente com relação a isso?
- Esquisito. Essa é a palavra certa. Ao mesmo tempo que eu senti ódio, eu senti raiva, senti mágoa, senti dor, senti saudade...
- E como ele está?
- Acabado. Eu juro pra você que eu não esperava encontrá-lo tão de imediato e juro que não esperava que ele estivesse tão envelhecido como está. Parece que passaram-se 20 anos ao invés de 7.
- Nossa, que tenso! Mas e sua mãe? Você já a viu?
- Não. Ainda não. Ela foi fazer um ultra e depois iam dar banho nela.
- Sinal que ela não está bem então, hein?
- Isso é o que eu vou saber daqui a pouco.
- Meu Deus... Eu queria tanto estar aí com você!
- E eu queria que você estivesse aqui comigo, mas enfim... Não é possível...
- Por enquanto não, mas se você for de novo eu juro que vou com você. Eu quero estar perto, eu quero te apoiar...
- Você é lindo demais. Obrigado por ser tão bom comigo.
- Eu te amo. Só por isso eu te apoio. Vou te apoiar sempre.
- Obrigado! Eu liguei mesmo só pra te avisar. Eu vou ligar pro Digão agora e depois vou lá ver se ela chegou. Eu não quero te atrapalhar.
- Você nunca me atrapalha, não se preocupa. Mas vai lá, vai ver sua mãe, vai resgatar o elo de vocês dois. Quem dera eu pudesse fazer isso com a minha. Mas nem conhecer eu conheço.
Coitadinho! Eu fiquei com uma dó do meu namorado nesse momento! Ele nem sequer sabia quem era a mãe biológica dele, pobrezinho.
- Eu te amo, tá? Não esquece disso.
- Também te amo! Boa sorte com sua mãe, tá? Desejo que dê tudo certo entre vocês dois.
- Obrigado, amor. Muito obrigado.
- Um beijo. Fica com Deus.
- Amém, você também! Beijo.
- Outro. Te amo demais.
- Eu também!
Nós desligamos e logo em seguida eu liguei pro Rodrigo, mas o celular dele estava na caixa postal.
Pensei em ligar para o Vinícius ou pra Janaína, mas achei melhor não incomodá-los naquele momento. Provavelmente ambos estavam no meio do trabalho e eu não queria causar transtorno pra ninguém.
Então o jeito foi voltar pro quarto dela. Eu caminhei lentamente, com a cabeça baixa e criei coragem para entrar.
Abri a porta lentamente e lá estava ela.
Prendi a respiração e entrei. Passei alguns minutos de costas para ela, com a mão na maçaneta da porta, pensando seriamente em desistir.
No entanto, eu não ia desistir. Eu não era covarde pra isso. Eu ia enfrentá-la! Já que eu estava ali, eu não ia embora. Eu não ia deixar que todo o esforço que fiz fosse em vão.
Por isso eu me virei. Me virei e a vi deitada de barriga pra cima. E que barriga enorme ela tinha!!!
Era verdade. Fátima estava mesmo grávida. E muito grávida, diga-se de passagem.
Me aproximei devagar e notei que ela estava dormindo. Como poderia dormir tão rapidamente? Será que estava sedada?
Minha mãe também estava envelhecida. Eu fixei meus olhos no rosto dela e notei como ela estava envelhecida.
O cabelo da minha mãe estava diferente. Antes era menor e naquele momento estava grande. Grande e com alguns fios brancos espalhados entre os negros. A testa estava com linhas de expressão e os olhos com pés de galinha. A bochecha já estava ficando um pouco flácida e os lábios estavam um pouco menos carnudos desde a última vez que eu a vira.
Suspirei. Suspirei e constatei o quanto a vida da gente é repleta de altos e baixos. Quem poderia imaginar que eu iria reencontrar com a minha mãe, com a minha família numa situação como aquela? Nunca imaginei que fosse desse jeito.
É o mundo dava voltas. Antes era eu que precisava dela e naquele momento era ela que precisava de mim. Como isso era engraçado. E inusitado também.
Não considerei a minha mãe grávida, a considerei gravidíssima. Eu, que cheguei a cogitar que aquela história fosse mentira, acabei percebendo que tudo era a mais pura verdade.
A barriga da minha mãe estava imensa, verdadeiramente imensa. Eu não podia acreditar que ela estivesse grávida apenas de 5 meses.
Mas ao mesmo tempo poderia ser exagero de minha parte. Depois de olhar com mais atenção, a barriga era normal. Uma barriga comum de grávida. Deve ter ficado maior porque ela estava deitada.
Fátima usava uma camisola azul-marinho e dormia muito tranquilamente. Ela parecia bem tranquila, mas ao mesmo tempo um pouco agoniada.
Minha mãe não se mexia, apenas respirava. Eu senti vontade de tocá-la, de acariciá-la, de beijá-la, mas não o fiz. Eu não tive coragem.
Ela me abandonou. Me renegou. E naquele momento estava ali, diante dos meus olhos.
Aconteceu um misto de sensações dentro do meu peito, mas a que falou mais alto com relação a minha mãe foi a mágoa.
Se do meu pai eu tinha ódio e raiva, da minha mãe eu tinha mágoa. Ela não quis me ver, não quis saber de mim quando eu precisei dela. Por quê?
Por que ela não quis saber de mim? Por que ela fez questão de me renegar, da mesma forma que fez o meu pai?
Será que ela não percebia o quanto eu sofri com aquela situação? Eu não queria nada mais além de um abraço apertado, além de um beijo molhado, além de uma palavra de apoio, além de um carinho na cabeça, além de um olhar de mãe... E nada disso eu tive.
Pra mim ela não era uma mãe como as outras. Talvez ela nem me amasse como deveria. Talvez ela só amasse o Cauã. Talvez a minha mãe fosse igualzinha ao meu pai. Talvez ela preferisse meu irmão.
Sempre foi assim. Eu sempre me senti o rejeitado da família e não estou me fazendo de vítima. Sempre me senti em segundo plano para eles, sempre! E se era assim, como eu poderia esperar um abraço? Um beijo ou uma carícia? Não. Era pedir demais. Era querer demais. Exigir demais.
Mas o tempo tinha passado. E mãe que é mãe, não esquece dos filhos. Se ela queria me ver é porque ela não tinha esquecido de mim. Ou será que eu estava enganado?
Eu tinha tanta coisa pra perguntar. Tanta coisa pra questionar. Tanta coisa pra esclarecer com ela, com meu irmão e até mesmo com meu pai. Será que eu conseguiria soltar tudo o que estava preso na minha garganta? Será?
Eu não sabia responder nada disso. Eu só conseguia pensar em como eu estava verdadeiramente chateado e magoado por estar ali depois de tanto tempo.
Suspirei. Suspirei e senti vontade de chorar de raiva, mas ao mesmo tempo de saudade. Saudade pelo tempo perdido, saudade pelo tempo em que eu vivi ao lado dela, saudade pela época em que eu era criança e dependia dela. Saudade de tudo, saudade até mesmo do que nós não vivemos!
Velha. Minha mãe estava velha e grávida, muito grávida. Indiscutivelmente grávida, incrivelmente grávida, incredulamente grávida, inacreditavelmente grávida. Eu não podia crer que eu ia ter um novo irmão ou finalmente uma irmãzinha.
Depois de 24 anos e alguns meses, ela ia ser mãe novamente. Isso pra mim era inacreditável, visto que ela estava realmente ficando velha. Por que aquela gravidez tinha acontecido? Pra mim tudo ainda era muito estranho. Muito estranho mesmo.
E então ela se mexeu. Mexeu os braços e respirou fundo. Mexeu a cabeça e gemeu, provavelmente com dor em algum lugar. Será que doía ficar grávida?
Por que a minha mãe ia ter um bebê novamente? Por que ela tinha engravidado? Será que aquele filho foi planejado?
E então pela primeira vez eu cogitei a possibilidade dela ter engravidado para o novo filho ficar no meu lugar. Será que era isso? Será que aquele bebê inocente, que ainda estava dentro da barriga da minha mãe foi concebido para ocupar o meu lugar?
E se fosse isso, para quê ela tinha me chamado? Para quê ela queria me ver? Tudo era tão estranho! Tão esquisito! Tão cheio de mistérios!
Se fosse isso, com certeza eu me sentiria a pessoa mais odiada do mundo, mas ao mesmo tempo eu saberia em que terreno estava pisando e saberia até onde eu poderia ir ou não.
Fosse como fosse, acontecesse o que acontecesse, eu já estava ali, diante dela e diante de nossos problemas e conflitos.
Se esses problemas e conflitos seriam resolvidos ou não, eu não sabia, mas no que dependesse de mim, a gente poderia pelo menos tentar.
O jeito era esperar para ver o que aconteceria daquele momento em diante. Meu pai não tinha me reconhecido e isso foi bom, minha mãe até aquele momento estava dormindo e não sabia que eu estava ali. Só faltava encontrar o Cauã.
Minha mãe se mexeu de novo e dessa vez se mexeu com mais vontade. Ela tentou virar, não conseguiu e por causa disso acabou acordando.
Eu senti meu coração acelerar de novo. Era naquele momento. Será que ela ia me confundir com o meu gêmeo também?
Ela abriu os olhos e pareceu meio atordoada e só depois de alguns segundos ela me olhou.
Nossos olhos se encontraram e eu senti uma espécie de arrepio percorrer a minha coluna. Eu estava novamente olhando para os olhos da minha mãe depois de 7 anos de separação, depois dela ter me negado um abraço, depois dela ter me negado um abraço de mãe. Isso doeu muito. Muito mesmo.
Eu fiquei sério e ela simplesmente continuou me olhando, me olhando com muita atenção. Acho que ela estava tentando descobrir se eu era eu, ou se eu era o meu irmão.
Muitas coisas passaram pela minha cabeça. Eu senti uma vontade imensa de chorar por estar de novo com ela, mas eu me segurei. Eu não ia fazer aquilo. Não ali, não perante ela, não naquele momento.
Nossos olhos não se desgrudaram um segundo sequer e foi em uma fração de segundos que eu vi os olhos dela ficarem marejados. Por que isso estava acontecendo?
- Caio... Meu filho... Você veio!!!
4 comentários:
a gente espera tanto pra vim um capitulo deste tamanho :(
Pisquei os olhos e o capítulo acabou affs
Ñ sei nem oq dizer quanto ao tmanho do cap já até me acostumei vc disse que uns seriam curtos de mais outros longos de mais e ai vai.perfeito cmo sempre ansioso pelo próximo bjkasssss❤❤
So 😭😭😭
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