terça-feira, 14 de abril de 2015

Capítulo 95²

Q
ue história era aquela que o Cauã estava me contando?
Eu fiquei perplexo, estarrecido, em choque com aquela última frase que ele tinha falado.

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Por mais que eu tivesse raiva da minha mãe, por mais mal que ela tivesse feito pra mim no passado, ela continuava sendo a minha mãe e eu não desejava mal à ela nem ao meu irmão. Aquela frase ficou martelando na minha cabeça e fez com que eu ficasse com dor no cérebro.
- Como... É? – fiquei em choque, verdadeiramente em choque.
- É, Caio... É verdade... Ela não está bem...
- Me... Me espera um momento...
Eu engoli em seco, olhei pro Bruno e coloquei a ligação no mudo. Peguei a toalha, me enrolei e andei alguns passos, louco pra cair em algum lugar. Eu não sentia as minhas pernas direito.
- Que foi, amor? O que você tem?
- Bruno... Eu quero deitar...
- Você está passando mal? Quer ir ao médico?
- Não... Eu só quero me deitar... Eu não estou me sentindo bem não...
- Ai meu Deus... Ai meu Deus... Vem comigo, vem... Eu te ajudo... Ai não desmaia aqui, por favor...
Eu realmente fiquei mal com aquela história, com aquela ligação do meu irmão. Eu não esperava por um golpe daqueles, não mesmo.
Por mais que eu esperasse que ele me falasse que ela estava doente, eu não esperava que ele falasse que ela estava... Morrendo...
- Deita, deita... Eu vou pegar uma água pra você...
Peguei o celular, tirei do mudo e voltei a falar com o meu gêmeo:
- Voltei. Você pode me explicar essa história direito?
- Nossa mãe está grávida de 5 meses e está correndo risco de vida, Caio. É uma gravidez de alto risco devido a idade dela.

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Isso eu já até poderia imaginar. Considerando o fato que a minha mãe estava com 46 anos, a gravidez só poderia ser de alto risco.
- Mas ela não está bem?
- Não. Ela está internada já tem mais de um mês e nesses últimos dias não tem passado nada bem. Ela chama muito por você, ela quer te ver.
- Me ver?
- Uhum. Você vem?
Fiquei calado. Eu tinha que pensar. Eu tinha que pensar em tudo. Pensar no Bruno, pensar em mim, pensar no meu trabalho, pensar nos meus amigos... Aquela não era uma pergunta que eu poderia responder tão rapidamente.
- Não sei – respondi depois de um tempo. Eu bebi a água que o Bruno levou pra mim. – Sinceramente eu não sei.
- Caio, ela é sua mãe!
- Ah, é? – nesse momento o meu sentimento oscilou e eu fiquei com raiva. – Na hora que eu mais precisava dela, na hora que eu liguei pra pedir um abraço, pra pedir colo, ela não lembrou que era a minha mãe. Pelo contrário: ela disse que não era a minha mãe. Agora ela lembrou que eu existo? Agora você lembrou que eu existo? Ah, faça-me o favor, né? Estão me achando com cara de idiota?
A verdade é que à partir desse momento eu fiquei foi com raiva daquela ligação, fiquei com raiva dele e fiquei com raiva dela também.

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Eu já não sabia até onde aquela história era verdade e até onde ela era exagero, mas de uma coisa eu tinha certeza: Cauã estava tenso do outro lado da linha.
- Não sei se acredito nessa história, não sei até onde isso é verdade e até onde isso é exagero de sua parte. Fala pra sua mãe que talvez seja um pouco tarde demais para ela querer me ver. Já se passaram 7 anos e eu não posso simplesmente largar tudo aqui no Rio, largar a minha vida pra voltar agora pra São Paulo, no auge da minha carreira. Não, não sei se vou; não, não sei se vai dar.
Soltei tudo de uma vez só. Talvez se ele não tivesse feito esse sensacionalismo baixo eu tivesse continuado em choque, mas o choque deu lugar ao ódio em uma fração de segundos.
- Era só isso que você queria me falar?
- Era – Cauã estava muito tenso, muito tenso mesmo.
- Então você já falou. Se não se importa eu tenho que desligar agora.
- Tudo... Bem... Me desculpa ter ligado... Desculpa ter incomodado...
- Não se preocupe. De toda forma, pensarei no assunto.
- Pense. Por favor, pense. É caso de vida ou morte, Caio. E apesar de tudo, ela também é sua mãe...
Do jeito que ele falava, parecia até que a nossa mãe já estivesse sendo velada dentro de um caixão. Eu quase ri desse sensacionalismo barato do meu irmão gêmeo.
- Até mais, Cauã.
- Tchau, Caio. Qualquer coisa... Me liga...
- Pode deixar. Até a próxima.

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Desliguei e bufei de raiva. Dei um pulo da cama e fui me vestir. Eu não consegui acreditar no que estava acontecendo. Aquilo não podia ser verdade.
- Você está bem?
- Bruno... Que vontade de matar esse filho da puta!
- Que foi, amor? Me explica o que está acontecendo?
Eu voltei pra cama e deitei no peito dele. Bruno me abraçou com uma ternura incrível e me tranquilizou em pouquíssimo tempo.

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- Minha mãe está grávida e parece que está morrendo.
- Isso é sério? – Bruno ficou passado com o que eu acabara de dizer.
- Não sei até onde isso é verdade, mas pelo jeito é porque ele estava bem tenso.
- Ai meu Deus... E aí?
- E aí que ela quer me ver.
Bruno ficou calado e só acariciou meu cabelo.
- Quer me ver como se nada tivesse acontecido, como se 7 anos não tivessem ido embora. É incrível isso, né?
- Talvez ela esteja arrependida...
- Pode até ser, mas na hora que eu liguei, na hora que eu pedi um abraço, que eu queria vê-la ela falou não! Por que eu vou aceitar? Por que eu iria ao encontro dela sendo que ela não foi ao meu encontro quando eu quis? Quando eu precisei?
- Eu te entendo. Juro que eu te entendo. Eu te entendo mais do que ninguém.
Eu sabia que ele me entendia. Se tinha uma pessoa que poderia compreender o que eu estava sentindo naquele momento, essa pessoa era o Bruno.
- Ai que raiva, amor. Ai que raiva!
- Calma, bebê! Não fica assim que talvez a coisa possa ser mais séria do que você imagina!
Será? Será que realmente era sério? Será que eles não estavam inventando aquela história só para eu voltar? Só para eles tentarem uma reaproximação?
- Não acho que ele esteja inventando não. Isso não é algo com que se pode brincar, né?
- Isso é verdade – eu concordei. – Mas conhecendo o Cauã como eu conheço...
Meu irmão seria capaz de tudo e qualquer coisa para conseguir aquilo que queria e pelo visto ele queria me ver.
Já fazia um tempo que eu sentia ele muito próximo de mim e isso se tornou ainda mais intenso à partir do momento em que ele me adicionou no Facebook e me seguiu no Twitter. Se ele não quisesse nada comigo, ele não teria feito nada daquilo, ou será que eu estava errado?
Eu sabia que algo existia por trás daquela história, mas eu ainda não sabia o que era. Porém, independentemente do que fosse, independentemente se era verdade, mentira, exagero, ou não, eu tinha que pensar, repensar e pensar novamente se iria pra São Paulo encontrar com eles ou não.
Eu tinha que pensar no Bruno, pensar em mim, no meu trabalho, nos meus amigos...Tinha que pensar em tudo, tinha que pesar tudo.
Eu não podia tomar aquela decisão simplesmente de uma hora pra outra. Eu tinha que pensar, pensar e pensar mais um pouco.
Mas é claro que eu poderia ir apenas para vê-los, para visitá-los e poderia voltar a hora que quisesse, mas eu também poderia regressar de vez para a minha cidade, para as minhas raízes. E acho que esse era meu medo.
Eu tinha medo de ir, eu tinha medo de chegar lá e querer ficar... Não que eu não amasse o Rio de Janeiro, não que eu não gostasse da minha vida na Cidade Maravilhosa, mas São Paulo era a minha terra, São Paulo era o meu lugar no mundo... É difícil de explicar e mil vezes mais difícil de entender. Eu me vi em um verdadeiro dilema.

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Mas já naquele momento eu fiquei pensando que a coisa pudesse ser realmente mais grave do que eu imaginava. Por qual motivo a minha mãe inventou de ficar grávida perto dos 50 anos?
Primeiro que ela mesma saberia que aquela seria uma gravidez de extremo risco, uma vez que ela já estava velha. Essa é que é a verdade.
O risco caberia tanto a ela como também para a criança. Será que ela não pensou nisso?
Segundo, que uma pessoa grávida aos 46 anos é motivo de chacota. Ela seria na verdade avó do próprio filho ou da própria filha.
Eu queria entender o que estava acontecendo. Queria saber porquê eles me procuraram só depois de 7 anos, só em uma situação extrema.
Se eles sentiam a minha falta, por que não fizeram isso antes? E não foi por falta de oportunidade, porque eu dei vasão para isso desde sempre.
Eu fui atrás da minha mãe em Sampa City quando viajei à trabalho em 2.007, eu liguei várias vezes para minha casa, eu procurei, eu quis saber, mas eles não fizeram o mesmo comigo.
Se eles quisessem saber de mim, Cauã poderia ter conseguido meu telefone mil anos antes daquela data, não poderia?
Se ele conseguiu naquele momento, por que não conseguiria antes? Não... Definitivamente eu não sabia responder se iria cair naquele “jogo” ou não. Eu tinha que pensar mesmo e pensar muito.
Mas, por outro lado, eu fiquei tão chocado quando ele falou que ela estava morrendo... Me deu um vazio tão grande, uma sensação de impotência tão gigantesca...
E se fosse realmente da forma que o Cauã disse? E se ela estivesse realmente falecendo? E se a minha mãe quisesse se despedir de mim?
No fundo, no fundo, a frase que o Cauã disse, quando ele afirmou que apesar de tudo ela ainda era a minha mãe era verdade.
E mediante a situação, ela merecia pelo menos uma tentativa do meu perdão. Quem não perdoa diante de uma situação dessas? Até a pior pessoa do mundo merece perdão e uma segunda chance.
O Bruno mesmo teve a segunda e até uma terceira chance comigo e estava dando certo até aquele momento. Por que a minha mãe, meu irmão e meu pai não poderiam também ganhar uma segunda chance comigo?
A resposta era simples: porque existia uma diferença monstra entre o que o Bruno fez e o que os meus pais e meu irmão fizeram.
Bruno me abandonou, é verdade, mas ele não fez isso por querer. Ele foi obrigado a causar essa situação, ele foi obrigado a deixar o país por causa da raiva do pai, que na verdade não passava do irmão mais velho. Meus pais não.
Meus pais simplesmente me chutaram de casa como se eu fosse um cachorro, como se eu fosse um animal sarnento!
Meu pai me obrigou a sair, me espancou, me humilhou e fez com que eu me sentisse a pessoa mais suja do mundo... O Bruno não fez isso.
Existia um abismo entre o perdão que eu dei ao Bruno e o perdão que eu teria que dar à minha família.
Mas isso não queria dizer que eu não podia enfrentar aquele abismo, não é? Se eu fui capaz de perdoar o Bruno, eu também poderia ser capaz de perdoar a minha família.
Pensando melhor, eu não insisti tanto assim para falar com eles. Em nenhum momento eu liguei pro Cauã e talvez ele pudesse ter me atendido...
Mas eu falei com ele na internet quando pedi para ele me enviar a minha certidão de nascimento e ele mesmo falou que nunca mais queria falar comigo...
Mediante uma situação dessas, como eu poderia tentar uma aproximação? A verdade é que eu me senti acuado, me senti reprimido a nunca mais tentar chegar perto da minha família.
Só que se aquela história que o Cauã contou fosse verdade, talvez eu tivesse pouco tempo para ver a minha mãe.
Contudo, será que uma gravidez de alto risco seria capaz de causar a morte dela? Será que o negócio era tão grave a ponto dela morrer?
Pelo sim e pelo não, eu tinha o direito de vê-la, caso eu quisesse. E a verdade é que eu não sabia se queria ou não.
- Você ficou preocupado, né? – Bruno beijou meu rosto e continuou fazendo carinho no meu cabelo. Como ele era preocupado comigo...
- Pra falar a verdade, eu não sei. Eu não sei se isso é verdade ou mentira.
A desconfiança, a dúvida existia no meu peito, eu não posso negar. Entretanto, essa dúvida pendia mais pelo lado do sim do que do não. Não era uma balança equilibrada.

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- E você já sabe o que vai fazer?
- Não, amor – respondi com toda a sinceridade do mundo. – Eu não sei nem o que pensar.
- Isso tudo está tão estranho! Por que ele ligou assim tão de repente? Por que ele te seguiu nas redes sociais?
- Pois é... Pois é... Muito esquisito mesmo.
- Eu tremi na base quando ele falou que era o Cauã. Nunca pensei que fosse ele, juro por Deus.
- E eu? Fiquei e estou chocado com tudo isso. Eu não esperava falar com meu irmão, não esperava que ele fosse me ligar assim do nada...
- Vai ver que foi do nada pra gente, Caio. Vai ver que ele estava criando coragem pra ligar há dias.
- Isso pode ser mesmo. Enfim... Me dá um beijo? Eu quero esquecer tudo isso que aconteceu.
Bruno realmente me beijou, me acariciou, me tocou e me acalmou, mas eu não consegui esquecer aquela ligação, não consegui esquecer aquela fatídica frase onde meu irmão gêmeo disse que a nossa mãe estava morrendo.
- Eu te amo, tá? – falei baixinho e agarrei meu namorado. Ele estava suado.
- Eu também te amo, coisa linda! Fica preocupado não, vai dar tudo certo!
- Eu sei que vai. De um jeito ou de outro as coisas vão dar certo.
- É isso mesmo. E eu vou deixar uma coisa bem clara com você!
- O quê? – me preocupei e me afastei para olhar aqueles olhos azuis que eu tanto amava.
- Independentemente de qualquer coisa, eu sempre vou continuar te amando. Eu quero que você saiba que eu vou te apoiar em todas as suas decisões. Se você quiser voltar pra lá, quiser ficar com eles, eu vou entender, vou respeitar e vou aceitar a sua decisão, mesmo que isso implique na nossa separação...
- Não... Mas não fala uma coisa dessas nem de brincadeira – eu agarrei o Bruno com muita vontade. Eu não queria me separar dele. – Não quero me separar de você, rapaz!
- Eu também não quero me separar de você, mas lembra da consulta que você fez com aquela exotérica? Ela disse que algo nos separaria no futuro e que essa separação seria provisória...
BINGO! Será que era isso que a Do Carmo queria me falar? Será que era esse o momento em que o Bruno e eu íamos ficar separados?
- Eu lembro disso sim e eu confesso que tinha medo que isso fosse verdade, mas eu não quero pensar nisso agora. Não quero pensar em nada disso... Só me abraça, tá bom? Só me abraça e me beija... Eu preciso muito de você nesse momento, muito!
- Eu nunca vou te abandonar, Caio Monteiro. Mesmo que nós tenhamos que ficar separados fisicamente, eu nunca vou deixar de estar com você.
Rolou um beijo e foi “O” beijo. Daquela vez a gente não parou nos beijos e fomos pros finalmentes. Foi bom, foi ótimo e só nesse momento eu esqueci de tudo o que tinha acontecido e pude dormir em paz, feliz da vida por ter o meu namorado comigo em todos os momentos.
Quando eu acordei na manhã seguinte, ele já não estava mais no apartamento. Eu me perguntei em pensamento por qual motivo o meu namorado não tinha me acordado para me dar bom dia, como sempre fazia. Fiquei bravo.
Levantei, calcei os chinelos e abri as cortinas. Chovia e chovia muito no Rio de Janeiro. Eu me espreguicei, bocejei e resolvi tomar banho, escovar os dentes e tomar café da manhã. Eu estava faminto.
- Bom dia, menino Caio – Zefinha me cumprimentou quando eu saí do quarto.
- Bom dia, Zefinha! Como vai?
- Eu vou bem e você?
- Mais ou menos. Me sentindo um pouco vazio.
- Deve ser fome! Eu vou preparar seu café da manhã enquanto você toma banho.
- Obrigado, Zefinha – eu sorri. – Você é um anjo!
Quando entrei no banheiro dei de cara com o bilhetinho dele no espelho. Eu já tinha uma caixa de sapatos cheia daqueles bilhetes e iria guardar todos pro resto da vida. O daquela manhã dizia:
“Bom dia, coisa mais linda.
Desculpa não ter te acordado pra te desejar bom dia, mas é que você estava dormindo tão gostoso que eu fiquei com dó de mexer com você.
Hoje mais do que nunca quero que saiba o quanto eu te amo e que eu estou do seu lado pra sempre, tá bom? Sempre!
Bom dia, fica com Deus e qualquer coisa me liga. Eu te amo, não esquece disso.
Pra sempre seu, Bruno.”.

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Eu precisava de mais alguma coisa para começar o dia bem? NÃO! Claro que não. O Bruno poderia ter todos os defeitos do mundo, mas desde a nossa volta ele se comportou comigo como um verdadeiro anjo da guarda.
É, era isso que ele era pra mim. Um anjo da guarda. Eu me sentia protegido ao lado dele, parecia que quando eu estava com ele, nada de ruim poderia acontecer comigo. Eu amava aquele menino cada dia mais, se é que isso era possível.
Deixei o bilhetinho no mesmo lugar e fui direto pro chuveiro. Enquanto a água caía no meu corpo, eu pensei mais uma vez na ligação do Cauã e continuei pensando na minha mãe. Como será que ela estava?

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Confesso que aos pouquinhos a raiva foi passando e no lugar dela foi ficando a dúvida e além da dúvida, a preocupação. Se aquilo que o Cauã disse fosse verdade, talvez fosse melhor eu largar tudo e ir pra São Paulo o mais rápido possível.
Eu queria saber até quando essa dúvida ia ficar martelando a minha cabeça. Eu queria saber até quando eu ia ficar com aquela preocupação.
Essa era uma pergunta fácil de ser respondida: a dúvida e a preocupação ficariam até o momento em que eu tomasse uma atitude e resolvesse aquele impasse.
E olha que não tinha nem 24 horas que o Cauã tinha ligado pra mim e eu já estava ficando maluco só de pensar em tantas coisas ao mesmo tempo.
O jeito era ter um pouco de calma. Eu precisava pensar muito bem no que iria fazer e pra isso, eu teria que contar com a ajuda dos meus amigos e principalmente do meu namorado.
É, é isso que eu ia fazer. Naquele primeiro momento, eu ia esquecer o que tinha acontecido na noite anterior e aos poucos, eu ia pedindo o conselho dos meus amigos e do Bruno para então tomar alguma decisão. Os meus próximos passos tinham que ser milimetricamente calculados.
Saí da ducha já com os dentes escovados e a primeira coisa que fiz foi juntar meu bilhetinho novo aos outros que eu já tinha. A caixa estava quase transbordando.
Me arrumei para ir à academia e só depois eu fui tomar café. Zefinha estava contente da vida e não parava de cantarolar umas músicas do nordeste que eu não conhecia.
- Quer tomar café agora?
- Quero, mas eu posso me servir...
- Senta aí, menino Caio que eu mesmo te sirvo!
- Você é um anjo de Deus, já te falei isso?
- Não sei quantas vezes. Já perdi as contas e já estou até pensando que daqui a pouco vou criar asas e sair voando por aí.
- Não duvido – sorri. – Você é linda!
- Ai, obrigada. Quem me dera meu marido me falasse isso de vez em quando.
- E sua mãezinha como está?
- Na mesma, meu filho. Nós só estamos esperando o chamado de Deus.
- E você não pretente ir vê-la?
- Só pode que eu vou, mas eu só vou no mês que vem.
- Ah, sim. O que você aprontou aí, hein?
- Fiz tapioca, fiz cuscuz, tem queijo, tem requeijão, tem pão francês, tem bolo...
- Caraca, quer me engordar? Quero tapioca e cuscuz, por favor. E senta aí pra tomar café comigo!
Me deliciei com o café da manhã reforçado que a minha diarista fez e após comer, fui direto pra academia para renovar a minha energia e minhas forças. Era lá que eu extravasava de verdade.
- Descansa uns 5 minutinhos e depois você pode ir pra aula de jump.
- Beleza, Lipe. Valeu por hoje.
- Falou!

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A aula de jump foi o momento mais importante que eu tive naquele dia. Ali eu realmente liberei todo o estresse que estava dentro do meu corpo e consegui sair de lá muito mais leve e também muito mais cansado do que eu estava.
A minha alma estava tranquila após aquele exercício físico. Era como se eu tivesse tirado um peso de uma tonelada de minhas costas. A sensação era realmente muito boa, embora eu ainda estivesse pensando no meu irmão gêmeo.
Ao chegar na loja, a Janaína foi logo questionando o que estava acontecendo comigo e isso só me fez crer que ela me conhecia melhor do que eu pudesse imaginar:
- Anda, fale logo o que está acontecendo. Por que está com essa carinha de preocupado?
- Eu sou tão transparente assim?
- Você não imagina o quanto. Ande, confie em mim. O que o Bruno aprontou?
- Não, ele não fez nada, coitadinho. Não é nada com ele. É com a minha mãe.
- COM A SUA MÃE? – Janaína deu um berro e alguns colaboradores nos olharam.
- Isso, condenada. Seja um pouco mais indiscreta! Quer o microfone pra falar mais alto?
- Menino – ela me puxou e me obrigou a sentar na nossa mesa. – Me fala, criatura!
- Acontece que ontem à noite o Cauã me ligou...
- O seu gêmeo? Oh, my God!
- O próprio. Ele me ligou do nada e quem atendeu foi o Bruno.
- Oh, my God!
- Imagina o clima, né? Bruno e Cauã se falando pela primeira vez, mas enfim...
- Oh, oh my God!
- Janaína, você está assistindo muito filme pornô. Quer prar de falar “oh, my God”?
- OH, MY GOD! – ela fez caras e bocas.

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- Louca. Vai querer saber da história sim ou não?
- Claro que quero! Conte tudo.
- Pois bem. Eu estava no banho e o Bruh apareceu com o celular. Eu demorei, mas atendi e adivinha o que ele me falou?
- Que está no Rio e quer te ver?
- Não. Ele disse que a minha mãe está grávida...
- OOOOOOOOOOOOOOOOOOI???
- E          que ela está morrendo!
- O QUÊÊÊÊÊÊ? COMO ASSIM, PELO AMOR DE DEUS???
- Foi isso o que ele me disse. Parece que a minha mãe está grávida de 5 meses e que a gravidez é de alto risco. Ela está internada há mais de um mês e ultimamente tem chamado muito por mim.
- Jesus me amarrota porque eu estou preta passada na chapinha!
- Pois é. E aí o bonito disse que é pra mim ir porque ela quer me ver! É mole?
- Ah, como se fosse simples assim, né? Não, espera, vai ali no ponto de ônibus e pega o primeiro que passar sentido São Paulo!
- É...
- Não é assim que as coisas funcionam não, meu filho! Por que você não falou isso pra ele?
- Mas eu falei! Eu soltei os cachorros! Disse que no momento em que mais precisei dela, ela me virou as costas e disse que não sabia se poderia ir. Que não podia simplesmente largar a minha vida e a minha rotina aqui no Rio pra ir até São Paulo vê-los.
- Arrasou!
- Só que ao mesmo tempo bate aquela sensação esquisita, sabe? Querendo ou não, ela é minha mãe!
Lá estava eu usando a mesma frase do Cauã.
- Mãe cobra, né? Nunca vi em todos os meus 18 anos de vida uma mãe fazer o que ela fez com você. Essa mulher não pode ser chamada de mãe.
- Concordo com você, mas confesso que eu estou oscilando do orgulho para a preocupação em pouquíssimos segundos.
- Olha, sinceramente? Eu não sei o que faria se estivesse no seu lugar. Primeiro que você não sabe se isso é realmente verdade ou não.
- É!
- Segundo que pode ser uma farsa pra você ir vê-los depois de 7 anos como se nada tivesse acontecido.
- Eu também pensei nisso.
- Terceiro: talvez eles estejam passando por dificuldades e queiram alguma coisa.
Opa... Nisso eu não tinha pensado não!!!
- Como assim?
- Você mesmo me disse que o Cauã te adicionou no Facebook e te seguiu no Twitter, correto?
- Exato!
- E você ultimamente tem postado várias fotos de ostentação que eu vi...
Fiquei sem graça.
- Postando fotos em festas, fotos em shows, fotos com o Bruno, fotos com seus amigos, fotoso comigo que sou linda, fotos do seu carro novo... Muito provavelmente seu irmão está vendo tudo isso. Vai saber se eles não estão numa pior e estão pensando que você está nadando no dinheiro? Vai saber se o que eles querem na verdade não é grana?
- Será, Janaína dos Santos?
- Pode ser, por que não? Eu costumo pensar em tudo, em todas as hipóteses.
Se fosse isso eu iria ficar muito, muito bravo com eles. Mais bravos do que eu já tinha ficado em toda a minha vida.
E se fosse isso eles iam cair do cavalo, porque eu não tinha dinheiro nem pra comprar uma vela pra colocar no meu caixão caso eu morresse de repente.
- Mas também pode ser tudo a mais pura verdade – Janaína pensou no outro lado da história. – Talvez seu irmão esteja falando sério, talvez sua mãe esteja mesmo debilitada. Quantos anos ela tem?
- 46.
- Então? Grávida quase aos 50 anos? É uma gravidez complicada mesmo.
- Disso eu sei, mas e se não for verdade?
- Sabe de uma coisa? Você só vai saber se é verdade ou não se investigar essa história. Eu se fosse você tiraria isso a limpo de uma vez por todas.
- Não é fácil assim, Jana.
- Sei que não é, mas você precisa fazer isso senão vai ficar com essa dúvida pra sempre. Infelizmente é assim que a banda toca nesse caso. Eu no seu lugar faria o seguinte...
- O quê? – fiquei interessado. Eu precisava de conselhos, precisava de ajuda.
- Eu deixaria passar uns dias e esperaria pra ver o que acontece. Vamos ver se ele liga de novo e enquanto isso, você poderia dar uma “curiada” no Face dele pra ver se lá consta alguma coisa a respeito dessa história.
Eu não tinha pensado nisso também.
- Se tiver, você automaticamente vai saber que o negócio é sério. Se não tiver, de duas uma: ou é mentira, ou ele preservou a mãe de vocês.
- É...
- Você está num beco sem saída, querido. E o melhor a fazer nesse momento é dar tempo ao tempo.
- É isso mesmo que eu vou fazer. Eu não quero tomar uma decisão precipitada.
- É isso mesmo. Não se precipite, não tome nenhuma decisão correndo. Se for verdade e se ela estiver mal, notícia ruimchega rápido. Agora, como ele conseguiu seu telefone?
- Pegou com meus amigos. Eu tenho até que ligar pra eles falando nisso.
- Liga mesmo. Liga e pede pra eles investigarem como estão as coisas. Sendo mentira ou sendo verdade, você vai saber de tudo.
- Você é foda, jana! Por isso que eu te amo, porque você me aconselha a fazer a coisa certa. Eu fiquei tão irritado e ao mesmo tempo tão desnorteado com isso tudo que não pensei nas coisas direito.
- Eu sei que sou foda, obrigada! Agora tenta se acalmar e foca aqui no trabalho que nós temos um milhão e meio de coisas pra fazer só na próxima meia hora.
- Ai, Deus! Dai-me coragem pra enfrentar esse dilema.
- Ele vai dar, eu sei que vai. Confie Nele.
- Eu confio e acredito que tudo vai se encaixar.
- Isso mesmo! Agora muda essa carinha, coloca um sorriso nesse rosto e vamos trabalhar que hoje o bicho vai pegar.
As palavras da Janaína foram certeiras. Nem uma hora depois da nossa conversa o ramal tocou e era a Eduarda pedindo para nós dois comparecermos na loja do Barra Shopping para uma reunião extraordinária com ela e os demais líderes do grupo. Ela não parecia muito contente.
Voltar a loja do Barra Shopping era sempre muito bom. Eu adorava rever meus amigos, mas quando cheguei lá notei que a metade deles não estava presente. O que teria acontecido?
- O bicho tá pegando – Alexia nos passou o fio. – O Jonas e o Dimas estão virados no capeta hoje.
- E cadê todo mundo daqui? – indaguei.
- Preciso comentar?
Eu e Janaína nos olhamos. Não era possível que o pessoal tivesse sido desligado, seria?
Sim, seria. Esse era o teor de nossa reunião. A Duda estava extremamente perturbada naquela tarde e não conseguiu nem disfarçar a sua irritação.
- Eu quero que todos vocês passem um pente fino nas respectivas lojas. Eu sei que agora pro pessoal da manhã vai ser meio complicado, mas já podem iniciar as demissões mesmo assim. Até amanhã eu quero que cada um de vocês desligue metade do quadro.
- Metade? – alguém ficou chocado.
- É, metade. Não quero contestações, são ordens superioras e isso não depende de mim. É pra demitir metade do quadro até amanhã, senão eu estou frita!
- E por que não falou isso pra gente antes? – Janaína foi logo ficando irritada.
- Porque eu fiquei sabendo disso hoje e aqui nessa loja. Jonas e Dimas já mandaram boa parte e ainda tem mais.
- Beleza, mas cadê os novos funcionários pra ficar no lugar? – perguntou uma das gerentes da nossa região.
- Não vai vir ninguém! – Duda desdenhou. Ela estava irritada com isso.
Pronto. Foi o ápice para gerar uma discussão. Que história era aquela que nós iríamos demitir, mas não teríamos ninguém no lugar?
- SILÊNCIO! – Eduarda bateu na mesa duas vezes. – Eu não mando em nada aqui, pessoal! Só estou cumprindo ordens. Eu entendo a revolta de vocês, eu realmente entendo, mas temos que cumprir a determinação. Agora as coisas são assim, paciência!
- E por que isso? – eu perguntei.
- Redução de custos. Simples e fácil assim.
Janaína e eu saímos da loja estarrecidos. Eu nem sabia como ia atender aquele pedido da Duda, mas...
- E aí? – Alexia foi falar com a gente.
- Não é a toa que o Jonas está virado no capeta – falei. – As coisas não estão fáceis.
- Depois a gente fala com você, Alexia. Temos que ir agora – Janaína me puxou.
- Me liguem! Beijo.
- Outro!
Não tivemos tempo nem de perguntar como estava a Camila e como estava a gravidez. Janaína e eu tínhamos que correr contra o tempo.
- Estou preta passada na Coca-Cola com essa nova – Jana bufou, já no meu carro.
- Não, nem me fala. Eu já nem tenho problemas e agora vem mais essa.
Acontece que por causa dessa novidade eu fiquei sem pensar no que tinha acontecido na noite anterior. Naquele momento e só naquele momento, Cauã e Dona Fátima ficaram em terceiro plano na minha vida.
Primeiro vinha a loja, depois o Bruno e só depois eles e isso só aconteceu porque eu estava em horário de trabalho.
Minha melhor amiga e eu chegamos na loja e fomos logo iniciando os trabalhos. Eu deixei que ela fizesse primeiro, já que sua equipe iria embora dentro de pouco mais de uma hora. Naquele dia, ela só conseguiu desligar uma pessoa.
- RH, Janaína? – a Janaína de São Paulo atendeu o telefone no primeiro toque.
- Jana, é o Caio de novo. Amor, ainda não recebi os documentos dos desligamentos. Você já encaminhou?
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- Não, Caio – ela suspirou. – Eu estou doida aqui, amor. Me desculpa a demora, eu vou te mandar agora.
- Obrigado, linda! Obrigado mesmo.
Como eu ainda tinha boa parte do expediente pela frente, foquei apenas nisso e consegui desligar algumas pessoas.
- Senta aqui, Arlete.
- É feedback, Caio?
- Sim – menti. Eu não podia falar logo de cara o que estava acontecendo. – Queria te passar umas situações.
Eu enrolei, enrolei e enrolei. Aquela era a primeira demissão que eu efetuava sem a presença de outros líderes.
- Arlete, eu queria te falar que a empresa está passando por um momento de transição e que por isso, nós achamos por bem reincidir o seu contrato...
A mulher ficou muito triste.
- Ah, não acredito...
- Olha, eu sinto muito. De verdade, de verdade mesmo. A solicitação vem lá de cima e eu só estou cumprindo ordens, mas eu quero que saiba que eu gosto muito de você, que gosto muito de seu trabalho, de sua postura...
- Entendo, Caio...
- Mas infelizmente eu não posso fazer nada. Mais uma vez eu repito que só estou cumprindo ordens. Por favor, não me leve a mal...

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- Não, imagina! Não se preocupe, querido. Eu te entendo. Você não tem alternativa.
- Obrigado por ser tão compreensiva. Por favor, assine aqui onde está o seu nome...
Antes dela sair da sala, eu a abracei e fiquei realmente me sentindo muito mal. Eu não queria desligar ninguém, mas... Fazer o quê?!
- Boa sorte – falei, com um sorriso sincero no rosto.
- Obrigada, Caio! Obrigada por tudo!
- Eu é que te agradeço!!!
- Oi, meu amor!
- Oi, meu gatinho! – fui até meu namorado e dei um beijo nele. – Você está bem?
- Muito e você?
- Me sentindo péssimo por causa das demissões.
- Imagino, mas a culpa não é sua.
- Eu sei, mas mesmo assim eu me sinto mal.
- Logo isso passa. E com relação ao seu irmão?
- Em paz. Fiquei tão ocupado hoje que não tive nem tempo para pensar nisso.
- Entendi. Vamos tomar banho?
- Vamos, safadinho.
No banho rolou oral e foi bom demais. Eu me senti relaxado com o orgasmo e isso me deixou um pouco mais tranquilo. Só o Bruno pra me fazer esquecer dos meus problemas!
- Quer comer alguma coisa, amor?
- Hum... O que tem aí?
- A Zefinha fez risoto.
- Ai claro que eu quero! Amo risoto! Traz pra mim? Por favor?

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- Claro que eu trago, mas eu quero um beijo!
Eu dei um beijo bem longo no Bruno. Ele merecia, aquele lindo! Como eu amava meu namorado!
Ele levou o meu jantar e eu comi enquanto assistia televisão. Estava me sentindo bem cansado novamente.
- Nossa, que delícia!
- Bom, né?
- Demais!!! Vou levar o prato e depois vou mexer na internet.
- Viciadinho!
- Você é mais viciado que eu, não vem não!
O Bruno mexia muito mais, mas muito mais nas redes sociais do que eu. Ele fazia isso a todo momento, em todo lugar. Eu não. Hoje em dia eu mexo mais que ele.
Deixei o prato na pia e voltei rapidamente pro quarto. Eu ia fazer o que a Janaína me pediu, eu ia fuçar no Facebook do meu irmão. Será que lá ia constar alguma coisa a respeito da minha mãe?
- Gertrudês? Enzô? – chamei. – Venham pra cama!
- MÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃE – a fêmea entrou correndo no quarto com o rabo levantado.
Ela subiu na cama, me chamou de mãe novamente e deitou no meu colo. Eu fiz carinho na cabeça dela e fiquei mexendo no notebook.
- Enzô? – Bruno chamou o macho.
Ele entrou no quarto vagarosamente, com aquela cara de mal-encarado. O gato deu um salto para a cama e ficou olhando para a cara do Bruno. Só faltou ele falar: “que é, porra?”.
- Deita aqui, Enzo! – Bruno falou.
O gato bufou duas vezes, girou o corpo e deitou ao nosso lado. Ele parecia estar de mau-humor.
Não, não constava nada no perfil do gêmeo, mas tinha um post em que ele falava que estava preocupado. Isso me deixou inquieto. E se aquela preocupação fosse relacionada à mãe dele? À nossa mãe?
- Olha isso, Bruno.
Ele olhou e depois olhou pra mim. Será que ele estava pensando na mesma coisa que eu?
- Será que isso tem a ver com a mãe de vocês?
- Não sei. Segundo ele, ela está internada há um mês e esse post tem menos de um mês. Vai ver que tem, sei lá.
- E você pensou o que vai fazer?
- Dar tempo ao tempo, conforme falamos ontem. Continuo pensando a mesma coisa.
Bruno e eu falamos mais um pouco sobre esse assunto e mais uma vez ele me deixou bem claro que ficaria ao meu lado, independente de qualquer ação que eu tomasse.
- Obrigado por ser tão lindo comigo, amor.
- Eu te amo. Não esquece disso.
- Eu também te amo. Te amo demais!
Ainda bem que eu já tinha combinado um almoço na casa do Rodrigo naquele final de semana. Eu precisava muito conversar com meu melhor amigo, com meu irmão postiço. Ele com certeza iria me aconselhar e iria me apoiar.
- Por que você está tão tenso, hein? – Rodrigo me fitou com atenção.
- Eu preciso falar com você.
- Bruno fez alguma coisa?
- Claro que não. Eu posso fechar a porta?
- Lógico! Vem pra cá comigo, vem?
Eu fui até a cama dele e nós deitamos. Eu abracei meu irmão e me senti muito protegido com aquele abraço. A proteção que o Rodrigo me dava era igualzinha a que o Bruno me dava também.
- Que foi? Que carência é essa?
- Rodrigo, o Cauã ligou!
Ele ficou amarelo.
- Como assim? Do nada?
- Do nada.
- E o que ele queria?
Expliquei tintim por tintim e ele me ouviu do começo ao fim. Rodrigo não me interrompeu e só opinou quando eu terminei de falar:
- Vai ver sua mãe, Caio!
Fiquei calado.
- Vai ver sua mãe, isso pode ser verdade.
- E se não for?
- Se não for você volta. Caio, é sua mãe!
- Pode até ser, mas quando eu pedi um abraço ela me negou, né?
- Isso é verdade. Que rolo, hein? Mas o que você sentiu na voz do seu irmão?
- Ele estava bem tenso. Eu fucei no Facebook dele e vi um post onde ele dizia que estava se sentindo preocupado.
- Mas será que tem a ver?
- Sei não.
- Eu iria ver se fosse você. Você não tem nada a perder, tem?
- Tempo e dinheiro. Só isso.
- Ah, Caiô! Por favor, né? Eu vou fingir que não ouvi nada disso.
- Mas é verdade! Não posso me dar ao luxo de perder dinheiro logo agora que comprei esse carro.
- Beleza, mas e se o que o Cauã disse for verdade? E se sua mãe estiver mesmo morrendo?
- Isso é o que mexe comigo, sabe?
- Se mexe com você é porque você não está bem resolvido consigo mesmo com relação a esse assunto. No fundo você ainda ama esse povo.
Era verdade. É claro que eu os amava, afinal eles eram minha família, né? Porém era um amor frustrado. Um amor muito menor do que o amor que eu sentia antes, mas ainda era amor.
- Independente do tamanho, é amor. E amor é amor, Caio! Não perca essa oportunidade de tentar uma reconciliação.
- Eu não sei se essa reconciliação vai acontecer, Digão. 7 anos se passaram.

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- Eu sei. Eu entendo o que você está sentindo.
- Entende? Como você entende se seus pais nunca te chutaram de casa?
- Eu me coloco no seu lugar, rapaz. Desde sempre. Desde que você me contou essa história toda, que daria uma novela, inclusive.
Dando uma novela ou não, isso pra mim não importava. O importante era a opinião do Digow, o importante era saber o que ele achava a respeito daquela novidade. E ele conseguiu me deixar muito balançado.
- Obrigado por ter me ouvido, tá?
- Não tem que agradecer. Eu vou te ouvir pra sempre. Eu só te peço uma coisa, Caio...
- O que foi?
- O Cauã reapareceu na sua vida e ele é seu irmão de sangue, ao contrário de mim. Por favor, não me abandona agora, tá? Eu sei que talvez você goste mais dele do que de mim...
- Ai, cala a boca! Eu gosto mil vezes mais de você do que dele. Um milhão de vezes eu diria!
- É sério? – ele estava sério e preocupado também.
- Claro que é sério, Rodrigo! Você nunca me julgou e sempre esteve ao meu lado, o Cauã não. E mesmo que um dia, esteja ele perto ou longe, eu volte a falar com o meu irmão de sangue, você continuará tendo o seu lugar na minha vida. Sempre e pra sempre e sabe por que? Porque eu te amo, porque te considero meu irmão de verdade. Mesmo não sendo de sangue, isso pra mim não importa. Você tem um lugar na minha vida e ele não é pouca coisa não. Acima de você só o Bruno e acima do Bruno só Deus. Se um dia eu ficar perto deles de novo, o Cauã vai sim ter um lugar na minha vida. Eu não posso simplesmente descartá-lo, até mesmo porquê eu gosto dele, mas você não vai sumir nunca do meu coração.
Não é que ele chorou? Pouco, mas uma lágrima escapou. Ele me abraçou com uma gana, com uma vontade que eu fiquei até com o coração acelerado.
- Te amo – falei no ouvido dele.
- Também te amo, danadinho. Obrigado por não me excluir de sua vida.
- Eu jamais faria uma coisa dessas. Jamais!
Nunca faria mesmo. Independente do que acontecesse, meu Rodrigo sempre teria um local na minha vida.
O que eu disse a ele poderia até parecer exagero. Pra algumas pessoas pode até parecer Deus no céu e Bruno na Terra, mas pra mim não importa a opinião de ninguém.
Naquele momento o Bruno era a primeira pessoa da minha vida e abaixo dele vinha o Rodrigo.
Em uma escala, eu poderia considerar o Rodrigo como sendo a segunda pessoa mais importante da minha vida, inclusive mais importante que meus pais de sangue e que meu irmão gêmeo.
Ele foi a peça chave para eu chegar aonde tinha chegado, aonde cheguei e isso eu nunca serei capaz de esquecer.
Passem 5, 10, 15 ou 100 anos, o Rodrigo vai ser sempre o Rodrigo e ninguém vai ocupar o lugar dele, nem mesmo o Cauã.

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- Fica calmo – ele me tranquilizou. – As coisas vão acontecer na hora certa. Você vai saber no coração se deve ir ou não, mas a minha opinião você já sabe!
- Obrigado, tá?
- Não tem que agradecer!
- Rodrigo? Caio? – era a Dona Inês. – O almoço está servido!
- Nós já vamos, mãe! Anda, vamos comer. Depois você fala com a nossa mãe sobre isso e ela vai saber te aconselhar.
Foi exatamente isso que eu fiz. Depois do almoço, o Bruno, o Rodrigo e o pai dele tiveram a ideia de jogar uma bolinha na praia. Dona Inês e eu os acompanhamos, mas ao invés de jogar, eu conversei com ela e pedi ajuda:
- Dona Inês, eu poderia te pedir um conselho de mãe?
- Claro, filho! Bem que eu percebi que você está meio inquieto! O que está acontecendo?
Relatei o que se passava e ela também me ouviu até eu terminar tudo. Dona Inês dispôs da mesma opinião que o filho:
- Se isso for realmente verdade, ela com certeza quer o seu perdão. Sei que pode ser muito difícil, mas mesmo com todo o passado de vocês, mesmo com toda a nebulosidade que existe nessa relação, ela não deixa de ser sua mãe, Caio.
- Eu sei...
- Eu sou mãe, eu sei o que uma mãe sente por um filho, seja esse filho quem for. Pode ser o pior filho do mundo que essa mãe não vai deixar de amá-lo nunca.
- Só que 7 anos se passaram, né?
- Sei disso e 7 anos são 7 anos, mas nunca é tarde para recomeçar. Vocês não podem fazer um novo começo, mas podem escrever um novo fim.
- Uhum...
- Não fique tão orgulhoso assim, Caio. Deixe seu coração falar mais alto. Eu tenho certeza que mesmo depois de tanto tempo, eles ainda mexem com você. Sei que lá no fundinho, bem no fundinho de seu coração, a chama da esperança de tê-los por perto reacendeu novamente. Ou eu estou errada?
Fiquei calado. Ela estava certa. Essa chama nunca apagou.
- Não fique com medo, não fique com receio. Faça as coisas com calma, na hora que você achar que tem que fazer.
- Minha vida está tão corrida ultimamente...
- Sei que está, mas a gente encontra tempo pra tudo se a gente quiser. Isso só depende de você.
Eu estava com medo. Essa era a sensação daquele momento. Medo.
Medo de ir, medo de encontrar a minha família, medo de saber que tudo era verdade e que a minha mãe estava mesmo debilitada. E se eu não conseguisse? E se não houvesse tempo pro perdão?
- Sabe, eu estou com medo.
- Medo de que, filho?
- Medo de chegar lá e não dar mais tempo... Não dar mais tempo pra gente se falar, pra gente se perdoar...
- Eu te entendo e é justamente por isso que você precisa tomar uma decisão. Não se acovarde perante essa situação, Caio. Meta a cara no problema e enfrente tudo e todos, mas siga seu coração.
- Mas e o Bruno?
- O Bruno é adulto o suficiente para entender o que está acontecendo e se ele te amar de verdade, como eu tenho certeza que ama, ele saberá entender e saberá esperar você.
- Ele já me falou isso várias vezes.
- Então não pense em mais nada. Siga seu coração, siga seu instinto. Vai ser bom pra você.
- Obrigado pelo conselho, Dona Inês!
- Não tem nada que agradecer, meu amor. Eu te considero meu filho, você sabe disso.
- Sim, eu sei. E eu te considero a minha mãe. A mãe que Deus colocou no meu caminho!
- Sempre vou estar aqui se você precisar e faço votos que você resolva esse problema o mais rápido possível. Conte comigo pro que você precisar, filho.
- Muito obrigado, muito obrigado mesmo, mãe!

NO MEIO DA SEMANA...

Aquela história da minha mãe estar grávida e entre a vida e a morte estava me deixando cada dia mais confuso, cada dia mais impaciente comigo mesmo. E foi justamente por causa disso que eu resolvi entrar em contato com a Dona Elvira, minha segunda mãe na vida. Ela sim poderia ser sábia o suficiente para me aconselhar, para me dar uma luz.

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- Mas não pense duas vezes! Compre uma passagem e vá ver a sua mãe!
- Não sei porquê – sorri –, mas eu sabia que a senhora ia falar isso.
- Você sabia porque você mesmo sabe o que tem que ser feito.
- Mas eu não sei se isso é verdade ou não.
- Qual a sua intuição? Já perguntou para a sua intuição o que ela acha a respeito disso?
- No fundo, bem no fundo, eu acho que é verdade.
- Se você acha que é verdade é porque é verdade. Siga a sua intuição, Caio! Não se negue a oportunidade do perdão. Ainda mais diante de uma situação dessas.
- Eu tenho medo de ir e querer ficar...
- É sua família, são suas raízes. Lá é seu lugar. Por mais que você goste do Rio, por mais que a sua vida esteja aí nesse momento, São Paulo é sua cidade natal. É lá que está a sua história.
- A minha história está onde eu estou. Eu a escrevo onde eu estiver e nesse momento, eu estou e quero ficar no Rio.
- Sim, claro que sim. Isso é realmente verdade, porém o capítulo do Rio de Janeiro mais cedo ou mais tarde será finalizado com um ponto ou um ponto final. Veja bem, meu lindo, você não precisa ir para ficar. Você vai, vê como estão as coisas, vê se dá pra pisar no terreno e se der, vê se vai rolar perdão, se vai ter reconciliação ou não. Caso não haja nada disso, você volta. O que não pode acontecer é você ficar em cima do muro como está. Enfrente a realidade como o homem que você é, meu filho!
PÁ, PÁ e PÁ. Eu senti como se ela estivesse me dando um tapa na cara. E não deixou de  


ser. Juro que eu senti até o meu rosto arder, mas foi de vergonha. Depois dessa eu fiquei até sem reação.
- Hã...
- Eu esperei tempo demais para esse momento e sempre pedi a Deus para Ele me dar vida para ver você de novo com sua família. Pelo jeito Ele me atendeu. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eles voltariam a te procurar. Graças a Deus!
- Eu me sinto impotente, Dona Elvira. Sem entender os meus sentimentos, sem entender a minha razão, sem entender o meu coração... Com medo de deixar o Bruno... Meus amigos...
- Caio, seu namorado não é um namorado qualquer. Ele é uma verdadeira bênção na sua vida. Ele vai entender a decisão que for melhor pra você. Seus amigos não ficam atrás.
- Mas eu não quero deixar ninguém, sabe?
Eu já estava falando como se estivesse decretada a minha volta definitiva para São Paulo e não era bem assim.
- Calma, calma! Não coloca a carroça na frente dos bois. Você nem sabe se vai voltar! Como você sofre por antecipação desse jeito? Não seja egoísta, Caio! Durante 7 anos você esteve pensando na sua família e não venha me dizer que não pensou porque eu sei que pensou. E nesses mesmos 7 anos você não fez outra coisa a não ser pensar nos seus amigos, pensar no Bruno, pensar no trabalho, na faculdade, nos estudos, pensar nisso, pensar naquilo... Ei... E você? Onde fica você nessa história?
Não era bem assim. Eu também pensava em mim. Se não fosse assim eu não estaria onde estava, não é verdade?
- Caio, é hora de colocar a sua vida nos eixos. 7 anos se passaram, 7 anos! É a hora de tentar um novo rumo, de tentar uma aproximação com sua mãe. Mãe é mãe, meu filho! Deus sabe o quanto eu queria ter um filho, mas eu não tive até você chegar. E eu vou ficar extremamente magoada caso você não faça a coisa certa.
- Só que não é fácil passar por cima dessa mágoa, sabe?
- Sei, sei sim. Eu imagino que não seja realmente nada fácil, mas você tem que tentar! Que espécie de homem é você que se acovarda diante do primeiro obstáculo? Você não é assim, você nunca foi assim! O que está acontecendo?
Era o maldito medo. Maldito medo de ir e ver que já não existia tempo para mim e pra minha mãe.
- Não tenha medo, Caio. Não tenha! Vá! Abra seu coração se for o caso, mas vá com a cabeça erguida e se a situação não for como você sonha, como você deseja, como você quer, coloque um ponto final nesse sofrimento! Você só não pode ficar nesse impasse. Seja dono de sua vida pelo menos nesse momento, meu filho!
Eu fiquei foi chateado com a Dona Elvira. Ela tinha uma imagem muito errada ao meu respeito, pelo menos na minha opinião.
Eu era dono da minha vida, eu sabia o que era certo e o que era errado! Prova disso foi a minha volta com o Bruno. Uma volta que deveria ter acontecido há muito mais tempo e que só não aconteceu porque EU não quis. Como ela poderia dizer que eu não era dono da minha vida?
O papo no telefone com minha segunda mãe durou muito mais do que eu poderia imaginar. Ela me deu um verdadeiro chacoalhão e me fez perceber que de certa forma, eu estava sendo um pouco orgulhoso demais.
Ao desligar eu fiquei pensando em tudo o que ela me disse. Talvez ela estivesse certa. Talvez não fosse tarde demais. Talvez ainda existisse tempo para mim e minha família de sangue. E isso eu só saberia se eu tentasse a reaproximação.

FALANDO COM O FABRÍCIO...Resultado de imagem para alfonso herrera

Eu aproveitei que o Fabrício estava de folga na manhã daquela quinta-feira e não pensei duas vezes em ir até a casa dele para pedir os seus conselhos. Ele era um grande amigo e saberia me orientar como eu deveria agir naquela situação.
- Tio Caio! – o Nícolas saiu correndo quando viu meu carro e foi parar no portão. Ele estava cada dia maior.
- Oi, Nico! Papai está?
- Papai... Papai... O tio Caio!!!
Fabrício apareceu só de bermuda e abriu o portão. Eu entrei, apertei a mão dele e peguei o Nico no colo.
- Como você está? – ele me perguntou.
- Mais ou menos. Não estou muito bem não.
- Entra, vamos conversar!
Eu entrei e fui direto pra sala. Deixei o Nícolas no meu colo. Não teria problema conversar na frente dele, afinal ele não entendia direito as coisas.
- Sinceramente? Eu não iria não – Fabrício falou isso depois que eu contei o que estava acontecendo.
- Não?
- Não! Deus me perdoe, mas isso não é uma mãe. Isso é uma cobra da pior espécie. Seu pai então nem se fala!
- Mas dizem que ela está entre a vida e a morte...
- Sim, eu entendi. Porém ela só resolveu te procurar agora, né? Quando está convalescendo na cama de um hospital.
- É isso que eu pensei também.
- Sei que estou sendo egoísta, mas eu não iria se fosse você. Sou muito orgulhoso, eu admito.
- Eu sei que é – sorri. – Enfim... Eu estou num beco sem saída.
- O que o Bruno acha disso?
- Ele me apoia independente da minha decisão.
- Ou seja: ele está em cima do muro.
- Não, coitado. Ele disse que eu tenho que ir, mas que também não sou obrigado por causa de tudo o que aconteceu. Mais do que ninguém ele me entende. Ele entende direitinho o que estou sentindo.
- É eu sei. Ele também passou por isso, né?
- Uhum.
- Vocês dois foram feitos mesmo um para o outro. Ai, Caio... Desculpa, acho que eu fui ogro demais, mas sei lá... Pensando melhor, é sua mãe, cara...
- É eu sei. É o que todos estão dizendo.
- Pensa direitinho. O que seu coração pede?
- Nada. Ele está confuso.
- Porque quando foi com o Bruno eu lembro bem que você ficou em um dilema danado. Não sabia se voltava, se não voltava e você acabou seguindo o coração. Faça isso novamente. Ele sempre tem razão.
O problema era justamente esse. Nem o meu coração estava opinando mais naquele caso.
No começo sim. No começo ele queria que eu fosse, mas depois até ele ficou em dúvida. Só quem não tinha dúvida era a minha razão. Ela sim se mantinha forte na decisão e falava que eu não deveria ir.
- Sinceramente, não sei o que fazer nesse caso. É tudo muito esquisito pra mim.
- Realmente – meu amigo concordou. – Eu não queria falar não, mas isso tudo está muito esquisito. Como uma pessoa pode ficar grávida beirando os 50 anos? Isso não é normal não!
- Pois é. É o que eu mais penso. Isso não é normal.
- Tio? Tio?
- Oi, Nico?
Ele tentou perguntar por que eu não queria brincar com ele naquele dia.
- Oh, meu amor – eu peguei o menino no colo de novo. – É que o titio está conversando sobre um assunto de gente grande com o papai. É por isso, tá bom? Mas eu já vou lá brincar com você, pelo menos por uns 5 minutinhos.
- Assunto de gente “gandi”?
- É isso aí, Nícolas!
- Mas papai falou que eu sou “gandi”!
Ai que danado! Ele era esperto, isso sim. ele lembrava de tudo o que a gente falava pra ele, mesmo que se passassem dias, semanas ou meses.
- Faz assim – eu olhei nos olhinhos dele. – Vai lá fora brincar no seu carro que eu já vou lá jogar bola com você. Tá bom?
- Tá!
O menininho saiu correndo e eu fiquei rindo sozinho. Como ele era fofo.
- Meu menino está ficando grande...
- Está mesmo – concordei. – Parece que foi ontem que eu cheguei na república e vi aquele cotoquinho de gente no meio dos cobertores!
- É verdade. 2 anos e 3 meses já. O tempo voa, né Caio?
- É, mano. Voa mesmo. Já fazem 7 anos e 2 meses que eu estou aqui no Rio de Janeiro!
- Eu tava lembrando do dia em que o Digão te levou lá na república pra conhecer a gente. Você era tão novinho!
- Eu tinha 17 anos, era um pivete.
- De fato. Era molecote mesmo. Bons tempos, né Caio?
- Muito bons. Eu nunca vou esquecer daquela época. Nunca!
- Nem eu! Eu era feliz e não sabia.
- Eu que o diga.
- Não que eu não seja feliz hoje, mas hoje a responsabilidade é muito maior. Já estou com 31 anos, com um filho de 2...
- Formado, pós-graduado e fazendo mestrado...
- Terminando quase o mestrado...
- Pois é. E o Digow terminando o doutorado?
- Esse daí é um caso à parte. Ele é a determinação em pessoa. Ele só perde pra você.
Fiquei todo sem jeito.
- Caio, você está numa enrascada, meu querido. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Se ficar no Rio pode nunca mais ver sua mãe. Se for pra São Paulo, pode nunca mais voltar pro Rio. Ou é 8, ou é 80.
- Por isso que a cada segundo eu fico mais confuso.
- Sabe quem vai poder te ajudar a entender tudo? Vinícius. Já falou com ele?
- Não. Ainda não.
- O que está esperando? Ele sim vai poder te ajudar. Ele sempre foi um ótimo conselheiro.
O que o Fabrício disse era a mais pura verdade. O Vinícius sempre foi um excelente conselheiro mesmo.
- Será que ele está em casa hoje?
- Sim, sim. Acabei de falar com ele. Está de folga.
- Acho que eu vou lá. Eu queria mesmo saber a opinião do Vinícius, mas antes eu vou brincar com seu neném, se é que você não se importa.
- Ah, cala a boca. O Nícolas é nosso! Vai lá ele vai adorar.
Eu fui e quando cheguei no quintal vi o menino dirigindo um carro pequeno. Ele era todo desengonçado no volante.
- Ei, Nícolas? Cheguei!
Que “demola”!
Que danado! Eu ri e fui até ele.
- Sabia que você é um danadinho? E esse machucado na testa? O que foi isso?
- Eu caí, né?
Ai que pestinha! Ainda ficou me tirando!
- E doeu muito?
- Muito!
- Você chorou?
- Não! Papai falou que eu sou “homi” e que eu não posso “cholá”!

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AAAAAH, QUE VONTADE DE AMASSAR AQUELE MENINO!
- É isso mesmo. Você é homem e não pode chorar. É isso aí. E a gente vai brincar de quê?
- De bola. Quer jogar bola comigo, tio Caio?
- Claro que eu quero, meu amor! Seu lindo! Sabia que você é muito lindo?
- Sabia! “Obigado”!
E modesto também. O Nícolas estava crescendo e conforme o tempo estava passando, ele já estava falando melhor. Ele só precisava aprendr a colocar a letra R no meio das palavras.
Brinquei com o menino por uns 20 minutos e depois eu fui pra casa do Vinícius. Eu precisava ouvir a opinião dele a respeito daquilo tudo.
- Tio Caio te ama, tá Nico?
- Tá!
- Cadê meu beijo?
O garotinho me beijou bem carinhosamente.
- Obedeça o papai, hein?
- Tá!
- E se comporta direitinho. Cuidado pra não cair na escola de novo!
- Tava fazendo arte esse safado.
- Tava não! – o moleque se defendeu.
- Tava sim, safadinho!
- Tchau, Brício! Obrigado pela força aí.
- Conta sempre comigo, irmãozinho. Boa sorte e qualquer coisa, pode contar. Você sabe disso.
- E vice-versa!!!

OS CONSELHOS DE VINÍCIUS...Resultado de imagem para caua reymond

- Que surpresa te ver por aqui – ele mesmo abriu o portão. – Minha Nossa Senhora, esse carro é amarelo demais.
- Para de reclamar do meu carro, hein? Quero só ver quando você vai comprar o seu.
- Vou comprar não. Vou ganhar na rifa.
- Tá que nem o Rodrigo, é?
- Duvidando da minha sorte, moleque?
- Quem sou eu pra isso? A Bruna está aí?
- Não, ela está na faculdade. Aconteceu algo?
- Sim. Eu queria falar com você. Preciso de uns conselhos.
- Então vem comigo. Eu estou fazendo o almoço, mas posso te ouvir.
- Você cozinhando? Coitada da Bruna!
- Palhaço!
Entramos, fomos pra cozinha e lá eu sentei e contei tudo o que tinha acontecido desde a ligação do Cauã até aquele momento. Vinícius foi outro que me ouviu atentamente e que só falou depois que eu terminei de contar toda a ladainha. Ele foi outro que disse que eu tinha que ir.
- Você tem que ir sim. Primeiro porque você quer ir, eu sei disso, e segundo porque querendo ou não ela é sua mãe.
- Só nome de mãe, porque mãe mesmo ela não foi.
- Sim, é verdade, mas ela não deixa de ser sua mãe por isso.
- Uhum. Agora, você que é médico me diz uma coisa: o que leva uma senhora de 46 anos a engravidar?
- Isso é mais comum do que a gente imagina. Sua mãe provavelmente estava entrando em época de menopausa e nessa época os hormônios variam muito. Em um dia ela está com baixa de hormônios, no outro ela está em uma explosão. Provavelmente ela engravidou por causa disso. É claro, tratando-se da idade em que ela está, a gravidez obviamente que é muito delicada. Talvez seja por isso que o Cauã disse que ela esteja morrendo.
- Ela pode morrer por causa da gravidez?
- Por causa da gravidez em si não porque gravidez não é doença, mas é claro que ela pode ter várias outras complicações. Ela é hipertensa?
- Até onde eu sei, não.
- Mas a própria gravidez pode causar hipertensão, ainda mais na idade dela. Todo cuidado é pouco nesse caso. Ela tem realmente que ficar internada. Agora, é claro que eu não sei do quadro clínico dela. Eu precisaria de mais detalhes para saber se ela está com algum problema de saúde além dessa gravidez e se tiver aí sim ela corre risco de vida.
- Foi o que o Cauã disse. Que ela está correndo risco de vida.
- Então eu tenho quase certeza que ela tem pressão alta. Só pode ser isso. E se for isso aí sim ela corre risco. Principalmente na hora do parto. Pode causar uma eclampsia.
- Então pode ser grave mesmo?
- Pode sim e pode ser muito grave dependendo do que for. Não se pode brincar com gravidez nessa idade dela não. É muito perigoso tanto pra ela quanto pro bebê. Bom, a medicina evoluiu muito. Hoje em dia é muito raro a gente perder uma paciente por eclampsia, mas mesmo assim todo cuidado é pouco. Almoça comigo?
- Almoço.
- Se ele ligou e se ela quer te ver é porque talvez seja mais grave do que a gente possa imaginar. Talvez seu irmão não falou nada pra não te assustar.
- Ai, sei lá... Eu estou tão indeciso, tão confuso com meus pensamentos!
- Imagino, maninho. Imagino. Mas pensa que ela é sua mãe, Caio. Não é tarde para o perdão. Nunca é tarde para se perdoar quem a gente realmente ama. Pensa que nesses 7 anos muitas coisas podem ter acontecido com eles. Eles podem ter mudado de vida, podem ter amadurecido. Você mesmo amadureceu! Por que eles não podem amadurecer também?
Só continuei comendo.
- E diante de uma doença, Caio, diante de um leito hospitalar, tudo fica tão insignificante... Diante da morte tudo fica tão pequeno...
Ele tinha razão nesse aspecto.
- Não se dê ao luxo de não tentar. Pode ser tarde demais. Meu querido, a vida da gente é pequena demais para ficar perdendo tempo com orgulho e com rancor. O orgulho e o rancor só irão fazer você contrair um câncer, sabia?
- Ai, credo! Vira essa boca pra lá!
- É verdade! Existem estudos que mostram isso. Quem tem rancor por muitos anos tem mais probabilidade de contrair um câncer. Eu sou médico e trato justamente disso. Eu sei o que estou falando. Não brinque com seu passado, não brinque com seu destino e nem com a sua vida. Mãe é mãe, Caio. Você está querendo ser pai com o Bruno e você um dia vai entender o que é o amor de um pai por um filho, o que é o amor de uma mãe por um filho...
Ele dizia como se ele fosse pai.
- Não quero te amedrontar, não é essa a intenção, mas se ele disse que ela está morrendo, cada segundo é tempo demais para ser perdido. Vá atrás deles, Caio. Vá perdoar e ser perdoado. Nunca é tarde para reparar seus erros.
- Bruno? – eu falei bem baixinho.
- Oi, meu amor?
- Posso falar com você?
- Claro, príncipe! Quer falar sobre o quê?
- Sobre a minha mãe.
- Teve notícias dela novamente?
- Não, não é isso não. Eu andei falando com meus amigos e pedi o conselho de todos e acho que eu cheguei a uma decisão.
- E qual seria?
- Eu acho que eu vou atrás deles lá em São Paulo. Não vou pra ficar, vou apenas visitar. Eu não posso simplesmente fingir que essa dúvida não existe aqui dentro do meu peito.
Meu namorado me abraçou e beijou a minha testa.
- Vá! Vá ver sua mãe sim, vá ver como ela está e vá conversar com ela. Você não pode perder essa oportunidade porque ela pode ser única. Vá, amor. Vá!
- Eu prometo que eu volto, tá? Eu prometo, eu juro por Deus, pela minha alma, pelo nosso amor que eu nunca vou te abandonar. Mesmo que a gente fique separados por um tempo.
- Eu faço das suas as minhas palavras. Eu nunca te abandonarei, mesmo que se passem mil anos eu continuarei aqui te esperando. E se você não puder voltar por algum motivo, eu vou atrás de você.
- Eu te amo pra sempre – falei e senti uma lágrima escorrer.
- Eu também te amo pra sempre.
A tristeza tomou conta de nós dois. O clima de despedida, o clima de separação pouco a pouco estava sendo instaurado no nosso apartamento, na nossa rotina e em nossas vidas.

POUCOS DIAS DEPOIS...Resultado de imagem para dias depois

- Eu vou te dar esses 5 dias, mas não acostuma. Eu não posso ficar sem você por aqui, Caio.
- Eu sei disso, Duda. Obrigado por ser tão compreensiva.
- Não me agradeça. Resolva seus problemas e volte o mais rápido possível, está bem?
- Muito obrigado! De coração.
- Vá em paz.
Eu saí e deixei a minha regional sozinha. Naqueles últimos meses ela estava virando cada dia mais chata e eu não entendia o motivo pelo qual isso estava acontecendo.
- E aí? – Janaína foi me encontrar no meio da loja.
- Ela liberou. Eu vou sair amanhã e volto daqui 6 dias.
- Ai, Deus... E eu vou me lascar aqui sozinha, né?
- Você concordou!
- Eu sei, eu sei. Relaxa e vai ver sua família, menino. Você precisa resolver isso de uma vez por todas.
- Não dá pra ficar com essa dúvida, jana. Não dá!

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Ainda naquele mesmo dia o Cauã me ligou novamente e eu fiquei outra vez sem reação quando ouvi a voz dele:
- Caio?
- Cauã?
- Eu! Você está... Bem?
Novamente meu gêmeo estava tenso.
- Sim e você?
- Não muito. Está podendo falar?
- Estou. Aconteceu alguma coisa com a... Fátima?
Eu tentei falar a palavra “mãe”, mas eu não consegui. Algo me travou na hora.
- Eu estou te ligando justamente pra isso. Ela piorou, Caio.
Meu coração gelou e eu tive que sentar no meio da loja.
- Piorou como? – minha voz quase não saiu de tanto nervoso.
- A pressão dela está muito alta e se não baixar os médicos vão ter que fazer uma cesária.
- É tão grave assim?
- Muito – parecia que ele estava chorando. – Eu nem sei mais o que fazer, sabe?
Sim ele estava chorando. Cauã estava desesperado do outro lado da linha.
- Calma, Cauã! Calma! Não fica assim que vai dar tudo certo.
- Ela está muito debilitada... A gravidez está muito complicada, ela está perdendo sangue... Não aguento mais ver o sofrimento dela, Caio... Não aguento!
- Eu imagino – quase chorei junto com ele. Eu também fiquei meio louco com tudo isso.
- Você vem?
- Vou.
- Sério? – Cauã sentiu uma luz no fim do túnel. Deu pra notar que ele ficou com a voz mudada logo de cara.
- Sim. Eu vou sim.
- E quando você vem?
- Isso eu ainda não sei. Eu vou precisar ver passagem, hospedagem, e etc.
- Você pode ficar lá em casa...
- Não – eu respondi de imediato. – Não. Obrigado, mas não.
- Tudo bem, tudo bem. Não se preocupe. O importante é que você venha. Ela precisa muito de você por perto, Caio...
- Uhum – senti vontade de falar muita coisa, mas resolvi deixar quieto. – Eu estou no meio do trabalho, Cauã. Preciso desligar. Eu só preciso saber em qual hospital ela se encontra.
Ele disse o hospital e eu sabia direitinho onde era.
- Me diz uma coisa, qual o horário em que eu posso vê-la?
- Qualquer horário. Nós estamos ficando com ela dia e noite. Ela não está na UTI. É só você falar que é acompanhante.
- Você e o...
- Nosso pai.
Eu senti uma fisgada de ódio no meu coração.
- E outra coisa: qual o horário em que eu posso ir para não encontrar com ele?
- Ah... Isso depende muito... O melhor seria você ligar pra mim...
- Eu faço isso. Tenho que desligar agora.
- Tudo bem. A mãe vai ficar feliz em saber...
- Não fala nada pra ela. Eu mesmo quero falar.
- Tudo bem. Tudo bem. Eu tenho certeza que ela vai melhorar quando ver você. Eu tenho certeza!
Como se eu tivesse poder de cura, né?
- Uhum. Até a próxima então.
- Até, Caio! E obrigado por ter atendido. Obrigado!
- De nada.
Desliguei e respirei fundo. Eu apoiei os cotovelos nos joelhos e coloquei as duas mãos no rosto. Eu estava muito preocupado. Muito preocupado mesmo.
Quando fiquei um pouco mais calmo, entrei em contato com o Víctor e perguntei se poderia ficar hospedado na casa dele por aquela semana.
- Lógico que você pode. Que bom que resolveu vir.
- E você soube de algo?
- Não – ele respondeu imediatamente. – Ninguém soube me falar nada.
Eu já tinha falado com o Víctor desde a primeira ligação do Cauã. Foi ele que deu meu número pro meu gêmeo e no começo eu confesso que fiquei com raiva, mas depois passou.
- Eu aviso quando eu chegar aí.

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- Avise sim, por favor. Eu faço questão de te buscar no aeroporto. Independente da hora que for.
- Obrigado. Eu fico te devendo mais essa.
Quando eu cheguei em casa naquela noite, fui direto falar com o Bruno. E é óbvio que ele ficou do meu lado, como sempre.
- Se ela piorou é melhor você não perder mais tempo. Vai tomar um banho e enquanto isso eu vejo aqui na internet quanto está a passagem de avião.
- Beleza, amor. Você é um príncipe!
Tomei meu banho e de lá fui direto pra cozinha pra fazer o meu prato de janta. Eu estava morrendo de fome.
- Tem um voo que vai sair às 3 da manhã e a passagem está ótima, anjo! Por que não compra pra esse?
- Tão de madrugada? Não tem pra amanhã cedo?
- Tem, mas está o triplo!
- Ah, então compra essa daí mesmo. Seja o que Deus quiser.
- Vou comprar, espera aí.
Enquanto eu jantei, meu namorado efetuou a compra da passagem aérea e depois eu fui logo ligando para os meus amigos para contar a novidade:
- Eu não podia esperar menos de você, maninho! – Rodrigo ficou feliz da vida. – Parabéns pela coragem! É isso aí!!!
- Obrigado, Digow. Eu queria me despedir, mas o voo é às 3 da madrugada.
- Eu vou lá te ver. Ou melhor, eu estou indo aí no seu apartamento e é agora. Me aguarda aí.
- Sério que você vem?
- Não vou deixar você viajar sem meu abraço. Jamais deixaria de te apoiar numa hora dessas. Jamais. Eu chego aí rapidinho.
- Então eu te espero. Obrigado por ser tão lindo!
- Conte comigo sempre. Até já!
- Até!
Em seguida falei com o Vini e com o Fabrício. Eles ficaram contentes também. Dona Inês também me apoiou. Eu falei rapidamente com ela quando liguei para o Rodrigo.
- Oi – meu irmão postiço estava lindo naquela noite.
- Oi! Entre.
- Cadê meu cunhado?
- Me ajudando com a mala.
- Cavalheiro como sempre. Ele ainda abre a porta do carro pra você?
- Não – eu ri. – Eu já tenho meu carro, lembra?
- Ah, é! Aquela coisa amarela que parece mais cor de catarro, né?
- Seu porco!
- MÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃE – Gertrudes foi falar comigo e com o Rodrigo.
- Pé de pato, bangalô, três vezes – Rodrigo fez uma cruz com os dedos pro lado da gata. – Sai de reto, satanás. Eu não gosto de você!
- Coitada, Digow! – eu abaixei e segurei a Gertrudes no colo. Ela colocou a mãozinha no meu queixo.
- Gata endemoniada. Nunca vi um gato falar mãe!
- Ela fala. Ela quer te dar oi, né filha?
- Sai de reto, filha do coisa ruim! Eu não quero você não. CRUZES! ATÉ OS OLHOS VERMELHOS ELA TEM!
- É a luz, Rodrigo, é a luz! Ficou vermelho por causa da luz, seu idiota! Vem, vamos pro quarto.
- SOLTA ESSE DEMÔNIO!
- ELA NÃO É DEMÔNIO! – o Bruno gritou do quarto.
- Deus aumente a sua audição – Rodrigo entrou no quarto e foi abraçar o cunhado.
- Com um apartamento desse tamanho a gente ouve até os pensamentos de quem está na lavanderia. Tudo bem?
- Eu estou e você?
- Bem!
- Bruno! – eu me espantei. – Eu vou ficar fora uma semana, meu amor, não um mês!
- É que eu não sei o que você vai querer usar ou não, por isso estou colocando várias opções.
- Acho que ele está querendo se livrar de você – Rodrigo brincou.
- Jamsis! Nunca mesmo.
- Besta. Que bom que você veio.
Nós ficamos falando por um tempo e de repente eu ouço um grito por parte do Rodrigo. Ele se assustou com a gata e quase caiu da varanda do nosso quarto.
- ESSE TROÇO PELUDO E NOJENTO ME LAMBEU! QUE NOJO!
- Coitadinha... – eu ri e dei um beijinho na cabeça da Gertrudes Filomena. – Ela é um doce, né filha?
- Mãe...
- Cadê o álcool? Cadê o álcool? Quero lavar meu braço! Que nojo... A língua dela é áspera, credo. Você é filha do coisa lá de baixo, gata nojenta!
Passado o show do Rodrigo, enfim ele se despediu de mim. Meu irmão postiço me desejou sorte, pediu para eu manter a calma, para me controlar, para não falar nada de errado naquele momento e acima de tudo, pediu para eu manter a cabeça erguida e para eu mostrar que eu tinha crescido, amadurecido e virado um homem de bem.
- Obrigado por ter vindo, tá? Você é muito importante pra mim.
- Você também é muito importante pra mim. Liga quando chegar lá, tá? Liga a hora que for.
- Pode deixar.
- Me mantenha informado de tudo, por favor. Não vou deixar de orar por vocês.
- Obrigado, Digão. Você é lindo demais!
- Tchau, Bruno. Tchau, Caio. Se cuida e boa viagem, tá? Me mande notícias.
- Obrigado! Eu mando sim, pode deixar. Vai com Deus e manda lembranças pros seus pais.
- Eles te mandaram um abraço falando nisso. A minha mãe falou que é pra você ter juízo e tomar cuidado com o que vai falar.
- Avisa pra ela que eu vou lembrar disso. Até mais, mano. Eu adoro você.
- Eu também! Tchau pra vocês.
- Tchau!!!
Fechei a porta e aí sim me dediquei de corpo e alma ao meu namorado. Ele me beijou e eu o guiei até a cama, pra gente se despedir. Afinal de contas, seria uma semana sem sexo e nós ficaríamos loucos por causa disso.
- Chupa tudo, vai – ele mandou, com muita delicadeza.
Obedeci e logo em seguida senti o leitinho dele na minha garganta. Engoli tudo e depois invertemos os papéis. Gozamos duas vezes cada um.
Depois do sexo, nós tomamos banho juntos e depois do banho já foi a hora de me trocar para ir viajar. Eu coloquei uma roupa de frio na mala por precaução. São Paulo sempre era uma cidade gelada, principalmente de madrugada e no inverno.
Me arrumei, peguei minhas coisas, meus documentos, me despedi dos gatos e nós saímos. Ele ia me levar no aeroporto, é claro.
Chegamos lá faltando 30 minutos para meu embarque. Eu resolvi o problema da minha passagem, fiz check-in e fiquei esperando a hora da chamada do voo, o que não tardou a acontecer.
- É meu voo...
- É sim – ele levantou. – Vai lá, meu amor. Eu estou aqui torcendo para que dê tudo certo, para que vocês fiquem numa boa e para que tudo seja mais simples do que a gente está pensando.
- Tomara. Me dá um beijo, vai?

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Nos beijamos e nem nos importamos com o que poderia causar aquele beijo.
- Vai – ele me incentivou. – Vai com Deus, vai com a cabeça erguida, vai com fé e vai dar tudo certo. Pensamento positivo sempre. Me liga quando chegar, tá bom?
- Pode deixar, amor. Pode deixar. Obrigado por ser tão lindo. Eu te amo.
- Eu também te amo, amor. Vai com Deus.
- Amém. Fica com Ele.
Me despedi dele com mais um beijo, peguei minha mala e me dirigi ao avião. Em 15 minutos eu já estava voando e meia hora depois, eu estava desembarcando.

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A ponte aérea Rio – São Paulo é muito rápida. Eu cheguei e já vi logo o Víctor me esperando.
- Amigo! – ele me abraçou com vontade. – Como é bom te ver, rapaz.
- Eu que o diga! Você está bem?
- Muito! E você?
- Bem também.
- O bom filho à casa torna, né? Bem-vindo de novo a São Paulo!
- Ai, nem fala. Faz anos que não piso aqui.
A sensação que eu tinha era muito esquisita. Era como se eu não visse aquela cidade há mil anos, mas só faziam 5. E continuava tudo igual. Tudo igual!!!

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No carro eu liguei pro Bruno e pro Rodrigo. Ambos ficaram suspresos com a rapidez da minha chegada na minha cidade, na minha antiga cidade:
- Você chegou aí mais rápido do que eu cheguei no nosso apartamento. Credo!
- Pois é – eu ri. – Pra você ver. Está tudo bem, né?
- Tirando a saudade...
- Eu estou com saudade também, seu lindo. Se cuida e vá dormir. amanhã cedo eu te ligo.
- Ficarei esperando. Comporte-se.
- Você idem.
Enquanto o Víctor dirigia eu fiquei olhando pra cidade e revivi vários momentos que passei ali, principalmente quando nós passamos nos shoppings.
- Ai, Deus... Está tudo exatamente igual...
As mesmas poucas árvores, as mesmas estátuas, o mesmo concreto, a mesma intranquilidade, a memsa correria. Até de madrugada São Paulo não parava. Eu vi várias pessoas andando pra lá e pra cá e vi várias pessoas felizes, comemorando nos bares da Terra da Garoa. Eu fiquei totalmente nostálgico.
Mas fiquei mais nostálgico ainda quando cheguei em Higienópolis, meu bairro antigo. Tudo estava exatamente igual, com exceção de vários condomínios que apareceram em algumas ruas.
- Tudo está igual, mas ao mesmo tempo tão diferente!
- É, pois é. Mudou algumas coisas, mas a maioria continua no mesmo lugar.
Me senti aliviado quando entrei na casa do meu amigo. Eu queria descansar um pouco para no outro dia ver o que ia fazer da vida.
- Pode ficar à vontade.
- Seus pais? Onde estão?
- Dormindo.
- Ah, é claro. Que pergunta a minha. Eles sabem que eu vim?
- Sabem sim. Eles deixaram você ficar aqui, não se preocupe.
- Muito obrigado, viu Víctor? Obrigado mesmo.
- Relaxe. Enquanto eu puder te ajudar, você pode contar comigo.
Me senti agradecido por esse gesto do Víctor. Ele sempre continuou a mesma pessoa comigo, independente da distância. Eu devia muito è ele também.

Acordei lá pelas 9 da manhã e me senti totalmente esquisito. Eu queria estar na minha cama, não na casa do Víctor, mas tudo bem.
Depois de escovar meus dentes, eu desci para procurar meu amigo e encontrei ele e toda a família reunidos na mesa do café da manhã. Fiquei muito, muito sem graça mesmo.
- Bom dia – falei.
- Bom dia, amigo!
- Caio!!! – a mãe do Víctor levantou e foi até onde eu estava. – Meu Deus... Como você mudou! Está tão alto! De barba e de aparelho... Nossa!!!
- Olá, Dona Susana. Quanto tempo não?
- Verdade! Nossa você mudou muito! Está tudo bem?
- Sim e a senhora?
- Bem, obrigada! Mas me chame de você. Senhora está lá no céu! Seja bem-vindo, viu? Fique à vontade.
- Obrigado!
Me aproximei e cumprimentei o pai do meu amigo, para depois falar com a avó dele:
- Como está o senhor, Seu Roberto?
- Roberto, apenas Roberto. Feliz em vê-lo. Fez boa viagem?
- Graças a Deus. Queria agradecer pela hospitalidade...
- Imagina! É sempre um prazer ter os amigos do Víctor por perto.
- Obrigado! E a senhora, Dona Maria? Está bem?
- Bem, meu filho. Como você cresceu, hein? Nem parece mais aquele garotinho que o Víctor trouxe todo arrebentado e ensanguentado!
- Nem me lembre desse dia, Dona Maria. Nem me lembre desse dia.
Eles pediram para eu sentar e mesmo constrangido eu tomei café com eles. Comi pão, bolo e tomei suco de manga. Foi ótimo.
Depois do café eu resolvi tomar um banho e não adiei mais a minha saída pra maternidade. Se eu tinha que ver a minha mãe, que visse logo de uma vez.
- Pode deixar que eu faço questão de ir de ônibus – falei ao Víctor. – Eu quero matar a saudade de andar de ônibus aqui em São Paulo.
- Você é louco, é? Só você mesmo pra sentir saudades disso.
- Minha cidade, né? Faz tanto tempo que eu não faço isso... Me deixa ser feliz!
- Então tá bom. É você que sabe.
- De toda forma obrigado pela boa vontade. Você é um anjo!
Saí de casa e fui andando até o ponto de ônibus. Foi um martírio lembrar de tudo o que eu vivi naquela rua, enquanto eu era criança e adolescente.
E para a minha surpresa, revi logo de cara alguns vizinhos meus. Uma em especial. Dona Linda. Ela morava ao lado de minha casa.
- Dona Linda? – a chamei.
- Ah, Cauã! Olá. Como está sua mãe?
- Hã... – fiquei sem jeito. Ela pensava que eu era meu irmão. – Não sei! Estou indo lá vê-la agora.
- Mande lembranças, por favor.
- Pode deixar, Dona Linda. Até mais!
Preferi não causar fofoca com a minha chegada a São Paulo. Era melhor ela continuar pensado que eu era o Cauã. Será que mais alguém ia se confundir? Será que minha mãe ia se confundir?
Peguei no ônibus, paguei a passagem – um abusrdo, diga-se de passagem –, sentei e fiquei olhando a paisagem. Me perdi no meio de tantos pensamentos que até esqueci de ligar pros meninos.
Falei primeiro com o Bruno e depois com o Rodrigo, mas ambos estavam meio ocupados e eu preferi não atormentar muito. Depois eu falaria com eles.
Continuei olhando a paisagem e quase perdi o ponto em que eu tinha que descer, tamanha foi a minha distração, tamanha foi a vontade que eu tive de continuar mergulhado nos meus pensamentos do passado. Como eu sentia falta daquela cidade...
Caminhei pela calçada e fiquei atento a tudo. Ao barulho dos carros, ao vai-e-vem das pessoas, às buzinas, ao engarrafamento, ao som do metrô que passava debaixo do chão, à correria dos paulistanos e até mesmo à poluição, que continuava a mesma. São Paulo era a mesma.
E então eu cheguei ao hospital onde a minha mãe estava internada. Cheguei, olhei para um lado, olhei para o outro, não vi ninguém conhecido e entrei. Entrei e fui direto na recepção.
- Pois não?
- Bom dia. Eu queria saber onde está a paciente Fátima Monteiro da Silva, por favor.
- O que você é dela?
- Filho.
- E veio como visitante ou vai ficar como acompanhante?
- Hã... Acompanhante.
Se eu falasse visitante talvez ela não me deixasse vê-la naquela hora. Por isso eu pensei rápido e resolvi falar acompanhante. A mulher me deu uma etiqueta para eu colar na roupa e informou o número do quarto. Não sei como ela não achou aquilo estranho, mas tudo bem.
Caminhei pelos corredores do hospital e confesso que tive um pouco de dificuldade para encontrar o quarto da minha mãe, mas logo me localizei e vi a porta com o número informado pela moça da recepção.
Com medo, com muito medo, eu me aproximei. Eu estava bem apreensivo. Como será que ela estava? Será que ela ia me reconhecer? Será que ia ficar tudo bem entre nós dois?
Eram tantas perguntas que eu demorei quase meia hora só para colocar a mão na maçaneta da porta, mas quando o fiz, esta se abriu por conta própria.
E então eu o vi. Muito mais velho do que eu poderia imaginar, muito mais acabado do que eu poderia sonhar!
Nossos olhos se cruzaram e eu dei uma certa atenção aos pés de galinha em seu rosto marcado pelo tempo.
E de repente, não mais que de repente, as minhas pernas tremeram como vara verde. Minhas mãos passaram a suar frio, meu estômago gelou e eu fiquei com a boca seca.
Depois de 7 anos, 2 meses e alguns dias, depois de 7 anos fora de São Paulo, depois de 7 anos longe de tudo, longe de todos, depois de 7 anos construindo o meu futuro ao lado de uma família nova, eu estava de novo frente a frente com aquele que foi o propursor de todo o meu ódio, de toda a minha mágoa, de todo o meu sofrimento, de toda a minha angústia e de todas as feras que existiam dentro do meu peito.
Depois de 7 longos anos, eu estava de novo frente a frente com ele, aquele cara que quis acabar com a minha vida, mas que no fundo não conseguiu fazer nada, a não ser me dar a chance de viver uma vida nova.
Depois de 7 anos eu estava de novo, cara a cara com aquele homem severo, homofóbico e agressivo. Depois de 7 anos, eu estava de novo olhando para os olhos do meu pai.

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