terça-feira, 7 de abril de 2015

Capítulo 84²


T
otalmente incrédulos. Assim nós dois ficamos.
- Mas... Você comprou a mesma coisa que eu? – fiquei chateado. – E para a mesma data?!
- Posso saber quem mandou você ter a mesma ideia que eu?
- E eu ia saber que você ia comprar um pacote pra Argentina também? Você disse que a gente ia pra Europa!
- Mas era pra te despistar! Eu sempre tive a intenção da gente passar uma temporada em Buenos Aires!
- Tá vendo? Se você me falasse os seus planos, isso não teria acontecido!
- Até parece que eu ia estragar a surpresa, né Caio?
- E agora? O que a gente faz com isso?
- O seu é pacote, não é?
- Sim! O seu não?
- Não, não é.
- Mas... Como não? Pretende ficar quantos dias lá?
- As férias inteiras – ele soltou um riso enquanto falava.
- OS TRINTA DIAS?
- É! Não gostaria?
- Adoraria, mas... Não vamos ter dinheiro pra ficar os 30 dias no exterior, Bruno Silva!
- É Duarte! Vamos sim, Caio Monteiro. Um colega da faculdade me emprestou a casa dele lá de Buenos Aires. Nós ficaremos lá.
- Seu amigo tem uma casa em Buenos Aires?
- Aham.
- Que rico ele!
- É que ele morou lá por alguns anos e emprestou a casa pra gente ficar o tempo que a gente quiser.
Ah... E eu vou perder o meu pacotinho?
- Não, amor! Você pode vender.
- Vender? Pra quem?
- Pro Vinícius, por exemplo. São 7 dias?
- Isso – fiquei todo sem graça. Ele tinha dado um jeito pra gente ficar 30 dias na Argentina e eu só 7.
- Acho que ele consegue uma folguinha no hospital e a Bruna vai estar de férias. Tenta ver com ele.
- É eu vou fazer isso.
- Que foi, anjinho? Você ficou chateado?
- Ah... Você ficou sem presente!
- Não fiquei não! Olha os chocolates aqui...
- Isso não é nada comparado ao que você me deu – fiquei frustrado de verdade.
- Olha pra mim – ele levantou meu queixo. – Eu não me importo com presentes. Eu me importo com você.
Eu achei isso lindo, mas eu não poderia deixar o meu namorado – ou marido, como vocês queiram – sem presente. Eu ia me sentir mal se isso acontecesse.
Por isso, pensei rapidamente e cheguei à conclusão que iria fazer uma surpresa pra ele no nosso primeiro dia de viagem.
Nossas alianças já estavam velhinhas e era a hora de trocá-las. Ambas ainda estavam bem conservadas, mas eu já tinha enjoado daquele modelo e queria um diferente, queria um novo. Por isso, eu ia comprar as alianças e nós trocaríamos em Buenos Aires. Eu só estava torcendo para que ele não tivesse a mesma ideia.

Após o delicioso jantar, nós fomos pra um motel no centro da cidade. Naquela noite, por ser dia dos namorados, por ser uma ocasião especial, ele reservou uma suíte e foi lá que nós ficamos.
- U-A-U... – eu fiquei passado com a elegância daquele lugar.
- Putz... Que foda esse lugar!
- Puta merda, quanto é a pernoite aqui?
- Não importa quanto seja, importa o que vai acontecer aqui dentro.
- E o que vai acontecer aqui dentro? – me fiz de sonso de propósito.
- Isso – Bruno me puxou com uma força deliciosa. Eu amava quando ele tinha a pegada forte daquele jeito.
Ele me beijou com vontade e foi me empurrando até a cama. Deitamos, ele ficou por cima e me despiu em pouquíssimos minutos. Como nós estávamos apertados nas nossas agendas e estávamos meio que “atrasados” na cama, algo me dizia que aquela noite seria incrivelmente quente.
Não deu outra. Para a minha surpresa, meu namorado levou alguns apetrechos para a nossa noite de amor e esta foi realmente muito quente. As coisas pegaram fogo naquela suíte de motel.
A gente transou com as algemas e secamos uma latinha de leite condensado. Além disso, fizemos oral com “Halls” preto e secamos um potinho inteiro do óleo que esfriava. Fora isso, um pacote de camisinhas de morango foi por água abaixo naquela madrugada de 13 de junho de 2.011. Esta foi uma noite que ficará guardada na minha memória pro resto da vida.
- Delícia – falei, todo sem ar e suado.
- Você gosta? – ele mordeu a minha orelha.
- Eu amo! Seu cachorro...
- Cachorro? É? Você não viu nada, filho da puta!!!

- Pacote pra Buenos Aires? – Vinícius achou estranho.
- É sim! Bruno e eu tivemos a mesma ideia e tem um pacote sobrando. Você gostaria de comprar?
- Mas quanto é?
Informei quanto tinha pago e ele ficou indeciso.
- Mas eu não tenho dinheiro agora, eu to apertado, mano...
- Calma! Não precisa pagar tudo de uma vez, eu parcelei em 10 vezes sem juros.
- Hum... Sendo assim a figura muda. E quando é pra ir?
- Na primeira semana de julho.
- Ai, Caio! Eu quero sim! Vou dar um jeitinho de pegar uns dias aqui no hospital.
- Jura? Então eu nem vou ofertar pra mais ninguém, hein?
- Não precisa ofertar não. Deixa que eu quero sim. Vai ser ótimo escapar com a minha amada.
- Demorou, Vini! Obrigado por aceitar. Se você não aceitasse eu provavelmente perderia o pacote.
- Eles não aceitam devolução?
- Não!
- Deixa comigo. Vou fazer uma surpresa pra Bruna. Você vai estar lá nessa época também?
- A viagem é pro mesmo dia, pro mesmo voo... Eu até agora to espantado com a coincidência.
- Não é coincidência, é troca de energias. Vocês se amam tanto que tiveram a mesma ideia.
- Verdade. Não tenho mais dúvidas que somos almas gêmeas.
- Eu também não tenho dúvidas que a Bruna é minha alma gêmea.
- Delícia isso, né?
- Demais!
- Enfim, preciso desligar. Valeu mesmo por ter aceito. Depois você só precisa ir na agência de viagens para ver como fica a troca de titularidade.
- Beleza. De nada, cara. Um abraço e vê se aparece lá em casa, hein?
- Domingo mesmo estarei lá para levar o pacote.
- Beleza! Combinado. Abraço.
- Outro.
Desliguei e voltei pro trabalho, saciado da fome e aliviado por o Vinícius ter aceitado comprar o meu pacote de viagem para Buenos Aires.
- E aí, ele aceitou? – perguntou Alexia.
- Aceitou sim, graças a Deus. Pensei que teria que oferecer pra Deus e o mundo.
- Ainda bem que deu tudo certo. E você comprou as alianças?
- Não! Eu sou muito indeciso pra essas coisas. Precisaria de pelo menos uma hora só para olhar os modelos e mais uma hora para decidir.
- Que exagero!
- Não, não é exagero. Eu sou indeciso para essas coisas. Quando eu vou comprar algo, esse algo tem que ser perfeito, senão eu não compro. Ainda tem tempo, Bruno e eu só vamos viajar no dia 5 de julho. Ainda está longe.
- É verdade.
De repente, ouvi uma gritaria no meio da loja e quando menos esperei, notei que as pessoas estavam correndo.
- O que está acontecendo?
- UM RAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAATO – uma cliente gritou.

Foi a maior algazarra. Eu só via as mulheres gritando e correndo para todos os lados e os homens só faziam rir. Eu fiquei sem saber o que fazer.
- Um rato? – eu fiquei espantado. – No shopping? Na loja? Impossível!!!
- Com licencinha, Caio – Alexia simplesmente saiu correndo e se enfiou no corredor que dava acesso aos vestiários.
- POR FAVOR, NÃO SE AFOBEM – ouvi a Janaína gritar. – NÃO SE PRECIPITEM!!!
Ela disse isso, mas estava simplesmente branca e com as duas pernas em cima da mesa. Eu ri da cara dela, porque ela parecia apavorada.
- NÃO PRECISA TER MEDO, NÃO PRECISA TER MEDO! JOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOONAS, FAZ ALGUMA COISA, PELO AMOOOOOR DE DEEEEEUS!!!
Jonas saiu andando atrás do roedor e acabou encontrando o mesmo debaixo de uma mercadoria.
- Ah, é disso que vocês estão com medo?
Meu gerente segurou o ratinho na mão e todos nós percebemos que era um brinquedo. Eu ri muito da cara que o povo fez.

- Cabrunco da peste da gota serena do raio da saia remendada – Janaína abaixou as pernas e arrumou o cabelo. – Quase caguei e era só um brinquedo. Vá pra puta que pariu.
- Calma – eu fiz questão de ficar perto dela só pra ver a reação da minha irmã.
- ÉLINALDO – uma cliente começou a gritar no meio da loja. – SEU “FÉLA” DA PUTA AMOSTRADO! O QUE EU FALEI EM CASA?
A mulher, assumidamente nordestina e com um sotaque incrivelmente lindo que me encantou, pegou um menino que aparentava ter 10, 11 anos de idade pela orelha e arrastou o pobre coitado pelo meio da empresa.
- EU NÃO TE DISSE QUE NÃO ERA PRA TRAZER ESSA PORCARIA PARA CÁ, ÉLINALDO? EU NÃO DISSE?
Foi o maior escândalo. O menino ria, ria, ria e se divertia, mesmo com as porradas que levava da mãe.
- CATAPORA ROXA PRA ME FAZER RAIVA! “TIFE AMARELA”, “BOBÔNICA DO RATO”, “ENFEBRIADO AMOSTRADO”...
Eu fiquei foi com dó da criança. Essa mãe não teve dó do coitadinho, mas ele mereceu. A brincadeira foi de muito mau gosto.
- Voltem ao trabalho, voltem ao trabalho – ordenou Jonas. – Já está tudo sob controle.
- Moleque nojento – Janaína ficou com um bico de 15 metros. – Quase me fez morrer de medo.
- Você tem medo de ratos? – perguntei.
- Não, anta do agreste! Se eu quase subi no telhado em um segundo é porque eu amo roedores. É CLARO QUE EU TENHO MEDO, PESTE!!!
Tirando esse probleminha, aquele foi um dia tranquilo na loja. Eu só efetivei 3 vendas e no final do expediente, fui chamado para um feedback com o Jonas.
- Que foi, chefinho?
- Eu tenho uma coisa para te falar.
- Que foi? Que eu fiz de errado?
- Não fez nada, não fez nada. É uma posição da sua promoção!
- Ah, não diga que saiu e eu vou perder as minhas férias por causa disso?
- Como você sabe? – ele sorriu.
- JAMAIS! Não perco as minhas férias por nada!
- Calma! Eu estou brincando. Não é isso não. É o seguinte: o Antony enfim liberou a sua promoção.
- Sério? – fiquei com frio na barriga.
- Sério. Um gerente foi desligado, mas esse gerente que foi desligado, não é da equipe da Eduarda. Ela mandou perguntar se mesmo assim você aceita essa promoção.
- Depende! Onde fica essa loja?
- Fica em Nova Iguaçu!
- Deus me livre! Não tenho nada contra quem mora em Nova Iguaçu, mas seria longe demais pra mim. Não aceito não.
- Tem certeza?
- Absoluta! Totalmente fora de mão pra mim. Eu, hein? E como ficaria minha pós? Eu teria que ir e vir todos os dias, não, não. Quero não. Obrigado pela oferta, mas eu recuso.
- E se eu disser que se você recusar você perde a promoção?
- Não tem problema não. Eu prefiro fazer todo o processo seletivo de novo se for o caso, mas pra Iguaçu eu não vou não. Infelizmente eu não posso aceitar devido a distância. Explica isso a eles, por favor.
- Então tá bom. Vou passar a posição pra Duda.
- Passa e me mantém em cópia oculta.
- Hã? E é assim? Me dando ordens?
- Não é ordem, é um pedido. Eu quero ver qual vai ser a reação dela.
- Vou fazer isso, mas só porque você é meu parceiro e porque confio em você.
- Valeu, chefe!
- Mas cá entre nós? Adorei você não ter aceito. Se for pra ser promovido, tem que ser numa das lojas da Duda. Só não pode ser nessa.
- Não nessa eu também não aceitaria. Só aceitaria se você virasse regional e se eu fosse dividir a responsabilidade com a Jana. Caso contrário não aceitaria.
- Eu? Virar regional? É ruim, hein? Antony não vai muito com a minha cara. Ele quer puxar meu tapete, mas a Duda não deixa!
- Mentira?
- É sim! Nunca te contei isso não?
- Não, Jonas! Que história é essa, cara?
- Ele não gosta do meu estilo de gestão. Ele está falando bem da Jana pra todo mundo, já de mim... Mas você pensa que eu ligo? Duda sabe do meu trabalho! Ela confia em mim.
- Pô... Você é foda como gerente! Ele não pode ficar falando mal de você não! Ele é louco?
- Pois é! Mas eu nem me importo com ele. O importante pra mim é a minha superiora gostar do meu trabalho.
- Mas se ele pedir pra ela te mandar embora, ela vai ter que mandar.
- Sei disso. Estou esperando por isso a qualquer momento. Eu sei que se isso acontecer, ela não vai ter como dizer não pra ele, mas enfim. Enquanto ele não pede, a gente vai levando em banho-maria, né?
- Verdade. Deus queira que ele nunca peça isso. Nós faríamos greve se você saísse da loja.
- Ah, muito obrigado pela parte que me toca.
- Imagina! Eu adoro você.
- Eu também gosto muito de você.

ALGUNS DIAS DEPOIS...

- Vamos lá – Júnior me incentivou. – Já estamos na metade de nossas aulas.
- Graças a Deus.
A cada dia que passava, eu me sentia mais seguro no volante, mas ainda assim ficava um pouco amedrontado.
Naquele dia, Júnior disse que nós faríamos um percurso longo. Era a minha primeira aula no período da noite.
- Agora você vai virar à esquerda. Liga o piscalerta e reduz a velocidade.
Com calma, fiz o que ele me pediu. Não era tão difícil como aparentava ser. Não era um bicho de sete cabeças.
- Isso. Perfeito. Agora você vai pegar a faixa do meio para a gente entrar no túnel. Consegue fazer isso?
- Acho que sim!
Eu me concentrei ao máximo e no fim das contas, deu tudo certo. Dia após dia, o meu medo ia ficando de lado e bem aos pouquinhos, a minha habilidade estava sendo moldada. Só faltava pegar a carta e passar na baliza. Essa seria a parte mais difícil de todas.
- “Gude Neide” – ouvi a Zefinha falando consigo mesma. – “Gude Neide”.
- Que foi, Zefinha? – perguntei. – Falando sozinha?
- Treinando meu inglês, Caio – ela falou, enquanto lavava a louça.
- Você está fazendo curso?
- Estou, menino! Sempre quis falar inglês, acho muito chique!
- Mas não é “gude Neide”, mulher – eu ri. – É good night!
- “Gude ‘máite’”?
- Não. Good night – eu falei pausadamente.
- “Gude náiti”.
- Mais ou menos. Vamos treinar. Good night!
- Good night.
- Isso aí! Viu como não é difícil. E bom dia, como fala?
- Isso daí eu não sei não. Lembrei do “Gude Neide” por causa da minha irmã que se chama Lindineide. Daí ficou fácil lembrar, sabe?
- Entendi – eu ri.
Eu adorava a nossa diarista. Ela era um amorzinho de pessoa. Além de tudo, ela cozinhava muito bem. Era um prazer ajudá-la com aquele trabalho. Eu me sentia muito feliz com isso.
- Vamos tomar banho, bebê? – perguntei pro Enzo.

Ele me olhou com cara de “hã?” e saiu correndo de mim. Eu achei isso estranho! Será que ele tinha me entendido?
- Enzo Monteiro Duarte da Silva e Silva! Vem aqui!
Saí correndo atrás do gato e o Bruno não entendeu o que estava acontecendo.
- Estão treinando pra São Silvestre?
- Quero dar um banho nele, mas ele foge de mim.
- Ai, coitado! Ele não merece uma coisa dessas não!
- Ele precisa tomar banho, Bruno! Ele nunca tomou banho desde que chegou aqui. Mas o engraçado é que ele fugiu quando ouviu a palavra banho!
- Ele entende, ué. Vai querer dar na Gertrudes também?
- Claro! A coitada já está ficando encardida. Nem branquinha ela é mais!
- Ei! Não fala assim dela não, hein?
- ENZO? VEM AQUI, ENZO!
O gato se escondeu embaixo do guarda-roupa, mas eu consegui pegá-lo.
- Vamos tomar banho, mocinho!
O gato bufou e eu o rendi. Como ele era temperamental, meu Deus!
- Você não vai me ajudar, amor?
- Claro! Essa eu não perco por nada.
- Traz a Filó também.
- Gertrudes – ele me corrigiu.

Eu odiava esse nome. A gata era tão linda, merecia um nome mais bonitinho.
Levei o Enzo pro tanque e quando ele viu que ia realmente tomar banho, tentou fugir dos meus braços de tudo que foi jeito, mas eu não deixei.
- Não senhor, você vai tomar banho.
- Caio! Tem que esquentar água, coitados!
- Que esquentar água que nada, Bruno. Olha o calor que está fazendo hoje, amor.
Era inverno, mas mesmo assim estava fazendo um calor danado. Rio de Janeiro, né?
Eu coloquei o gato dentro do tanque e ele tentou pular, mas eu o rendi e o peguei pela pele do pescoço. Dessa forma ele não teve outra forma a não ser me obedecer.
- CAIO! ISSO DÓI!
- Dói não, Bruno! Você não sabia que é assim que se pega um gato quando ele está arredio?
Liguei a torneira e a água fria caiu no gato. Ele arregalou os olhos azuis, me lançou um olhar de “não acredito nisso!” e miou sem parar um segundo sequer:
- NÃO... NÃÃÃÃÃÃO... NÃAÃÃÃÃÃÃO...
- Coitado! – Bruno riu e foi me ajudar. – Você é um pai muito malvado!
- Que não que nada, Enzo. Vira macho, rapaz!
Eu coloquei xampu no gatinho e meu namorado o ensaboou. O coitado não parou de reclamar um segundo sequer e tentou fugir várias vezes.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO – ele miava.
- SIIIIIIIIIIM – eu retrucava.
- Por que será que os gatos falam “não”? – perguntou meu namorado.
- Eu não sei!
O banho não durou muito, porque o Enzo quis me arranhar o tempo todo. Depois que o Bruno ensaboou o bichinho, eu o joguei de novo debaixo da torneira e o enxaguei. Em seguida nós o secamos com uma toalha e o soltamos no chão.
O gato bufou várias vezes e saiu correndo para o sol da lavanderia. Ele ficou sacodindo as patas e ficou andando com as pernas arreganhadas. Será que estava assado?
- Agora é sua vez, filha! – falei.
Filó me olhou, piscou duas vezes e continuou me olhando sem parar. Eu a tirei do colo do Bruno, a coloquei dentro do tanque, liguei a torneira e a coitada deu um pulo por causa da água fria, mas em nenhum momento quis sair do tanque e não fez escândalo.
- Coitadinha!!! – Bruno deu risada e ensaboou a filhota.
- Ela é tão diferente do irmão!
- Ela é linda, ela é maravilhosa! Né, filha?
O mais engraçado naquela gata era que ela olhava dentro dos nossos olhos. Ela parecia nos entender e não era arredia como o irmão.
- Pronto, amor – falei e a coloquei no chão. – Já lavou a perseguida, pode ir se secar.
A gatinha saiu desfilando com o rabo erguido e imitou o irmão, sacodindo as patas e se lambendo logo em seguida. Nós tiramos uma foto dos bichinhos pra postar em nossas redes sociais.
- Muito bem, Gertrudes – Bruno a elogiou. – Como uma verdadeira dama da sociedade deve fazer. Fica quietinha e não faça escândalo.
- O que você está querendo dizer com isso? – fui tirar satisfação. – Que meu filho não é um cavalheiro?
- E ele é? Olha o escândalo que ele fez pra lavar o focinho.
- Claro que ele é! Ele é um cavalheiro sim! E se você falar mal dele de novo eu corto a relação com você, hein?
- Corta? – Bruno me puxou para um beijo. – Será que corta mesmo?
- Corto – falei baixinho.
- É?! Corta?
Ele me beijou.
- Isso não vale. Isso é golpe baixo.
- Golpe baixo, é? – ele cheirou meu pescoço. – O que você acha da gente namorar um pouquinho enquanto nossos filhos estão no sol, hein?
Já fiquei excitado.
- Namorar? Hum... Uma ótima ideia!
Ele me beijou e foi me levando para a cama enquanto isso acontecia. E como foi bom ficar com ele naquele dia!

Na véspera da nossa viagem, Rodrigo foi nos visitar e ficou irritado com a presença dos gatos.
- Gatos nojentos! Vai pra lá, sarnento!
- A Gertrudes não é sarnenta!!! – Bruno se irritou e tirou a menina do sofá.
- Gertrudes! Isso é nome de gato, Bruno?
- Ela é minha filha e é sua sobrinha, por isso a respeite!
- E eu lá vou ser tio de uma coisa feia dessas? To fora!
- Mal-educado – reclamei. – Não vou te servir bolo também, só de raiva.
- Tem bolo, é? Eu quero! É de prestígio?
- É de abacaxi!
- De abacaxi? E existe bolo de abacaxi?
- Claro que existe, mas como você não respeitou os seus sobrinhos, eu não vou te dar nada.
- Vai, Cacs... Me dá um pedacinho?
- Chato! Não era pra fazer essa carinha de pidão. Droga!
- É por isso que eu te amo, sabia?
- Ei, eu estou aqui, viu?
- E eu com isso? Vai pra algum lugar e me deixa a sós com meu irmão!
- Até parece – Bruno sentou bem ao lado do cunhado e deixou os dois gatinhos no colo. Os bichanos já estavam virando gatões.
- Gatos fedorentos!
- Ei... Eles não são fedorentos! – reclamei. – Dei banho neles esses dias aí!
- Esses dias? E isso porque não são fedorentos. Imagina se fossem!
- Para de xingar seus sobrinhos, Rodrigo!
- Sobrinhos... Até parece!

Dei o bolo daquele chato e nós ficamos conversando a tarde toda. Por volta das 17 horas, recebemos um chamado do Fabrício e ele perguntou se nós queríamos ver a primeira ida do Nícolas à praia. É claro que a gente aceitou.
- Dá tchau pro padrinho, Enzo – falei.
- Padrinho! Essa é boa. Sai pra lá, gato inútil.
- Inútil é a sua vó – bati no Digow. – Olha como você fala com meu filho!!!
Rodrigo realmente não gostava de gatos. Eu queria entender o motivo desse bloqueio.
- Oi, Nícolas!!! – Bruno saiu correndo atrás do menino.
- Mas esse menino não vive sem o Nico, né? – Fabrício analisou.
- Ele ama crianças – falei.
- É, eu estou vendo.
- Tudo bom, Fabrício?
- Bem, Caio e você? Belezinha, Rods?
- Ótimo. Que milagre é esse você de sunga?
- Ai, nem fala. Meus ovos estão espremidos aqui. Maior incômodo, mas... Não posso tirar, né?
- Poupe-nos disso, por favor – Rodrigo brincou.
- Como se você nunca tivesse visto. Nem ligaria, de verdade.
- Oi, Fabrício! – Bruno só falou com o pai do Nico depois de uns 5 minutos.
- Oi, Bruno.
- Desculpa não ter falado com você.
- Tudo bem. Eu já me acostumei. Você sempre vai primeiro falar com meu filho, seu cachorro!
- É que eu adoro o Nico.
- Eu sei. Já percebi isso.
- Você vai criar o Nico da mesma forma que você? – perguntei.
- Hã?
- Vai fazer ele ficar pelado em casa e não vai deixar ele usar cueca?
- Ah! Isso é ele que vai decidir. Se ele quiser ser naturista, por mim não tem problema nenhum. A vida e as escolhas são dele.
O bebê estava usando uma sunguinha preta e estava lindinho. Era tão pequenino, tão delicado, que parecia até ser de porcelana.

Depois de mais ou menos vinte minutos, os padrinhos do menino deram o ar da graça. A gente ficou se divertindo horrores com a risada que o neném dava quando o pai fazia alguma palhaçada.
- Eu vou quebrar seu castelo de areia – ameacei.
- Nãããão – ele reclamou.
- AI, QUE LINDO! – me apaixonei por aquela vozinha fina e desafinada. Ele já estava falando algumas palavras. Só “papai” e “não” naquele momento.
- Seu lindo! – beijei a bochecha dele.
Era tão limpinho, tão cheirosinho! O Nícolas cheirava à “Mamãe & Bebê” da “Natura”.
- Ele é delicioso – Fabrício agachou ao lado do filho e ajudou o menino a finalizar o castelo de areia. – É assim, filho... Presta atenção, tá?
E não é que o neném ficou olhando pro que o pai estava fazendo? Eu achei aquilo lindo! Eu e Bruno estávamos pra lá de apaixonados pelo Nícolas. Ele era perfeito!
- Preparados pra viajar amanhã? – perguntou Bruna.
- Aham! E você?
- Estou também. Mal posso esperar.
Vinícius não segurou a língua e contou pra noiva que nós íamos pra Buenos Aires juntos. Ela ficou toda encantada.
- Já tem alguma coisa pronta pro casamento? – perguntou Bruno.
- Quase nada. Por enquanto só temos a decoração da igreja e nada mais. Estou louca atrás do vestido.
- Imagino.
- Vem, Nícolas – Fabrício tirou o menino da areia. – Vamos conhecer o mar pela primeira vez.
- Essa eu não perco por nada – Rodrigo saiu atrás do nosso amigo.
Todos nós fomos atrás deles. E quando o menino viu o mar pela primeira vez, pareceu ficar todo perdido.
Ele olhou para um lado, olhou para o outro, olhou para o pai, olhou para todos nós e depois voltou a mirar o oceano.
- Esse é o mar – falou Fabrício. – E você vai adorar brincar aqui quando ficar mais velho.
Silêncio. Nícolas só ficou olhando para a água.
- Molha os pés dele, mano – Vinícius aconselhou.
- Vem – Fabrício colocou o filho na areia. – Agora é só esperar a onda vir ao nosso encontro.
E quando isso aconteceu, a criança caiu na gargalhada e nós rimos por tabela.
- Acho que ele está com cócegas – Vini se divertiu. – Orgulho do padrinho!
- Tá com cócegas, neném? – Bruna abaixou e o menino olhou pra ela, rindo sem parar.
- Filmou tudo, Bruno? – o pai perguntou.
- Sim senhor, tio.
- Tio não, hein?!
Só saímos da Praia de Copacabana por volta das 19 horas. Quando o Nícolas começou a sentir fome, Fabrício resolveu voltar pra casa. Bruno e eu resolvemos fazer a mesma coisa.
- Vamos? – Fabrício olhou pro filho.
Nícolas ergueu os bracinhos e ficou olhando pro pai. Fabrício tirou o menino da areia e limpou o bichinho, porque ele estava todo sujo com os grãos finos e amarelos.
- Coitado, Fabrício!!! – Bruno se assustou quando o Fabrício literalmente colocou o Nícolas debaixo do braço, como se fosse um guarda-chuva.
- Ele gosta! Quer ver?
Fabrício começou a correr em círculos e o Nícolas soltou aquela gargalhada gostosa. Eu quase sequestrei aquele príncipe pra mim.
- Gostoso! – exclamei.
- Vamos embora. Já deu por hoje – Fabrício dessa vez colocou o menino sentado em suas costas. Eles estavam cada dia mais parecidos.
Me despedi do Rodrigo, me despedi do Fabrício, me despedi do Nícolas e por fim falei com o casal de médicos. Nós combinamos que nos encontraríamos no aeroporto com meia hora antes da saída do voo.
- Boa viagem, tá? – Digow me abraçou.
- Muito obrigado!
- E vê se volta logo, porque quando você voltar, vai se matar de tanto estudar.
- Eu sei que vou.
O primeiro semestre da minha pós foi ferrado, mas eu sabia que o segundo seria ainda pior.
- Se cuida e me liga – ele falou.
- Pode deixar. Cuide-se também e não leve muitas piranhas para a sua casa.
- Bobo!
Abracei meu amigo pela última vez. Ele estava tão cheirosinho...
- Cuide-se.
- Pode deixar – prometi.

- Seu cachorro – Janaína riu na minha orelha.
- Que foi, peste da minha vida?
- Se você não me trouxer pelo menos 25 presentes, nunca mais olho na sua cara!
- Vou levar sim: um monte de areia de novo.
- SE ATREVA E EU COLO O BURACO DO SEU PINTO COM CIMENTO!
- Malvada – eu ri. – Deixa eu desligar, tenho que ir.
- Vai, peste. Te amo!
- Também te amo, Jana!!! Beijo.
- Beijo, chato. Boas férias.

Vinícius, Bruna, Bruno e eu desembarcamos em Buenos Aires por volta das 16 horas. Fazia um dia frio na capital da Argentina.
- Acho que a gente se despede aqui, né? – falei, meio triste.
- Uhum! Mais uma vez obrigado por ter ofertado e pensado em mim – Vinícius apertou a minha mão e deu um tapinha no meu ombro.
- Imagina. Divirtam-se.
- Vocês também!
Beijei a Bruna e depois cada casal entrou em um táxi. Aquela seria a primeira vez que eu ia enfim ouvir o meu namorado conversando em espanhol.
- Buenas tardes – ele falou com o motorista.
- ¡Buenas! ¿A dónde vamos?
- A esta dirección, por favor – meu namorado entregou um papel com o endereço para o motorista.
- Ai, que lindo! – eu fiquei olhando pra ele.
- Que foi, anjo?
- Seu espanhol! Que coisa mais fofa!
- Para, Caio! Você está me deixando sem graça!
- Você é lindo demais!
O motorista dirigiu e foi conversando com o Bruno. Em muitas vezes eu não entendi nada do que eles falaram.
- ¡Perfecto! Gracias por todo – disse meu namorado, quando nós já tínhamos chegado na casa do amigo dele.
- De nada – respondeu o motorista.
- Ai que vergonha – eu falei.
- Que foi, amor?
- Eu não entendi quase nada do que vocês conversaram.
- Eu estava perguntando quais são os pontos turísticos da cidade, amor. Quer que eu te dê uma aulinha?
- Quero – fiquei até vermelho.
- Eu não sei falar muito, mas me viro. Quem mandou ficar 2 anos na Espanha, né?
- Pelo menos serviu pra isso, né?
- É verdade. Ano que vem eu quero te levar pra lá. E dessa vez é sério.
- E por que nós não fomos agora?
- Porque eu sabia que você queria ver a neve, por isso nós não fomos.
- Você é perfeito, amor. Você é perfeito!
Entramos na casa e nos deparamos com um local extremamente arrumado e limpo. Pelo que parecia, alguém limpava aquele lugar pelo menos uma vez por semana. Eu não vi nada sujo, nem nada fora do lugar. Estava tudo muito bem cuidado.
- O que acha da gente inaugurar essa cama, hein? – ele perguntou com um sorriso safado nos lábios.
- Eu acho uma excelente ideia!
Nós estreamos a cama de uma forma calma, mas ao mesmo tempo selvagem. Foi a primeira vez que fizemos sexo fora do país e eu estava esperando que fosse a primeira de muitas.
Ainda naquele dia, nós saímos para jantar fora. Queríamos e merecíamos aproveitar cada segundo daquelas férias, que na verdade era uma nova lua de mel, né? Atrasada, muito atrasada, mas era uma lua de mel.

Nós iríamos completar 1 ano de “casados” naquele mês. Sim, já faria um ano que eu e o Bruno estávamos morando juntos. O tempo estava passando rápido demais.
Pensando nisso, foi impossível não recordar o meu sofrimento e o sofrimento do Rodrigo, por minha saída da república do Realengo.
República que nem existia mais; não com os mesmos integrantes.
Antes éramos 8: Éverton, Maicon, Miguel, Kléber, Vinícius, Fabrício, Rodrigo e eu. E pouco a pouco, todos foram abandonando aquele barco.
O primeiro foi o Kléber, que saiu da república porque tinha se formado e decidiu voltar para a casa dos pais, no interior, no intuito de seguir carreira como professor de português.
Os segundos, ou o segundo e o terceiro, fomos Fabrício e eu. Fabrício saiu por causa do Nícolas, para dar privacidade ao garoto e eu saí para ficar ao lado do meu amor, ao lado do meu homem.
Depois saíram Vinícius e Rodrigo, que resolveram morar juntos devido à ausência que eu e Fabrício deixamos naquela casa e por fim, saíram Maicon e Éverton, que também se formaram e foram seguir carreira em suas respectivas cidades.
O único que tinha ficado foi o Miguel e ele deveria estar se sentindo péssimo, afinal, já não havia ninguém da primeira formação. Eu queria saber se a república tinha se reformulado com novos integrantes ou se ele estava dividindo a casa apenas com o Dênis. Eu não tinha contato com nenhum dos dois e também não fazia questão.

Bruno e eu fomos para um restaurante no centro de Buenos Aires. Como era inverno naquela época, a cidade estava realmente gelada. Eu saí com duas blusas e mesmo assim senti frio.
- Que da hora – eu falei. – Tem showzinho de tango!
- Você sabe dançar?
- Claro que não! Você sabe?
- Sei nada. Sou péssimo na dança.
- Quem sabe a gente aprende até a nossa volta pro Brasil?
- Até parece!
- Vai saber.
- Você quer tentar?
- Quero não, obrigado.
- Ah, bom! Pensei que queria pagar esse mico.
- Não, não. É só brincadeira.
Nós pedimos uma comida cujo nome eu não me recordo, mas que me lembro bem do sabor.
- Nossa, que delícia!
- Bom né?
- Muito – me regalei no jantar. Eu estava faminto.
- Seu celular ou é impressão minha?
- É sim – suspirei. Era o Rodrigo. Não atendi.
- Quem é? Digow?
- Ele mesmo. Vou retornar antes que ele não me deixe em paz.
Só não atendi por causa do roaming. Sim, sou mão de vaca.
- Fala, brother!
- Estou preocupado! Não me ligou ainda! Você já chegou?
- Cheguei, Digow, cheguei!
- Tá bravo comigo por eu ter ligado? Atrapalhei alguma coisa?
- Não, mano. Nós estamos jantando.
- Vini tá aí também?
- Não, né? É lua de mel, cada um fica na sua. Ou pensou que faríamos uma orgia?
Bruno quase cuspiu a bebida na minha cara. Ele engasgou.
- Bruno tá morrendo aí?
- Coitado! Fiz ele se engasgar.
- Bem feito!
- Idiota. Já cheguei, está tudo bem. Não tem que se preocupar, viu?
- Beleza, beleza. Vou deixar você em paz.
- Não seja dramático, por favor. Quando puder eu te ligo de volta.
- Pelo menos me manda umas mensagens no celular.
- Mando sim, pode deixar. Beijo!
- Outro. Te amo.
- Eu também, seu lindo.
Desliguei e nem fiquei com a consciência pesada. Rodrigo tinha que entender que eu estava em lua de mel e que eu queria só curtir o meu Bruno.
- Você está bem? – me preocupei.
- Que negócio é esse de orgia com o Vini e a Bruna? Rodrigo ficou louco?
- Não, eu é que brinquei com ele. Fique calmo!
- Que susto! Quero isso não, credo!
- Mas não quer por causa da Bruna, né?
- Não! Por causa dele também! Eu só quero sexo com você, você sabe disso.
- É brincadeira – eu sorri.
- Ou será que você quer um remember com ele? Se quiser fala que eu volto pro Brasil agora!
- Claro que não, né? Ele só foi uma aventura.
- Uma aventura que te deixou marcas, fale a verdade.
- Infelizmente não posso negar que foi bom, mas ficou no passado. Juro!
- Eu acredito em você, amor.
- Seu lindo!
- Ei, como o seu celular pegou aqui? O meu não tem área não!
- Sei lá! – dei de ombros. – Só sei que ele pegou.
- Caio, posso falar sério com você?
- Pode. Eu fiz alguma coisa?
- Não, não. Não tem nada a ver com a gente.
- O que é então?
- É sobre a minha vida profissional.
- Algum problema, anjo?
- Na verdade não é um problema, mas eu estou em dúvida com uma situação.
- Qual dúvida?
- Tem um amigo meu que conseguiu um emprego numa metalúrgica e ele me convidou pra trabalhar com ele.
- Ah... E você quer ir?
- Então, eu estou em dúvida. O salário é praticamente o dobro, tem hora extra, tem muitos benefícios a mais que no metrô, mas eu tenho medo de sair de onde estou e me estrepar no futuro.
- Entendo o seu medo. Eu também tenho esse medo.
- Você também quer sair da loja?
- Não, claro que não. Eu amo aquele lugar. Me encontrei profissionalmente ali.
- Hum. Mas então, o que você acha? Eu devo sair?
- Ah, isso daí é você que tem que dizer. Se eu fosse você, faria o que o coração mandasse.
- Eu vou pensar. O dinheiro está pesando muito.
- Por que? Você está com dificuldades financeiras?
- Não é isso. Eu me viro bem com o que ganho no metrô, mas é sempre bom ter um dinheirinho a mais, né?
- Nisso você tem razão, mas também tem que ver a questão da estabilidade, né?
- Pois é! Isso está pesando também.
- Quer um conselho?
- Claro que quero!
- Seu melhor amigo é seu travesseiro. Converse com ele e com seu coração. Se for pra dar certo, vai dar certo. Se não der, a gente vê o que faz lá na frente. Vamos viver um dia de cada vez.
- Você é tão decidido, você é tão seguro de suas emoções, de seus medos...
- Que nada! Quem dera eu fosse assim. Quem dera!
Mas o que eu disse tinha fundamento. De que adiantava ele fazer as coisas com a cabeça quente? O melhor que o Bruno tinha a fazer era pensar, repensar e pensar de novo. Ele precisava ver o que era melhor. Se fosse pra sair do Metrô Rio pra ir pra uma empresa onde ele não teria estabilidade, era melhor ele ficar onde estava. Se fosse pra ficar onde estava pensando como seria a vida na metalúrgica, era melhor sair.
Mas quem tinha que decidir era ele. Eu ia até dar a minha opinião, ia ajudá-lo a decidir o melhor a ser feito, mas eu não ia obrigá-lo a nada!
Nós terminamos o nosso jantar em paz, pagamos a conta, curtimos mais um pouco do tango e quando bateu a vontade de sair pra passear, fomos embora do restaurante.
Bruno e eu caminhamos de mãos dadas pelas ruas de Buenos Aires, conhecemos alguns locais e tiramos fotos para registrar todos os momentos que viveríamos naquela cidade encantadora. Em nenhum momento sofremos preconceito, ao contrário do Brasil.
- Que frio – ele choramingou e tremeu os lábios.
- Você não está acostumado com esse frio, né?
- Não! Na Europa eu sofria muito!
- Coitadinho! Daqui a pouco eu te esquento, tá?
- Vai me esquentar mesmo?
- Lógico!
Como ele poderia ter dúvidas daquilo? Enquanto fizesse frio, nós dois iríamos dormir agarradinhos a noite toda. E eu estava ansioso para aquilo acontecer.
Como quase nunca fazia frio no Rio, era raro o Bruno e eu conseguirmos ficar abraçadinhos durante toda a noite. Quando isso acontecia, normalmente era em dias de frio ou chuva, quando a gente não suava.
Passeamos um pouco e voltamos pra casa. Como estávamos sem fome, fomos direto pra cama, deitamos, nos cobrimos com vários cobertores e namoramos muito por muito tempo. Foi bom demais.
- Passou o frio?
- Passou – ele falou.
- Não disse que eu ia te esquentar?
- É! Obrigado, amor.
No dia seguinte, nós levantamos e saímos para tomar o café da manhã. Eu estava adorando a capital da Argentina. A cidade era belíssima!
Só que o tempo estava passando muito rápido, pra variar. Durante todos os dias Bruno e eu saímos de casa e quando percebemos, já estávamos praticamente na metade de nossa viagem.
Pensei que não tinha sido uma boa ideia levar o notebook, mas foi uma excelente oportunidade para nós descarregarmos as fotos que estávamos tirando. Já passavam de mil e a câmera já não suportava mais tanta imagem. Eu coloquei tudo no Facebook e no Twitter e recebi vários comentários de vários amigos. Todos estavam amando as imagens da Argentina. Era uma cidade lindíssima, na minha opinião.
- Obelisco – eu falei. – Que nome curioso.
- Verdade. Mas é bonito!
- É sim.
- O que nós vamos fazer agora?
- Passear, oras bolas. Ou você já se cansou?
- Claro que não! Só de não ter faculdade e trabalho, eu já me sinto descansado.
A Argentina tinha contrastes gritantes. A beleza imensurável se misturava facilmente com paisagens feias, ônibus caindo aos pedaços e com locais um tanto quanto pitorescos.

- Olha, amor – Bruno me cutucou. – Aquela mulher está pintando quadros. Vamos lá ver?
- Vamos!!!
Era uma artista de rua. Ela pintava quadros na praça e vendia ali mesmo. Bruno e eu gostamos tanto de um em específico que acabamos comprando para o nosso apartamento.
- ¡Muchas gracias! – a mulher ficou feliz.
- De nada! ¡Buenas tardes!
- Buenas tardes.
- Eu amei essa paisagem – falei.
- Eu também. Essa daqui vai direto para o nosso quarto.
- Sim, sim, sim.
- Ei, como estarão os nossos filhos?
- Muito bem, vivos e saudáveis. Não se preocupe.
- Saudades da minha Gertrudes Filomena.
- Melhor você não falar o nome dela em voz alta.
- Por que? – ele estranhou.
- É tão feio que o pessoal vai pensar que é um xingamento!!!

E foi no 16º dia que finalmente Bruno e eu tivemos oportunidade de ver a neve. Na manhã daquela quinta-feira, a cidade amanheceu debaixo de gelo e eu parecia uma criança, pedindo pro Bruno me levar pra conhecer a neve de qualquer jeito.
Fazia um frio descomunal. Em todos os meus praticamente 23 anos de idade, eu nunca tinha sentido tanto frio como estava sentindo naquele momento, mas a adrenalina por causa da neve fez a temperatura negativa chegar em 40º C, pelo menos dentro do meu corpo.
- Que linda!!! – meus olhos brilharam quando eu peguei uma bolinha de neve nas mãos. Eu fiquei foi encantado com tudo!
- Deixa eu tirar uma foto, olha pra mim...
Olhei pro Bruno e ele tirou várias fotos minha brincando com os flocos de neve. Em uma delas, ele clicou quando um floquinho caiu bem na minha língua. Aquela foi uma das fotos mais comentadas do meu álbum no Facebook e uma das mais retweetadas no Twitter.
Também fiz fotos do meu namorado. Eu não podia perder aquela oportunidade. Ele também tinha direito de ter esse momento registrado. Mas o Bruno já conhecia a neve, ele não teve a mesma adrenalina que eu tive. Eu estava muito feliz.
- Ei, Bruno? – chamei.
- Que foi?
Eu estava com uma bola de neve nas mãos e quando ele virou, eu joguei o gelo bem no meio da cara dele. Ele ficou tão assustado que ficou até sem reação.
- DESCULPA, MAS EU PRECISAVA FAZER ISSO – agachei de tanto que ri da cara dele. E é claro que eu tirei foto. Essa também foi bem comentada.
- VOCÊ ME PAGA, CAIO!
Eu comecei a correr dele e ele foi atrás de mim com uma bola enorme de neve nas mãos. Bruno jogou várias dessas nas minhas costas, mas eu não senti frio, afinal o gelo não entrou em contato com a minha pele. Eu estava bem agasalhado.
- Vem aqui, seu safado! – Bruno me puxou. Eu sabia que ele não estava com raiva de mim, mas ele fingia que estava.
Nos beijamos no meio da rua e eu nem me importei. Pelo que parecia, as pessoas em Buenos Aires não eram preconceituosas e aceitavam um casal gay com muito mais facilidade que os brasileiros. Eu curti muito com meu namorado naquela tarde.
- Eu vou colocar neve dentro da sua cueca pra você ver como é bom!
- Quer matar meu bichinho?
- Não – ele se arrependeu. – Eu preciso dele mais tarde.
- Pois é! Então não faça nada contra ele, por favor. O coitadinho já está todo encolhido, se você colocar gelo ele some.
- Está encolhido, é?
- Sim, ele está com frio. O seu não?
- Muito! Nem estou sentindo direito.
- Exagerado! Ele não é tão pequeno assim.
Eu já sabia quanto o Bruno tinha de dote e era exatamente o mesmo tamanho que eu tinha, mas eu não vou falar quanto é.
Rolou vários e vários beijos, várias e várias fotos. Em uma delas, nós ficamos nos olhando com seriedade e ele bateu a foto sem saber se ficaria boa. Ficou foi ótima.
- Que perfeita! – falei.
- Eu sou foda.
- E modesto também!
- Vamos fazer um boneco de neve?
- Adoro! Sempre quis fazer um boneco de neve!

Fizemos o boneco no jardim da casa onde estávamos hospedados. Não ficou muito grande porque não tinha muita neve, mas ficou bem bonito. Bruno colocou um gorro e ele ficou todo charmoso. É claro que tiramos foto disso também.
- O povo vai pirar lá no Brasil.
- Vai mesmo – ele concordou. – Nós somos artistas, fala a verdade?
- Nosso boneco ficou lindo!
Não foi apenas esse dia que nevou. Os dias que se passaram também foram bem gélidos e com neve. Teve um em especial que a nevasca até nos impediu de sair de casa, mas não nos importamos.

Acendemos a lareira e ficamos brincando na casa. Assistimos televisão, assistimos filmes, comemos besteira, bebemos muito chocolate quente, comemos marshmallow assado no fogo, igual as crianças fazem nos filmes norte americanos e namoramos muito! Foi um dia inesquecível.
- Eu quero o Harry Potter – falei.
- Então eu vou colocar ele. Espera aí.
Enquanto ele colocava o filme, eu finalizei o meu castelo de cartas de baralho. Demorei horas fazendo, mas consegui.
- Conseguiu? – ele voltou.
- Eu disse que faria, não disse?
- Disse, pena que ele vai cair – Bruno assoprou e a minha obra de arte voou pelos ares.
- SEU CACHORRO! – não me importei e bati nele, mas ele me puxou para um beijo apaixonado.
- Quer comer alguma coisa?
- Se eu comer mais alguma coisa eu vou sair daqui rolando – brinquei.
- Como é exagerado!
- Não, anjo. Eu estou satisfeito. Obrigado!
- Eu vou pegar mais chocolate.
- Vai lá. Eu te espero aqui.
Era o Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Eu sempre fui fã do bruxinho, desde a minha pré-adolescência e sempre devorei os livros em pouquíssimos dias. Quem não é fã do trabalho de J. K. Rowling que atire a primeira pedra.

- Voltei. Você aceita?
- Quero não, obrigado. Vem, deita aqui comigo e vamos ver a morte do Dumbledore.
- Não era pra ele morrer. Não era!
- Verdade.
Mas pior que a morte do Alvo, foi a morte do Dooby. Essa sim me deixa indigesto até os dias de hoje. Vai entender!

Durante aquelas férias, Bruno e eu conhecemos vários locais incríveis na Argentina. Andamos tanto, que conhecemos até o zoológico da região.
- Será que a Filó e o Enzo estão bem?
- É Gertrudes – ele me corrigiu. – Estão sim! Vítor não seria louco de não cuidar bem deles.
O melhor amigo do meu namorado ficou responsável pelo apê e pelos nossos gatinhos. Diariamente eu mandava mensagem no Twitter perguntando deles, eu já estava morrendo de saudades dos dois.
- Que leão enorme, né? – comentei.
- Será que ele se aproxima mais? Queria tirar uma foto!
Parece que o leão entendeu o que o Bruno queria e se aproximou da gente, mas se aproximou muito. Eu fiquei até com medo e saí correndo quando ele abriu aquele bocão enorme e cheios de dentes.
- Calma, tem grades – Bruno riu de mim.
- Eu, hein! Tenho é medo de morrer. Vem pra cá que é melhor.
A parte mais legal da nossa ida ao zoológico foi quando fomos visitar os camelos e vimos um esfregando o bumbum numa árvore. Quando ele parou, percebemos que a madeira ficou molhada. Bruno gargalhou.
- Acho que ele está com hemorroidas!
- Como você é maldoso!
Outra parte legal foi quando nós vimos dois jabutis namorando. O coitado do macho teve uma dificuldade imensa de subir na fêmea. O Bruno chorou de rir.
- Que absurdo – eu fiquei falando sozinho. – Alguém vai ajudar esse coitado, meu povo!
A ala mais legal de todas foi a das serpentes. Tinha uma cobra gigantesca em um viveiro e eu fiquei morrendo de medo. Parecia até a anaconda do filme.
- Acho que ela não é venenosa – falou o Bruno.
- Mas um aperto desse bicho mata na hora. Estou fora!!!
Fora o zoológico, nós conhecemos várias praças, várias lojas, shoppings, galerias, cinemas, restaurantes, boates, baladas... Enfim, meu namorado e eu visitamos todos os locais possíveis e imagináveis de Buenos Aires. Tiramos mais de 2 mil fotos. Algumas até eram repetidas.
- E aí, descansou nessas férias?
- Muito – falei. – Muito mesmo! Renovou as minhas energias.
- As minhas também!!!
Quando finalmente chegou o dia em que Bruno e eu completamos 1 ano de “casados” eu resolvi entregar a nova aliança.
- Amor?
- Oi, meu gostoso?
- Eu tenho uma surpresa pra você.
- Que surpresa? – ele perguntou, com ar de curiosidade.
- Fecha seus olhinhos, por favor.
Ele fechou, mas continuou com curiosidade. Eu tirei a caixinha de alianças do bolso da jaqueta, coloquei na minha mão, abri e falei em tom baixo, porque nós estávamos dentro de uma igreja.
- Você lembra que dia é hoje?
- Claro! Hoje completa um ano que nós estamos morando juntos.
Claro que ele lembrava. A gente já tinha comemorado essa data durante a madrugada com uma longa noite de amor.
- Abre os olhinhos!
Ele abriu e viu as alianças na minha mão.
- Caio!!!
- Hoje é um dia muito importante na minha vida, Bruno! Eu deveria ter entregado essas alianças muito tempo atrás, mas resolvi esperar até hoje pra celebrar essa data tão especial nas nossas vidas...
- Caio...
- Eu quero que você saiba que eu te amo muito, que eu sempre te amei, desde o primeiro dia em que te vi e que eu sempre vou te amar. Não importa quanto tempo passe, não importa quantos anos passem, eu sempre vou estar ao seu lado, sempre vou estar com você, você sempre será o meu amor e isso nunca vai mudar.
- Como você é lindo!!!
- Eu quero renovar aqui o nosso amor, Bruno! Nessa igreja, diante de Deus, diante de Nossa Senhora que nunca nos abandona! Eu quero que saiba o quanto eu te amo, o quanto eu preciso de você e o quanto eu quero você ao meu lado.
- Eu também te amo, eu também te quero, eu também preciso de você, Caio...
- Posso colocar no seu dedo?
- Claro que pode!
Ele estava incrédulo. Os olhinhos dele brilhavam. Eu tirei a aliança velha do dedo do Bruno e coloquei a nova. Em seguida ele fez o mesmo comigo.
- Eu nunca vou te abandonar, nunca – ele prometeu, olhando nos meus olhos.
- Eu também nunca vou te abandonar!
Mesmo estando em uma igreja, nós nos beijamos. Não nos importamos com nada e selamos as nossas promessas, nossos votos e nosso amor com um beijo sincero. Eu quase chorei.
- Ela é linda! Ela é muito linda!
A aliança nova era toda desenhada e dentro continha nossos nomes, a data do nosso namoro e a frase “Amor, Eterno Amor”. A aliança era realmente linda. E maior que a antiga. Eu estava sentindo meu dedo até mais pesado com aquele novo anel.
- Obrigado, amor! Eu amei muito!
- Que bom que você gostou. Vamos tirar fotos?
- Lógico!
Naquela noite mesmo eu postei essas fotos no Facebook e houve um rebuliço geral entre todos os meus amigos. Rodrigo até me ligou para saber mais informações sobre aquelas alianças. Eu não atendi, mas retornei:
- Hoje faz um ano que eu não tenho você mais ao meu lado – ele lembrou.
- Você lembrou, é?
- Você acha que eu ia esquecer? De jeito nenhum!
- Saudades de você.
- Eu também! Volta logo, tá?
- Voltarei daqui uns dias, não se preocupe.
Era a comemoração de 1 ano de união debaixo do mesmo teto e de 2 anos de namoro. Essa data já tinha até passado, mas a gente não parava de lembrar dela um segundo sequer.
2 anos de pura felicidade, essa é que era a verdade. Eu, que fiquei tão relutante em assumir o meu amor pelo Bruno, naquele momento pude ver o quanto eu demorei para ser feliz ao lado dele.
Eram 2 anos de cumplicidade, 2 anos de união, 2 anos de carinho, 2 anos de respeito mútuo, 2 anos de paixão, 2 anos de tesão, 2 anos de amor, o mais puro e verdadeiro amor que poderia existir.
E eu que pensava que não daria certo! Doce engano! Deu certo. Estava dando certo. E aqueles foram os 2 anos mais felizes de toda a minha vida.
Bruno estava mudado, Bruno estava maduro, Bruno estava diferente. Ele não era mais o imbecil de 16 anos que me traiu com o Léo e que fugiu às pressas do Brasil por causa do irmão criminoso.
Ele não era mais aquele mentiroso, aquele problemático, aquele insensível de outrora. Ele era um novo homem. Em todos os sentidos.
Extremamente carinhoso, extremamente respeitador, extremamente paciente, nada afeminado, que não fumava mais, que não bebia como antes e que não mentia em nenhuma circunstância.
Ele era muito mais humano, muito mais responsável, muito mais cauteloso, muito mais discreto, muito mais atencioso, muito mais cavalheiro.
Foi uma mudança incrível. Uma mudança de fato muito profunda. E foi uma mudança para melhor.
2 anos ao lado do homem da minha vida, 1 ano ao lado dele integralmente. Poderia ter felicidade maior que aquela? Não, não poderia.
Mas tudo que é bom, dura pouco. Minha viagem passou rápido, mas ao mesmo tempo demorou. Bruno e eu ficamos tanto tempo fora do Rio, tanto tempo num lugar desconhecido, num lugar gelado que descansamos pra valer. Eu tinha certeza que quando a gente voltasse, estaríamos renovados física e espiritualmente.

- Acabou – suspirei.
- É, acabou. Mas foi bom enquanto durou, né?
- Foi maravilhoso! Amei ficar fora do pais por tanto tempo. Eu nunca pensei que isso fosse acontecer.
- Eu já acostumei com isso.
- Cara, eu estou fora do país! Fora do Brasil! Dá pra acreditar?
- É, mas nós estamos voltando daqui a pouco.
- Eu sei! Lamentável isso. Sabe o que eu ia adorar?
- O quê? Morar aqui?
- Não. Aqui não. Eu queria morar lá nos Estados Unidos, mas nem é isso que eu ia falar.
- E o que é, então?
- Já que temos que voltar, eu ia adorar voltar por terra. Queria fazer um tuor pela região sul do nosso país. Pena que não dá mais tempo.
- Verdade. Da próxima vez a gente faz isso então.
- É sim! Já que não tem jeito, então vamos por Brasil.
- É! De volta ao Brasil!!!

JÁ NO RIO DE JANEIRO...

- Cadê o meu presente, Caio Monteiro? – Janaína me perguntou isso antes de me cumprimentar, quando eu voltei a trabalhar.
- Boa tarde pra você também, Janaína! Como tem passado? Tudo bem com você?
- Bem, obrigada. O meu presente, por favor – a gerente abriu a mão direita.
Eu a apertei.
- Aqui está seu presente!
- Um aperto de mãos? SÓ ISSO?
- É o que você merece!
- Ingrato! Malvado! Mão de vaca! Eu fiz tudo por você nas minhas férias e você me dá um aperto de mãos? SEU RUIM!
- Calma! Seu presente está na mochila. Daqui a pouco eu trago.
- Vá buscar agora!
- Tem certeza?
- Absoluta!
- Então espera aí.
É claro que eu não ia perder a oportunidade de zoar a minha amiga, não é mesmo? Quando fui pra Fortaleza, levei areia pra Janaína e de Buenos Aires eu trouxe uma pedra. Uma pedra mesmo, uma pedra qualquer que encontrei na rua, mas era apenas uma brincadeira.
- Aqui está seu presente!
- Ai, lá vem coisa. De novo uma caixa de fósforo? Se tiver areia aqui dentro eu quebro a sua cara!
Ela abriu e quando viu a pedra ficou passada.
- Tá me chamando de pedreira, né? Só pode! Primeiro areia, agora pedra... O que vai trazer da próxima vez? Cimento?
- Boa ideia!
- Pois olha só o que eu faço com a sua pedra!
A louca da gerente abriu a minha boca no meio da loja e colocou a pedra pra dentro. É claro que eu não engoli, mas quase aconteceu.
- Pense duas vezes antes de brincar comigo, mocinho!
Todos riram, inclusive eu.
- Eu até ia dar seu presente verdadeiro, mas depois desse vexame eu não vou dar mais.
- Dá sim, amigo – ela ficou toda dengosa.
- FALSA!
- Dá, vai? Eu quero tanto algo internacional!
Eu tinha comprado uma caneta que acendia para aquela doida. Quando ela viu, quase teve um troço de tanta emoção!
- AAAAAAI ELA ACENDE!!! OBRIGADA, MEU GOSTOSÃO!!!
- Agora você me abraça, né? Vadia!
- É que você me tira do sério, Caio Monteiro! Mas eu amei, obrigada!
- De nada, de nada! Agora me solta.
Eu comprei chaveiros para todos, mas para o Rodrigo eu levei uma camisa de futebol da Argentina, só pra sacanear. O problema é que ele adorou.
- Vou usar com o maior prazer. Obrigado, mano!
- De nada, meu Digow!

- Bom te ver de volta, Caio – Júnior me recebeu com um aperto de mãos.
- Espero que esse tempo não tenha me prejudicado, Júnior.
- Não se preocupa. Está tudo certo. Mas temos que acelerar essa carta, já faz muito tempo que você está no processo de retirada e até agora nada. Ainda faltam algumas aulas para poder ser a baliza.
- Eu sei. Eu vou acelerar tudo agora, pode deixar.
- Beleza. Vamos para a aula prática de moto?
- Vamos!

Essa era a parte mais divertida de todas. Andar de moto me deixava com a sensação que eu era livre. Era muito bom sentir o vento na minha cara enquanto eu pilotava.
- Olha o farol, olha o farol.
A moto era mil vezes mais fácil que o carro. Eu tinha a liberdade de passear pelo meio dos carros e isso me fazia ganhar muito tempo. Era divertido.
- Beleza, Caio. Por hoje é só! Está dispensado.
- Obrigado, Júnior! Até a próxima aula.
- Até!

- E aí, cara pálida? – Suzy me recebeu com dois beijos.
- Tudo bem, professora?
- Bem e você? Preparado para o treino?
- Como sempre!
- Então vai lá se trocar que hoje você vai focar e muito nos abdominais. Quero ver essa barriga voltar ao que era antes, hein?
- E vai voltar ou eu não me chamo Caio Monteiro!
- Assim que eu gosto!
Suzy era uma das personais da academia. Eu fiquei na equipe dela enquanto o Felipe estava de férias. Ela era tão ou mais casca grossa que ele.
- VAMOS LÁ, VAMOS LÁ!!!

A minha rotina na pós-graduação estava cada dia mais atribulada. Eu tinha muita coisa pra fazer e em muito pouco tempo. Eu estava doido para que aquela fase acabasse logo de uma vez.
- Calma! Falta pouco agora – eu falei para mim mesmo. – Essa é só mais uma fase da sua vida, é só mais um desafio a ser vencido. E você vai conseguir! Basta ter fé.
- E essa aliança nova aí? – Fabrício olhou a minha mão. – Pensei que seria dourada.
- Não! Por enquanto ainda é prata. Deixa assim que está muito bom. Cadê o Nico?
- Dormindo. Vai lá vê-lo.
- Eu vou mesmo. Adoro o seu filho.
O menino estava dormindo profundamente no berço. O bebê estava envolto em uma manta azul e dormia tranquilamente. Era um verdadeiro anjinho.
- Cadê ele? – Bruno perguntou.
- Dormindo.
- Ai que lindo, meu Deus do céu!!!
E mais uma vez eu estava adiando aquela conversa com o Bruno. Mas ela ia acontecer. Ela tinha que acontecer.
- Oi, Vini. Oi, Bruna – falei.
- Oi, Caio – eles falaram ao mesmo tempo.
- E aí? Como foram em Buenos Aires?
- Porra! Tremenda lua de mel – Vini sorriu. – Um puta hotel, uma puta vista pra cidade... A gente amou!
- Verdade – Bruna suspirou. – Valeu muito a pena!
- Conheceram a cidade toda?
- Quase tudo, não deu pra conhecer tudo porque o tempo foi pouco. E vocês?
- A gente conheceu tudo sim. Eu acho. Gostamos muito também. Nevou enquanto vocês estavam lá não, né?
- Não – Bruna parecia frustrada. – Eu queria tanto!
- Mas gente, faz muito frio naquela cidade. Meus rins ficaram até congelados.
- Deixa de ser exagerado, Vinícius! – eu ri. – Isso porquê você não viu nos dias de neve.
- Deus me livre!!! Não fui feito para viver no frio não. Eu prefiro o calor.
- Pois eu sou um zilhão de vezes o frio ao invés do calor! – exclamei e finalizei o assunto.

TERÇA-FEIRA, 30 DE AGOSTO DE 2.011, 23H59...

Eu estava tão concentrado nos meus estudos que fiquei perdido no tempo e nem me liguei que faltava apenas 1 minuto para o meu aniversário.
Quando o relógio apitou, marcando 00:00 e a chegada do dia 31 de agosto, as luzes do apartamento simplesmente apagaram e eu me vi num breu total e absoluto.
- Que diabo é isso? – perguntei comigo mesmo. – Bruno?
Silêncio. Eu achei isso suspeito e levantei. O que ele estava aprontando?
- Brunô? Cadê você?
Mais silêncio ainda. A única coisa que eu ouvia era o roncado da Gertrudes, no tapete da minha cama.
- BRUNO? BRUNÔ?
Com dificuldade, andei até a porta do quarto e a abri. Quando saí no corredor, tateei as paredes até entrar na sala. Eu não estava vendo nada.
- Bruno? – falei de novo. – Eu sei que você está aí em algum lugar. O que está acontecendo, hein?
Eu sentia a presença de alguém naquele apartamento. Eu sabia que o meu namorado estava em algum lugar. O que ele estava aprontando?
- BRUNO CADÊ VOCÊ? – eu me irritei de vez.
Nesse momento as luzes se acenderam e eu vi uma festa de aniversário montada pra mim na cozinha do meu apartamento.
- SURPRESA!!! – gritaram Bruno, Rodrigo, Vinícius, Bruna, Janaína, Alexia, Diego e Fabrício. Até o Nícolas e a Camila estavam na minha casa. Mais uma vez eu tinha caído nas armações do Bruno, mais uma vez eu estava ganhando uma festa surpresa de aniversário.

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