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Era como se eu estivesse vendo os olhos dele na minha frente. Eu senti um nó enorme na minha garganta, as minhas pernas ficaram bambas, minhas mãos começaram a suar frio e o meu coração disparou como há muito tempo não fazia.
- Que bom que eu consegui te encontrar – Vítor estava suado e sem fôlego.
Nossos olhos ficaram imóveis e eu realmente não sabia como deveria agir ou o que deveria fazer.
- Eu queria conversar com você, é possível?!
Não. É claro que não era possível. Eu sabia muito bem o que aquele garoto queria comigo e não estava nem um pouco a fim de passar raiva com o que ele ia me dizer.
Percebendo que eu não respondia nada, ele insistiu no assunto e falou novamente:
- Caio? Nós podemos conversar?
Engoli toda a saliva que estava em minha boca, respirei fundo e disse:
- Sinto muito, eu não tenho tempo para conversar com você agora.
- Mas é importante!
- Sinto muito – repeti e balancei a cabeça negativamente. – Não tenho mesmo tempo, eu preciso ir trabalhar.
- É que eu tenho um re...
- Vítor, eu já disse que não tenho tempo para falar com você! Você entendeu?
- Mas, Caio...
- Nâo tem mas, nem meio mas! Agora, por favor, me deixa em paz que eu preciso pegar o ônibus.
- Eu tenho um recado...
- Vítor, eu não vou falar novamente. Não quero, não estou com vontade e não vou falar com você!
- Mas...
- Faça-me o favor!!!
Eu virei as costas pro carinha e segui meu rumo, mas é claro que ele não se deu por vencido e foi atrás de mim.
- Me espera, garoto – ele correu atrás de mim e acabou me alcançando.
- Quer que eu desenhe? Não vou falar com você!
- Não vai por que?! Está com medo?
- Medo do quê? De justificativas falsas? De mentiras? Não, eu não estou com medo. Eu só quero poupar o meu tempo, só isso.
Cheguei no ponto de ônibus e começo a torcer para o coletivo chegar logo.
- Não seja covarde, Caio! Ouça o que eu tenho para te falar...
- Covarde? Covarde? Me poupe, Vítor! Eu tenho mais o que fazer, né?
- Covarde sim! Você está fugindo do assunto.
- Primeiro: eu não tenho nenhum assunto para tratar com você. Segundo: não tenho do que fugir. Já disse mais de uma vez que não tenho tempo para ficar falando com você. Agora, se você puder ir embora e me deixar em paz eu te agradeço muito!!!
- A rua é pública, eu tenho direito de ficar aonde eu quiser. E eu não vou arredar o pé daqui enquanto não der o recado do Bruno!
Dei risada, virei os olhos, respirei fundo e comecei a bater o pé direito no chão. Eu estava ficanco nervoso.
- Seu amigo quer me dar um recado agora?! Depois de tanto tempo? Ele lembrou que eu existo? Ah, agora é tarde!
- Não seja dramático, Caio – ele também estava impaciente.
- Dramático? Será que você entende o que eu passei, Vítor?
- Entendo sim!
- Entende porcaria nenhuma! Só eu sei o que eu passei por causa desse... desse... idiota!
- Nâo xinga o meu amigo!
- Eu xingo! Eu xingo sim porque é isso que ele é. Aliás, idiota é pouco. Ele é um inseto! É isso que ele é...
- O Bruno não é um inseto e você não fala assim dele na minha frente!
- Ah, não? E eu vou falar como? Vou chamá-lo de santo? Faz-me rir, né?
- Ele não foi embora...
- Vítor, querido, me deixa em paz e vai encher o saco de outro. Eu já disse que tenho mais o que fazer.
- Você se acha a última bolacha do pacote, né?
- Não, não me acho nada. Eu só não estou a fim de ouvir ladainha a essa hora da manhã.
Para me ajudar, o ônibus não estava passando. Eu fui ficando muito, mas muito irritado.
- Você se sente, moleque e no fim, você não passa de um nada.
- Olha quem fala!
- Eu vou dar o recado dele e acabou... O Bruno pediu...
- Sabe o que você faz com a porra desse recado? Enfia no meio do seu cú! Não quero saber de merda de recado nenhum, não quero saber de você, não quero saber do inútil do seu amigo e quero que vocês dois vão pro inferno! Me deixa em paz, porra!
Conforme eu fui falando a cara dele foi passando do ódio para o choque, do choque para a incredulidade e da incredulidade para o ódio novamente.
- Como é, Caio?
- É isso mesmo que você ouviu! Vai pro inferno com esse recado e some da minha frente.
Graças ao meu bom Deus, o meu ônibus se aproximou. Eu estiquei meu braço feito um louco e esperei pacientemente o veículo parar na minha frente.
- Isso não vai ficar assim... – ele serrou os dentes e bufou de raiva.
- O que vai fazer? Uma macumba pra mim? Tenho medo de você não, garoto. Faça o que bem entender. E passe muito bem.
- Isso NÃO vai ficar assim!
- E só para constar: vai pro inferno e NÃO me procura mais, beleza?
E dizendo isso eu entrei no ônibus. A minha raiva era tamanha que as minhas mãos tremiam e eu tive dificuldade para passar na catraca.
Que garotinho ridículo!
E pior era o Bruno! Mandar recado depois de meses sem falar comigo...
O que ele pensava que eu era? Idiota?
É claro que não! Idiota era ele se pensava que eu ia aceitar um recado depois de tanto tempo que nós estávamos separados!
Mas confesso que antes mesmo de chegar ao trabalho, comecei a ficar curioso.
O que será que ele queria comigo?
Será que ia falar que estava voltando? Ou será que queria simplesmente se justificar?
Alguma razão ele tinha, mas eu não queria saber de mais nada!
E foi à partir desse momento que a minha revolta aumentou.
Ele tinha brincado comigo, me feito de gato e sapato, pisado nos meus sentimentos e depois de 5 meses resolveu falar comigo?
Era demais pra mim! Se já não bastasse todos os meus problemas, eu ainda tinha que aguentar mais essa...
A minha vida realmente não estava sendo fácil!
- Bom dia – falei quando entrei na loja.
- Bom dia – disse Ivan. – Você está atrasado.
Franzi o cenho e olhei no relógio de um dos computadores que estava perto de mim.
- Não estou não – reclamei. – São 10h02...
- Ou seja, você está 2 minutos atrasado! Isso vai ser anexado a sua ficha.
- Ivan, são 2 minutos!
- Não me importa. Atraso é atraso. Amanhã saia mais cedo de casa. Onde está o seu amigo? O tal do Fabrício?
Eu suspirei e contei até 10 mentalmente. Algo me dizia que eu ia precisar de muita paciência com o Ivan. – O Fabrício está doente. Não vai vir hoje.
- Ah, não? E o que ele tem?
- Dor de estômago. O atestado está aqui.
Meu gerente pegou o atestado, abriu a folha de sulfite, passou os olhos no que estava escrito e disse:
- Era só o que me faltava: ter um vendedor absenteísta. Ainda bem que eu vim para essa loja, muitas coisas precisam ser mudadas aqui!
- O Fabrício não é absenteísta! Ele faltou hoje porque realmente não pôde vir – eu defendi meu amigo.
- Eu decido se ele é absenteísta ou não. Isso não é papel seu. Aqui você é só um vendedor e já deveria estar atendendo os clientes. O que está esperando?
- Posso levar as minhas coisas ao vestiário primeiro, ou eu tenho que trabalhar com a mochila nas costas?
- Pode levar sim, mas que isso não demore mais do que 2 minutos!
Era só o que me faltava! Será que eu já não tinha problemas suficientes para arranjar mais um com meu chefe?
- Que cara é essa? – perguntou Gabriel.
- Hoje eu não estou em um bom dia, hein? Não me torra o saco não!
- Calma! Só fiz uma pergunta!
- Esse trouxa do Ivan já começou a causar na minha...
- O que ele fez?
- Reclamou que eu cheguei atrasado 2 minutos e reclamou porque o Fabrício não vem hoje!
- E o Fabrício não vem? Ele está doente?
- Aham. O pobre está com dor de barriga. Tive que levá-lo ao médico ontem à noite.
- Coitado!
- Pois é. E esse infeliz não entende.
- Não fala assim dele, cara. Vai que ele está por perto.
- Por mim que se foda! Não tô nem aí.
- Não é assim que funciona. Você chegou tem pouco tempo, ainda está em experiência, esqueceu?
- E qual o problema? Acha que tenho medo de ser mandado embora? Não mesmo!
- Hoje você acordou mordido, hein?
- Acordei mesmo, então não torra o meu saco, beleza?
- Beleza! Quando a mocinha aí ficar mais calma, a gente volta a conversar
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