sábado, 24 de janeiro de 2015

Capítulo 87


O

uvir aquela frase foi o mesmo que sentir uma faca entrando no meu peito.
- Nã-não? Ela não quer me ver? – meus olhos já ficaram cheios de lágrimas.
A Jana suspirou e fechou os olhos.
- Vamos ligar novamente...
Por que? Por que ela não queria me ver?
- Dona Fátima é a Janaína de novo...
Pausa.
- A senhora pode me ouvir? Não, deixa eu falar... DEIXA EU FALAR, INFERNO! SERÁ QUE DÁ PRA VOCÊ CALAR A BOCA E ESCUTAR O QUE EU TENHO PRA FALAR?
Foi impossível segurar as lágrimas. Por que a minha mãe não queria me ver? Por que ela estava agindo daquele jeito?
- ESCUTA AQUI, MINHA SENHORA... – Janaína ficou vermelha de tanta raiva.
- Deixa eu falar com ela? – estendi a mão.
- Eu vou... Eu vou... EU VOU PASSAR... EU VOU... ESCUTA, MULHER! EU VOU PASSAR...
Sem hesitar, peguei o celular da minha amiga e coloquei no ouvido. A minha mãe não parava de falar um segundo sequer.
- Mãe? – eu a interrompi.
Ela ficou calada.
- Mãe? Sou eu...
- O que você quer?
- Mãe... Está tudo bem?
- Eu não tenho tempo para conversar com você!
- Mãe... Eu estou aqui... Eu quero... Te ver...
- Quer me ver? Agora você quer me ver? Depois desse tempo todo? Faz mais de um ano que você não dá notícias e agora você vem com essa que quer me ver? Se você quisesse me ver, já teria me procurado há mais tempo!
- Mãe, deixa eu explicar...
- Cala a boca! Cala a boca, moleque! Você é um ingrato, é isso que você é! Eu passei esse tempo todo sentindo a sua falta, passei noites em claro pensando em como você estava... Nem um telefone você me passou, nem um endereço você me passou. Não me deu notícias, não me procurou, nem saber se você estava vivo eu sabia e agora você vem com essa que quer me ver?
- Mãe...
- Não me chame de mãe! Não me chame de mãe porque eu não tenho um filho tão irresponsável como você!
- Mas mãe... – eu tremia de tanto nervosismo.
- Cala a boca e não adianta chorar não! Quem quis assim foi você. Se a sua família não te fez falta nesse tempo, por que agora está fazendo?
- QUEM DISSE QUE VOCÊS NÃO ME FIZERAM FALTA? QUEM DISSE? VOCÊ POR ACASO SABE O QUE EU PASSEI NESSE TEMPO? VOCÊ POR ACASO SABE O QUE EU ESTOU PASSANDO? VOCÊ POR ACASO SABE O QUE EU ESTOU SENTINDO? VOCÊ POR ACASO JÁ SE COLOCOU NO MEU LUGAR???
- Quem você pensa que é para gritar comigo seu insolente?!
- EU SOU SEU FILHO, MÃE! AQUELE QUE FOI EXPULSO DE CASA E PISOTEADO COMO UMA BARATA NOJENTA... AQUELE QUE FOI ESPANCADO, QUE FOI HUMILHADO PELA PRÓPRIA FAMÍLIA... OU SERÁ QUE ISSO VOCÊ JÁ ESQUECEU?
- NÃO GRITA COMIGO, CAIO!
- EU GRITO SIM, EU GRITO PORQUE ESSA É A VERDADE!
Ela ficou calada e eu solucei. Eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo.
- Mãe... Mãe... Eu preciso tanto de você, mãe...
- Se você precisasse de mim, teria me procurado há mais tempo! – ela ficou com a voz embargada.
- Eu tentei te procurar, mas meu pai bateu o telefone na minha cara...
- Não arrume desculpas, Caio. Você sabe muito bem a hora que seu pai não está em casa, você teve tempo suficiente para me procurar. Você poderia ter passado um telefone, seu endereço, poderia ter mandado uma carta... Eu estou sem notícias suas há muito tempo. Você sabe a preocupação que eu estava sentindo?
- E você sabe a dor que eu estou sentindo?
- Sinto muito, Caio. Sinto muito mesmo, mas eu não vou ser tolerante com esse erro.
- E-então vo-você nã-não vai me-mesmo vir me ve-ver? – meu coração doeu tanto, mas tanto que eu pensei que ele ia parar de bater.
Pausa. Ela chorava também.
- Não. Eu não quero te ver porque você está muito bem sem mim. Não vejo necessidade em te encontrar...
- Eu não estou nada bem sem você, se é que você quer saber...
- Não é o que parece. Agora fica aí chorando? Tarde demais, suas lágrimas não me comovem.
- Então por que você também está chorando?
- Porque sou idiota!
- Mãe...
- Não me chame de mãe, eu já disse. Eu tenho que desligar, não tenho tempo para ficar falando com você. Não perca seu tempo me ligando mais porque eu não vou atender.
- Mas...
- E saia da frente da minha casa, senão eu chamo a polícia!
Eu me senti caindo no fundo de um poço frio e escuro...
- É a sua última palavra?
- Sim, é a minha última palavra – ela foi firme.
Eu não estava enxergando mais nada. A Janaína segurou nos meus ombros.
- Então pode ficar tranquila – a minha voz saiu muito rouca. – Você nunca mais, NUNCA MAIS terá notícias minhas.
- Já estou acostumada. Passar bem! – e dizendo isso, ela desligou.
Parecia até mentira, mas não era. Era verdade. A mais pura, cruel e devastadora verdade.
A pessoa que eu mais queria naquele momento estava me virando as costas. A pessoa que eu ansiava ver, que eu ansiava abraçar não queria saber de mim.
Minha mãe, a pessoa que pela natureza deveria me acolher, me proteger, cuidar de mim, ficar ao meu lado, estava mais uma vez me rejeitando. Não poderia ter dor pior que aquela, não poderia... Parecia até que eu... estava morto, mesmo com o meu coração batendo em um ritmo um tanto quanto acelerado naquele momento.

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