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oi a hora dela ficar calada. Me virei e fitei os olhos da minha
amiga. Percebi que ela estava sem reação.

- É sério? – ela perguntou depois de um tempinho.
- É sim, Jana; eu não falei antes porque não gosto de expor a minha vida e até mesmo porque eu não te conhecia direito. É verdade sim.
- Mas isso não é motivo para você ser espancado, muito menos para ser expulso de casa!
- Você pensa assim, mas meu pai não. Ele me odeia, acho que sempre me odiou. E quando ficou sabendo da verdade, ficou muito revoltado comigo...
- Isso não é justo, Caio! – ela ficou transtornada. – Você não pode se privar de viver com a sua família por causa disso!
- Eu também achava isso, Janaína. Mas foi tudo ao contrário.
- Meu... Não acredito nisso!
- Mas é a verdade. Eu sinto tanta falta da minha mãe, do meu irmão... Mas eles também não me aceitam.
- Não, isso não pode ser...
- Meu irmão é idêntico ao meu pai. Sem tirar nem pôr. Antes da verdade, a gente já não estava se dando tão bem. Depois então, desandou tudo e ele me xingou demais...
- Ai, Caio – ela me puxou para um abraço. – Agora eu entendo tanta coisa...
- Eu estava chorando porque fui na minha casa e vi a minha mãe...
- Viu? E aí? Como foi? Vocês conversaram?
- Não, não. Eu a vi de longe apenas. Não tive coragem de me aproximar...
- Mas e aí? Você vai embora daqui a pouco e não vai falar com ela?
- Não, não vou. Eu não tenho coragem!
- Você é covarde ou o quê?! Qual a sua dificuldade em procurar sua família?
- A minha dificuldade se resume ao medo de não ser aceito, ao medo de ser novamente humilhado, ao medo de ser novamente rejeitado! Você não faz ideia de como é dolorido ser rejeitado pelo pai, pela mãe e pelo irmão. Você não sabe e nunca vai saber o que eu senti, o que eu ainda sinto, mesmo depois de tanto tempo...
- Eu imagino que seja horrível mesmo, mas você não pode ficar retido nesses pensamentos.
- É fácil falar, Jana! É fácil falar, mas difícil na prática.
- Caio, você precisa de terapia! Isso está te fazendo muito mal...
- Eu sei que está me fazendo mal, mas não é culpa minha.
- Você quer ver sua mãe?
- Quero – não ia adiantar mentir.
- Então eu vou te ajudar.
- Hã?! Vai me ajudar? Vai me ajudar como?
- Eu vou fazer você se encontrar com a sua mãe!
À princípio, fiquei sem reação; contudo, depois de poucos minutos, só o que eu pude fazer foi abraçá-la e agradecer pela ajuda que ela estava me oferecendo:
- Obrigado, Jana! Muito obrigado por me ajudar!
- Eu não quero ver o meu amigo sofrendo. Eu te amo e você sabe disso!
- Eu também te amo – falei a verdade. – Obrigado mesmo, mas eu não sei se é uma boa ideia...
- Não perguntei a sua opinião, perguntei? Eu disse que eu vou te ajufar e ponto final.
Só a Janaína pra me fazer rir em um momento tão difícil como aquele.
- Mas e se ela não quiser me ver? – eu senti o meu coração se retrair.
- Ela vai querer te ver, tenho certeza! Agora anime-se e vamos tocar o barco. Depois, em outro momento e em outro local, nós combinamos como vai ser esse encontro.
- A gente precisa amadurecer essa ideia. Ainda não sei se é o correto...
- Que não sabe o quê! É isso que você quer que eu sei. E é isso que eu vou fazer. Não importa se for difícil, pelo menos eu vou tentar.
- Você não existe!
- Existo sim, criança. Olha eu aqui na sua frente! – ela abriu um sorriso.
- Palhaça! Mas você vai querer a minha amizade ainda?
- Hã? Por que você perguntou isso?
- Ah, não sei. Às vezes você não vai querer ter um amigo gay, né? – fiz bico e me preocupei de verdade.
- Ah, cala a boca! Acha mesmo que se eu não quisesse a sua amizade estaria oferecendo a minha ajuda? Faça-me o favor, Caio!
Nem soube o que responder, então para não falar nada de errado, decidi ficar calado. A Janaína estava sendo uma verdadeira irmã pra mim.
- Você é incrível – suspirei depois de um tempão.
- Já falei que te amo, qual a parte você não entendeu?
- Bobona! Eu também te amo, mas vou te pedir um favorzão...
- Qual?
- Não fala nada pros meninos, por favor...
- Ah, pode deixar. Fica tranquilo que eu vou guardar segredo sim.
- Obrigado, Jana. Obrigado mesmo. Obrigado por me aceitar, por me ouvir, por me ajudar, por me aconselhar...
- Os amigos servem para essas coisas todas aí que você falou. Conte comigo sempre que precisar, mas agora acho bom a gente voltar e ficar com os meninos, eles devem estar sentindo a nossa falta!
- Vamos voltar sim e vamos embora que já é tarde e amanhã temos que trabalhar.
- Verdade!

Quando nós voltamos pro local onde a Alexia e o Gabriel estavam, acabamos pegando os dois no maior amasso.
- What? – a Jana ficou boquiaberta. – Que danada!
Eu caí foi na risada. A Janaína tinha uma quedinha pelo Gabo e não sabia que a Alexia e ele tinham um trelelê.
- Ai como eu sou lerda, deveria ter investido primeiro...
- Eles se pegam faz tempo, Jana!
- Como assim? Que história é essa? Você sabia e não me falou nada? É isso mesmo, assistente de palco?
- O Gabriel me contou recentemente e me pediu segredo. Eu só obedeci.
- Como você me esconde um babado desses, Caio? Estou abismada, estou preta passada na chapinha!!!
- Preta você já é, querida. Quer dizer, preta, preta, preta você não é; digamos que tenha nascido às 18:30. Só passou um pouco do ponto na hora de assar e ficou marrom.
- Olha só: eu anotei isso, hein? – ela ficava brava quando alguém falava que ela não era negra. Mas ela não era negra, era morena! – Isso pode ser usado contra você nos tribunais um dia!
- Vai me processar por calúnia e difamação por acaso?
- Deveria. Onde é que já se viu falar que uma negra linda como eu não sou negra?!
- Mas você não é negra, você é morena. No máximo um cafezinho com leite.
- Café com leite vai ficar sua cara quando ela sentir o peso da minha mão, seu desgraçado!!!
- Sem agressão física, por favor. Posso te processar por agressão física contra menores de idade.
- Menor de idade? E desde quando você é menor de idade?
- Claro que sou – brinquei.
- Só se for na sua terra, meu filho.
- Bom, o fato é que se eu falar que sou menor, todo mundo vai acreditar. Agora, vai você falar que é menor. O povo vai perguntar se é menor de 60 anos – eu gargalhei.
- Olha só, Caio: um dia você vai me pagar bem caro por todas as vezes que me chamou de velha, hein?
- Sabe que é brincadeira, né minha anciã predileta?
- Anciã é a senhora sua avó, seu infeliz, desgraçado, filho da mãe...
Eu caí na risada de novo. Ela me divertia muito e eu adorava tirá-la do sério.
- Vamos lá chamá-los para ir embora... – eu puxei a mulher pelo pulso.
- Não, deixa eu ver até onde eles vão com esse beijo!
- Quer mesmo saber? Ou quer que eu desenhe?
- Será que ela vai ser tão baixa assim?
- Não é questão de ser baixa, é desejo, é vontade. Se ela tiver com vontade, tenho certeza que ele não vai negar fogo.
- Ah, agora que você me contou que é gay nós vamos poder confabular algumas coisas, né? – ela abriu um sorrisão.
- Não sei se eu vou conseguir!
- Por que não? Vai fazer o tímido agora? Por favor, né?!
- Eu sou tímido – até senti minhas bochechas queimarem.
- Conta outra, meu filho. Mas me conta, Caio – ela me sacodiu. – Como ele é no quarto? Já o viu pelado? É grande?
- Jana! – se antes eu estava com vergonha, naquele momento então... – Não o vi pelado não!
- Ai nem pra isso você serve!!! E eu crente que ia ganhar as minhas fotinhos...
- Só o vi de cueca.
- Ai, que calor! Já é um começo. E aí, é grande?
- Janaína Santos, eu não fiquei olhando essas coisas – me fingi ofendido.
- Aham! Sei. Conta outra, vai? É grande ou não é?
- Ah, não sei. Eu acho que não!
- Não? Sério mesmo? Impossível...
- Acho que não – frisei bem o “acho”.
- Ai, Deus. A Alexia tem que dar pra ele pra me contar os detalhes...
- AI, não sabia que você é assim!
- Agora que sei dos seus babados, vai conhecer a Janaína por completo. Antes eu tinha que medir as minhas palavras porque pensava que você era hetero, mas já que é viado e curte a mesma fruta que eu, não preciso mais medir porcaria nenhuma!
- Me socorre, Jesus Cristo – eu suspirei só de pensar no que viria pela frente.
- Será o cacete mesmo? Eles não vão parar de baijar nunca não? Vou chegar lá e dar dois tapas na cara de cada um.
- Que horror!
- Essa branquela fedorenta não perde tempo mesmo.
- Não mesmo. E ele também não.
- É! Dois safadinhos...
- Vamos lá, eu não aguento mais ficar parado aqui sem fazer nada. quero dormir e descansar.
- Até mesmo porque amanhã não estaremos de folga, não é?
- Pois é, pois é.
Janaína e eu nos aproximamos da mesa onde o casal estava sentado e sentamos nas cadeiras o mais silenciosamente possível. Quando eles nos viram, não sei qual dos dois ficou mais vermelho.
- Hã... – Gabriel soltou a amada e tentou falar alguma coisa.
- Não é o que vocês estão pensando!!! – exclamou Alexia.
Por que todo mundo fala essa frase quando é pêgo no flagra fazendo algo que ninguém pode saber?
- Oi? – Janaína quase riu. – Não é o que estamos pensando? Você foi procurar o que na boca do Gabo? A tarrachinha do seu brinco?
- Jana, a gente pode explicar... – Gabriel interveio.
- Mas queridos, vocês não têm nada que nos explicar – a morena jogou o cabelo pra trás. – São maiores, vacinados e sabem muito bem o que fazem. Só poderiam ter falado, né?
- Eu já sabia, eu já sabia... – zombei dela.
- Como assim você sabia? – Alexia lançou um olhar mortal pro Gabriel.
- Boca solta – o jovem me deu uma porrada nas costas. Com mais uma dessas eu tinha certeza que um de meus pulmões sairia pela boca e ficaria grudado na parede.
- Não precisa quebrar meus ossos, Gabriel. Você quase perfurou meu pulmão. Eu ia morrer e a culpa seria toda sua! Você ia deixar os filhos que eu não tenho órfãos!
- Menos, Caio. Bem menos, quase nada – ele me deu um peteleco na cabeça.
- Vamos embora, casal? – Janaína enfatizou o “casal”.
- Aham, vamos sim – aparentemente a Alexia estava sem graça. – Me desculpem ter escondido isso de vocês...
- Não tem problema. Estão namorando?
Ao mesmo tempo que ele respondeu não, ela respondeu sim. Depois, ela respondeu não e ele respondeu sim. Fiquei completamente confuso.
- Sim ou não, porra? – fiquei bravo. – Parece até coisa de novela essa conversa. Sim, não, não, sim... Decidam-se!
- Não estamos – falou Alexia. – Pelo menos até agora eu não recebi nenhum pedido de namoro!
- Quer que eu me ajoelhe agora e peça a sua mãe?
- Não, não precisa. Eu não quero nada forçado.
- Quem disse que vai ser forçado?
- Não vão começar uma D.R aqui, no meio de uma danceteria em plena madrugada, né? – Janaína bufou e saiu andando. – Vamos embora que hoje temos que trabalhar. Ou será que vão ficar em lua-de-mel o dia todo?
- Bem que eu queria – ele suspirou.
- Sem comentários desnecessários, por favor – Alexia também saiu andando e em seguida nós fomos embora.
- É sério? – ela perguntou depois de um tempinho.
- É sim, Jana; eu não falei antes porque não gosto de expor a minha vida e até mesmo porque eu não te conhecia direito. É verdade sim.
- Mas isso não é motivo para você ser espancado, muito menos para ser expulso de casa!
- Você pensa assim, mas meu pai não. Ele me odeia, acho que sempre me odiou. E quando ficou sabendo da verdade, ficou muito revoltado comigo...
- Isso não é justo, Caio! – ela ficou transtornada. – Você não pode se privar de viver com a sua família por causa disso!
- Eu também achava isso, Janaína. Mas foi tudo ao contrário.
- Meu... Não acredito nisso!
- Mas é a verdade. Eu sinto tanta falta da minha mãe, do meu irmão... Mas eles também não me aceitam.
- Não, isso não pode ser...
- Meu irmão é idêntico ao meu pai. Sem tirar nem pôr. Antes da verdade, a gente já não estava se dando tão bem. Depois então, desandou tudo e ele me xingou demais...
- Ai, Caio – ela me puxou para um abraço. – Agora eu entendo tanta coisa...
- Eu estava chorando porque fui na minha casa e vi a minha mãe...
- Viu? E aí? Como foi? Vocês conversaram?
- Não, não. Eu a vi de longe apenas. Não tive coragem de me aproximar...
- Mas e aí? Você vai embora daqui a pouco e não vai falar com ela?
- Não, não vou. Eu não tenho coragem!
- Você é covarde ou o quê?! Qual a sua dificuldade em procurar sua família?
- A minha dificuldade se resume ao medo de não ser aceito, ao medo de ser novamente humilhado, ao medo de ser novamente rejeitado! Você não faz ideia de como é dolorido ser rejeitado pelo pai, pela mãe e pelo irmão. Você não sabe e nunca vai saber o que eu senti, o que eu ainda sinto, mesmo depois de tanto tempo...
- Eu imagino que seja horrível mesmo, mas você não pode ficar retido nesses pensamentos.
- É fácil falar, Jana! É fácil falar, mas difícil na prática.
- Caio, você precisa de terapia! Isso está te fazendo muito mal...
- Eu sei que está me fazendo mal, mas não é culpa minha.
- Você quer ver sua mãe?
- Quero – não ia adiantar mentir.
- Então eu vou te ajudar.
- Hã?! Vai me ajudar? Vai me ajudar como?
- Eu vou fazer você se encontrar com a sua mãe!
À princípio, fiquei sem reação; contudo, depois de poucos minutos, só o que eu pude fazer foi abraçá-la e agradecer pela ajuda que ela estava me oferecendo:
- Obrigado, Jana! Muito obrigado por me ajudar!
- Eu não quero ver o meu amigo sofrendo. Eu te amo e você sabe disso!
- Eu também te amo – falei a verdade. – Obrigado mesmo, mas eu não sei se é uma boa ideia...
- Não perguntei a sua opinião, perguntei? Eu disse que eu vou te ajufar e ponto final.
Só a Janaína pra me fazer rir em um momento tão difícil como aquele.
- Mas e se ela não quiser me ver? – eu senti o meu coração se retrair.
- Ela vai querer te ver, tenho certeza! Agora anime-se e vamos tocar o barco. Depois, em outro momento e em outro local, nós combinamos como vai ser esse encontro.
- A gente precisa amadurecer essa ideia. Ainda não sei se é o correto...
- Que não sabe o quê! É isso que você quer que eu sei. E é isso que eu vou fazer. Não importa se for difícil, pelo menos eu vou tentar.
- Você não existe!
- Existo sim, criança. Olha eu aqui na sua frente! – ela abriu um sorriso.
- Palhaça! Mas você vai querer a minha amizade ainda?
- Hã? Por que você perguntou isso?
- Ah, não sei. Às vezes você não vai querer ter um amigo gay, né? – fiz bico e me preocupei de verdade.
- Ah, cala a boca! Acha mesmo que se eu não quisesse a sua amizade estaria oferecendo a minha ajuda? Faça-me o favor, Caio!
Nem soube o que responder, então para não falar nada de errado, decidi ficar calado. A Janaína estava sendo uma verdadeira irmã pra mim.
- Você é incrível – suspirei depois de um tempão.
- Já falei que te amo, qual a parte você não entendeu?
- Bobona! Eu também te amo, mas vou te pedir um favorzão...
- Qual?
- Não fala nada pros meninos, por favor...
- Ah, pode deixar. Fica tranquilo que eu vou guardar segredo sim.
- Obrigado, Jana. Obrigado mesmo. Obrigado por me aceitar, por me ouvir, por me ajudar, por me aconselhar...
- Os amigos servem para essas coisas todas aí que você falou. Conte comigo sempre que precisar, mas agora acho bom a gente voltar e ficar com os meninos, eles devem estar sentindo a nossa falta!
- Vamos voltar sim e vamos embora que já é tarde e amanhã temos que trabalhar.
- Verdade!
Quando nós voltamos pro local onde a Alexia e o Gabriel estavam, acabamos pegando os dois no maior amasso.
- What? – a Jana ficou boquiaberta. – Que danada!
Eu caí foi na risada. A Janaína tinha uma quedinha pelo Gabo e não sabia que a Alexia e ele tinham um trelelê.
- Ai como eu sou lerda, deveria ter investido primeiro...
- Eles se pegam faz tempo, Jana!
- Como assim? Que história é essa? Você sabia e não me falou nada? É isso mesmo, assistente de palco?
- O Gabriel me contou recentemente e me pediu segredo. Eu só obedeci.
- Como você me esconde um babado desses, Caio? Estou abismada, estou preta passada na chapinha!!!
- Preta você já é, querida. Quer dizer, preta, preta, preta você não é; digamos que tenha nascido às 18:30. Só passou um pouco do ponto na hora de assar e ficou marrom.
- Olha só: eu anotei isso, hein? – ela ficava brava quando alguém falava que ela não era negra. Mas ela não era negra, era morena! – Isso pode ser usado contra você nos tribunais um dia!
- Vai me processar por calúnia e difamação por acaso?
- Deveria. Onde é que já se viu falar que uma negra linda como eu não sou negra?!
- Mas você não é negra, você é morena. No máximo um cafezinho com leite.
- Café com leite vai ficar sua cara quando ela sentir o peso da minha mão, seu desgraçado!!!
- Sem agressão física, por favor. Posso te processar por agressão física contra menores de idade.
- Menor de idade? E desde quando você é menor de idade?
- Claro que sou – brinquei.
- Só se for na sua terra, meu filho.
- Bom, o fato é que se eu falar que sou menor, todo mundo vai acreditar. Agora, vai você falar que é menor. O povo vai perguntar se é menor de 60 anos – eu gargalhei.
- Olha só, Caio: um dia você vai me pagar bem caro por todas as vezes que me chamou de velha, hein?
- Sabe que é brincadeira, né minha anciã predileta?
- Anciã é a senhora sua avó, seu infeliz, desgraçado, filho da mãe...
Eu caí na risada de novo. Ela me divertia muito e eu adorava tirá-la do sério.
- Vamos lá chamá-los para ir embora... – eu puxei a mulher pelo pulso.
- Não, deixa eu ver até onde eles vão com esse beijo!
- Quer mesmo saber? Ou quer que eu desenhe?
- Será que ela vai ser tão baixa assim?
- Não é questão de ser baixa, é desejo, é vontade. Se ela tiver com vontade, tenho certeza que ele não vai negar fogo.
- Ah, agora que você me contou que é gay nós vamos poder confabular algumas coisas, né? – ela abriu um sorrisão.
- Não sei se eu vou conseguir!
- Por que não? Vai fazer o tímido agora? Por favor, né?!
- Eu sou tímido – até senti minhas bochechas queimarem.
- Conta outra, meu filho. Mas me conta, Caio – ela me sacodiu. – Como ele é no quarto? Já o viu pelado? É grande?
- Jana! – se antes eu estava com vergonha, naquele momento então... – Não o vi pelado não!
- Ai nem pra isso você serve!!! E eu crente que ia ganhar as minhas fotinhos...
- Só o vi de cueca.
- Ai, que calor! Já é um começo. E aí, é grande?
- Janaína Santos, eu não fiquei olhando essas coisas – me fingi ofendido.
- Aham! Sei. Conta outra, vai? É grande ou não é?
- Ah, não sei. Eu acho que não!
- Não? Sério mesmo? Impossível...
- Acho que não – frisei bem o “acho”.
- Ai, Deus. A Alexia tem que dar pra ele pra me contar os detalhes...
- AI, não sabia que você é assim!
- Agora que sei dos seus babados, vai conhecer a Janaína por completo. Antes eu tinha que medir as minhas palavras porque pensava que você era hetero, mas já que é viado e curte a mesma fruta que eu, não preciso mais medir porcaria nenhuma!
- Me socorre, Jesus Cristo – eu suspirei só de pensar no que viria pela frente.
- Será o cacete mesmo? Eles não vão parar de baijar nunca não? Vou chegar lá e dar dois tapas na cara de cada um.
- Que horror!
- Essa branquela fedorenta não perde tempo mesmo.
- Não mesmo. E ele também não.
- É! Dois safadinhos...
- Vamos lá, eu não aguento mais ficar parado aqui sem fazer nada. quero dormir e descansar.
- Até mesmo porque amanhã não estaremos de folga, não é?
- Pois é, pois é.
Janaína e eu nos aproximamos da mesa onde o casal estava sentado e sentamos nas cadeiras o mais silenciosamente possível. Quando eles nos viram, não sei qual dos dois ficou mais vermelho.
- Hã... – Gabriel soltou a amada e tentou falar alguma coisa.
- Não é o que vocês estão pensando!!! – exclamou Alexia.
Por que todo mundo fala essa frase quando é pêgo no flagra fazendo algo que ninguém pode saber?
- Oi? – Janaína quase riu. – Não é o que estamos pensando? Você foi procurar o que na boca do Gabo? A tarrachinha do seu brinco?
- Jana, a gente pode explicar... – Gabriel interveio.
- Mas queridos, vocês não têm nada que nos explicar – a morena jogou o cabelo pra trás. – São maiores, vacinados e sabem muito bem o que fazem. Só poderiam ter falado, né?
- Eu já sabia, eu já sabia... – zombei dela.
- Como assim você sabia? – Alexia lançou um olhar mortal pro Gabriel.
- Boca solta – o jovem me deu uma porrada nas costas. Com mais uma dessas eu tinha certeza que um de meus pulmões sairia pela boca e ficaria grudado na parede.
- Não precisa quebrar meus ossos, Gabriel. Você quase perfurou meu pulmão. Eu ia morrer e a culpa seria toda sua! Você ia deixar os filhos que eu não tenho órfãos!
- Menos, Caio. Bem menos, quase nada – ele me deu um peteleco na cabeça.
- Vamos embora, casal? – Janaína enfatizou o “casal”.
- Aham, vamos sim – aparentemente a Alexia estava sem graça. – Me desculpem ter escondido isso de vocês...
- Não tem problema. Estão namorando?
Ao mesmo tempo que ele respondeu não, ela respondeu sim. Depois, ela respondeu não e ele respondeu sim. Fiquei completamente confuso.
- Sim ou não, porra? – fiquei bravo. – Parece até coisa de novela essa conversa. Sim, não, não, sim... Decidam-se!
- Não estamos – falou Alexia. – Pelo menos até agora eu não recebi nenhum pedido de namoro!
- Quer que eu me ajoelhe agora e peça a sua mãe?
- Não, não precisa. Eu não quero nada forçado.
- Quem disse que vai ser forçado?
- Não vão começar uma D.R aqui, no meio de uma danceteria em plena madrugada, né? – Janaína bufou e saiu andando. – Vamos embora que hoje temos que trabalhar. Ou será que vão ficar em lua-de-mel o dia todo?
- Bem que eu queria – ele suspirou.
- Sem comentários desnecessários, por favor – Alexia também saiu andando e em seguida nós fomos embora.
Foi tenso dividir o táxi com meus amigos. Da Lapa até o centro da
cidade, a corrida não ficou lá muito barata porque o taxímetro estava na
“bandeira 2”.
- Taxista ladrão do caralho – Gabriel ficou com raiva, assim como os demais.
- Da próxima vez não voltaremos de táxi. Iremos esperar o trem voltar – aconselhou Janaína.
- Já passou – Alexia estava de mãos dadas com o Gabriel. – Vamos dormir que a gente ganha mais!

Os dois ficaram se pegando no elevador e se a Janaína não tivesse puxado nossa amiga pelos cotovelos, ela não teria desgrudado tão cedo do Gabriel. Foi a primeira vez que ela não ficou se olhando no espelho.
- Você é muito chata – Alexia reclamou.
- Sou nada, quero é abrir meu quarto. A chave está com você, não quero ficar dormindo na sarjeta por sua culpa. Caio, depois a gente troca mais ideia, beleza?
- Falou, Jana! Obrigado por tudo, viu?
- Te amo, se cuida. Beijo, gostosão. Se cuida você também.
- Me respeita, sua galinha – Alexia deu um tapa no braço da amiga e o Gabo deu risada.
- Tchau, gostosona. Dorme bem.
- Eu espero que esse “gostosona” tenha sido pra mim, Gabriel Vasconcelos! – exclamou Alexia.
- Claro que não, foi pra Jana mesmo!
Ainda bem que a porta fechou antes dela pular no pescoço dele. Pelo jeito a Alexia era bem ciumenta.
- Ainda bem que assumiram isso logo.
- Verdade. Não aguentava mais esconder o jogo. Agora vou poder namorar com ela aqui no quarto, né?
- Quem disse? A não ser que queira que eu presencie tudo...
- Aposto que você ia adorar uma cena de sexo ao vivo, mas eu dispenso a sua presença. Faremos isso quando você der as suas escapulidas do hotel.
- E quem disse que eu vou escapulir mais? – tirei a camiseta e joguei em cima da cama.
- Duvido que não vá. Vai tomar banho ou eu posso ir?
- Vou sim. É rápido.
- Melhor você ir logo mesmo, assim eu vou poder bater a minha punhetinha em paz.
- Só pensa em punheta, moleque?
Meu pau endureceu rapidinho.
- Caiô, nem parece que você é homem, cara. Enquanto eu estiver sem sexo, é o que me resta. Ou vai dizer que você não socou nenhuma até agora?
- Claro que já, várias – falei. – Mas você é direto, toda hora, todo dia...
- Pelo menos duas por dia – confessou. – Senão eu piro.
- Limpa bem esse banheiro, hein? Não quero encontrar reboco na parede não.
- Opa, sempre limpo. Não deixo a prova do crime, né?
- Assim que eu gosto. Fui.
Ele estava sendo safado demais pro meu gosto. Ou ele era assim no dia-a-dia, ou estava me testando. Eu precisava ter atenção redobrada com o Gabriel...
Enquanto eu tomava banho, pensei a respeito daquele monte de músculos que o Gabo tinha. Se ele precisava se masturbar pelo menos duas vezes ao dia, provavelmente usava mesmo anabolizante.
Eu lembrei de uma reportagem que vi na televisão sobre o assunto. Um médico disse que quem usa bomba, tem aumento de testosterona no corpo. Só podia ser isso então... Ou será que não tinha nada a ver uma coisa com a outra?

- Taxista ladrão do caralho – Gabriel ficou com raiva, assim como os demais.
- Da próxima vez não voltaremos de táxi. Iremos esperar o trem voltar – aconselhou Janaína.
- Já passou – Alexia estava de mãos dadas com o Gabriel. – Vamos dormir que a gente ganha mais!
Os dois ficaram se pegando no elevador e se a Janaína não tivesse puxado nossa amiga pelos cotovelos, ela não teria desgrudado tão cedo do Gabriel. Foi a primeira vez que ela não ficou se olhando no espelho.
- Você é muito chata – Alexia reclamou.
- Sou nada, quero é abrir meu quarto. A chave está com você, não quero ficar dormindo na sarjeta por sua culpa. Caio, depois a gente troca mais ideia, beleza?
- Falou, Jana! Obrigado por tudo, viu?
- Te amo, se cuida. Beijo, gostosão. Se cuida você também.
- Me respeita, sua galinha – Alexia deu um tapa no braço da amiga e o Gabo deu risada.
- Tchau, gostosona. Dorme bem.
- Eu espero que esse “gostosona” tenha sido pra mim, Gabriel Vasconcelos! – exclamou Alexia.
- Claro que não, foi pra Jana mesmo!
Ainda bem que a porta fechou antes dela pular no pescoço dele. Pelo jeito a Alexia era bem ciumenta.
- Ainda bem que assumiram isso logo.
- Verdade. Não aguentava mais esconder o jogo. Agora vou poder namorar com ela aqui no quarto, né?
- Quem disse? A não ser que queira que eu presencie tudo...
- Aposto que você ia adorar uma cena de sexo ao vivo, mas eu dispenso a sua presença. Faremos isso quando você der as suas escapulidas do hotel.
- E quem disse que eu vou escapulir mais? – tirei a camiseta e joguei em cima da cama.
- Duvido que não vá. Vai tomar banho ou eu posso ir?
- Vou sim. É rápido.
- Melhor você ir logo mesmo, assim eu vou poder bater a minha punhetinha em paz.
- Só pensa em punheta, moleque?
Meu pau endureceu rapidinho.
- Caiô, nem parece que você é homem, cara. Enquanto eu estiver sem sexo, é o que me resta. Ou vai dizer que você não socou nenhuma até agora?
- Claro que já, várias – falei. – Mas você é direto, toda hora, todo dia...
- Pelo menos duas por dia – confessou. – Senão eu piro.
- Limpa bem esse banheiro, hein? Não quero encontrar reboco na parede não.
- Opa, sempre limpo. Não deixo a prova do crime, né?
- Assim que eu gosto. Fui.
Ele estava sendo safado demais pro meu gosto. Ou ele era assim no dia-a-dia, ou estava me testando. Eu precisava ter atenção redobrada com o Gabriel...
Enquanto eu tomava banho, pensei a respeito daquele monte de músculos que o Gabo tinha. Se ele precisava se masturbar pelo menos duas vezes ao dia, provavelmente usava mesmo anabolizante.
Eu lembrei de uma reportagem que vi na televisão sobre o assunto. Um médico disse que quem usa bomba, tem aumento de testosterona no corpo. Só podia ser isso então... Ou será que não tinha nada a ver uma coisa com a outra?
NO FINAL DE SEMANA...
Meus amigos entraram no ônibus por volta das 23:30 da sexta-feira.
Eu expliquei direitinho como eles iam fazer para chegar em São Vicente, mas
mesmo assim fiquei com um pouco de medo deles se perderem. O problema era que
eu só ia saber se tinha dado tudo certo quando eles voltassem no domingo à
noite ou na madrugada da segunda.
- Boa viagem e se cuidem, hein?
- Pode deixar – Janaína me agarrou e me apertou.
- Se vocês se perderem eu mato vocês – falei.
- Pode deixar que eu faço isso por você caso a gente se perca – Alexia parecia preocupada.
- Não vamos nos perder, diacho – dos três, Gabo era o menos preocupado. – Vamos logo, tchau, Caio.
- Tchau. Se cuidem!
Esperei Janaína entrar e o casal fechar a janela para sair da rodoviária. Não dava pra negar que eu estava um pouco preocupado com meus amigos. O jeito era torcer para que desse tudo certo.
- Boa viagem e se cuidem, hein?
- Pode deixar – Janaína me agarrou e me apertou.
- Se vocês se perderem eu mato vocês – falei.
- Pode deixar que eu faço isso por você caso a gente se perca – Alexia parecia preocupada.
- Não vamos nos perder, diacho – dos três, Gabo era o menos preocupado. – Vamos logo, tchau, Caio.
- Tchau. Se cuidem!
Esperei Janaína entrar e o casal fechar a janela para sair da rodoviária. Não dava pra negar que eu estava um pouco preocupado com meus amigos. O jeito era torcer para que desse tudo certo.
Dormir na casa do Víctor seria bom, mas ia me trazer muitas
lembranças desnecessárias e desagradáveis. Eu peguei o ônibus pouco depois da
meia noite e estava torcendo para chegar logo no domicílio do meu amigo, porque
ninguém poderia me ver nas redondezas da minha antiga casa.
Mas como eu era burro e inconsequente, não consegui resistir e desci antes da casa do Víctor. Eu queria ver a minha rua pela terceira vez, queria ver a minha casa novamente...
Qualquer coisa que eu tentasse fazer para não ficar ali naquele lugar era em vão. A minha vontade era tão forte, mas tão forte, que eu andei automaticamente. Era como se tudo tivesse vontade própria, menos eu. A minha raz;ao, que gritava para eu não ir lá, não foi sequer ouvida. Eu não sabia porquê as coisas aconteciam daquele jeito.
Contudo, a minha decisão foi muito infeliz. Por se tratar de um final de semana, boa parte dos meus vizinhos estavam na calçada e isso fez com que eu tivesse que dar um jeito de me esconder – o que foi praticamente impossível.
E se eles me vissem? O que seria de mim? Fiquei atrás de uma árvore de tronco robusto, mas mesmo assim não fiquei totalmente seguro, porque eu conhecia pessoas em ambas as calçadas e a rua estava mesmo bem movimentada.
Fiquei com o coração na mão. Para piorar a situação, a minha jaqueta não tinha capuz e eu não ia conseguir camuflar a minha cabeça. Parecia que tudo estava contra o meu favor naquela noite.
A luz da minha casa ainda estava acesa e o carro do meu pai não estava na garagem. Com certeza ele não estava em casa. Será que ele e a minha mãe tinham saído? Mas se eles tivessem saído, a luz da garagem e da sala estariam apagadas, o que não era o caso.
Pelo canto do olho, percebi que os meus vizinhos que tinham mais ou menos a minha idade estavam reunidos na frente da casa de um deles.
Estavam todos presentes: Jonathan, Bárbara, Cris, Marcelo, Rafael, Luciana, George e para a minha surpresa, o Cauã.
Meu irmão, meu gêmeo. Meu companheirinho desde a época em que éramos fetos na barriga de nossa mãe. Não resisti e tive que analisá-lo com mais cuidado: estava o mesmo moleque de sempre...
Pode parecer até mentira da minha parte, mas não é! Mesmo o Cauã e eu não nos vendo há quase 2 anos, nós ainda conseguíamos manter a mesma conexão que sempre tivemos para a escolha de nossas roupas.
Ele estava de camiseta branca, eu também, mas de modelos distintos; ele estava de jeans, eu também, mas o meu era um pouco mais escuro que o dele; ele estava de “All Star”, eu também... A única coisa que nos diferenciava, era o fato dele estar usando boné e eu estar de blusa de frio. Nada além disso.
Isso pra mim foi incrível. Inacreditável. Essa conexão que existia entre nós, no meu ponto de vista, era anormal. Os nossos gostos para roupas era exatamente o mesmo. Tudo o que eu gostava, ele também gostava. Tudo que ele não gostava, eu também não gostava. Será que isso é normal entre gêmeos? Ou será que meu irmão e eu tínhamos uma ligação fora do comum?
Se nós tínhamos essa ligação, por que brigávamos tanto? Por que chegamos a nos odiar? Por que ele me rejeitava? Por que eu detestava as atitudes dele e ele as minhas?
Talvez essa fosse a nossa única diferença: os gostos por determinados assuntos e o caráter, a forma de pensar. Em algo nós teríamos que ser diferentes. Não podíamos ser idênticos em tudo, não é mesmo?
Ele estava tão alto... Com o corpo tão bonito... Será que eu também era assim? Será que eu também tinha o corpo bonito daquele jeito? Com toda a certeza do mundo, ele estava fazendo o maior sucesso entre o público feminino. Meu pai provavelmente deveria estar orgulhoso.
Eles pareciam estar muito felizes. Parecia que estavam comemorando alguma coisa, porque não paravam de rir um segundo sequer e havia algumas garrafas de bebidas espalhadas pelo chão.
Os meninos estavam na frente da casa da Cris e vinha um som animado de dentro do imóvel. Provavelmente era alguma festa, senão eles não estariam tão arrumados daquele jeito.
Meu irmão virou e eu vi o rosto dele pela primeira vez depois de todo aquele tempo em que eu tinha saído daquela cidade. Foi como ver o meu rosto à distância. Ele abriu um sorriso em um determinado momento e eu senti um aperto dentro do meu peito.
Eu adorava quando a gente era criança e os nossos pais ficavam fazendo cócegas na gente. Meu irmão ria, ria, ria e até chorava de tanto rir. E a risada dele era muito gostosa... Como eu estava sentindo falta dele, mesmo ele sendo um ogro comigo!
Não sei quanto tempo fiquei parado atrás daquela árvore centenária. Provavelmente deveria ter passado muito tempo, porque as minhas pernas ficaram até formigando. Eu só me dei conta que deveria partir para a casa do Víctor quando um carro extremamente conhecido parou na frente da minha casa.
Era meu pai. Meu pai e minha mãe. Eles tinham mesmo saído juntos... Que bom que pelo menos eles estavam juntos... Ela desceu e rapidamente abriu o portão para meu pai passar, mas antes dele entrar na garagem, ele disse:
- CAUÃ? VAI DEMORAR, FILHO?
- JÁ VOU, PAI...
Por que ele chamava o Cauã de filho e a mim de inseto? Por que meu pai tinha que fazer tanta diferença entre nós dois?

A voz do meu irmão estava mais grave que o normal. É, ele estava mesmo crescendo. Já não era tão adolescente como na época em que eu saí de São Paulo...
Ele se aproximou e começou a conversar com nosso pai. Ouvi ele falando que iria ficar mais um pouco na rua, mas que não ia demorar muito para entrar em casa. Meu pai pediu para ele ter cuidado e deu um tapinha no ombro do garoto. Se fosse comigo, ele teria me dado um tapa na cara e teria chutado o meu estômago, do mesmo jeito que tinha feito quando me pegou vendo uma comunidade gay na internet.
- Caio? – ouvi uma voz conhecida atrás de mim. – É você?!

Mas como eu era burro e inconsequente, não consegui resistir e desci antes da casa do Víctor. Eu queria ver a minha rua pela terceira vez, queria ver a minha casa novamente...
Qualquer coisa que eu tentasse fazer para não ficar ali naquele lugar era em vão. A minha vontade era tão forte, mas tão forte, que eu andei automaticamente. Era como se tudo tivesse vontade própria, menos eu. A minha raz;ao, que gritava para eu não ir lá, não foi sequer ouvida. Eu não sabia porquê as coisas aconteciam daquele jeito.
Contudo, a minha decisão foi muito infeliz. Por se tratar de um final de semana, boa parte dos meus vizinhos estavam na calçada e isso fez com que eu tivesse que dar um jeito de me esconder – o que foi praticamente impossível.
E se eles me vissem? O que seria de mim? Fiquei atrás de uma árvore de tronco robusto, mas mesmo assim não fiquei totalmente seguro, porque eu conhecia pessoas em ambas as calçadas e a rua estava mesmo bem movimentada.
Fiquei com o coração na mão. Para piorar a situação, a minha jaqueta não tinha capuz e eu não ia conseguir camuflar a minha cabeça. Parecia que tudo estava contra o meu favor naquela noite.
A luz da minha casa ainda estava acesa e o carro do meu pai não estava na garagem. Com certeza ele não estava em casa. Será que ele e a minha mãe tinham saído? Mas se eles tivessem saído, a luz da garagem e da sala estariam apagadas, o que não era o caso.
Pelo canto do olho, percebi que os meus vizinhos que tinham mais ou menos a minha idade estavam reunidos na frente da casa de um deles.
Estavam todos presentes: Jonathan, Bárbara, Cris, Marcelo, Rafael, Luciana, George e para a minha surpresa, o Cauã.
Meu irmão, meu gêmeo. Meu companheirinho desde a época em que éramos fetos na barriga de nossa mãe. Não resisti e tive que analisá-lo com mais cuidado: estava o mesmo moleque de sempre...
Pode parecer até mentira da minha parte, mas não é! Mesmo o Cauã e eu não nos vendo há quase 2 anos, nós ainda conseguíamos manter a mesma conexão que sempre tivemos para a escolha de nossas roupas.
Ele estava de camiseta branca, eu também, mas de modelos distintos; ele estava de jeans, eu também, mas o meu era um pouco mais escuro que o dele; ele estava de “All Star”, eu também... A única coisa que nos diferenciava, era o fato dele estar usando boné e eu estar de blusa de frio. Nada além disso.
Isso pra mim foi incrível. Inacreditável. Essa conexão que existia entre nós, no meu ponto de vista, era anormal. Os nossos gostos para roupas era exatamente o mesmo. Tudo o que eu gostava, ele também gostava. Tudo que ele não gostava, eu também não gostava. Será que isso é normal entre gêmeos? Ou será que meu irmão e eu tínhamos uma ligação fora do comum?
Se nós tínhamos essa ligação, por que brigávamos tanto? Por que chegamos a nos odiar? Por que ele me rejeitava? Por que eu detestava as atitudes dele e ele as minhas?
Talvez essa fosse a nossa única diferença: os gostos por determinados assuntos e o caráter, a forma de pensar. Em algo nós teríamos que ser diferentes. Não podíamos ser idênticos em tudo, não é mesmo?
Ele estava tão alto... Com o corpo tão bonito... Será que eu também era assim? Será que eu também tinha o corpo bonito daquele jeito? Com toda a certeza do mundo, ele estava fazendo o maior sucesso entre o público feminino. Meu pai provavelmente deveria estar orgulhoso.
Eles pareciam estar muito felizes. Parecia que estavam comemorando alguma coisa, porque não paravam de rir um segundo sequer e havia algumas garrafas de bebidas espalhadas pelo chão.
Os meninos estavam na frente da casa da Cris e vinha um som animado de dentro do imóvel. Provavelmente era alguma festa, senão eles não estariam tão arrumados daquele jeito.
Meu irmão virou e eu vi o rosto dele pela primeira vez depois de todo aquele tempo em que eu tinha saído daquela cidade. Foi como ver o meu rosto à distância. Ele abriu um sorriso em um determinado momento e eu senti um aperto dentro do meu peito.
Eu adorava quando a gente era criança e os nossos pais ficavam fazendo cócegas na gente. Meu irmão ria, ria, ria e até chorava de tanto rir. E a risada dele era muito gostosa... Como eu estava sentindo falta dele, mesmo ele sendo um ogro comigo!
Não sei quanto tempo fiquei parado atrás daquela árvore centenária. Provavelmente deveria ter passado muito tempo, porque as minhas pernas ficaram até formigando. Eu só me dei conta que deveria partir para a casa do Víctor quando um carro extremamente conhecido parou na frente da minha casa.
Era meu pai. Meu pai e minha mãe. Eles tinham mesmo saído juntos... Que bom que pelo menos eles estavam juntos... Ela desceu e rapidamente abriu o portão para meu pai passar, mas antes dele entrar na garagem, ele disse:
- CAUÃ? VAI DEMORAR, FILHO?
- JÁ VOU, PAI...
Por que ele chamava o Cauã de filho e a mim de inseto? Por que meu pai tinha que fazer tanta diferença entre nós dois?
A voz do meu irmão estava mais grave que o normal. É, ele estava mesmo crescendo. Já não era tão adolescente como na época em que eu saí de São Paulo...
Ele se aproximou e começou a conversar com nosso pai. Ouvi ele falando que iria ficar mais um pouco na rua, mas que não ia demorar muito para entrar em casa. Meu pai pediu para ele ter cuidado e deu um tapinha no ombro do garoto. Se fosse comigo, ele teria me dado um tapa na cara e teria chutado o meu estômago, do mesmo jeito que tinha feito quando me pegou vendo uma comunidade gay na internet.
- Caio? – ouvi uma voz conhecida atrás de mim. – É você?!
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