Quase caí quando entrei no quarto para socorrer o meu melhor amigo.
Minhas pernas me traíram e um pé ficou enroscado no outro. Se eu não tivesse segurado no guarda-roupa, teria dado com a cara no chão.
- Rodrigo, Rodrigo... – eu me ajoelhei ao lado do meu melhor amigo e virei o corpo dele para cima. – Digow, o que você tem, amigo...?
Minhas mãos e pernas estavam muito trêmulas. Eu fiquei ofegante e com o coração mais acelerado que nunca. O que ele tinha, meu Deus?
- Digow? Acorda, Digow – eu dei dois tapinhas de leve no rosto do garoto e percebi que ele estava com febre e desmaiado, é claro. – Ai meu Deus, o que eu faço? RODRIGO?
Ele estava desmaiado, mas de repente a respiração dele começou a ficar um pouco profunda e em seguida ele abriu os olhos.
- Digow... Digow... Digow, o que você tem, irmãozinho??? – eu já estava quase chorando de desespero.
- Dor... no... estômago...
- Você desmaiou... Consegue levantar?
- Eu si-sinto muita dor qua-quando na-ando...
- Mas você precisa levantar, Digow... Eu não vou aguentar te carregar sozinho!
Mesmo com muita dificuldade, o coitado sentou no chão e depois de um tempinho, nós conseguimos chegar em uma das camas. Ele deitou rapidamente e começou a respirar fundo.
- Não... não estou... aguentando mais...
- Não consegue andar pro hospital? – perguntei.
- Não! Chama... uma ambulância... pelo amor de Deus...
- Ambulância. Chamar uma ambulância – eu me levantei e fiquei sem saber o que fazer. – Ai, Jesus. Como eu faço isso?
- Ai... – Rodrigo gritou e eu senti um iceberg descer pro meu estômago.
- DIGOW... – eu fui pra perto dele. – Ai, me ajuda...
- Tem o... telefone do convênio no... no meu celular...
- Seu celular. Onde está seu celular?
Eu quase revirei o quarto de ponta cabeça e cada vez que não encontrava soltava um xingo baixo. A cada minuto que passava, eu ficava mais e mais afilto.
- VAI LOGO... – ele gritou de dor e em seguida ficou calado de vez.
- Rodrigo? RODRIGO, FALA COMIGO...
Se eu não tivesse sentado na cama acho que teria caído no chão, porque as minhas pernas estavam tremendo demais. Que situação complicada!
- Deus, me ajuda, Deus! Onde está o celular dele?
No bolso dele. Essa era a resposta. Meti a minha mão no bolso da calça do meu melhor amigo e com os dedos tremendo procurei o telefone do convênio. Quando encontrei, apertei rapidamente o botão verde e fiquei esperando um ser vivo me atender.
- Atendimento médico, boa noite?
- MOÇA, ME AJUDA...
- Em que posso ajudar?
- Eu preciso de uma ambulância. Com urgência!
- O que ocorre?
- Meu amigo está desmaiado. Ele está sentindo muita dor de estômago! – eu estava ofegante e suado de tão nervoso que estava.
- É só esse sintoma?
- Não sei moça, pelo amor de Deus... Manda uma ambulância pra cá logo, por favor!!!
- Me informe o endereço, por gentileza?
Eu disse o nome da rua e coloquei a mão na testa do Rodrigo. A febre dele estava aumentando.
- Ai... – ele choramingou. Em seguida uma lágrima escapou dos olhos dele.
- Calma, Digow... Calma eles já vão chegar...
- Algum ponto de referência? – perguntou a mulher que estava do outro lado da linha.
- Hã?
- Ponto de referência?
- Ah... – eu disse o ponto de referência. – Moça, ele está com febre também.
- Febre alta ou baixa?
- Não sei moça, não sei! Pelo amor de Deus, manda a ambulância logo, ele não está bem!
- A equipe médica já foi acionada. É só aguardar o veículo, preferencialmente na frente da residência.
- Na frente da casa? Mas eu não posso deixá-lo sozinho, moça!
- É importante para fácil localização do local.
- Tudo bem, tudo bem... Quanto tempo vai demorar?
- Não sei informar.
- Mas moça, ele está muito mal!
- Entendo, mas não posso determinar um tempo de chegada da equipe ao local.
- Por favor, por favor, coloca uma observação que é urgente!
- Todos os casos são urgentes.
- Mas... Tudo bem! Tudo bem, muito obrigado!
- Por nada. Boa noite.
Que boa noite que nada! Boa noite pra ela que não estava passando pelo o que eu estava passando. Boa noite pra ela que não estava vendo o melhor amigo caído em cima de uma cama e sem poder fazer absolutamente nada.
Me senti tão inútil! Me senti tão impotente naquela situação que a minha vontade era de sumir. O pobre do Rodrigo estava quase desmaiando de novo e eu não podia fazer nada para ajudar. Absolutamente nada.
- Está melhorando? – eu já estava chorando de dó do pobrezinho.
- Nã-não... – ele também chorava, mas de dor.
- Mas onde dói?
- No meu estômago to-todo.
- Aqui? – coloquei meu dedo em cima da barriga dele, mas me arrependi imediatamente.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI...
Quando eu ouvi aquele grito, tive a sensação que todo o gelo do mundo foi parar dentro da minha barriga. Eu nunca senti tanto medo como naquele momento.
- Desculpa, desculpa... – eu levantei da cama e recuei dois passos, já com as lágrimas escorrendo. – Me perdoa, por favor...
- Ai... minha... barriga...
- Eu vou... eu vou esperar... esperar os médicos... não saia daí, não se mexa... não se mexa... Ai meu Deus, eu machuquei ele...
Saí correndo pelo quarto e fui direto pra calçada da minha casa. Eu estava com medo, aflito e extremamente preocupado. Pela dor que ele estava sentindo, ele não deveria estar nada bem. Nada bem mesmo.
- Ai Jesus, onde está essa ambulância?
A minha vontade era de sair correndo com o Rodrigo no colo. Eu gostava tanto do meu amigo, que só naquele momento percebi o quanto eu me preocupava com ele. Se algo acontecesse com o rapaz, com toda certeza do mundo eu iria me sentir culpado por não ter ajudado de alguma forma.
- AMÉM – eu dei um berro quando a ambulância entrou no meu campo de visão. As sirenes estavam a todo vapor e o veículo a toda velocidade. Pelo menos eles foram rápidos.
- Foi você que chamou a ambulância? – perguntou o motorista.
- FOI! POR FAVOR, VENHAM LOGO...
Uma mulher abriu a porta do carona e deu um pulo no meio da rua. Ela era alta, magra e tinha o cabelo preto como petróleo.
- Quem é o enfermo? – ela foi ao meu encontro quase correndo.
- É meu irmão... Ele está lá dentro...
- Leve-me até onde ele está, por favor.
- Claro, claro, claro... Venha comigo...
Quando entramos no quarto, ela foi logo ao encontro dele.
- Como ele se chama?
- Rodrigo... Rodrigo...
- Rodrigo? – ela levantou o queixo dele. – Está me ouvindo?
- Si-sim...
- O que você está sentindo?
- Muita... dor no... estômago.
Ela levantou a camiseta do meu amigo e encostou a mão na barriga dele.
- Dói?
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI...
- E aqui?
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI...
A cada grito que ele dava eu sentia um frio esquisito no meio das minhas pernas. Era como se um prego estivesse sendo enfiado dentro de mim...
- Para com isso, moça! – eu pedi e senti a dor dele. – Ele está sofrendo!
- Eu preciso examiná-lo. Consegue levantar, Rodrigo?
- Ele diz que quando anda a dor aumenta.
- Traz a maca, Antônio – mandou a mulher.
Eu nem percebi que tinham dois homens dentro do quarto.
- O que ele tem? O que ele tem?
- Não posso afirmar com 100% de certeza, mas tudo indica que ele esteja com apendicite.
- Apendicite? – arregalei meus olhos. – Então é muito grave?
- É grave sim. Se for isso mesmo, ele precisa ser operado imediatamente.
- O-operado?
- Ai... – ele gemeu de novo.
- Pronto, Flávia – o cara chegou com a maca.
- Me ajuda aqui, Paulo.
Um dos homens foi ajudar a mulher a transportar meu amigo para a maca. Ele era baixo, negro e usava um óculos redondo na cor prata.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI...
- Ai meu Deus... – eu me assustei ainda mais.
- Moço, dá licença pra gente, por favor.
Eu saí do quarto e esperei eles passarem com meu amigo. Me deu uma dó muito grande em vê-lo amarrado naquela maca de ambulância. Nunca pensei que isso fosse acontecer com o Rodrigo.
- Você precisa vir com a gente na ambulância – falou a moça.
- Claro, claro.
- Está com os documentos dele? Carteirinha do convênio?
- Não...
- Então providencie, nós iremos alocá-lo na ambulância.
Por sorte não precisei procurar por muito tempo. A carteira dele estava em cima da cama e a carteirinha já estava alojada dentro do objeto.
Eu deixei tudo como estava. Não peguei nada a não ser o meu celular, o dele e as nossas carteiras. Saí correndo, fechei a porta, o portão e dei um pulo pra dentro do veículo. Ele estava com a cabeça virada pra a esquerda e com os olhos muito apertados e molhados.
Quando a moça fechou a porta, o carro saiu correndo e com a sirene ligada. Será que era grave mesmo?
- A pressão dele está muito baixa – ela falou.
- E isso é ruim?
- É sim...
- Está em quanto?
- 8 por 5. E ele está com 40 de febre.
- Isso é normal?
- É mais um sinal que se trata de apendicite. Tenho certeza que é isso.
- Ai, meu Deus...
- Fique calmo. Tudo dará certo agora.
- Mas eu tenho medo!
- Tranquilize-se. Quer um calmante?
- Não – balancei a cabeça. – Só quero que ele fique bem.
Meu celular começou a tocar e quando eu li o nome do Vinícius no visor do aparelho, fiquei muito bravo:
- Só agoara você me liga, Vinícius?
- Desculpa, Caio! Eu não vi o celular tocando.
- O Rodrigo está com apendicite!
- O QUÊ?
- É isso mesmo, nós estamos indo pro hospital.
- Como assim? Como assim? Me explica isso direito!
Resumi a história e para finalizar, informei o hospital para onde ele estava sendo levado. O Viníicus ficou tão ou mais preocupado que eu.
- Estou indo pra lá. Me avisa quando vocês chegarem, por favor!
- Avisa pros meninos aí. Eu não tive cabeça de ligar pra ninguém, ele estava muito mal.
- Aviso... Aviso... Beleza, falou!
- Nós já estamos chegando. Por gentileza, providencie a internação dele, está bem?
- Como eu faço isso?
- É só ir na recepção com os documentos e a carteirinha do convênio. Ele será levado direto pra emergência, assim que sair da recepção dirija-se até lá que quando o médico tiver alguma notícia, ele avisará.
- Tudo bem, tudo bem.
- Onde estão seus pais?
- Meus pais?
- É, seus pais! Suponho que eles precisam saber disso?
- Ah, claro! Acontece que ele não é meu irmão de verdade, moça. Mas é como se fosse.
- Então avise aos pais dele, é bom ter um familiar no local.
- Ele não tem familiats aqui no Rio. Somos estudantes e ninguém têm família aqui.
- Então você terá que assinar a internação. É maior de idade?
- Sou, sou sim. Eu assino o que for preciso.
- Então tudo bem. Eu vou sair com ele e você vai pra recepção, tudo bem?
- Tudo bem, moça! Muito obrigado, muito obrigado por tudo.
- Imagina, esse é o meu trabalho.
- Ca-caio? – a voz dele foi quase inaudível.
- Oi, Digow? O que foi, amigo? – eu me aproximei e coloquei a mão no ombro dele.
- Eu estou com medo...
- Não fica, Digow! – eu tentei passar confiança e confortá-lo. – Você vai ficar bem agora.
- Fica comigo, Caio, por favor...
- Eu não vou sair de perto de você, confia em mim!
Que dó! Que dó que eu senti dele naquele momento. Só então eu percebi que ele se sentia tão sozinho quanto eu no Rio de Janeiro!
Os enfermeiros ou médicos saíram correndo com o Rodrigo e eu fiquei perdido. Onde será que ficava a portaria principal daquele hospital imenso?
- Com licença – eu dei um cutucão no ombro de uma mulher toda de branco. – Onde é a portaria aqui?
- Segue reto por essa calçada e vira à esquerda, vai dar de cara com a portaria.
- Ah, muito obrigado!
Eu saí quase que correndo. A preocupação com o Rodrigo estava tão grande que não estava sentindo fome, nem sede, nem sono e nem vontade de ir ao banheiro.
- Boa noite – coloquei minhas duas mãos em cima do balcão. – Eu tenho que dar entrada em uma internação.
- Internação? Foi emergência? – questionou a funcionária.
- Sim. Ao que parece trata-se de apendicite. Ele já está lá na emergência.
- Documentos do paciente e carteirinha do convênio, por favor.
Entreguei tudo o que ela pediu e fiquei esperando as instruções.
- Quem será responsável? É você?
- Sim.
- O que você é do paciente?
- Amigo. Praticamente irmão.
- Preciso que seja um parente.
- Ele não tem parentes no Rio, moça.
- Ele é órfão?
- Não, mas toda a famiíla dele mora no Paraná.
- Você é maior de 18 anos?
- Sou.
- Documentos, por favor?
Entreguei meu RG e CPF e fiquei impaciente. Que burocracia era aquela?
- Assine aqui, por favor?
Coloquei minha rubrica no papel e fiquei com vontade de roubar tudo o que entreguei e sair correndo até a emergência. Será que já tinha alguma notícia dele?
- Pronto. Está tudo certo, muito obrigada.
- Obrigado.
Quase trombei com uma mulher que chorava muito. Se eu não tivesse desviado, nossos corpos teriam colidido e provavelmente nós teríamos nos machucado.
- Desculpa – falei, mas não olhei pra trás para me desculpar de verdade.
Onde ficava a emergência? Eu virei para um lado, virei pro outro e acabei me perdendo. Já não sabia mais onde estava.
- Por favor, onde fica a emergência? – perguntei a uma mulher.
- Vira à direita duas vezes, vai até o final do corredor e vira à esquerda.
- Obrigado!
Eu estava sem ar de tanto que estava correndo. Meu corpo estava muito suado, minha camiseta estava colada no corpo e eu estava querendo muito tomar um banho gelado.
Quase não consegui atender os comandos da desconhecida, porém senti um alívio imenso quando encontrei o local. Fiquei literalmente colado na porta, esperando alguém sair para dar notícias do meu amigo.
Depois de 5 minutos, eu já fiquei totalmente impaciente e ainda mais preocupado. Por que ninguém saía para ir falar comigo?
- Fala, Vini? – atendi o celular.
- Onde você está?
- Em frente a emergência e você?
- Acabei de chegar no hospital. Estou indo aí.
- Beleza.
Antes do gatão chegar, o médico saiu e perguntou quem eram os familiares do Rodrigo.
- Eu, eu – ergui a mão e comecei a pular.
- Como você se chama?
- Caio.
- Caio, meu nome é Ronaldo, sou o médico responsável pelo Rodrigo.
- Como ele está, doutor?
- Ele deu entrada com dores no abdômen. Nós fizemos alguns exames e constatamos que ele está com apendicite aguda.
- E isso é muito grave?
- Não se ele for operado a tempo.
- E o que falta para ele ser operado? – perguntei.
- Ele já está sendo encaminhado ao centro cirúrgico.
- Mas isso pode ter alguma complicação?
- Se o apêndice romper, ele se torna peritonite e isso é um pouco mais grave, vamos esperar para ver como fica.
Nesse momento o Vinícius e o Fabrício chegaram.
- Então agora nós temos que aguardar? – perguntei.
- Sim. Assim que a cirurgia acabar eu volto com as notícias.
- Tudo bem, muito obrigado!
- Por nada.
- Ele está com peritonite? – perguntou Vinícius.
- Não, é apendicite aguda. O médico disse que se o apêndice romper pode virar esse negócio aí. É perigoso?
- Um pouco. Vamos torcer que nada aconteça e seja só o apêndice mesmo.
- Caio, você avisou os pais dele? – perguntou Fabrício.
- Não, Fabrício. Na correria eu acabei esquecendo.
- Então avisa, cara. Eles precisam saber.
- Vou ligar mesmo. Já volto.
Fui até uma cadeira que estava vaga e comecei a procurar o telefone dos pais dele na agenda do celular que tinha ficado comigo. Não demorou e eu achei um contato com o nome de “Mãe”.
- Filho? – uma voz feminina atendeu. – Que surpresa!
- Dona Inês?
- Quem está falando? – o tom de voz dela mudou totalmente.
- Dona Inês, sou o Caio! A senhora lembra de mim?
- Caio? Caio? Ah, claro! Você é o amigo do Rodrigo, não é?
- Isso mesmo...
- O que houve? Aconteceu alguma coisa com o meu filho?
- Sim... Eu estou ligando para dar uma notícia ruim...
- O QUE ACONTECEU COM O MEU FILHO?
- Fique calma, Dona Inês. O Rodrigo estava reclamando já há alguns dias de dor no estômago...
- Sim, ele me disse isso...
- Só que a dor piorou.
- Piorou?
- Infelizmente sim. Hoje o caso ficou crítico e nós descobrimos que ele está com apendicite.
- O QUÊ?
- É isso mesmo que a senhora ouviu.
- MAS COMO ELE ESTÁ, CAIO? ONDE ELE ESTÁ? O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
- Acalme-se. Agora está tudo sob controle, eu o trouxe ao hospital e ele já está sendo operado.
- OPERADO? – ela começou a chorar. – Mas ele está bem?
- Ele está com dor, muita dor... Não sei informar qual o estado dele nesse momento.
- Eu e meu marido estamos indo pro Rio.
- Tudo bem...
- Por favor, fique com o celular dele ligado. Assim que nós chegarmos eu ligo para saber como faremos pra chegar no hospital.
- Pode deixar, Dona Inês. Não fique preocupada, eu tenho certeza que vai dar tudo certo.
- Obrigada, Caio! Muito obrigada por cuidar do meu filho!
- Imagina, Dona Inês. Considero o Rodrigo como um irmão e pode ter certeza que não vou pregar os olhos enquanto não tiver notícias dele.
.
E foi isso mesmo que eu fiz. Mais de 3 horas passaram e nós não tivemos notícias dele. Eu rezei como não rezava há tempos. Sáo nesses momentos que a gente percebe o quanto estamos afastados de Deus.
- Mãezinha... A Senhora nunca me abandona... Não abandona meu amigo nesse momento, por favor...
Quando o tal do Ronaldo apareceu, eu dei um salto da cadeira e fui logo perguntando:
- Como ele está, doutor?
- Olha, infelizmente ele teve uma peritonite.
Meu coração disparou e eu pensei que estivesse mergulhando em um abismo.
- Mas... Mas...
- E como ele está? – Vinícius se meteu e começou a falar com o médico.
- O estado é estável. Ele está na UTI.
- E como está a infecção?
- Sob controle. Agora temos que aguardar a recuperação dele.
- Podemos vê-lo?
- O horário de visitas é daqui meia hora – falou o médico. – Poderão entrar apenas dois de vocês.
Vinícius argumentou tanto com o médico que acabou convencendo o mesmo a liberar o acesso de nós três.
- Só vou fazer isso porque você também é médico, senão nem teria chance.
- Obrigado, parceiro! Muito obrigado mesmo.
- Vini? – eu choraminguei.
- O que foi, Caio?
- Isso é muito grave, é?
- Acho que o pior já passou. Agora é só acompanhar a infecção no estômago dele.
- Ele pode... morrer? – meu coração deu um nó enorme.
- Não vai acontecer isso – ele apertou meu braço. – Confie.
- Mas... Isso pode ou não acontecer?
- A taxa de mortalidade é muito pequena, Caio. Acontece mais com idosos. O Rodrigo é forte, ele vai sair dessa!
- Deus te ouça. Deus te ouça!!!
Foram os 30 minutos mais longos da minha vida. Eu fiquei andando de um lado pro outro feito uma barata tonta. Os ponteiros do relógio estavam lentos, muito lentos.
- Caio, a visita está liberada. Quer entrar primeiro? – perguntou Vinícius.
- Não, Vini! Podem ir primeiro. Eu quero ficar pro final.
- Tem certeza?
- Absoluta!
- Então eu vou e depois vai o Fabrício. Fica calmo, Caio! Você está nervoso demais.
- Estou preocupado, Vini! O Rodrigo é tudo o que eu tenho aqui no Rio!
- Eu sei, mas vai dar tudo certo.
Perdi as contas das vezes em que meus olhos ficaram marejados. Eu não estava conseguindo pensar em mais nada. Não consegui pensar em mim, não consegui pensar no Carlos, nem no Bruno, nem no meu trabalho, nem na minha família, nem em mais nada.
Naquele momento, ele era a minha única e verdadeira preocupação e prioridade.
Foi o Rodrigo que me abriu as portas da república. Foi o Rodrigo que me ajudou na época em que o Bruno foi pra Espanha. Foi o Rodrigo que salvou a minha vida quando eu tentei me suicidar.
Foi ele que me tirou do fundo do poço. Foi ele que me ajudou a sair da depressão. Foi ele que me arrastou pro Paraná no fim do ano...
Ele já tinha feito tanta coisa por mim! Me ajudou, me estendeu a mão quando mais precisei... Me mostrou que eu podia ser feliz sem o Bruno, que eu tinha o poder da felicidade nas minhas mãos...
Ele abriu portas, me fez conhecer pessoas maravilhosas como o Vinícius e o Fabrício... Poxa vida, o que seria de mim sem o Rodrigo lá no Rio?
Como teria sido a minha vida se eu não tivesse conhecido aquele cara? Com toda certeza eu teria continuado naquela hospedaria xexelenta do Seu Manollo.
Não teria conhecido os meninos, consecultivamente não teria trabalhado com o Fabrício, consecultivamente não teria conhecido a Janaína e não teria tido a oportunidade de trabalhar na empresa onde eu estava trabalhando.
Tudo, absolutamente tudo de bom que tinha acontecido comigo naquela cidade, foi graças ao Rodrigo. Como eu não poderia me preocupar com ele? Como eu não poderia ser eternamente grato a tudo o que ele me fez?
Quando o Vinícius saiu pela porta, eu o olhei com os olhos molhados. Como será que ele estava?
O futuro médico e o futuro engenheiro trocaram uma palavra rápida e o Fabrício entrou. Vinícius foi ao meu encontro, bagunçou o meu cabelo e disse:
- Ele está dormindo ainda.
- Dormindo?
- Claro, né Caio? Ele passou por uma cirurgia. Está cedado!
- Então eu não vou conseguir falar com ele?
- Não a não ser que ele acorde. Mas vá vê-lo.
- Claro que eu vou!
O Fabrício apareceu rapidinho. Eu perguntei como fazia para encontrá-lo e fui correndo ao encontro do meu amigo.
Ele estava coberto com um lençol branco, mas o peito estava nu. O rosto dele estava tranquilo e ele estava com o oxigênio preso no nariz. Me bateu uma tristeza tão grande que foi impossível segurar a emoção.
É incrível como o ser humano é frágil. Muito frágil. Com uma simples dor de estômago, ele ganhou uma cirurgia. E se eu não tivesse conseguido chegar a tempo? E se ele não tivesse me ligado?
“E se”... “E se”... Era só isso que vinha na minha cabeça. Eu me alojei ao lado do meu amigo e segurei na mão direita dele. Eu fiquei olhando para todas aquelas máquinas que rodeavam o leito do Rodrigo e fiquei me perguntando se tudo aquilo era necessário. Será que alguém estava escondendo alguma coisa de mim? Será que o quadro era mesmo estável ou será que ele estava pior do que eu pudesse imaginar?
- Ca... Caio... – ele balbuciou o meu nome e eu fiquei ainda mais emocionado.
- Rodrigo – eu falei o nome dele baixinho. – Meu amigo, meu irmão!
Tão lindo. Tão bonito e tão frágil. Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por que logo com ele? Tanta gente no mundo e logo ele teve que ficar doente?
- Ca-caio... – ele chamou o meu nome e abriu os olhos muito lentamente.
- Digow! Digow... Ah, Digow...
- Você está aqui...
- Claro que eu estou, Digow! Claro que eu estou! Eu disse que iria ficar ao seu lado, não disse?
Ele se mexeu um pouco e fez uma careta horrível.
- O que foi? O que você está sentindo?
- Minha barriga está doendo, mas não como antes. O que aconteceu?
- Você teve um apendicite e uma peritonite. Não lembra de nada?
- Lembro que fiz uma ultrassonografia, depois não lembro de mais nada. Onde eu estou?
- Na UTI. Você fez uma cirurgia de emergência, mano.
- Cirurgia? – ele estava meio sonolento. – Por isso que eu estou com tanto sono?
- Acho que sim, né?
- Faz tempo, Caio?
- Algumas horas. Você está se sentindo bem?
- Não sinto mais dor no estômago, só um ardor na pele...
- Deve ser do corte. Vai ficar tudo bem, tá bom?
Ele me olhou nos olhos e suspirou profundamente.
- Caio?
- Que foi, Digow?
- Eu vou morrer, não vou?!
- Claro que não! – eu exclamei. – Não vai não, você vai ficar bom!
- Promete?
- Prometo!
Ele suspirou de novo.
- Fiquei tão preocupado com você – falei baixinho.
Ele ficou calado, mas não parou de me olhar.
- Ficou?
- Claro que fiquei, Rodrigo! Você é como um irmão pra mim. Só tenho você aqui no Rio, sabe?
- Mentiroso. Você tem os meninos também.
- Mas nenhum deles é como você. E nunca serão.
- Eu também só tenho você aqui – ele não tirou os olhos dos meus.
- Não fala muito, não fala. Você precisa descansar!
- Não, eu preciso falar... Eu tenho que te agradecer, Caio...
- Agradecer? Pelo quê? Você não tem nada que agradecer não...
- Claro que tenho, claro que eu tenho que agradecer. Você salvou a minha vida!
- Não fala nada, não fala. Você precisa descansar, você precisa se recuperar...
Ele fez outra careta e virou a cabeça na cama.
- Eu tenho que falar. Eu tenho que falar porque tem algo que eu quero te dizer há muito
Um comentário:
Nem sei o que dizer. Ah tempos que não me envolvia a ponto de chorar de sentir... De rir onde independentemente de que forma seja o importante eh estar vivo... E ser capaz de sentir ... Muito obrigada por me proporcionar uma leitura agradável divertida emocionante nao sei mais o que dizer faço as palavras de seus fãs as minhas... Nao tenho muito a acrescentar somente minha admiração,gratidão,e respeito... Nem sei se lera isso mas vou deixar aqui... Quietinho quem sabe...
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