terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Capítulo 78

N
ão entendi o motivo daquela pergunta. Será que ele estava me testando ou desconfiava de alguma coisa?
- O que você tem contra quem é virgem? – eu perguntei, com a fisionomia mais séria que pude fazer.
- Então você é? – ele arregalou os olhos, totalmente incrédulo.
- Claro que sou – não aguentei e abri um sorriso. – Eu nasci no dia 31 de agosto, sou virgem até morrer.
Se antes a fisionomia era de incredulidade, naquele momento então ele ficou com cara de “pastel”.
- Idiota, você sabe muito bem que não é sobre isso que eu estou falando.
Eu ri. Adorava pegas as pessoas com essa brincadeira sem graça.
- É brincadeira. Eu não sou virgem. Só no signo mesmo.
- Ah, que susto! Pensei que você ainda não tinha provado uma...
- Olha lá o que você vai falar, não esqueça que nós não estamos sozinhos!
Havia pessoas demais à nossa volta para ele se dar ao luxo de soltar um palavrão.
- Eu nem ia dizer nada demais – Gabriel abriu outro sorriso safado.







- Sei. Quem não te conhece que te compre.
- Você nem me conhece direito ainda, Caio. Vai sofrer nesses 20 dias que restam!
- Vou nada, estou acostumado com pessoas sem noção como você – zombei.
- Sem noção é a senhora sua avó, seu idiota! Já terminou o café ou quer mais alguma coisa?
- Não cabe mais nada aqui. Vou ficar o resto do dia sem comer nada.
- Duvido. Vamos subir, senão a gente pode se atrasar.
- Vamos sim.
Nos levantamos, colocamos as cadeiras embaixo da mesa e em seguida nos dirigimos ao corredor que dava acesso aos elevadores. O hotel estava bem movimentado, considerando-se o horário.
- Movimentado aqui, não?
- Normal – ele falou.
- Estou te achando experiente demais nessa história de hotel, hein? Viaja muito?
- Não tanto quanto gostaria – ele falou.
- Não é o que parece, mas tudo bem.







Eu chamei o elevador e enquanto este não chegou, me encostei na parede e fiquei pensando na vida. Será que o Gabriel estava desconfiando de alguma coisa?
- Será que esse treinamento vai ser legal?
- Não faço a menor ideia – dei de ombros. – Espero que sim.
- Tomara que tenha muitas gatinhas na sala – ele sorriu pela terceira ou quarta vez.
- Só pensa nisso? – perguntei.
- Não, claro que não. Já passei dessa fase de só pensar em mulher.
- Ah, que bom. O mundo não é só isso, não é mesmo?
- Você tem razão. Eu preciso ter um espaço na minha mente para pensar no futebol.
Quanta bobagem! Se tinha uma coisa; aliás, duas coisas que eu não pensava era justamente em mulheres e futebol. Não que eu não goste de mulheres e futebol, mas existem outros assuntos com os quais devo nos preocupar.
- Só você mesmo, Gabo – eu fui o primeiro a sair do elevador.
- Mas não é?!
- Se você diz, quem sou eu para falar o contrário? Cadê o cartão?
- Aqui – ele tirou o cartão da porta do bolso traseiro da bermuda que estava usando. Eu abri a porta rapidamente.
- Aprendeu, direitinho hein?
- Claro que sim, eu sou um rapaz muito inteligente.
- Aham, eu sei. Eu vi ontem, eu vi!
- Sem graça! Eu sou inteligente e bom aluno – zoei.
- Vamos ver se é bom aluno e se vai aprender as coisas que serão passadas nesse treinamento.
- Com certeza. Eu me garanto!
- Modesto pra cacete, né?
- Sempre! Posso tomar banho primeiro?
- Pode sim. Eu queria usar a internet mesmo. Você permite?
- Jà vai ver os sites de sacanagem, brother? – provoquei de propósito.
- Não. Agora não. Só mais tarde; depois que você dormir – ele piscou.
- Porque depois que eu dormir?
- Vai querer ver comigo, mano?
- Não – senti minhas bochechas queimarem. – Não, obrigado.
- Ah, tá. Já estava te estranhando.
- Você é muito engraçadinho.
- É brincadeira, mano. Não existe nada demais nisso. Se quiser ver comigo, pode ficar à vontade.
- Nem quero. Vou pro banho e já volto!
- Beleza.
Aquele papinho do Gabriel estava muito estranho. Ou ele queria descobrir alguma coisa ao meu respeito, ou realmente era um pouco sem noção.
Resolvi deixar o assunto de lado e me concentrei no meu banho. Felizmente abri o chuveiro de forma certa daquela vez.






Não pude demorar demais senão nós iríamos acabar nos atrasando para o primeiro dia de treinamento. Quando terminei, me vesti rapidamente, escovei os dentes e quando saí pro quarto, ele já não estava mais na frente do notebook.
- Demorei?
- Não. Agora sou eu. A água está boa?
- Mesma coisa de ontem.
- Não tomou banho gelado hoje? – ele deu uma gargalhada estridente.
- Não – até eu ri. – Hoje não.
- Só você mesmo! Volto já.
Mal ele entrou no banheiro e os telefones começaram a tocar. Só podia ser a Janaína ou a Alexia...
- Alô? – atendi.
- Já estão prontos? – era a Janaína.
Bingo! Acertei em cheio.
- Eu sim, o Gabriel está no banho.
- Ai que delícia! Já tirou a minha foto?
- Claro que não, para de graça.
- Vamos trocar de quarto, Caio? Eu não ligo de deixar a branquela da Alexia com você. Olha que lindo, os dois são branquelos, vai combinar mais. Me deixa ficar com esse gostoso, vai?
- Não pode – eu abri um sorriso. – Lembra o que a Eduarda disse, não lembra?
- Ninguém vai saber de nada, só se você abrir esse bocão.
- Não troco, não troco e não troco.
- Vou anotar isso. Um dia você vai precisar de mim! Ingrato.
- Para de ser lesada, Jana. Só pensa em homem?!
- E tem coisa melhor pra pensar?
NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!
- Com certeza tem – ela ainda não sabia da minha orientação sexual, então eu fui obrigado a disfarçar.
- A Alexia e eu já vamos descer, hein? Esperamos vocês lá na recepção.
- Está muito cedo, doida! Não são nem 8 e maia ainda! A van só vem às 9, não é isso?
- Isso, mas nós queremos curtir um pouquinho do sol.
- Ah, entendi. Então tá. Logo, logo nós descemos.
- Estamos esperando.





Fiquei surpreso com o calor que estava fazendo fora do hotel. O sol não estava nada fraco, mesmo no período da manhã. Até parecia que eu estava no Rio!
- Pensei que aqui fosse frio – Alexia comentou.
- Esse sol está esquisito demais – falei. – Isso me cheira a chuva!
- Imagina, Caio. Não vai chover com um sol tão lindo desses no céu – falou Janaína.
- É só intuição – argumentei.
Uma van preta e reluzente se aproximou e parou próximo da entrada do hotel. Será que seria ela que nos levaria até a empresa?



- Será que é essa? – perguntou Gabriel.
- Bem provável – disse Janaína.
Ainda faltavam algumas pessoas. Um homem jovem, mas não muito afeiçoado desceu do banco do motorista e foi em nossa direção.
- Bom dia? – ele coçou a nuca.
- Bom dia – nós respondemos.
- São vocês que vão para o treinamento?
- Isso – disse Alexia. – Mas ainda faltam algumas pessoas.
- Ah, tudo bem. Ainda está cedo. Eu vou esperar na van, quando todos estiverem aqui é só me chamar, está bem?
- Tudo bem – concordou Gabriel. – Obrigado.
Enquanto nossos colegas de trabalho não apareceram, meus amigos e eu ficamos jogando conversa fora e é claro que a Janaína não perdeu uma oportunidade de fazer gracinha, né?
- Você é doida, é? – Alexia secou uma lágrima. – Minha barriga está até doendo de tanto rir!
- O que eu posso fazer? Eu sou assim, amiga – ela abraçou a Alexia tão forte que a coitada ficou até avermelhada.
- Pode me deixar respirar agora? Obrigada – a moça soltou o ar pela boca e respirou pelo nariz. – Com outro abraço desse você quebra as minhas costelas.
- Fracote! Isso porque fui eu que te abraçou, imagina se tivesse sido esse gostoso aqui? – ela apontou pro Gabriel.
- Aí ela teria gostado, hein? – ele abriu um sorriso enorme e muito, muito safado.
- Sem graça – minha amiga ficou com vergonha.
Acho que estava rolando um clima entre os dois.
- Bom dia, pessoal – o Henrique se aproximou do meu grupinho com um sorriso nos lábios.
- Bom dia – nós respondemos. Nossos olhos se uniram e ficaram fixos por um segundo.
- Tudo bem? – ele tentou se entrosar.
- Tudo e você?! – eu fui o único que tive coragem de responder.
- Muito bem. Essa é a nossa van?
- É sim, mas ainda faltam algumas pessoas...
- Verdade. E aí, estão preparados para começar o treinamento?
- Eu estou – disse Alexia. – Já trouxe até a minha agenda para fazer minhas anotações.
- Que coisa mais gay – Janaína revirou os olhos. – Agenda da Moranguinho?
- O que esperava? Uma do Vasco?
- Do Flamengo seria mais legal – disse Gabriel. – Posso dar uma olhada?
- Claro, mas não vá ler as minhas anotações, hein?
- Por que não? Tem algum segredo aqui? – Gabriel sorriu.
- Não. Acha que vou deixar as minhas coisas anotadas em qualquer lugar? Não me chamo Janaína!
- Olha o respeito! Vou te levar para conhecer o Tietê, hein?
- Não obrigada!
O Carlos só deu risada com as palhaçadas da Jana e as indiretas do Gabriel. Eu não sabia explicar o motivo, mas sempre que eu ficava perto dele, sentia algo esquisito dentro da minha barriga. Um gelo anormal, uma sensação realmente esquisita.
Quando todos chegaram, o Gabriel chamou o moço da van e ele foi se apresentar formalmente. O cara se chamava Ricardo. Lembrei do Ricardo que morou comigo no passado. Será que ele estava bem?
Ficou acordado que o cara iria nos levar e nos buscar diariamente na empresa. O contrato já estava fechado e ele era de nosso uso exclusivo, poderíamos até abusar da boa vontade dele quando estivéssemos de folga. Isso me deixou um pouco interessado.
- Eu quero ir na janela – a Janaína empurrou o Gabo e passou na frente. – Assim o Caio vai nos falando os pontos turísticos da cidade.
- Você conhece aqui? – perguntou Carlos.
- Sim – assenti. – Eu sou daqui. Moro no Rio há pouco tempo.
- Ah, agora eu entendi porque você tem esse sotaque misturado.
- É...
- Vem, Caio. Senta aqui do meu ladinho – a Jana me puxou pelo pulso e me fez entrar na van quase que à força.
- Calma, Jana! Não precisa quebrar meu pulso.
- Você e a Alexia são muito molengas.
- Você que é bruta demais.
Quando todos já estavam devidamente acomodados, o Ricardo deu a partira no motor e em seguida nós partimos rumo ao bairro da República.
- Esse bairro é muito longe daqui? – perguntou Janaína.
- Não muito. Uns 20 minutos – eu falei.
- Isso mesmo garoto – Ricardo concordou. – Como você sabe?
- Eu sou daqui – expliquei. – Conheço São Paulo como a palma da minha mão.
- Ah, bacana!



O tal do Renato e o Gabriel ficaram no banco da frente. Eu me senti sufocado com o monte de perguntas que a Janaína estava me fazendo.
- Aqui é o Anhangabaú – falei.
- Que nome esquisito – ela riu.
- Mesma coisa que Largo do Machado. Mais esquisito ainda.
- Não fala mal da minha cidade, hein? – ela me fuzilou com os olhos.
- Então não fale mal da minha!
- Mas eu não falei mal.
- Eu também não.
- Caio, a praia é muito longe aqui em São Paulo? – indagou Carlos.
- A mais próxima fica há no mínimo 2 horas de carro.
- Que horror. Não conseguiria morar em uma cidade sem praia.
- É eu também estou achando esquisito. Acostumei com o Rio de Janeiro.
- Mora lá há muito tempo?
- Quase 2 anos.
- Bacana. Você prefere lá ou aqui?
- Fico balançado entre as duas. Gosto de lá por causa das praias e da agitação carioca. Gosto daqui porque foi aqui que eu cresci, aqui que eu vivi toda a minha vida e porque aqui fazfrio e eu amo o frio... Então estou sentindo saudade, mas eu também amo o Rio.
- Entendi o seu dilema.
- É bem isso mesmo. Um dilema.
- Pretente voltar a morar em São Paulo?
- Depende, Henrique. Depende muito. Não vou dizer que não, afinal não sei o dia de amanhã. Nesse momento a minha vida está lá, mas se um dia eu precisar voltar, volto sem problema algum.
Não era algo que eu cogitava naquele momento, porém eu sabia que essa possibilidade existia. Por mais que a minha vida estivesse no Rio, todas as minhas raízes estavam em São Paulo e provavelmente eu não conseguiria viver longe de tudo para sempre.
- Entendi.
- Caio? Ainda estamos no bairro do Baú? – sondou Janaína.
- Não, já chegamos na República. Mais uns 3 minutos estamos na loja.
E foi esse o tempo exato que levamos para chegar na matriz da empresa que iríamos trabalhar. Era uma loja imensa, parecia até um shopping center.
- Isso tudo aqui é uma loja só? – Alexia abriu a boca.
- Sim – eu respondi.
- Tem certeza que não é um shopping? – perguntou Janaína.
- Não gente. É uma loja só. São 5 andares apenas. Relaxem.
- Isso é grande demais – falou Gabriel. – Não pensei que fosse tão grande assim.
- E essa é só uma das lojas, hein? – falei.
- Imagina as outras... – falou Alexia.
- Mas essa é a maior de todas – eu falei.
- Como você pode ter certeza? – perguntou Gabriel.
- Pelo menos das que eu conheço, essa é a maior!
Nós entramos e ficamos sem saber o que fazer. O movimento estava tão grande que nenhum funcionário conseguiu parar para nos ajudar.
- Vou procurar o gerente – disse uma moça.
- Boa ideia – outra concordou.
Ela saiu e voltou depois de alguns minutos, acompanhada de um cara que trajava roupa social.
- Bom dia, pessoal! Eu me chamo Lucas, sou um dos gerentes dessa loja. Tudo bem?
- Tudo! – respondemos.
Será que eu só ia encontrar xarás de conhecidos naquela viagem?
- Desculpem não ter vindo falar com vocês antes, mas como devem ter percebido, o movimento aqui é grande. Isso porque nós acabamos de abrir, hein? – ele brincou. – Por favor, eu vou pedir a gentileza de vocês irem até o elevador e subirem para o 4º andar. Lá podem procurar pela Janaína que ela irá auxiliá-los.

- Adoro, ganhei uma xará – minha amiga começou a rir. – Já gostei dela!
- Boa sorte à todos, sejam bem-vindos! – disse Lucas.
- Obrigado.
Tivemos que nos dividir em duas turmas de 6 pessoas no elevador. Gabriel, Janaína, Alexia, Carlos, Renato e eu ficamos para o final.
- Isso sim é um elevador descente – a morena falou. – O do hotel é lento demais, dá até sono.
- Quer parar de se olhar no espelho? – fiz a Alexia virar pra frente.
- Preciso me arrumar, Caio! Vai que eu encontro um príncipe nesse treinamento!
- Nem se você estivesse na estória da Cinderela – eu ri e a empurrei novamente quando a porta abriu.
De semelhança, as Janaínas só tinham o nome! Uma era branca, a outra morena, uma loira e a outra com cabelo preto. Elas não se pareciam em nada.
- Oi, eu me chamo Janaína também – minha amiga fez as honras da casa. – Já gostei de você, gata. Tem o melhor nome do mundo.
- Nossa, que coincidência! Também já gostei de você, vou até facilitar a sua vida nas provas – a moça brincou.
- Assim que se fala!
- Vamos entrar na sala pessoal? Lá nós poderemos conversar melhor – disse a Janaína loira. – Podem sentar em duplas, por favor.
Eu fui o último a entrar e quando o fiz, tratei logo de procurar um dos meus amigos para me sentar ao lado, mas o Henrique me puxou pelo braço e disse:
- No hotel você escapou, mas aqui você não escapa! Quer sentar comigo?



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