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anaína estava tão brava que o rosto ficou até vermelho.
- Calma, Jana! – eu segurei nos ombros dela porque ela quis me dar um tapa na cabeça. – A culpa não é minha!

- Seu infeliz, você me paga! Eu nunca paguei tanto mico como hoje...
- Mas a culpa não é minha – eu segurei uma risada.
- Fica calma, negra azeda – Alexia apoiou nossa amiga. – Isso poderia ter acontecido com qualquer um, mas foi com você!
- Que culpa eu tenho se você não tem força no pé pra segurar seu sapato? – a minha gargalhada foi inevitável, ela estava parecendo uma louca!
- ARGH! – ela bufou de raiva. – TE MATO, MOLEQUE!
- Jana, me diz uma coisa... – falou Gabriel. – Qual pessoa em sua sã consciência vem pra 25 de Março usando salto? Me diz?

- Cala a boca, saco de músculos... Eu sou lady independente de onde eu esteja!
Alexia, Gabriel e eu não conseguimos frear as risadas. A Janaína estava simplesmente hilária naquela situação. E por nada no mundo ela colocava o pé que estava descalço no chão.
- Me ajudem a andar aqui, caralho – ela estava pulando e conforme fazia isso, os peitos subiam e desciam, fazendo com que ela ficasse ainda mais engraçada.
- Segura no meu ombro – Gabriel secou uma lágrima.
- Onde eu fui amarrar o meu jegue, meu Deus? – só ela não deu risada, porque até as pessoas que passavam riam.
- Relaxa, a gente dá um jeito – eu tentei minimizar a situação.
- Você vai ter que me comprar um sapato novinho em folha pra mim e muito mais caro que esse, seu cachorro!
Eu? Eu não! A culpa não era minha se ela perdeu o sapato no meio do metrô.
Foi extremamente difícil fazer a Jana chegar no segundo metrô. Ela estava muito brava e revoltada, eu tinha certeza que esse mau-humor ia demorar a passar.
- Vai demorar para chegarmos? – ela perguntou.
- Vamos descer na próxima estação – toda vez que eu olhava pra ela, sentia vontade de dar risada.
- Dá para você arrumar essa saia que está torta? – perguntou Alexia.
- Como eu vou arrumar? Estou em uma lata de sardinha com rodas!
Mas o segundo trem estava muito mais vazio que o primeiro. Pelo menos ela não ia correr o risco de perder a outra sandália, a não ser que ela fosse muito burra!
- Você vai pagar a minha sandália nova, Monteiro. Ah, vai!
- Não tenho dinheiro – fui sincero. – E mesmo que tivesse, seu aniversário é em agosto ainda!
- A culpa disso é sua, você que teve ideia de vir de metrô.
- Mas a ideia de vir pra 25 não foi minha, foi? Cada um arque com as consequências!
- Filho da puta!
Sacrifício maior foi andar na rua com ela andando em um pé só. As pessoas nos olhavam com aquela cara de incredulidade. Eu senti vontade de sair correndo e deixar aquela louca pra trás.
- Abriram as portas do formigueiro? – brincou Gabriel.
- Onde tem uma sapataria nesse inferno?
- Bem ao seu lado – eu dei risada.

Minha barriga até doeu de tanto que eu ri. Nesse momento, até esqueci tudo o que eu tinha vivido quando fui visitar o meu bairro.
- Me ajuda a subir o degrau, saco de músculos...
- Quer que eu te carregue no colo? – ele brincou novamente.
- Só depois do nosso casamento!
A Alexia não gostou da brincadeira e eu percebi pela fisionomia que ficou estampada no rosto da garota. Pelo jeito, a história que o Gabriel me contou era verdadeira.
- Posso ajudar? – uma vendedora apareceu.
- Quero um sapato – informou a Cinderela.
Ela demorou quase meia hora para escolher uma sandália nova. Isso fez com que nós perdêssemos boa parte do tempo que tínhamos para fazer as compras.
- Vocês têm que ser rápidas – alertei. – Daqui a pouco temos que vazar...
- Não me torra a paciência, garoto! – o humor dela já estava voltando ao normal.
- Só estou sendo realista.
Mas elas se policiaram bem e antes das 10 horas nós já estávamos voltando pro hotel. Isso me deixou aliviado, eu não queria chegar atrasado no treinamento.
- Não comprei nem metade do que eu queria – falou Alexia.
- Eu também não. Culpa do Caio – Janaína me deu um tapa na nuca.
- Me respeita, Cinderela!

- Faça por onde ser respeitado – ela fingiu estar brava, mas eu sabia que já estava mais calma.
Ao contrário do que eu imaginei, o mau-humor da morena não durou muito tempo. Quando nós chegamos na sala de treinamento, ela já estava dando risada sozinha de tudo o que havia acontecido.
- Você é louca, só pode! – eu sequei uma lágrima que escorreu pelo lado direito do rosto. Minha barriga estava mesmo doendo de tanto que eu ri.

- BOM DIA? – Nilva entrou com a corda toda na sala. Ela carregava um bolo enorme de folhas sulfite nos braços minúsculos.
- BOM DIA – a sala inteira respondeu.
- Guardem as apostilas, desliguem os computadores, peguem uma caneta azul ou preta pois nós teremos prova!
- PROVA? – a maioria ficou espantada.
- Sim, prova. E é sem consulta!
Minha espinha gelou. Nós não sabíamos que íamos ter prova surpresa. É claro, né? Se era surpresa, obviamente a Nilva não ia falar nada!
- FECHEM AS APOSTILAS – ela gritou quando chegou no fundo da sala. Às vezes ela era rígida demais. –Assim está melhor!
- Me passa cola? – perguntou Carlos, que pela primeira vez sentou na minha frente.
- Se você também passar pra mim...
Ele abriu aquele sorrisinho lindo. Eu grudei meus olhos nos dentes dele e soltei um suspiro profundo. Algo de errado estava acontecendo comigo...
- Vira pra frente, Carlos – mandou Nilva. – Caio, presta atenção! Olha a sua folha aqui, menino...
- Hã? Ah! Desculpa...
Eu segurei a minha folha e passei os olhos pelas perguntas. Eram 25 questões de múltipla escolha relacionadas ao conteúdo dos primeiros dias de treinamento. Será que eu ia me dar bem?
- Calma, Jana! – eu segurei nos ombros dela porque ela quis me dar um tapa na cabeça. – A culpa não é minha!
- Seu infeliz, você me paga! Eu nunca paguei tanto mico como hoje...
- Mas a culpa não é minha – eu segurei uma risada.
- Fica calma, negra azeda – Alexia apoiou nossa amiga. – Isso poderia ter acontecido com qualquer um, mas foi com você!
- Que culpa eu tenho se você não tem força no pé pra segurar seu sapato? – a minha gargalhada foi inevitável, ela estava parecendo uma louca!
- ARGH! – ela bufou de raiva. – TE MATO, MOLEQUE!
- Jana, me diz uma coisa... – falou Gabriel. – Qual pessoa em sua sã consciência vem pra 25 de Março usando salto? Me diz?
- Cala a boca, saco de músculos... Eu sou lady independente de onde eu esteja!
Alexia, Gabriel e eu não conseguimos frear as risadas. A Janaína estava simplesmente hilária naquela situação. E por nada no mundo ela colocava o pé que estava descalço no chão.
- Me ajudem a andar aqui, caralho – ela estava pulando e conforme fazia isso, os peitos subiam e desciam, fazendo com que ela ficasse ainda mais engraçada.
- Segura no meu ombro – Gabriel secou uma lágrima.
- Onde eu fui amarrar o meu jegue, meu Deus? – só ela não deu risada, porque até as pessoas que passavam riam.
- Relaxa, a gente dá um jeito – eu tentei minimizar a situação.
- Você vai ter que me comprar um sapato novinho em folha pra mim e muito mais caro que esse, seu cachorro!
Eu? Eu não! A culpa não era minha se ela perdeu o sapato no meio do metrô.
Foi extremamente difícil fazer a Jana chegar no segundo metrô. Ela estava muito brava e revoltada, eu tinha certeza que esse mau-humor ia demorar a passar.
- Vai demorar para chegarmos? – ela perguntou.
- Vamos descer na próxima estação – toda vez que eu olhava pra ela, sentia vontade de dar risada.
- Dá para você arrumar essa saia que está torta? – perguntou Alexia.
- Como eu vou arrumar? Estou em uma lata de sardinha com rodas!
Mas o segundo trem estava muito mais vazio que o primeiro. Pelo menos ela não ia correr o risco de perder a outra sandália, a não ser que ela fosse muito burra!
- Você vai pagar a minha sandália nova, Monteiro. Ah, vai!
- Não tenho dinheiro – fui sincero. – E mesmo que tivesse, seu aniversário é em agosto ainda!
- A culpa disso é sua, você que teve ideia de vir de metrô.
- Mas a ideia de vir pra 25 não foi minha, foi? Cada um arque com as consequências!
- Filho da puta!
Sacrifício maior foi andar na rua com ela andando em um pé só. As pessoas nos olhavam com aquela cara de incredulidade. Eu senti vontade de sair correndo e deixar aquela louca pra trás.
- Abriram as portas do formigueiro? – brincou Gabriel.
- Onde tem uma sapataria nesse inferno?
- Bem ao seu lado – eu dei risada.
Minha barriga até doeu de tanto que eu ri. Nesse momento, até esqueci tudo o que eu tinha vivido quando fui visitar o meu bairro.
- Me ajuda a subir o degrau, saco de músculos...
- Quer que eu te carregue no colo? – ele brincou novamente.
- Só depois do nosso casamento!
A Alexia não gostou da brincadeira e eu percebi pela fisionomia que ficou estampada no rosto da garota. Pelo jeito, a história que o Gabriel me contou era verdadeira.
- Posso ajudar? – uma vendedora apareceu.
- Quero um sapato – informou a Cinderela.
Ela demorou quase meia hora para escolher uma sandália nova. Isso fez com que nós perdêssemos boa parte do tempo que tínhamos para fazer as compras.
- Vocês têm que ser rápidas – alertei. – Daqui a pouco temos que vazar...
- Não me torra a paciência, garoto! – o humor dela já estava voltando ao normal.
- Só estou sendo realista.
Mas elas se policiaram bem e antes das 10 horas nós já estávamos voltando pro hotel. Isso me deixou aliviado, eu não queria chegar atrasado no treinamento.
- Não comprei nem metade do que eu queria – falou Alexia.
- Eu também não. Culpa do Caio – Janaína me deu um tapa na nuca.
- Me respeita, Cinderela!
- Faça por onde ser respeitado – ela fingiu estar brava, mas eu sabia que já estava mais calma.
Ao contrário do que eu imaginei, o mau-humor da morena não durou muito tempo. Quando nós chegamos na sala de treinamento, ela já estava dando risada sozinha de tudo o que havia acontecido.
- Você é louca, só pode! – eu sequei uma lágrima que escorreu pelo lado direito do rosto. Minha barriga estava mesmo doendo de tanto que eu ri.
- BOM DIA? – Nilva entrou com a corda toda na sala. Ela carregava um bolo enorme de folhas sulfite nos braços minúsculos.
- BOM DIA – a sala inteira respondeu.
- Guardem as apostilas, desliguem os computadores, peguem uma caneta azul ou preta pois nós teremos prova!
- PROVA? – a maioria ficou espantada.
- Sim, prova. E é sem consulta!
Minha espinha gelou. Nós não sabíamos que íamos ter prova surpresa. É claro, né? Se era surpresa, obviamente a Nilva não ia falar nada!
- FECHEM AS APOSTILAS – ela gritou quando chegou no fundo da sala. Às vezes ela era rígida demais. –Assim está melhor!
- Me passa cola? – perguntou Carlos, que pela primeira vez sentou na minha frente.
- Se você também passar pra mim...
Ele abriu aquele sorrisinho lindo. Eu grudei meus olhos nos dentes dele e soltei um suspiro profundo. Algo de errado estava acontecendo comigo...
- Vira pra frente, Carlos – mandou Nilva. – Caio, presta atenção! Olha a sua folha aqui, menino...
- Hã? Ah! Desculpa...
Eu segurei a minha folha e passei os olhos pelas perguntas. Eram 25 questões de múltipla escolha relacionadas ao conteúdo dos primeiros dias de treinamento. Será que eu ia me dar bem?
Minha nota final foi 8.0, para a minha total surpresa. Comparado
com alguns treinandos, eu me dei até que bem.
- Quanto você tirou? – perguntou Henrique.
- 8.0 e você?
- 9.5!
- E por que não me passou cola? – fiquei indignado.
- Você não me pediu!
- SILÊNCIO! – a Nilva bateu com a régua na parede e o Carlos deu um pulo na cadeira. – Vamos fazer as correções...


- Quanto você tirou? – perguntou Henrique.
- 8.0 e você?
- 9.5!
- E por que não me passou cola? – fiquei indignado.
- Você não me pediu!
- SILÊNCIO! – a Nilva bateu com a régua na parede e o Carlos deu um pulo na cadeira. – Vamos fazer as correções...
Quando nós saímos da empresa e eu olhei para aquelas ruas tão
movimentadas, foi impossível frear a vontade de voltar à Higienópolis e ver a
minha casa novamente.
- Caio? Estou falando com você – Alexia cutucou as minhas costelas.
- Hum? O que foi?
- Está no mundo da lua, meu?
- Fala, Alexia?
- Vamos pra academia com o Gabo hoje?
- Não!
- Nossa, que grosso – ela reclamou.
- Sò fui sincero. Não estou a fim.
- Deveria ir com a gente – Janaína me incentivou. – Vai ser muito divertido.
- Eu nem falo mais nada – Gabriel nem me chamava mais para treinar. Ele sabia que eu não ia aceitar.
- Não quero ir e ponto final.
Eu queria ir para casa. Entrar na minha antiga casa, subir as escadas, abrir a porta do meu quarto e cair na minha cama!
Eu queria ver a minha mãe, abraçá-la e beijá-la, queria colo, cafuné, carinho...
Por mais que na frente dos outros eu me fizesse de forte, por mais que eu tentasse não pensar na minha mãe, no meu pai e no meu irmão, no fundo, bem no fundo do meu coração, eu estava sentindo falta deles. De todos eles. Até mesmo do meu pai.
Por um lado, eu me sentia um completo idiota, um completo imbecil por sentir saudades do crápula do meu pai, mas por outro... Ele me fazia tanta falta!
Por mais que ele tivesse predileção pelo Cauã, eu também era filho dele e não era pelo fato de ser gay que eu seria pior que o meu gêmeo... Quem sabe ele pudesse me entender naquela altura do campeonato? Quem sabe ele pudesse me aceitar? Compreender que não era uma escolha e sim uma orientação sexual?
- Não vai descer, Caio? – alguém perguntou.
- Hum?
Eu nem percebi que nós tínhamos chegado no hotel.
- Não vai descer? – era a Ingrid.
- Ah, é! Já vou...
- Boa noite, Caio – me cumprimentou Ricardo. – Até amanhã!
- Ricardo?
- Sim?
- Aquela história que nos falaram...
- Que história?
- Aquela que diz que você está disponível para nós... É verdade?
- Sim! Por qual motivo?
A van dele tinha “insulfilm”em todos os vidros... Consecultivamente, ninguém iria me enxergar dentro daquele veículo...
- Você poderia... Me dar uma... Carona?
- Claro! Onde você quer ir?
- Higienópolis.
- Só me falar a rua.
- Vamos lá, eu vou te guiando...
Eu só poderia estar louco, doente da cabeça, insandecido! Não sei onde eu estava com a cabeça em ter aquela ideia...
Foi uma viagem lenta, mas tranquila. Enquanto Ricardo e eu passeávamos pelas ruas de São Paulo, vários momentos da minha infância tomaram conta da minha cabeça e a minha saudade e minha vontade de rever minha família só fez aumentar.
Por que o tempo teve que passar? Por que meu pai teve que descobrir que eu sou homossexual? Por que as coisas não poderiam estar normais?
E se estivessem normais? E se nada do que aconteceu tivesse acontecido? E se meu pai não tivesse me expulsado de casa? Será que eu teria vivido tudo o que vivi naqueles 2 anos?
Será que eu teria conhecido pessoas incríveis como o Rodrigo, o Vinícius e o Fabrício?
- Vira na próxima à esquerda, por favor...
- OK!
Será que se eu não tivesse sido espancado, será que se eu não tivesse sido jogado pra fora de casa, eu teria conhecido o sabor do amor?
- Para aqui, para aqui, por favor...
A minha casa! Nós estávamos na frente da minha antiga casa...
Eu grudei meus olhos no portão do sobrado. As luzes estavam acesas e mesmo à distância, identifiquei que a televisão estava ligada na sala...
Ah, que saudade! Que saudade daquela casa que eu tanto amava...
- Caio? Não vai descer? – perguntou Ricardo.
- Não, Ricardo. Eu não vou descer. Quero ficar aqui, quietinho... Pode ser?
- Claro! Quem manda é você... Posso comprar um maço de cigarros?
- Uhum, pode sim. Pode demorar quanto quiser.
- Beleza, vou te deixar com seus pensamentos.
- Obrigado!
E quantos pensamentos tomaram conta da minha mente.
Lembrei do meu aniversário de 6 anos, da minha primeira comunhão, das excursões na escola, dos primeiros dias de aula, das férias em que viajávamos em família, das noites em que o Cauã e eu passávamos na casa de amigos...
Lembrei de quando nós dois ficávamos doentes ao mesmo tempo, de como às vezes meu gêmeo e eu sentíamos exatamente as mesmas coisas... As mesmas dores nos mesmos lugares, as mesmas vontades, os mesmos desejos, os mesmos sonhos...
Tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes! Gêmeos na fisionomia e estranhos nas escolhas, nas decisões, nas preferências...
Minha mãe... Aquela mulher carinhosa, agradável, compreensiva! Mas se ela era compreensiva, por que não me compreendeu quando soube da verdade?
Por que rejeitou um filho? Por que aceitou que o meu pai me expulsasse de casa?
Voltei a pensar nos questionamentos que me fiz antes de chegar na minha rua. E se eu tivesse ficado em Sampa? E se não tivesse ido pro Rio?
E se... E se eu não tivesse conhecido o Bruno? Será que teria me apaixonado tão fortemente por um carinha da minha cidade?
Cheguei a conclusão que não. Eu não teria me apaixonado como me apaixonei pelo Bruno, pelo meu Bruno...
Sim, ele havia me abandonado. Havia pisado na bola, havia me deixado fora de sua vida, mas ainda assim, ele era o meu amor. Um amor um tanto quanto impossível, um amor um tanto quanto platônico, mas ele era o MEU amor.
Mesmo depois de quase um ano sem vê-lo, sem falar com ele, eu ainda gostava dele. Em proporções menores, mas eu ainda gostava do Bruno.
E se eu não tivesse ido pro Rio, eu não o teria conhecido. Talvez a minha expulsão de casa tenha sido a forma que Deus encontrou de me colocar no caminho do Bruno e vice-versa.
Nem todo aquele sofrimento foi em vão. E o Rodrigo então? Foi no Rio que eu conheci o meu melhor amigo! Sem contar no Vini... Se eu não tivesse ido pro Rio de Janeiro, nunca teria me entregado para aquele deus...
Mas em São Paulo eu também poderia ser feliz, não poderia? Mesmo se não tivesse conhecido o Bruno, eu poderia ser feliz. Ser feliz de outras maneiras, ser feliz de outra forma...
Ah, eram tantas dúvidas! Tantos questionamentos... Por que as coisas aconteceram desse jeito? Pelo simples fato que tinham que acontecer assim? Será que esse seria o meu destino? Será que tudo isso estava escrito na minha história?
Que saudades daquela casa! Que vontade de sair correndo daquele veículo e entrar pelo portão... Aquela era a minha casa! Minha casa...
Uma lágrima escapoliu pelo olho direito e em seguida pelo esquerdo. Comecei a chorar pensando como estaria a minha vida naquele momento... Será que eu estaria feliz ou não? Aquela era uma pergunta que ficaria sem resposta.
Não sei quanto tempo passou, não sei quando o Ricardo voltou e não sei o que ele estava pensando ao meu respeito, mas eu não me importei com mais nada.
Soltei a dor que estava adormecida dentro de mim há quase 2 anos. Soltei toda a saudade que apertava o meu peito, soltei todo o sentimento que eu reprimi por tanto tempo... A saudade era mesmo imensa.
Foi quando ela abriu a porta da sala e foi pra garagem. Já não era mais a mesma. Não era mais a mesma mulher de antes. Parecia até que ela tinha envelhecido 5 anos...
- Mãe... – choraminguei baixinho.
A porta do carro bateu novamente e mais uma vez eu fiquei sozinho. Agradeci em pensamento, pois esse era um momento meu. Só meu e de mais ninguém.
As lágrimas rolaram sem freios. Ela abriu o portão, pegou a vassoura e começou a varrer a calçada. Do mesmo jeito que ela sempre fazia quando eu ainda morava naquela casa...
- Mãe...
Minha mãe, minha mãezinha... Como ela estava acabada! Com olheiras, com marcas de expressão em volta dos olhos, com a fisionomia tristonha... Será que ela estava sentindo a minha falta?
Será que ela estava sofrendo com a minha ausência? Será que eu era o motivo dela ter envelhecido tanto?
- Mãe...
Dona Fátima ligou a mangueira e começou a lavar a calçada. Ela estava com os cabelos mais curtos que o normal e um pouco magra demais. Como ela estava diferente... Onde estava aquela mulher linda que eu deixei quando parti?
Onde estava a força da minha mãe? Onde estava a vivacidade dela? Onde foi parar o furacão que ela tinha dentro de si?
- Mãããããããããããããããããããããããããããããããããe...
Eu grudei minha testa no vidro, fechei meus olhos e lembrei do abraço daquela mulher. Que abraço delicioso ela tinha! Era um abraço que só ela sabia dar... Nunca, nunca, nunca eu iria receber um abraço como o dela...
Tão caprichosa! Ela se preocupava com tudo, absolutamente tudo! Enquanto houvesse um cisco na calçada, ela não iria se dar por satisfeita...
Coloquei a mão na alavanca da porta e pensei em sair de dentro da van, mas algo me paralisou e eu fiquei no meu lugar. Ela não poderia me ver... Não naquele momento...
Eu ainda tinha medo, muito medo dela me rejeitar mais uma vez... Medo dela não querer saber de mim, medo dela não aceitar o meu abraço!
- Mãe! Eu te amo, mãe...
- Tudo bem aí, Caio? Quer descer?
- Não, Ricardo! Não...
Quando ele voltou? Será que ele não percebeu que eu precisava ficar sozinho?
Ela desligou a torneira, passou duas ou três vezes a vassoura nas poças de água e enfim, voltou para dentro da garagem.
- Não vai... Fica... – eu sussurrei para mim mesmo.
Minha mãe empurrou o portão de ferro pro canto e quando colocou a chave na fechadura para fechá-lo, notou a presença da van estacionada do outro lado da rua, em frente a casa onde ela morava.
Ela perdeu os olhos no veículo. O que será que estava pensando? De repente, não mais do que de repente, eu tive certeza absoluta que ela estava olhando para mim, olhando dentro dos meus olhos...
- Caio? Estou falando com você – Alexia cutucou as minhas costelas.
- Hum? O que foi?
- Está no mundo da lua, meu?
- Fala, Alexia?
- Vamos pra academia com o Gabo hoje?
- Não!
- Nossa, que grosso – ela reclamou.
- Sò fui sincero. Não estou a fim.
- Deveria ir com a gente – Janaína me incentivou. – Vai ser muito divertido.
- Eu nem falo mais nada – Gabriel nem me chamava mais para treinar. Ele sabia que eu não ia aceitar.
- Não quero ir e ponto final.
Eu queria ir para casa. Entrar na minha antiga casa, subir as escadas, abrir a porta do meu quarto e cair na minha cama!
Eu queria ver a minha mãe, abraçá-la e beijá-la, queria colo, cafuné, carinho...
Por mais que na frente dos outros eu me fizesse de forte, por mais que eu tentasse não pensar na minha mãe, no meu pai e no meu irmão, no fundo, bem no fundo do meu coração, eu estava sentindo falta deles. De todos eles. Até mesmo do meu pai.
Por um lado, eu me sentia um completo idiota, um completo imbecil por sentir saudades do crápula do meu pai, mas por outro... Ele me fazia tanta falta!
Por mais que ele tivesse predileção pelo Cauã, eu também era filho dele e não era pelo fato de ser gay que eu seria pior que o meu gêmeo... Quem sabe ele pudesse me entender naquela altura do campeonato? Quem sabe ele pudesse me aceitar? Compreender que não era uma escolha e sim uma orientação sexual?
- Não vai descer, Caio? – alguém perguntou.
- Hum?
Eu nem percebi que nós tínhamos chegado no hotel.
- Não vai descer? – era a Ingrid.
- Ah, é! Já vou...
- Boa noite, Caio – me cumprimentou Ricardo. – Até amanhã!
- Ricardo?
- Sim?
- Aquela história que nos falaram...
- Que história?
- Aquela que diz que você está disponível para nós... É verdade?
- Sim! Por qual motivo?
A van dele tinha “insulfilm”em todos os vidros... Consecultivamente, ninguém iria me enxergar dentro daquele veículo...
- Você poderia... Me dar uma... Carona?
- Claro! Onde você quer ir?
- Higienópolis.
- Só me falar a rua.
- Vamos lá, eu vou te guiando...
Eu só poderia estar louco, doente da cabeça, insandecido! Não sei onde eu estava com a cabeça em ter aquela ideia...
Foi uma viagem lenta, mas tranquila. Enquanto Ricardo e eu passeávamos pelas ruas de São Paulo, vários momentos da minha infância tomaram conta da minha cabeça e a minha saudade e minha vontade de rever minha família só fez aumentar.
Por que o tempo teve que passar? Por que meu pai teve que descobrir que eu sou homossexual? Por que as coisas não poderiam estar normais?
E se estivessem normais? E se nada do que aconteceu tivesse acontecido? E se meu pai não tivesse me expulsado de casa? Será que eu teria vivido tudo o que vivi naqueles 2 anos?
Será que eu teria conhecido pessoas incríveis como o Rodrigo, o Vinícius e o Fabrício?
- Vira na próxima à esquerda, por favor...
- OK!
Será que se eu não tivesse sido espancado, será que se eu não tivesse sido jogado pra fora de casa, eu teria conhecido o sabor do amor?
- Para aqui, para aqui, por favor...
A minha casa! Nós estávamos na frente da minha antiga casa...
Eu grudei meus olhos no portão do sobrado. As luzes estavam acesas e mesmo à distância, identifiquei que a televisão estava ligada na sala...
Ah, que saudade! Que saudade daquela casa que eu tanto amava...
- Caio? Não vai descer? – perguntou Ricardo.
- Não, Ricardo. Eu não vou descer. Quero ficar aqui, quietinho... Pode ser?
- Claro! Quem manda é você... Posso comprar um maço de cigarros?
- Uhum, pode sim. Pode demorar quanto quiser.
- Beleza, vou te deixar com seus pensamentos.
- Obrigado!
E quantos pensamentos tomaram conta da minha mente.
Lembrei do meu aniversário de 6 anos, da minha primeira comunhão, das excursões na escola, dos primeiros dias de aula, das férias em que viajávamos em família, das noites em que o Cauã e eu passávamos na casa de amigos...
Lembrei de quando nós dois ficávamos doentes ao mesmo tempo, de como às vezes meu gêmeo e eu sentíamos exatamente as mesmas coisas... As mesmas dores nos mesmos lugares, as mesmas vontades, os mesmos desejos, os mesmos sonhos...
Tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes! Gêmeos na fisionomia e estranhos nas escolhas, nas decisões, nas preferências...
Minha mãe... Aquela mulher carinhosa, agradável, compreensiva! Mas se ela era compreensiva, por que não me compreendeu quando soube da verdade?
Por que rejeitou um filho? Por que aceitou que o meu pai me expulsasse de casa?
Voltei a pensar nos questionamentos que me fiz antes de chegar na minha rua. E se eu tivesse ficado em Sampa? E se não tivesse ido pro Rio?
E se... E se eu não tivesse conhecido o Bruno? Será que teria me apaixonado tão fortemente por um carinha da minha cidade?
Cheguei a conclusão que não. Eu não teria me apaixonado como me apaixonei pelo Bruno, pelo meu Bruno...
Sim, ele havia me abandonado. Havia pisado na bola, havia me deixado fora de sua vida, mas ainda assim, ele era o meu amor. Um amor um tanto quanto impossível, um amor um tanto quanto platônico, mas ele era o MEU amor.
Mesmo depois de quase um ano sem vê-lo, sem falar com ele, eu ainda gostava dele. Em proporções menores, mas eu ainda gostava do Bruno.
E se eu não tivesse ido pro Rio, eu não o teria conhecido. Talvez a minha expulsão de casa tenha sido a forma que Deus encontrou de me colocar no caminho do Bruno e vice-versa.
Nem todo aquele sofrimento foi em vão. E o Rodrigo então? Foi no Rio que eu conheci o meu melhor amigo! Sem contar no Vini... Se eu não tivesse ido pro Rio de Janeiro, nunca teria me entregado para aquele deus...
Mas em São Paulo eu também poderia ser feliz, não poderia? Mesmo se não tivesse conhecido o Bruno, eu poderia ser feliz. Ser feliz de outras maneiras, ser feliz de outra forma...
Ah, eram tantas dúvidas! Tantos questionamentos... Por que as coisas aconteceram desse jeito? Pelo simples fato que tinham que acontecer assim? Será que esse seria o meu destino? Será que tudo isso estava escrito na minha história?
Que saudades daquela casa! Que vontade de sair correndo daquele veículo e entrar pelo portão... Aquela era a minha casa! Minha casa...
Uma lágrima escapoliu pelo olho direito e em seguida pelo esquerdo. Comecei a chorar pensando como estaria a minha vida naquele momento... Será que eu estaria feliz ou não? Aquela era uma pergunta que ficaria sem resposta.
Não sei quanto tempo passou, não sei quando o Ricardo voltou e não sei o que ele estava pensando ao meu respeito, mas eu não me importei com mais nada.
Soltei a dor que estava adormecida dentro de mim há quase 2 anos. Soltei toda a saudade que apertava o meu peito, soltei todo o sentimento que eu reprimi por tanto tempo... A saudade era mesmo imensa.
Foi quando ela abriu a porta da sala e foi pra garagem. Já não era mais a mesma. Não era mais a mesma mulher de antes. Parecia até que ela tinha envelhecido 5 anos...
- Mãe... – choraminguei baixinho.
A porta do carro bateu novamente e mais uma vez eu fiquei sozinho. Agradeci em pensamento, pois esse era um momento meu. Só meu e de mais ninguém.
As lágrimas rolaram sem freios. Ela abriu o portão, pegou a vassoura e começou a varrer a calçada. Do mesmo jeito que ela sempre fazia quando eu ainda morava naquela casa...
- Mãe...
Minha mãe, minha mãezinha... Como ela estava acabada! Com olheiras, com marcas de expressão em volta dos olhos, com a fisionomia tristonha... Será que ela estava sentindo a minha falta?
Será que ela estava sofrendo com a minha ausência? Será que eu era o motivo dela ter envelhecido tanto?
- Mãe...
Dona Fátima ligou a mangueira e começou a lavar a calçada. Ela estava com os cabelos mais curtos que o normal e um pouco magra demais. Como ela estava diferente... Onde estava aquela mulher linda que eu deixei quando parti?
Onde estava a força da minha mãe? Onde estava a vivacidade dela? Onde foi parar o furacão que ela tinha dentro de si?
- Mãããããããããããããããããããããããããããããããããe...
Eu grudei minha testa no vidro, fechei meus olhos e lembrei do abraço daquela mulher. Que abraço delicioso ela tinha! Era um abraço que só ela sabia dar... Nunca, nunca, nunca eu iria receber um abraço como o dela...
Tão caprichosa! Ela se preocupava com tudo, absolutamente tudo! Enquanto houvesse um cisco na calçada, ela não iria se dar por satisfeita...
Coloquei a mão na alavanca da porta e pensei em sair de dentro da van, mas algo me paralisou e eu fiquei no meu lugar. Ela não poderia me ver... Não naquele momento...
Eu ainda tinha medo, muito medo dela me rejeitar mais uma vez... Medo dela não querer saber de mim, medo dela não aceitar o meu abraço!
- Mãe! Eu te amo, mãe...
- Tudo bem aí, Caio? Quer descer?
- Não, Ricardo! Não...
Quando ele voltou? Será que ele não percebeu que eu precisava ficar sozinho?
Ela desligou a torneira, passou duas ou três vezes a vassoura nas poças de água e enfim, voltou para dentro da garagem.
- Não vai... Fica... – eu sussurrei para mim mesmo.
Minha mãe empurrou o portão de ferro pro canto e quando colocou a chave na fechadura para fechá-lo, notou a presença da van estacionada do outro lado da rua, em frente a casa onde ela morava.
Ela perdeu os olhos no veículo. O que será que estava pensando? De repente, não mais do que de repente, eu tive certeza absoluta que ela estava olhando para mim, olhando dentro dos meus olhos...
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