terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Capítulo 69

Para falar a verdade, eu não sabia se ele estava falando sério ou se era uma brincadeira.
- Você está falando sério? – senti até um nó na garganta.





- Estou com cara de quem está brincando?
- Não sei – dei de ombros.
- Não. Eu não estou brincando. Não quero falar com você.
- Por que? – eu fiquei preocupado. – O que eu fiz de errado? É só por causa do Víctor?
- É por causa dele mesmo. Não gostei dele.
- E só por isso você não vai falar comigo?
- Não.
- Beleza – eu fiquei com raiva. – Quando você deixar de ser criança, a gente se fala.
- Quem é criança aqui?
- Você. Muita infantilidade para um garoto da sua idade.
- Você não tem nada a ver com isso, agora me deixa a sós que eu preciso estudar.
- Pode deixar que eu não vou te atrapalhar nunca mais. Odeio essas coisas!
- Fico muito agradecido.
Eu bufei, senti meu rosto esquentar de fúria e me virei para ir embora.

- Caio? – ele me chamou quando eu estava quase atingindo o corredor.
- O que é? – me virei para fitá-lo e nossos olhos se encontraram.
- Você me empresta o notebook, por favor?
- Como é?
- Me empresta o notebook, por favor?
- Não – falei com firmeza. – Você disse que não quer ser mais meu amigo, então pede o notebook de outro.
- Em nenhum momento eu disse que não queria mais ser seu amigo. Eu disse que não queria falar com você – ele não aguantou mais e deu risada.
- Dá na mesma. Não te empresto nada.
- Você é muito fácil de ser enganado. Não percebeu que eu estava brincando com você?
Senti um certo alívio. Eu não queria perder a amizade dele, já que foi ele que me abriu as portas daquela república.
- É sério que era brincadeira? Não está com raiva de mim?
- Claro que não – Rodrigo levantou e se espreguiçou lentamente. – Eu estou com raiva é desse Víctor.
- Mas o coitado não te fez nada, poxa.
- Acontece que ele chega, não fala nada, não avisa, fica por aqui como quem é dono... E o seu melhor amigo sou eu, não esse idiota!
- Ele é meu melhor amigo há mais tempo que você e eu gosto dos dois da mesma forma – e gostava mesmo. – Achei lindo seu ciúmes, sabia?
- Sai fora, moleque – ele recuou dois passos e caiu sentado na cama. – Não vem com essa que eu sou macho!
- Isso é uma pena, porque se você curtisse a parada, você não iria me escapar.
- Sai fora, meu – ele até se benzeu. – Deus me livre e guarde.
Eu caí na gargalhada e me aproximei para bagunçar as madeixas do meu amigão.
- Vamos almoçar, seu idiota. A lasanha do nanico vai esfriar!
- Vamos, eu estou morto de fome. Mas então, você vai me emprestar o notebook, né?
- Não deveria, sua brincadeira foi de mau-gosto, mas como eu sou muito bonzinho, não vou ter coragem de negar.
- Eu acho bom mesmo...
- Pilantra.



Eu deveria ter ido direto para a cozinha, mas como sou um besta, resolvi acordar o Víctor de novo. Se ele ficasse sem comer, eu ia ficar com a consciência bem pesadinha...
- Já vou, Caio. Só estou criando coragem para levantar.
- Estamos te esperando na mesa.
Mas ele só chegou quando a gente já estava terminando de almoçar.
- Desculpem a demora.
- Sirva-se, antes que acabe tudo – eu falei com a boca cheia.
O prato não estava ruim, mas não foi o melhor que eu já tinha comido na minha vida. Acho que para ficar perfeito, só precisava um pouco mais de sal.






- A aparência está ótima – Víctor falou com a voz grogue de sono.
- Obrigado – Éverton agradeceu.
- Rodrigo, você sabia que o Éverton tem um filho de 9 anos de idade?
O cara até se engasgou.
- Para de graça, Caio! Esse nanico vai ter filho? Até parece...
- Não – o meio metro sorriu. – Ele está falando a verdade. Eu tenho um menino de 9 anos sim.
- Ah, tá! 1º de abril já passou, hein?
- Juro por Deus. Olha a foto dele aqui...
- Impossível. Esse garoto deve ser seu irmão mais novo.
- Não, ele é meu filho mesmo – o jovem garantiu.
- Sério? – Rodrigo ficou tão ou mais incrédulo que eu.
- Uhum. Meu garotão!
- Pelo amor de Deus, você foi pai com quantos anos? 6?
- 14, seu idiota.
- Putz... Não creio.
- Verdade. Não tenho porquê mentir.
- O guri começou cedo, parceiro – eu já tinha me acostumado com a ideia.
- Coragem!
- Né? – concordei com o Rodrigo.
- Caio, você me leva na praia depois do almoço? – Víctor cortou o assunto na hora certa.
- Queria dormir mais um pouco, mas levo. Fazer o quê...
- Podíamos jogar um fute, Rodrigo – Éverton terminou de beber o refrigerante e levou o prato até a pia.
- Seria ótimo, mas amanhã eu tenho prova e tenho que estudar.
- Pelego!
- Você fala isso porque não faz Engenharia como eu. Queria ver se estivesse no meu lugar.
- Não seria “CDF” como você é.
- Sou bolsista, meu caro. Eu tenho que garantir nota no final do semestre...
- Sei.




- Que praia nós vamos? – ele já não tinha sono, mas eu não estava me aguentando em pé.
- Vou te levar em Botafogo. Ou quer conhecer outra?
- Ah, me leva até Copacabana, meu.
- Não, Víctor. Copa fica longe daqui e eu não vou aguentar chegar lá. Estou morrendo de sono.
- Mas é muito longe?
- Tem que andar de metrô ou de ônibus. Impossível ir a pé. É como se andássemos da Sé até o Morumbi – exagerei para ele não insistir no assunto.
- Minha nossa – o coitado acreditou. – Então deixa para amanhã ou depois...
- Não se esqueça que eu vou trabalhar durante a semana, hein?
- Ah, e quem vai me acompanhar nos passeios? Eu não viajei para ficar dentro de uma casa não. Quero sair daqui no mínimo da cor de carvão.
- Aham, com certeza. Branquelo do jeito que você é, no máximo você sai daqui da cor de sangue, meu filho.
- Olha, não duvide de mim, seu viado dos infernos.
- Você é tão viado quanto eu, então fica quieta e não me torra a paciência, senão eu te levo direto para a rodoviária e te enfio no primeiro ônibus de volta pra São Paulo! – brinquei.
- Ah, é assim? Você fica mais de um ano, aliás, quase 2 sem ver a minha pessoa e me trata assim? Bom saber, nunca mais coloco meus pés nesse lugar.
- Brincadeira, seu dramático. Fiquei muito feliz de ver você.
- Acho bom, já ia colocar seu nome na boca de um sapo e enterrar no cemitério.
- Virou macumbeiro durante esse pequeno período que estou morando aqui no Rio, foi?
- Sim, portanto tome cuidado comigo – ele brincou.
- Que medo de você.
- Agora que  a gente está fora da sua casa, me conta como foi esse lance com esse tal de Bruno?
Meu estômago gelou e minhas pernas ficaram bambas de repente. Só de ouvir o nome do meu ex, meu coração bateu mais forte e ao mesmo tempo eu fiquei cheio de ódio.
- Uma longa e tenebrosa história – eu suspirei.
- Pode começar a falar, eu não tenho pressa. Tenho até o próximo final de semana para ouvir tudo.
- Você só vai ficar uma semana mesmo?
- Só, mas não fuja do assunto e me conte tudinho.
- Sabe o que é, Víctor? Esse assunto ainda dói muito em mim...
- Será uma ótima oportunidade de desabafo. Fala logo, menino. Eu estou muito curioso.
- Tudo começou na empresa antiga onde eu trabalhava...
Enquanto eu falei, ele não me cortou nenhum momento e ouviu tudo atentamente. Só de remexer naquele assunto, me senti um pouco abalado e me deu uma vontade louca de chorar de saudade do garoto de olhos azuis...



- E foi isso – eu senti um nó enorme na minha garganta quando terminei de falar tudo o que havia acontecido comigo.
- Eu só vou te falar uma coisa: espero não encontrar esse Bruno nunca, porque senão eu quebro a cara dele em duas partes.
- Você não irá encontrá-lo, ele está morando na Espanha.
- Sorte a dele. Sorte a dele! Agora eu entendo porque você não entra mais na internet e entendo também porque você dizia que estava sofrendo tanto.
- Graças a Deus hoje em dia eu não sofro mais. Desde o começo do ano eu estou numa boa comigo mesmo, por isso te falei que quero aproveitar a minha vida, entendeu?
- O melhor que você tem a fazer é esquecê-lo mesmo.
- Isso é impossível, Víctor. Eu já tentei de todas as formas e por mais que diga para mim mesmo que eu esqueci, eu estou mentindo.
- Por que diz que é impossível?
- Pelo simples fato dele ter sido meu primeiro namorado, meu primeiro homem, quem tirou minha virgindade e meu primeiro grande amor... Não é fácil tirar ele da minha cabeça.
- Então você ainda o ama, Caio!
- Não, eu não o amo mais. Tenho raiva, tenho nojo dele... Mas isso não significa que eu consiga tirá-lo da minha cabeça e deletá-lo da minha vida!
- Você ainda o ama! Tenho certeza disso. Se não esqueceu é porque ainda gosta. Eu só queria saber o que ele tem de tão interessante para você gostar tanto dele dessa forma.
- Não sei também, mas é como se fosse um ímã que me puxa para ele e vice-versa. A gente têm uma atração muito forte. Ou pelo menos tinha até ele ir embora do Brasil...
- Tomara que não volte nunca mais. Que fique lá para sempre esse idiota!
- Nisso você tem razão. Não quero vê-lo nunca mais.
- Tem certeza, Caio?
- Absoluta. Eu não quero mais sofrer. Já sofri demais!
- Isso é verdade, amigo. Você já sofreu demais, merece ser feliz.
- Obrigado, Víctor. Você é demais!
- Mas você não teve mais notícias dele não?
- Graças a Deus não. Na verdade, o melhor amigo dele veio atrás de mim recentemente, mas eu mandei ele pro inferno. Não quero saber de notícias de quem me fez sofrer tanto! E também ele me procura na internet, manda recado, manda depoimento, deixa mensagem no MSN, mas nada disso eu leio ou respondo. Eu apago tudo.
- Fez muito bem. É assim que tem que ser.
- Chega, né? Já basta o que meu pai fez comigo naquela época. Eu mereço ser feliz mesmo – falei sem falsa modéstia.
- Todos nós merecemos, Caio. Já dizem os espíritas que nós viemos ao mundo para sermos felizes.
- Verdade. Podemos mudar de assunto? Não quero mais falar do meu ex não.
- Podemos, podemos sim.
- Me fala de você agora. Namorando? Pegando alguém? Como anda o coraçãozinho?
- Que namorando que nada. Eu estou solteiríssimo como sempre. Só pegando esporadicamente.
- “Esporadicamente”. Que bicha metida, viu?
- Sou culta, amiga – ele deu risada e bateu no meu braço. – Nós estamos longe da praia?
- Não. É só você olhar para a sua esquerda.
Nóa viramos a rua e demos de cara com a Praia de Botafogo. Eu parei e fiquei prestando atenção na reação do meu amigo, que ficou parado feito uma estátua. Seus olhos brilharam de emoção quando viram o mar do Rio de Janeiro pela primeira vez.






- Eu estou no Paraíso? – ele falou baixinho.
- Diz que é feio e eu quebro seu nariz!
- Colega, eu retiro tudo o que eu disse sobre essa cidade. Que lugar lindo!!!
- Isso porque você não viu o resto ainda. Vamos pra areia?
- Qual a chance de ficar aqui? – ele falou como a Janaína e isso me fez lembrar que no dia seguinte eu ia começar no meu emprego novo.
- Amanhã eu tenho que ir pro meu emprego novo... – comentei.
- Que emprego novo? – ele se interessou.
- Não te contei? Eu arrumei um emprego onde vou ganhar bem mais.
- Sério? E onde é?
Eu disse o nome da loja e ele ficou grilado.
- Tão novinho e já vai trabalhar nessa loja?
- E qual o problema? Não sabia que só trabalhavam velhos nessa empresa.
.- Não é isso, idiota. Só fiquei surpreso. Parabéns! Aproveita e manda uns móveis lá pro meu quarto que eu estou precisando.
- Opa, pode deixar que mando sim – brinquei.
- Gente, esse lugar é lindo de morrer. Que é isso?
- E você falando que aqui era feio...
- Ah, desculpa, Caio, mas eu passei por uns lugares zoados, hein? Pelo que percebi, ou é 8, ou é 80. São os dois extremos, literalmente. Ou é lindo demais, ou é feio demais.
Ele estava certo em seu ponto de vista. Ou o Rio é lindo, ou o Rio é feio. Os lados da cidade são bem opostos e contraditórios.
- Pior que você está certo – eu concordei. – Assim que possível, eu te levo para conhecer outras praias mais bonitas.
- Mais bonitas que essa?
- Uhum. Copa e Ipanema, por exemplo. No meu ponto de vista são mais lindas que essa.
- Vou  ter que entrar no mar. Não vou aguentar ficar só olhando não...
E eu que pensei que iria ficar na praia com o Víctor por pouco tempo, me enganei redondamente. Nós só chegamos em casa quando a noite já havia caído.




- Preciso urgentemente de um banho – ele tirou os chinelos e um monte de areia caiu no chão da garagem.
- Melhor você não entrar desse jeito, vai sujar todo o chão e alguns meninos são meio chatos com limpeza. Vou pegar água para você lavar os pés, espera aí.
- Beleza.
Eu fui até a lavanderia, enchi um balde com água e voltei para entregar ao meu amigo. Pela primeira vez desde que o vira pela manhã, notei que ele estava um pouco mais alto que o normal.
- Você andou crescendo nesses últimos tempos ou é impressão minha?
- Acho que sim porque perdi algumas roupas. Você cresceu também.
- Você acha? Não senti diferença não.
- Não acho, tenho certeza.
- Desculpa aí, detalhista.
- Você sabe que eu sou mesmo.
- Ah, são vocês – Vinícius apareceu na porta da sala de sopetão. – Pensei que era algum ladrão.
- Credo, Deus me livre – Víctor era todo medroso.
- Relaxa que eu não vou te assaltar – sorri.
- Acho bom, acho bom! – Vini bagunçou meu cabelo e voltou para dentro de casa.
- UI – Víctor encostou na parede, se abanou e suspirou profundamente. – Que cara delicioso!
- E se eu te falar que eu já peguei? – abri um sorriso enorme?
- C-O-M-O É Q-U-E É? – ele arregalou os olhos, abriu a boca e ficou pasmo.
- Já peguei várias vezes, meu filho.
- M-E-N-T-I-R-A???
- V-E-R-D-A-D-E!!!
- Não acredito que essa delícia é do babado, Caio?
- Pois é, queridão. Já peguei. Ou melhor, fui pêgo várias vezes por ele. Uma delícia sem fim.
- Me conta isso, pelo amor de Deus! Como foi? Quando foi? Onde foi?
- Infelizmente não rolou mais – fiz bico. – Sempre aqui em casa mesmo e foi muito, muito, muito, muito bom. A única coisa que faltou foi um beijinho, mas de resto...
- Me conta isso direito, moleque. Não estou acreditando que esse gato é do babado!
- Não, ele não é do babado. Ele namora mulher agora. Fiquei sabendo isso hoje. Acho que com homem só rolou comigo.
- Não creio! Mas por que rolou? Você deu em cima dele, né safado?
- Eu? – me fiz de santo. – Imagina! Acha mesmo que seria capaz de fazer isso?
- Se fosse há 2 anos atrás, acho que não, mas pelo que estou vendo, hoje em dia acho, ou melhor, tenho certeza que sim! Você mudou muito, sabia?
- Mudei, né? A vida me mudou, Víctor.
- Você está muito melhor hoje em dia – ele confessou. – Acho que até rolaria uns pegas se você não fosse tão meu amigo.
- Não era você que queria me pegar no passado? Pois então pode vir que eu tô facinho, facinho – brinquei.
- Olha que eu vou, hein?
- Vem, duvido que você aguente.
- Olha lá, hein? Não me provoca! Mas me conta, peste? Como rolou? Você deu em cima dele?
- Não necessariamente. Acontece que ele sempre anda de cueca pela casa e é impossível não notar o volumão que ele tem. Daí eu olhava, né? Não sou de ferro... Aí um dia eu estava lavando as minhas roupas, ele me agarrou por trás e pimba, aconteceu.
- Volumão? – ele se abanou de novo.
- Volumaço – eu confirmei. – E é uma delícia, hein?
- Mentira? Ele sabe fazer?
- Porra! E como sabe. Fica louco se a gente der uma atenção extra as...
- Nem termina que eu já entendi e tem algo crescendo aqui. Depois dessa eu vou precisar de um banho de água fria, viu?
- Só você?
Lembrar das minhas fodinhas com o Vini me deixou completamente excitado.


- Bicha sortuda do caralho! – Víctor bateu no meu braço. – Que inveja de você...
- Relaxa, sábado eu vou te levar em uma baladinha onde você vai ter oportunidade de ficar com quantos quiser.
- Sério? E é bom?
- Bom? É ótimo! Na primeira vez que fui lá eu peguei 17.
- Conta outra, vai?
- Juro pela alma da minha mãe...
- Ave Maria, você tá pior que uma puta...
- É a idade, são os hormônios! Mas nada se compara com a potência do Vinícius!
- Imagino que ele seja “O” cara na cama, né?
- Um dos melhores que eu já peguei.
- Sortudo.
- Vamos entrar que já está ficando tarde e eu quero a minha cama, estou morrendo de sono.
- Eu também, mano.
Eu abri a porta da sala e quando vi o Rodrigo parado na soleira da porta feito uma estátua de gnomo de jardim, o meu coração foi parar no lugar do cérebro de tanto susto que eu tomei.
- Ro-Ro-Rodrigo?
- Oi, Caio – ele me fitou com ar de curiosidade e com os olhos inexpressivos. – Tudo bem?
- A-a-a-a-a-a qua-qua-quanto tempo vo-você es-está aí? – eu gaguejei e comecei a suar frio. Será que ele tinha ouvido a minha conversa com o Víctor?
Será que ele tinha ouvido que eu já tinha transado com o Vini? E se ele tivesse ouvido? O que ia fazer? Como seria sua reação com o Vinícius? O que ele ia pensar de mim???




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