quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Capítulo 11

F
iquei tão feliz com a proposta que tinha recebido que não hesitei em contar a novidade ao Seu Manollo:
- Você vai ficar até o dia 31? – ele quis saber.
- Isso.
- Tudo bem. Que bom que conseguiu um lugar melhor pra morar.
- Não que eu esteja menosprezando sua hospedaria, não é isso. É que nada se compara com o conforto de uma casa, não é mesmo?
- Claro, claro.
- Até logo então.
Fui direto pro meu quarto e em seguida me dirigi ao banheiro comunitário pra tomar banho, entretanto, ele estava ocupado.

- Não vou demorar – disse o homem.
- Sem pressa.
Encostei na pia e fiquei esperando ele sair, o que realmente não demorou a acontecer.
- Todo seu.
- Valeu.
A água estava tão gostosa que eu me permiti ficar mais tempo do que normalmente eu ficava.
Cada vez que eu saía com o Bruno e seus amigos, eu acabava descobrindo mais coisas ao seu respeito. Ele tinha dois irmãos e era o primogênito. Vivia ora com a avó, ora com seus pais, mas sempre no mesmo bairro.
Ia entrar no 2º colegial e estudava em escola particular, o que já era de se imaginar devido ao tipo de vida que ele levava. Eu nem sabia porquê ele trabalhava, sendo que os pais dele davam tudo o que ele queria – era isso que eu achava.
Mas como tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim, os defeitos dele foram ficando cada dia mais evidentes. Fora o cigarro e a bebida, percebi que ele era um pouco “afeminado” em determinados momentos e aquilo me deixou muito insatisfeito.
Não que eu tivesse alguma coisa contra os gays – até mesmo porquê eu sou gay –, mas eu não gostava daquele tipo de exibicionismo.
Em determinado momento, ele até deu em cima do garçom e cantava todo homem que passava pela calçada. Eu fiquei muito, mas muito chateado com aquelas atitudes.

- Por que essa cara? – perguntou Priscila.
- Ah, nada não – tentei despistá-la.
- Parece irritado, chateado, sei lá...
- Impressão sua.
- Hum.
- E aí, Caio – Rodrigo me chamou. – Ansioso pra mudar na quarta?

- Bastante, viu? – e eu estava mesmo. – Não vejo a hora...
- Vai ser muito bem-vindo – ele comentou.
- Obrigado.
E assim foi passando a noite. Ele e eu quase não nos falávamos nessas saidinhas, mas eu não conseguia parar de olhar pra ele.

Quando o dia 1º de fevereiro chegou, eu acordei mais cedo que o normal pra poder arrumar todas as minhas coisas.
Tirei todas as roupas do armário e coloquei dentro da bolsa de viagem que a mãe do Víctor tinha me emprestado. Pela primeira vez desde que tinha chegado no Rio, pensei que tinha que devolver aquele objeto, mas como?

Limpei o quarto como pude, tirei todos os meus pertences de cima da mesa e arrumei tudo na minha mochila. Odiava coisas desorganizadas.
Antes de sair, fui ao banheiro e tomei um banho rápido. Queria sair daquele lugar o mais rápido possível. Já tinha permanecido tempo demais ali.
Ao voltar pro meu quarto, forrei a cama e por fim, tirei tudo que era meu dali e fechei a porta. Meu coração batia aliviado.
Estava muito agradecido por ter encontrado aquele lugar, afinal, foi onde eu consegui dormir durante mais de 6 meses e o Seu Manollo me ajudou muito quando eu estava passando por necessidades. Só dele não ter me despejado, já foi uma ajuda e tanto.

- Seu Manollo, eu já vou. Aqui está a chave do quarto.
- Já vai?
- Já sim. Não deixei nada lá não, viu? Muitíssimo obrigado por tudo, viu Seu Manollo?
- Eu que agradeço.
- Muito obrigado mesmo. De coração. O senhor me ajudou muito quando eu precisei e isso eu nunca serei capaz de esquecer.
- Se precisar pode me procurar.
- Vou lembrar disso!
Me despedi do velhote e saí da hospedaria. Mais do que feliz, eu estava agradecido por tudo ter dado certo. As coisas estavam mesmo mudando pra mim.

Eu toquei a campainha e depois de alguns minutos o meu amigo foi abrir o portão pra mim.
- Chegou o dia, né? – ele sorriu.
- Pois é.
Apertamos as mãos e trocamos um olhar rápido.
- Bem-vindo.
- Obrigado, Rodrigo.
- Vem comigo.
Eu segui o garoto e nós entramos na casa.
- Cadê os meninos?
- O Will, o Fabrício e o Vini estão trabalhando. Só estamos eu e o Ricardo.
- Hum.
Assim que eu entrei, vi o Ricardo deitado no sofá com o controle da televisão na barriga.
- Olá – cumprimentei de longe.
- E aí?
Não gostava daquele menino. Ainda não sabia o motivo, mas eu não fui com a cara dele.
- Você vai ficar no meu quarto mesmo – Rodrigo anunciou.
- Ah, é?
- Achamos melhor, porque como você ainda não conhece eles direito, é melhor ficar com alguém que você tem mais intimidade.
- Por mim tudo bem.
- Vem, vamos colocar suas coisas lá.

Nós fomos até o nosso quarto e assim que entrei, já comecei a arrumar as minhas coisas na minha parte do armário.
- Como fica a comida aqui? – questionei.
- A gente mesmo cozinha. Não fica lá muito bom, mas a gente se vira.
- Prefiro não arriscar, vou almoçar fora todos os dias.
Ele deu risada.
- Com o nosso vale-refeição dá pra fazer isso mesmo.
- Eu já faço.
- Ah, entendi. A sua cama é essa aqui.
Ele sentou na minha cama e ficou me olhando.
- Tranquilo.
- Tem computador nos outros quartos. Não tem nesse porque eu não trouxe o meu. Daria muito trabalho.
- É verdade, mas pode usar?
- Pode, claro. Os meninos são legais. O único que é meio fechado é o Ricardo.
- Percebi.
- Mas ele é gente boa, você vai ver.
- Uhum. Todos fazem faculdade?
- Todos. Por isso é uma república.
Me senti um peixinho fora d’água.
- Você é o mais novo de todos nós – ele riu.
- Imaginei mesmo. Quais as idades?
- Eu tenho 20, o Fabrício e o Vini 25, o Ricardo tem 19 e o Will 22.
- Ah, entendi.
- A única coisa ruim de se morar em uma república é que não temos muita privacidade.
- Como assim?
- Ah, um banheiro só pra todos é meio embaçado.
- Ah, entendi.
- E também não dá pra trazer ninguém aqui sem comunicar aos outros... É meio zoado por causa disso.
- De boa.
- Também não dá pra trazer a namorada se você tiver.
- Por quê?
- Ah, imagina ficar com ela com um monte de macho por perto... Complicado.
Sorri. Seria complicado mesmo.

- Pior que é, mas eu não namoro, então nem vou me preocupar com isso.
- É...
- Hoje é o dia da premiação na Central. Não vejo a hora de saber quem ganhou o notebook. Queria ganhar...
- Vai tirando os olhinhos, esse notebook é meu, filhote.
- Nem vem que não tem.
- Pior que nem tem como a gente saber, né. Só na hora.
- Verdade.
Mas eu estava ansioso. Precisava muito daquele notebook. Ia me ajudar e muito.
- Até quando vai o seu contrato lá?
- Agosto. Finalzinho de agosto.
- Ah, tá. Vai tentar efetivar depois?
- Nâo sei. Acho que primeiro eu vou procurar outra coisa, algo melhor. Se eu não encontrar aí eu tento voltar.
- Pode crer.
O telefone na sala começou a tocar e rapidamente o Ricardo foi até o quarto pra chamar o meu amigo.

- Sua mãe – ele anunciou.
- De novo? – ele revirou os olhos. – Já volto, Caio.
- Sem problemas.
Enquanto o meu amigo ficou no telefone com a mãe dele, eu terminei de arrumar as minhas coisas e depois inaugurei a minha cama. Precisava saber se ela era confortável ou não.

- Gostou da cama? – ele perguntou.
- Ah, muito melhor que a que eu estava dormindo. Pelo menos essa tem edredom.
- A outra não tinha?
- Tinha um lençol fino. Quando fazia frio eu me lascava todinho.
Ele deu risada.
- Aqui tem cobertores, tem tudo o que você precisa.
- Graças a Deus.
Era bom demais voltar ao conforto de uma casa. Eu ainda não estava acreditando muito que aquilo tinha acontecido.
- Quando começam as suas aulas? – perguntei.
- Semana que vem já. Tô maior ansioso.
- Imagino.
- Você estuda ainda?
- 3º. Começa semana que vem também.
- Já comprou seus materiais?
- Já e você?
- Ainda não. Vou esperar a gente receber essa semana.
- Hum, sim.
Quando a gente chegou na empresa, todos estavam na expectativa pra saber o resultado da campanha motivacional.

- Tomara que eu tenha ganhado a televisão – comentou Mônica.
- Tira os olhos que ela é minha – falou Luana.
- Todo mundo quer essa televisão – Léo murmurou.
- Ela é show de bola...
- Pois eu quero é o notebook – falei.
- Duvido que você ganhe – Leonardo zombou.
- Por que? – eu me ofendi.
- Porque você não atende direito, ué – ele brincou.
- Vai se ferrar, idiota. Meus atendimentos são melhores que os seus.
- Duvido.
- Quantos 100% você tem?
Ele ficou calado.

- Pois é, nenhum. Eu tenho 3 só em janeiro.
- Grande coisa – ele virou a cara.
- Palhaço!
Quando nós entramos na operação, todo mundo começou a encher o saco da Márcia.
- Já saiu o resultado? – perguntaram.
- Eu ganhei a televisão? – outra menina perguntou.
- Quem ganhou o celular?
- Não adianta, não adianta que eu não vou contar agora, só no final do expediente...
- Ah, super... Vai deixar a gente na curiosidade?
- Aguardem – ela deu risada e saiu andando. – Andem; logando, logando... Nós estamos com fila de atendimento. Andem logo...
Eu fui até o meu lugar de sempre e me sentei para mais um dia de trabalho. Nossos olhos se cruzaram rapidamente, mas logo eu os desviei. Não estava gostando das atitudes do Bruno.
- Está bravo comigo? – ele perguntou.
- Nâo – respondi com sinceridade. – Não tenho motivos pra estar bravo com você.
- Nem me cumprimentou...
- Desculpa, B. É que eu tô tenso por causa da campanha...
- Hum...
- Você está bem?
- Tô e você?
- Também.

Me loguei e comecei a atender os meus clientes. Não nos falamos mais durante o resto do dia.

- Desloguem e fiquem nas suas PAs, nós vamos anunciar o resultado da campanha!!!
Foi a maior barulheira. Eu me virei e fiquei olhando a Márcia. Ela andou de um lado pro outro e voltou com a nossa coordenadora.
A mulher tinha a maior cara de brava e toda vez que eu a via, sentia o maior medo. Ela era muito rígida.
- Pessoal, quem vai dar o resultado é a Coordenadora Heloísa. Prestem atenção.
A coordenadora fez um discurso meio demorado, explicou como tinha sido o critério de desempate e na hora de divulgar os nomes, ela fez um suspense que me deixou com frio na espinha.
- Em 5º lugar...
Silêncio.
- Vai logo – alguém disse no fundo.
Ela disse o nome do 5º colocado, que ganhou um vale-compras no valor de R$ 50,00. Em seguida falou o nome do 4º colocado, que ganhou um vale-compras no valor de R$ 100,00.
Quando ela chegou no 3º lugar, todo mundo já estava de pé. A ansiedade era coletiva.
- Quem ganhou o celular e ficou em 3º lugar foi a Fernanda Albuquerque...

Uma menina que eu não tinha muito contato começou a pular no meio da operação e saiu correndo ao encontro da nossa supervisora e da coordenadora. Ela recebeu o prêmio e foi logo abrindo a sacola.
Depois de alguns minutos, o notebook apareceu e o meu coração acelerou. Por mais que eu quisesse aquele prêmio, as minhas esperanças e expectativas eram quase nulas. Em uma equipe de mais de 30 pessoas, as minhas chances eram quase mínimas.
- Em 2º lugar... – disse a Heloísa.
Todo mundo ficou na expectativa.
- Quem vai levar esse notebook pra casa é...

Eu não estava confiante.
- Caio Monteiro!!!

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