sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Capítulo 46

E

u seria capaz de imaginar qualquer coisa, menos que o Bruno havia viajado e estava custando a acreditar no que o Vítor estava falando.
- Fala que é mentira? – eu supliquei com os olhos.
Ele começou a me fitar com compaixão e se aproximou.
- Eu... eu sinto muito, Caio!
Por que? Por que ele tinha feito aquilo comigo? Por que ele não me falou a verdade? Por que ele não... não se despediu de mim?
- Por que? – a minha voz saiu em um sussurro.
- Eu não sei – Vítor estava triste. – Eu não sei te explicar, Caio...
- Por que? – eu comecei a ficar revoltado. – Por que? Por que? POR QUE VÍTOR, POR QUÊ?
- Não sei – ele respondeu e também começou a chorar. – De verdade, eu não faço a menor ideia!
Senti uma vontade enorme de gritar de tanta dor que estava sentindo. Era como se o meu coração tivesse sido esmagado e nunca mais pudesse ser reconstituído.
- Não chora, Caio – ele se aproximou mais um pouco. – Não fica assim, está partindo o meu coração!
- E você quer que eu fique como? Quer que eu dê risada?
Era incrível como as pessoas eram insensíveis com a dor alheia. Talvez a única coisa que pudesse me confortar naquele momento fosse o choro.
- Tenta ficar calmo, por favor – Vítor encostou na minha mão.
Eu me afastei e tentei raciocinar. Aquela aliança no meu dedo começou a pesar uma tonelada de uma hora para outra.
O que eu tinha que fazer? Qual seria o meu rumo depois daquele choque que eu havia recebido?
- Quer entrar para tomar um copo com água? – o rapaz tentou pegar no meu braço.
- Não... eu não quero nada... eu não quero nada...
Meu instinto foi sair correndo daquele lugar...
- CAIO, ESPERA! – Vítor gritou pelo meu nome, mas eu não dei ouvidos a nada...
Eu estava tão desesperado que nem sequer reparei que o sinal estava aberto para os carros e quase fui atropelado.
- ESTÁ LOUCO? – a motorista gritou, mas eu não dei ouvidos e continuei correndo sem parar.
- CAIO – ouvi o Vítor gritar novamente, mas não parei para ouví-lo.
Eu precisava sair daquele bairro. Eu precisava ficar sozinho com a minha dor.
“Por que, Bruno?” – era a única coisa que eu conseguia pensar. Por que ele tinha feito aquela cafajestagem comigo? Por que ele tinha me abandonado da noite pro dia?
De repente, eu entendi o motivo pelo qual ele estava tão triste na última vez em que nós ficamos juntos.
Entendi o motivo pelo qual ele me abraçou com tanto carinho. Entendi o motivo pelo qual ele me beijou com tanta ternura... Entendi tudo. Entendi tudo em um piscar de olhos.
Ele sabia que aquela viagem ia acontecer e não me falou nada. O Bruno não teve a hombridade de me contar a verdade. Será que ele não pensou em mim? Será que ele não pensou que com aquela atitude, ele iria me machucar por demais?
Não, ele não tinha pensado em mim. A única coisa que ele conseguia pensar era nele mesmo. Nele e em mais ninguém.
Que espécie de amor era aquele que ele dizia sentir por mim? Que espécie de amor era aquele que na primeira oportunidade ele me abandonou?
Será que não bastava ele ter me traído com o meu melhor amigo? Será que não bastava ele ter me feito sofrer tudo o que eu sofri na primeira vez em que a gente terminou o namoro?
Por que eu tinha que sofrer tanto? Por que as coisas só aconteciam comigo? O que eu tinha feito de errado para só levar punhaladas da vida?
- Está tudo bem, garoto? – perguntou um homem por quem eu passava na rua.
- ME DEIXA EM PAZ – gritei sem medir as consequências.
Nunca senti uma dor tão forte como aquela. Eu tinha a sensação que ia morrer de tanta agonia que eu estava sentindo.
Abandonado. Era assim que eu estava me sentindo. Parecia que eu não tinha ninguém, absolutamente ninguém no mundo. E não tinha mesmo. Só podia contar com amigos. Amigos que talvez fossem virar as costas se soubessem da verdade. Com exceção do Rodrigo, eu não podia esperar nada de mais ninguém.
Não sei por quanto tempo eu caminhei sem rumo pelas ruas do bairro de Ipanema. Eu não estava me importando para onde estava indo, a única coisa que eu queria era ficar sozinho. Sumir, desparecer da face da Terra. Eu não queria que ninguém me encontrasse.
E foi realmente isso que eu fiz naquele dia. Andei, andei, andei e só parei quando não encontrei mais forças para andar.
Me vi em uma ruazinha sem muito movimento e um pouco suja. Eu não sabia que bairro era aquele, não sabia onde estava e não sabia o que deveria fazer.
As lágrimas não paravam de cair e eu não estava conseguindo respirar direito por causa do nariz entupido.
“Por que, Bruno?” – eu não cansava de me fazer essa pergunta. Algum motivo ele teve. Será que simplesmente havia enjoado de mim e quis buscar coisas novas fora do país?
Aquela história estava muito estranha. Eu peguei o meu celular e disquei o número dele, mas mais uma vez a mensagem da operadora informou que o número estava programado para não receber chamadas.
Não poderia ser mentira do Vítor. Será que ele ia brincar com um assunto tão sério como aquele?
Eu precisava raciocinar. Era a única coisa coerente que eu podia fazer naquele momento.
Passei meus olhos pela lista de contatos do meu celular e quando me deparei com o telefone fixo do Bruno, a minha ficha caiu! É claro! A única maneira de saber se a história procedia era falar com algum familiar do meu namorado... Como eu não tinha pensado naquilo antes?
E se fosse mentira do Vítor? Eu estaria chorando a toa e não teria motivos para sofrer!
Sem nem pensar duas vezes, sentei em um dregau na calçada e acionei o botão para ligar pro telefone do meu garoto.
- Alô? – era uma voz feminina.
- A-alô? – pigarreei.
- Sim?
- Eu... eu gostaria de... de falar com o... Bruno?
- Quem gostaria?
- Ca-caio – eu estava tão esperançoso...
- O Bruno viajou, Caio.
Então era verdade! Foi como se eu estivesse tendo a confirmação que iria morrer em poucos meses...
- Alô? – a mulher falou.
- Ele foi viajar pra onde? – eu já sabia, mas queria tirar aquela história a limpo.
- Ele foi pra Madri morar com os padrinhos.
- Hum... – as lágrimas caíram em silêncio. – E ele volta?
- Não sei. Não sei se ele volta. Provavelmente não...
- Tu-tudo bem. Mu-muito obrigado.
- De nada.
Eu não falei mais nada e desliguei o telefone. Era verdade. Ele tinha mesmo mudado para a Espanha.
Que solidão eu estava sentindo! Abandonado pela família, abandonado pelo namorado. Quem seria o próximo ou a próxima que iria me deixar sozinho no mundo?
Meu choro era tão forte que eu comecei a ficar realmente sem ar e engasguei com a minha saliva. Tive dificuldades para conseguir me acalmar.
- Está tudo bem? Você precisa de ajuda? – perguntou uma moça que estava passando na rua.
Não respondi nada e ela se aproximou.
- Está tudo bem? – perguntou de novo.
- Não preciso de ajuda – não olhei na cara dela.
- Tem certeza?
- ME DEIXA EM PAZ – será que ninguém poderia me deixar sozinho? Era pedir demais?
Com dificuldade, eu me coloquei de pé e voltei a correr sem parar. Que inferno! Será que eu não podia curtir a minha dor sem ningupem me atrapalhar?
Cerca de 5 minutos depois, me deparei com um bar. Bebida. Era tudo o que eu precisava.
- Quer alguma coisa? – perguntou um cara.
- Quero uma cachaça!
- Uma cachaça?
- É, uma cachaça. Tem como trazer, ou tá difícil?
- Desculpa, mas bebida alcoolica só para maiores de 18 anos.
Ainda com os olhos cheios de lágrimas, eu tirei meu RG da carteira e só não fiz esfregar na cara daquele homem.
- Eu tenho 18 anos. Agora traz logo a porcaria da cachaça ou eu vou embora daqui!
O homem ergueu as sobrancelhas e saiu. Eu deitei a cabeça sobre os braços e fiquei olhando pros meus pés. Por que ele tinha feito aquilo comigo?
Por que ele me abandonou faltando tão pouco tempo pro meu aniversário?
18 anos! Normalmente esse aniversário não deve passar em branco e eu nem sequer tive a oportunidade de comemorar! Passei todo o meu dia pensando no Bruno, pensando no que poderia ter acontecido, pensando se ele tinha sofrido alguma espécie de acidente ou se estava com problemas com os pais...
Passei o meu aniversário recebendo felicitações de todos que me cercavam, mas não recebi um “feliz aniversário” da pessoa que mais importava na minha vida.
Eu estava com o coração tão dilacerado que nem sequer pensei nos meus pais e no meu irmão. Ele também tinha completado 18 anos. Será que tinha ganhado algum presente dos meus pais?
Será que ele tinha ganhado um carro? Meu pai sempre deu a entender que quando ele completasse a maioridade, ganharia um carro.
E eu? Se estivesse com eles teria ganhado o quê? Provavelmente um tapa na cara...
Eu não ganhei nenhum presente e também não estava interessado nessas coisas. Se eu pudesse trocar todos os presentes do mundo pela presença do Bruno, eu o teria feito.
Meu presente era ele e ele tinha me largado sem nem pensar no que eu poderia sentir com aquele acontecimento... Que belo namorado ele era!
Não sabia quanto tempo tinha passado desde que eu tinha recebido a fatídica notícia que ele tinha me abandonado e aquilo não me importava nem um pouco. Por mim poderiam passar dias, meses, anos e até décadas. Ninguém precisava me ver naquele estado deplorável...
Quando o carinha voltou com a minha bebida, eu a ingeri toda de uma vez e em seguida senti náuseas. Por mais que eu tivesse me embebedado com os amigos do meu ex-namorado, eu ainda não era muito acostumado a beber daquele jeito e acabei me sentindo mal.
- Mais uma – eu pedi quando o cara apareceu.
Enquanto eu bebia, continuava chorando e não passava nada pela minha cabeça. Era como se o meu cérebro estivesse adormecido enquanto eu estava acordado. Não conseguia pensar em mais nada, só no que tinha acontecido.
Peguei a aliança que o Vítor me entregou e fiquei olhando pro objeto. Estava impecavelmente brilhante, como se ele nunca tivesse usado.
A minha estava opaca e já tinha alguns arranhões, mas a dele não. Cheguei a conclusão que ele não uasava aquele anel. Só usava quando eu estava presente.
Que idiota eu havia sido. Mais uma vez um idiota. Um completo imbecil por acreditar que ele gostava de mim, por acreditar que dando uma segunda oportunidade, as coisas iriam mudar...
- Me vê uma caipirinha – pedi.
- Não acha que já bebeu demais por hoje? – o cara se intrometeu.
- E você tem alguma coisa a ver com isso?
Ele bufou e me deixou sozinho, voltando com a minha bebida depois de alguns minutos.
- Aqui está. Já está ficando bêbado, hein?
- Isso não é da sua conta – eu solucei e senti ânsia de vômito.
Não estava nem aí se eu ficasse bêbado. Eu não queria saber de mais nada. Só queria chorar, chorar, chorar e afogar as minhas mágoas na bebida. Era tudo o que eu podia fazer para pelo menos me sentir um pouco melhor.
Quando cansei de ficar naquele boteco, pedi a minha conta e levei um susto porque ela ficou cara demais.
- Tudo isso?
- Você bebeu o dia todo, quer que saia de graça?
Não reclamei. Passei o meu cartão de débito e abandonei aquele recinto. Minha barriga estava extremamente embrulhada e eu tinha a sensação que ia vomitar a qualquer momento. E realmente vomitei.
Quando eu não aguentei mais, segurei em um poste, abaixei a cabeça e regorgitei boa parte do que eu tinha ingerido naquele 1º de setembro de 2.006.
Minha barriga estava vazia, afinal eu não tinha comido nada o dia todo, só bebido muito álccol, mas eu não estava com fome. Eu tinha certeza que era por esso motivo que estava me sentindo tão mal...
- Que nojo – uma menina que passou por mim falou e andou mais rápido.
- Ai... – gemi e fechei os olhos. Como eu estava me sentindo tonto!
Só voltei a andar quando me senti melhor, o que demorou a acontecer. O céu já estava pra lá de escuro e eu não sabia que rumo deveria seguir.
Onde eu estava? Que lugar era aquele?
Será que tinha alguma praia por perto?
- Tem praia por aqui? – eu perguntei a uma senhora.
- Não – ela tampou o nariz com a mão e saiu andando.
Será que eu estava fedendo? Meus olhos estavam muito embaçados e eu não conseguia enxergar as coisas muito bem por causa das lágrimas. Nunca pensei que aquilo fosse acontecer comigo.
Depois de muito tempo, cansei e senti uma necessidade enorme de sentar. Não pensei duas vezes em entrar em outro bar e voltar a beber tudo de novo.
- Fala, garoto? – uma garçonete foi ver o que eu queria.
- Me traz uma Smirnoff. Traz logo duas.
- Que mais?
- Só. Por enquanto só.
“Bruno... Meu amor, por que você me abandonou?” – por que ele não me falou nada? Aquilo estava me deixando extremamente angustiado. Uma pessoa não podia simplesmente mudar de país de uma hora para outra. Como ficaria a escola? E os smigos? E os familiares? E o... e o namorado?
Será que ele tinha sido tão irresponsável e não tinha pensado na dor de ninguém?
Bebi minha Smirnoff muito rapidamente. O líquido gelado bateu no meu estômago e quis voltar no mesmo instante, mas eu não vomitei naquele momento.
- Bruno... – eu solucei.
Só saí daquele lugar depois que engoli a última gota da quarta garrafinha de bebida. Eu queria – e precsava – esquecer de tudo. nem que para esquecer eu precisasse ficar em coma alcoolico.
Parei em um ponto de ônibus decidido a pegar uma condução e voltar para minha casa. Eu precisava urgentemente de um banho e da minha cama, mas ao invés disso, entrei em um coletivo que ia para a Praia de Copacabana.
Ver o mar ia me auxiliar muito. Ia me ajudar a pensar um pouco melhor.
Sentei no último banco e fiquei olhando pela janela. Vendo aquelas casas, prédios, árvores, postes, bancas de jornal e faixa de pedestres passarem por mim e ficarem para trás, eu me senti ainda pior e com mais vontade de vomitar.
Tive que fazer um esforço enorme para não gorfar ali mesmo e assim que vi a areia de uma praia, levantei e pedi parada para descer.
Quase caí quando coloquei o pé no solo, de tão bêbado que eu estava.
- Segura, garoto – um cara que andava de bicicleta deu risada.
Ao erguer a minha cabeça, literalmente eu vi o mundo girar e não soube para onde andar.
Como se não bastasse, as minhas lágrimas insistiam em cair, o que dificultava ainda mais a minha visão.
- Cuidado, menino – uma mulher me puxou pelo ombro. – Quer morrer atropelado?
Eu senti um vento muito forte passar pelo meu corpo, mas não consegui identificar o que havia passado diante dos meus olhos.
Só depois de um tempo eu percebi que ao invés de ir para a praia, eu estava atravessando a avenida.
Após recobrar um pouco da consciência, atravessei a ciclovia e consegui chegar no calçadão, mas fiquei tão desnorteado, que não notei quando este terminou e acabei caindo de cara na areia da praia, o que me fez ficar perdido e sem saber o que fazer.
Não sei como consegui chegar na beira do mar e não sei quanto tempo eu demorei para fazer isso, mas o fato é que eu estava na cara do oceano.
Sentei na areia molhada e uma onda envolveu todo o meu corpo, levando-me para dentro da água gelada.
Eu não queria entrar no mar. Eu só queria ouvir o barulho das ondas, por este motivo não pensei duas vezes em sair de dentro d’água.
Mas todas as vezes em que eu tentava chegar na areia, o mar me puxava de volta. Por sorte, não cheguei a ficar muito longe da areia e depois de muito esforço, me livrei daquelas ondas que queriam me puxar pro fundo do mar.
Tossi muito porque bebi um pouco de água salgada. Minha respiração custou a voltar ao normal e quando já estava conseguindo inspirar e expirar normalmente, o vômito saiu todo de uma vez, sujando toda a minha roupa e a areia ao meu redor.
Só saiu água de dentro da minha barriga. Minha boca ficou com um gosto amargo insuportável e eu não consegui mais me segurar em pé.
Caí de joelhos no meio da areia e ali mesmo eu fiquei. Fiquei pensando no Bruno e em tudo o que ele havia feito comigo.
Pensei no quanto eu o amava e em como eu tinha me enganado com ele. Pensei em tudo, tudo mesmo. Era sofrimento demais, mas eu tinha que passar por aquilo.

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