quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Capítulo 15

Talvez aquela tenha sido uma das melhores noites de sono da minha vida. 
Prova disso é que na manhã seguinte eu acordei sem precisar da ajuda do despertador do celular e com um sorriso estampado na face.


- Bom dia – meu companheiro de quarto se espreguiçou demoradamente na cama.
- Bom dia. Excelente dia!
- Nossa, posso saber o motivo de tanta felicidade?
Apenas dei risada e saí do quarto. Eu me dirigi ao banheiro, mas este estava ocupado, então procurei alguma coisa pra comer na cozinha.
- Não vai me responder?
- Só me sinto feliz – menti.
- Sei. Vou respeitar o seu silêncio. Tem alguém no banheiro?
- Tem, mas não sei quem é.
- Deve ser o Ricardo.
Era provável.
- Vou acelerá-lo, senão eu me atraso – Rodrigo estava com a voz mais grave que o normal. Seria sono ou ele estava rouco?
Eu passei margarina no pão e comi tranquilamente. Antes de terminar a primeira fatia, o jovem saiu do banheiro completamente vestido. O Ricardo talvez fosse o único que eu ainda não tinha visto sem camisa.

Ele nem me cumprimentou, mas eu também não me estressei. Depois que tomei café, voltei pro quarto, peguei uma muda de roupa limpa e caminhei novamente até o banheiro, entretanto, este ainda estava ocupado.
- Vai demorar? – sondei.
- Já tô saindo, aguenta aí.
Eu cantarolei baixinho. Ele estava gostando de mim... Ele estava gostando de mim!!!
- Pronto – meu amigo saiu enrolado em uma toalha. – Todo seu.
- Muito obrigado.
Entrei, tranquei a porta, me despi e me joguei debaixo do chuveiro. Quando percebi, estava cantando uma das músicas que ele havia me mandado na noite anterior.
- Bom dia, Caio – Ricardo resmungou quando eu deixei o sanitário.
- Bom dia, Ricardo.


Depois que tudo estava pronto, peguei minhas coisas e fui pra escola. Eu tinha a impressão que nada ia me tirar do sério naquele dia.
Mas o meu pensamento saiu pela colatra quando eu cheguei na empresa. Assim que coloquei meus pés dentro da operação, fui logo tratando de procuré-lo.
- Boa tarde – falei, um pouco tímido.
- Ah, oi. Tudo bem? – ele parecia distraído.
- Tudo bem sim e você?
- Tudo ótimo. Já viu o supervisor novo?
- Não. Quem é?
- É o Michel. Maior gato... Preciso descolar o telefone dele.
Pra que ele disse aquilo? Foi só eu ouvir aquela frase pra toda a felicidade que eu estava sentindo descer pelo cano.

- Ah, é? E precisa pra quê?
- Quero pegar ele, é claro.
- Hum... Entendi!
Nossos olhos se cruzaram. Ele estava com a aparência séria. Aquilo não parecia ser uma brincadeira e se fosse, era de muito mau gosto.
- A gente se fala depois então – soltei. Estava suando de nervoso. – Até mais.
Ele não respondeu e eu senti que ele estava me acompanhando com o olhar. O que ele estava achando? Que na minha testa estava escrito a palavra “IDIOTA”?
- O que foi agora? – Rodrigo me abordou no banheiro. – Por que está com essa cara?
- Porque tem gente que acha que eu sou idiota...
- Hã?
- Nada não, não é com você. Depois a gente se fala com mais calma.
Eu joguei o papel toalha na lixeira e voltei pro corredor, que já estava ficando cheio.
Algumas pessoas me cumprimentaram, só que eu estava tão enciumado e enfurecido que nem me dei ao trabalho de responder. 
- Acho que ele não está em um bom dia – comentou uma menina da minha equipe.
Quando entrei, não falei com ele e ele também não se deu ao trabalho de me dirigir a palavra. Depois que todos os operadores já estavam logados, a minha supervisora apresentou o Michel como sendo o seu substituto, já que ela ia entrar de férias.
Não gostei dele de cara. Não sei se pelo que o Bruno havia dito ou se por pura falta de afinidade. O fato é que ele não me pareceu uma boa pessoa. Pelo menos naquele momento.
- Você é o? – ele perguntou. Sua voz era linda.
- Caio – eu respondi. Ele era muito bonito.
- Muito prazer, Caio. Se precisar de alguma coisa, é só vir falar comigo.
- Obrigado – respondi com a cara fechada. 
Por mais que eu não estivesse gostando dele, tinha que respeitá-lo, afinal de contas ele seria meu superior imediato nos próximos 30 dias. 
- O que achou do Michel? – Léo perguntou na pausa.
- Prefiro não comentar a minha opinião. E você, o que achou?
- Uma delícia. Como ele é gostoso, Jesus...
Revirei os olhos. Será que o Leonardo e o Bruno só pensavam em sexo?
- O que você tem?
- Não tô em um bom dia hoje.
- Isso eu já sei. Posso saber o motivo?
- Não, não pode.
- Você já percebeu que você não me conta mais as coisas, Caio?
- E o que tem de errado nisso? Por acaso sou obrigado a te contar todos os passos que eu dei no meu dia?
- Não é isso, mas nós somos amigos. Eu me preocupo com você... Só queria saber se está tudo bem, se eu posso ajudar em alguma coisa...
- Não, não está tudo bem e não, você não pode me ajudar em nada. Aliás, até pode: não me fazendo tantas perguntas.
Eu bufei de raiva. 
- Desculpa – ele se levantou. – Não está mais aqui quem perguntou.
E dizendo isso o meu amigo saiu. Depois que ele desapareceu da minha frente, eu me arrependi. Fui grosseiro com ele sem a menor necessidade.

- Léo? – chamei, mas ele não me esperou. – Podemos conversar?
- Pra quê? Pra você me dar outra patada?
- Não – eu estava arrependido. – Quero te pedir desculpas.
Ele continuou andando. Eu tive que aumentar a minha velocidade pra alcançá-lo.
- Será que você pode me ouvir? – pedi.
- Me deixa em paz!
A rua estava movimentada.
- Léo, por favor?
- Me deixa em paz, você é surdo? Vai conversar com seus novos amiguinhos. Eles estão te esperando!
- Eu quero conversar com você, seu idiota. Dá pra você me ouvir? – eu puxei ele pelo braço e nós nos fitamos.
Seu rosto estava carrancudo. Ele estava mesmo com raiva de mim.
- Desculpa?
Silêncio.
- Eu não queria ter dito aquilo. Eu estava nervoso e descontei em você. Me perdoa, por favor?
Ele abaixou os olhos e ficou olhando pra calçada.
- Me desculpa? – pedi de novo. – Por favor?
- Não sei. Tô muito chateado com você...
- Eu sei e você não sabe o quanto eu me arrependo de ter dito aquelas coisas horríveis hoje cedo. Por favor, me desculpa. Não foi a minha intenção...
Ele suspirou e me olhou.
- Beleza. Esquece, já passou.
Eu abri um sorriso. A última coisa que eu queria era perder a amizade dele, muito menos por culpa do Bruno.
- Prometo que vou medir as minhas palavras à partir de hoje.
- Eu acho muito bom – ele resmungou.
- Amigos? – estendi a minha mão.
- Amigos – ele apertou.
Que alívio.
- Como foi seu dia? – comecei a puxar assunto. Aquilo me fez esquecer o que o Bruno havia feito.
- Normal. E o seu? Ah, é. Esqueci que não posso ficar fazendo perguntas...
- Pode sim, mané. Esquece o que eu te disse mais cedo. 
- Quero só ver.
- Meu dia começou bem, mas quando cheguei na empresa desmoronou rapidinho.
- Por quê?
Eu não estava me sentindo confortável pra contar a verdade.
- Ainda não posso te contar. Uns lances que estão acontecendo aí.
- Lances com o seu amorzinho?
Minhas bochechas coraram.
- Para.
- Por que não abre o jogo de uma vez? Eu tô ligado que você tá gamadão nele!
Suspirei e não respondi nada.
- Tô certo, não tô?
- Não sei – mascarei a verdade.
- Assume, Caio. É melhor. Vai te fazer bem. O que tem de errado nisso? Todo mundo se apaixona!
- Ah, sei lá...
- E eu acho muito bom você ter se apaixonado por ele. Pelo menos agora vai ter a oportunidade de engatar um relacionamento de verdade.
- Tenho medo – confessei.
- Medo de quê? Medo de ser feliz? Encara a realidade, dá sua cara pra bater. Seja homem e enfrente a sociedade.
Caraca!!! Ele me deu uma lição de moral que me deixou até com as pernas bambas.
- É...
- Está apaixonado por ele ou não está?
- Uhum – abaixei a cabeça com vergonha.
- Viu? Doeu assumir?
- É que...
- É que nada! Assume pro mundo esse amor, Caio. Vai te fazer muito bem.
- Você fala assim, mas ainda não assumiu pra sua família o que você é.
Foi a vez dele ficar calado.
- É diferente.
- Em quê?
- Você já se assumiu pra sua família e não tem mais nada a perder. Eu tenho muito a perder.
Ele tinha lá suas razões de pensar daquela forma.
- Eu sei – concordei. – É muito complicado.
- Se eu fosse você, eu colocava a cara à tapa. Não vai perder nada se tentar.
Suspirei de novo. Ele estava me deixando confuso.
- Sua estação – ele me sinalizou.
- Nem me liguei – me levantei e fui até a porta. – Obrigado pelos conselhos.
- Disponha. Pense.
- Não comente isso com ninguém, pelo amor de Deus.
Ele sorriu.
- Deixa comigo.
- Vamos? – o Rodrigo apareceu ao meu lado repentinamente.
- Onde você estava?
- Atrás de você. Não me viu?
- Não – eu arregalei os olhos. Será que ele tinha ouvido alguma coisa?
- Tem que se ligar, Caio. Aqui no Rio não dá pra ser distraído. E se fosse um ladrão?
- Vira essa boca pra lá!!!
Será que ele tinha ouvido alguma coisa? E se ele tivesse descoberto a minha orientação?
- Você estava sentado atrás de mim no metrô?
- Não, por quê?
- Você disse que estava atrás de mim...
- Não – ele sorriu. – Eu estava atrás de você na porta.
- Ah, entendi...
Que alívio. Ele estava certo. Eu tinha que ficar mais atento. Não podia dar um mole daqueles.


“Não precisava ficar bravo daquele jeito, eu estava brincando!” – ele se justificou, assim que loguei no Messenger.
“Aham” – só foi isso que eu consegui responder.
“Eu só queria ver a sua reação. E eu adorei!” – o Bruno completou a frase com o emotion com vergonha.
Será que era verdade? Será que ele tinha falado aquilo pra ver a minha reação?
“Vamos tomar um chope?”
“Quando?” – perguntei.
“Quando você quiser!”
Aquilo era muito vago pra mim. Se ele estava interessado, ele tinha que demonstrar e não deixar tudo nas minhas costas.
“A gente combina.” – digitei.
O fato é que eu não estava totalmente confiante no que ele estava me dizendo. É claro que eu estava feliz com tudo o que estava acontecendo, mas o meu coração estava me alertando que havia alguma coisa de errado, mas o quê?
Resolvi não levar aquele papo adiante e saí da internet sem nem ao menos me despedir. Já estava quase desligando meu notebook, quando lembrei que talvez do Rodrigo estivesse esperando pra usá-lo.
- Quer mexer, mano?
- Ah, não sei. Tô muito cansado, tenho receio de ficar viciado na internet de novo e não conseguir dormir.
- Está a sua disposição.
Ele fez cara de interrogação.
- Não resisto, empresta aí, vai...
Eu sorri e entreguei meu brinquedo em suas mãos. 
- Vai sair?
- Vou beber água, por quê?
- Apaga a luz, por favor?
- Opa, apago sim.
Antes de sair do quarto, passei meus dedos pelo interruptor e a lâmpada desligou. Eu ainda estava querendo saber por que o Bruno tinha feito aquilo...
Antes de terminar de beber água, eles chegaram. Will, Fabrício e Vinícius entraram praticamente ao mesmo tempo.
- E aí, Caio? – Fabrício cumprimentou. – Tranquilinho?
- Na paz e vocês?
- Suave.
O Vini e o Fabrício foram pro quarto e o Willian fuçou nas panelas que estavam em cima do fogão.
- Tem alguma coisa pra comer? Tô morrendo de fome.
- Sei não – eu ainda não tinha voltado a jantar. 
- O arroz azedou – ele franziu o nariz. – Vou fazer um macarrão rapidinho...
- Você é bom de fogão, né?
- Minha mãe me ensinou a me virar, filhote. 
- Tem que ser assim mesmo.
- Lei da sobrevivência. Se eu não cozinhar nessa casa, eu morro de fome.
- Qualquer dia eu vou me arriscar.
- Sabe fazer o quê?
- Tô aprendendo a ferver o leite – brinquei.
- Aí não, hein?
- É brincadeira. Mesmo que não pareça, sou bom com doces e sei fazer macarrão com carne moída também.
- Ah, é? Gosto muito. Domingo o fogão é seu então.
Por que eu fui abrir a minha boca?
- Tem alguma coisa pra comer? – Vinícius perguntou. Mais uma vez ele estava só de cueca branca.

- Vou fazer macarrão.
- Demorou. 
O rapaz foi direto pro banheiro e rapidamente ligou o chuveiro. -
- Caio, me faz uma gentileza? – Will me fitou.
- Uhum.
- Vê se tem muita roupa na máquina? Se tiver pode colocar pra lavar.
- Ah, beleza.
Eu fui até a lavanderia e olhei pela tampa transparente da máquina de lavar. Não cabia nem um palito de dente dentro.
- Caraca – fiquei surpreso.
Abri a tampa e coloquei um pouco de sabão em pó. Em seguida, liguei a torneira, apertei o botão pra iniciar os processos e o eletrodoméstico começou a trabalhar.

Eu olhei pro meu baldinho no chão. Ele estava quase transborando. Já que eu estava com a mão na massa...
Coloquei a tampa no tanque de cimento e joguei todas as minhas peças íntimas dentro dele. 
- Ninguém merece...
Tive que lavar de uma em uma. Quando estava quase na metade, a porta do banheiro abriu e ele saiu, enrolado em uma toalha.
- Bem lembrado, Caio – Vinícius se aproximou. – Tenho que lavar as minhas também.
- Tenso.
- Aham.
Ele jogou a cueca suja dentro do balde e me fitou.
- Não deixa ninguém usar aí, hein? Sou o próximo.
- Beleza – concordei.
Depois que terminei de colocar todas as peças no varal, ele voltou. Daquela vez estava vestido com uma bermuda de jogador de futebol.
- Vai jantar lá. O Will já terminou de cozinhar.
- Nem tô com fome.
- Você faz muita cerimônia, cara.
- Não é cerimônia não, Vini. Desde que me mudei pro Rio praticamente não jantei mais. Meu estômago acostumou.
- Mas não pode, faz mal pra saúde. Você tem que se alimentar de 3 em 3 horas.
Abri um sorriso.
- Havia esquecido que você vai ser médico.
- É, meu caro. Comigo as coisas funcionam. Anda, vai jantar.
- Falou, pai – brinquei.
- Me considere como seu... Irmão mais velho!
Quem me dera ele fosse meu irmão mais velho. Quem me dera...
E eu acabei indo jantar mesmo. Quando olhei pro macarrão, a minha barriga roncou e eu acabei não resistindo.

- Hum... Muito bom!
- Valeu – o cozinheiro agradeceu.
- Já pode casar.
- Tô fora!!!
- Will, tô com um torcicolo no pescoço. Não rola uma massagem, não? – Fabrício indagou.
- Eu mereço, eu mereço... 
- Vai, não custa nada.
- Não acostuma não. 
- Valeu, parceiro. É assim que se fala!
Depois que terminei de comer, coloquei o prato na pia e fui pro quarto. O Rodrigo estava dormindo e com o meu computador na barriga.
- Coitado... – tirei o notebook e o coloquei sobre a mesa.
Era realmente difícil estudar e trabalhar. Acordar âs 5:30 e só chegar em casa depois das 21:00 é pra poucos, porém ele ia acostumar.
Eu tirei a minha bermuda e pulei na cama. Como a noite estava meio fria, tirei o edredom e me cobri. Não queria passar frio.
Eu pensei nele. Já estava sentindo saudade daqueles olhos azuis incrivelmente lindos. Por mais que eu tivesse me irritado com ele mais cedo, eu estava sentindo falta daquele garoto lindo. 
E quando eu estava quase pegando no sono, o meu celular vibrou e me chamou a atenção. Era uma mensagem de texto dele. Eu não pensei duas vezes e abri o torpedo:
 

“Eu estou apaixonado por você.”

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