sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Capítulo 44

P
arecia que o meu dedo havia virado o centro das atenções em todos os lugares por onde eu passava.
Assim que cheguei na empresa e cumprimentei o meu supervisor, ele foi logo notando a presença da minha aliança e comentou:
- Parece que temos um solteiro a menos na equipe?
Será que ele tinha mesmo que fazer aquele comentário?
- Pois é – não sabia onde enfiar a cara.
- Posso dar uma olhada? – Breno se interessou.
Suspirei baixinho e estendi a minha mão direita.
A cara que ele fez quando analisou a minha mão foi tão esquisita que senti vontade de dar risada.
- Quem é a felizarda?
- Você não a conhece.
- Não é da equipe não, né?
- Não – eu garanti.
- Ah...
Antes que ele pudesse querer perguntar mais alguma coisa, eu me dirigi rapidamente até minha PA, mas antes mesmo de me logar, a fofoca já havia começado:
- O que é isso no seu dedo, Caio? – perguntou Geruza.
- Não está vendo que é uma aliança? – Giovanni era curto e grosso.
- Não estou falando com você, estúpido.
- Não briguem – Aline interferiu. – Está namorando, Caio?
- Acho que sim, né? – eu não me virei e continuei abrindo os meus sistemas.
- Que lindo! Quem é a garota?
- Ninguém conhece então eu não vou falar quem é.
- Diz pelo menos o nome? – ela insistiu.
- Caraca, vocês não estão vendo que o cara não está a fim de contar? – Giovanni me defendeu.
Eu lancei um olhar rápido de agradecimento e ele me retribuiu com um breve  suspiro.
- Credo, a gente só quer saber quem é – uma menina se ofendeu.
- Já ouviu aquele ditado que diz que a curiosidade matou o gato? Então fiquem na de vocês e deixem o cara em pax. Bando de fofoqueira!
Desde que eu havia entrado na equipe, aquela foi a primeira vez que o Giovanni me defendeu. Ele foi um dos poucos que não ficou fazendo questionamentos.
Percebendo que quase todas as minhas colegas de trabalho haviam ficado ofendidas com o meu silêncio, eu resolvi deixar que elas vissem a minha aliança. Mas elas acabaram se decepcionando ainda mais quando perceberam que não havia um nome e sim as iniciais gravadas no objeto.
- Pensei que tinha nome – Aline revirou os olhos.
- Tem sim, mas só eu sei – abri um sorriso.
- Bem feito – Giovanni riu.
- Cala a boca, seu grosseiro!
Se na empresa eu fui motivos de comentários, na escola fui ainda mais.
Até as pessoas que normalmente não falavam comigo, ficaram comentando o objeto que estava na minha mão direita.
O Rogério foi um dos poucos que não falou muita coisa a respeito, talvez pela briga que nós tivemos meses antes.
- Só posso dizer que estou muito feliz por você – ele comentou, com sinceridade.
- Obrigado, Rogério. Você é um bom amigo.
- Sempre que precisar, sabe que pode contar comigo, embora você esteja me devendo uma pelada há meses – ele riu.
- Eu sei, cara. Prometo que eu vou te pagar assim que puder. Talvez já neste domingo. Pode ser?
- Por mim tranquilo, desde que você não me enrole mais.
- Prometo que farei o possível.
Eu achava um pouco esquisito o Rogério não ter amizade com os outros garotos da sala. Todo mundo tinha seu grupinho feito e só nós dois ficávamos excluídos em um canto da sala. Talvez pelo fato de sermos os únicos novatos da turma.
Contudo, foi na república que eu senti vergonha em exibir aquela aliança.
- Agora eu entendi – Vinícius deu uma risadinha bem safada.
- Entendeu o quê?
- Ah, você sabe – ele coçou o saco de leve.
Eu engoli em seco. Que vontade que eu estava de mamar aquela delícia...
- Ah...
- Por que não me contou antes?
- Ah, sei lá...
- Posso dar uma olhada?
- Claro!
Eu tirei a aliança pela segunda vez e coloquei na palma da mão do meu amigo. Quando ele leu as iniciais dentro da circunferência, sorriu mais uma vez e disse:
- Muito bem sacado essas iniciais. Ninguém vai desconfiar de nada.
- Hum... valeu – eu queria cavar um buraco e desaparecer.
- E aí, Caio? – Rodrigo apareceu do nada. Será que ele havia ouvido alguma coisa indevida? – Como foi?
- Bem – eu estava muito constrangido.
- Olha só – ele abriu um sorriso largo. – De aliança e tudo!
- É...
Rodrigo soube ser discreto e não pediu para analisar o objeto. Sem tocar mais no assunto, ele se despediu e saiu de casa para almoçar e ir trabalhar.
- Espera, eu vou junto – Vini apareceu com uma mochila enorme nas costas.
- Vou almoçar, Vini – ele falou.
- Vou com você. Posso?
- Ah, claro! Odeio almoçar sozinho.
E foi dessa forma que eu fiquei totalmente abandonado naquela casa. Meus olhos estavam fechando sozinhos de tanto sono, mas eu ainda queria tomar banho, almoçar e dar uma conferida no meu perfil na internet. Será que havia alguma coisa diferente?
E para a minha grande surpresa, havia mais de dez recados questionando sobre o meu namoro.
Eu respondi um por um e quando estava na metade, o Víctor me chamou no MSN e começou a fazer vários questionamentos.
Fui praticamente obrigado a contar quem era o Bruno. Eu mandei o link do perfil do meu namorado e a bicha ficou toda assanhada, dizendo que ele era um gato e blá, blá, blá...
Entretanto, o que mais me deixou surpreso foi um comentário do meu irmão na foto em que eu tinha postado – a foto das alianças.
Ele foi rápido e só colocou um “RIDÍCULO” em letras maiúsculas.
Sem nem pensar duas vezes, excluí aquele comentário e acabei ficando aborrecido.
Quem o Cauã pensava que era pra estragar a minha felicidade? Se ele tinh ódio de mim e me achava ridículo, por que não me excluía do Orkut de uma vez por todas?
Boatos cessados, eu consegui manter uma rotina normal no meu dia-a-dia. Rapidamente consegui acostumar com a minha aliança e toda as vezes em que eu a tirava por qualquer motivo que fosse, acabava sentindo sua falta.
Quando a Dona Elvira viu o meu símbolo de compromisso naquele sábado pela manhã, acabou não se controlando e comentou:
- Não pensei que você fosse usar aliança de compromisso. Muito legal seu gesto. E ela é linda, hein?
- Obrigado, Dona Elvira. A senhora gostou mesmo?
- Muito. Fazia tempo que não via um anel tão bonito. Foi caro?
- Mais ou menos – eu me irritei pela indiscrição.
- Parabéns, querido. Você merece.
- Obrigado, Dona Elvira.
Acredito que ela estivesse realmente acostumada com a minha presença naquele mercado, porque quando eu estava presente, ela não fazia praticamente nada. Só ficava no computador e não tirava o traseiro da cadeira um segundo sequer.
- O que eu faço agora? – perguntei.
- Pode dar uma lavada no banheiro para mim, por favor?
- Claro! Claro que sim.
Eu não estava fazendo mais do que a minha obrigação, afinal ela estava me pagando para trabalhar, mas a rotina de manter dois trabalhos e estudo estava me deixando praticamente sem forças.
- Parece abatido – ela comentou no final do expediente. – Sente-se mal?
- Não. É só cansaço mesmo. Quando eu dormir passa.
- Coitadinho. Vá para a sua casa descansar. Já trabalhou demais por hoje.
- Obrigado – eu dei um bocejo longo e preguiçoso.
- Tome cuidado com seu dinheiro – ela pediu.
- Pode deixar.
Não pude dormir o tanto que eu gostaria, afinal eu havia prometido que ia sair com o Bruno, mas confesso que a minha vontade era de ficar naquela cama até a segunda-feira de manhã.
- Oi – ele me recebeu com um sorriso enorme.
- Oi – eu estava excepcionalmente cansado.
- O que você tem? Está cansado?
- Sinceramente?
Ele me deu um selinho e acariciou a minha mão direita.
- Claro.
- Me sinto exausto.
- Ah – ele fez carinha de triste. – Então nós não vamos sair?
- Vamos sim. É claro que vamos. Eu estou aqui pra isso.
- Mas eu não quero que você se sacrifique por minha causa, amor.
- Não estou me sacrificando, é um prazer estar na sua companhia e eu quero muito sair um pouco.
E queria mesmo. Ficar de casa pra academia, da academia pro trabalho, do trabalho pra escola e da escola pra casa estava me deixando enlouquecido de vez em quando. Eu precisava e necessitava urgentemente de diversão.
- Tem certeza? – Bitch me questionou.
- Claro que eu tenho. Já sabe para onde vamos?
- Não podemos entrar em balada ainda, então o jeito vai ser ir a um barzinho. Pode ser?
- Claro. Só iremos nós dois?
- Sim.
- Tranquilo então...
Antes de sair, ele me levou até o quarto e me deu um banho de língua. Não nos contemos até chegar na 3ª gozada seguida.
- Isso... é... muito... bom – ele respirou.
Não tive coragem e nem forças pra responder. O Bruno era tão insaciável que me deixava exaurido e sem coragem de fazer mais nada. Como eu queria dormir mais um pouco...
- Vamos? – ele perguntou.
- Vamos – eu respondi, meio desnorteado.
Nunca tinha ido naquele lugar. Era juvenil e extremamente agradável. Me senti muito à vontade no meio de tantos jovens da minha idade.
- Bacana aqui – falei.
- Sempre que posso dou uma passada aqui com meus amigos.
- Ah, entendi.
Não sei se foi apenas uma coincidência, obra do destino, ou se ele marcou de propósito, mas o fato era que cerca de 40 minutos depois, os amigos do Bruno apareceram naquele bar e acabaram se juntando a nós.
- Espero não estar atrapalhando – disse uma garota.
- Imagina – Bruno respondeu.
Depois que as apresentações foram feitas, eles começaram a beber. Era um mais pingunço que o outro e o meu namorado não ficava atrás.
Quando me dei conta, ele já tinha bebido três cervejas e meia garrafa de vodca.
Não me senti nem bem, nem mal ao lado daquele grupinho de amigos.
Toda aquela sensação de bem estar que eu estava sentindo momentos antes, deu lugar a um vazio muito grande. Parecia que eu era um peixinho fora d’água com dificuldade de respirar.
Por volta das 3 da manhã, o clima comentou a ficar complicado. A maioria já estava bêbada e alguns colegas do meu garoto não paravam de fumar. Graças a Deus ele não colocou nenhum cigarro na boca durante toda a noite.
- Não vai fumar? – perguntou Vítor.
- Não. Estou tentando parar – ele se justificou.
- Nossa, que caretice – um dos amigos do Bruno recriminou a sua atitude.
- Caretice nada – ele foi firme. – É questão de saúde.
Ouvindo aquele comentário, me senti extremamente orgulhoso do Bruno. Ou será que ele estava falando aquilo só para me agradar?
Se eu pudesse resumir aquela noite em uma única palavra, essa palavra seria “cansativa”.
Eu estava me divertindo e isso era fato, mas o sono a toda hora falava mais alto e em determinado momento, eu cheguei a cochilar na cadeira onde estava sentado.
- Bruno, acho que seu namorado dormiu – um cara riu.
- Caio? – ele me chamou.
- Estou acordado – resmunguei.
Todos deram risada.
- Coitadinho, ele só está cansado – Bitch me defendeu.
- Gente, eu nunca pensei que iria ver a Bitch apaixonada – disse uma garota que eu não recordo o nome.
- Pois é, amiga. O Caio apareceu na hora certa, né amor? – a voz dele estava tão longe...
- Aham...
- Não é melhor vocês irem? – alguém opinou. – Ele vai acabar pegando no sono.
- Vou não – abri meus olhos bem devagar. A claridade me incomodou. – Estou bem.
- Olha os olhos dele como estão vermelhos – disse Vítor.
- Quer ir, amor? – Bruno se compadeceu.
- Quero não. Vou beber alguma coisa e esse sono passa.
Mas ele só fez aumentar. Eu estava sentindo o mundo girar, girar, girar...
Nós não fomos embora. Só saímos do barzinho quando o sol estava nascendo. Quando me levantei e comecei a andar, quase não estava sentindo as minhas pernas.
- Acho que ele está um pouco bêbado – Vítor deu risada.
- Eu estou ótimo – garanti.
Quem estava bêbado era ele e todos os demais. Inclusive o Bruno.
Quase todos estavam gargalhando ao mesmo tempo e o barulho daquelas risadas me deixou bastante irritado.
- Onde nós estamos? – eu perguntei.
- Laranjeiras – Bruno respondeu.
- Vai demorar para chegar no Catete?
- Não, amor – ele riu. -  A gente te deixa em casa, tá bom?
Era tudo o que eu queria. Parecia que eu estava ouvindo a minha cama gritar o meu nome incansavelmente.
Foi um sacrifício sair daquele carro quando cheguei na minha rua. Eu queria me despedir do Bruno, mas com tanta gente me olhando não tive condições de fazer nada.
- Me deixa descer, Vítor – reclamei.
- Ai, que saco! Não posso nem dormir em paz...
- Não briga com ele, bicha malcomida – meu amor deu um tabefe na cabeça do amigo.
- Ai, sua piranha! Você me paga!
Antes de descer, ele me puxou e me deu um selinho bem demorado. Eu senti vontade de matá-lo porque foi a maior gritaria dentro do carro.
- Bruno... – reclamei.
- E daí? – ele riu. – Todo mundo sabe mesmo!
Lancei um olhar de desaprovação e com um pouco de dificuldade, desci até a calçada. A manhã estava um pouco gélida.
- Me liga, amor? – ele pediu.
- Assim que eu acordar – bocejei.
- Então eu vou esperar.
- Beleza.
Não consegui falar mais nada e com os olhos fechados, tentei abrir o portão.
Ouvi a porta do carro bater e em seguida o motor foi acionado.
- Tchau, Caio – eles disseram.
- Tchau – eu resmunguei em um volume quase inaudível.
Parecia até que eu estava caminhando há dias. Por mais que eu andesse, a minha cama não chegava e eu tinha a sensação que ela estava cada vez mais longe. Contudo, quando finalmente abri a porta do quarto, ela estava lá me esperando de braços abertos.
Não houve tempo para tirar a roupa. Eu caí de bruços em cima daquele edredom macio e sem nenhuma dificuldade, embarquei em um sono profundo e muito, muito pesado.
Eu abri os olhos bem devagar. Estava sentindo uma dor insuportável na cabeça e no pescoço.
- Ai... – choraminguei.
- Bom dia, Bela Adormecida – Rodrigo zoou.
- Bom dia – a minha voz estava muito grossa. O cheiro de álcool invadiu meu nariz e eu me senti enjoado. – Ai...
- Que foi? Tá passando mal?
- Nâo sei...
Eu sentei e literalmente vi tudo girando. Será que eu ia...
- CAIO? – ele foi ao meu auxílio.
- Água – eu pedi. Meus olhos não paravam abertos. – Eu quero água...
- Espera aí...
O Rodrigo demorou uma eternidade para voltar. Aquela era a primeira vez que eu havia ficado bêbado de verdade.
- Ele está bêbado – Vinícius gargalhou.
- Não brinca, ele parece muito mal.
- Não era para estar assim depois de ter dormido tanto – era a voz do Fabrício.
- Sua água, Caio – Rodrigo colocou uma garrafinha na minha mão direita.
Com os olhos fechados eu abri a tampa e comecei a ingerir o líquido. Bebi quase que a garrafa toda de uma vez só.
- Eita ressaca – Vinícius continuou gargalhando.
Depois da água, me senti um pouco melhor. Pelo menos a sede havia diminuído.
- Sente-se bem, Caio? – o futuro médico perguntou.
- Estou meio tonto...
- Está com ânsia?
- Um pouco.
- É melhor ele comer alguma coisa – o meu ex-futuro peguete falou.
Depois de uns 5 minutos, o Will apareceu com um prato de macarronada.
Eu não sosseguei enquanto não ingeri a última garfada.
- Melhor? – ele perguntou.
- Muito. Quero dormir...
- Agora ele vai ficar bem – a risada do Vini me deixou de pau duro.
- Deixem ele a sós – falou Rodrigo. – É melhor ele descansar mesmo.
E assim eu mergulhei de novo em um mundo de faz de conta onde todos os personagens principais tinham nome, sobrenome e um par de olhos azuis lindos que eram muito, muito familiares.

Quando eu acordei em definitivo, a minha cabeça estava explodindo. O engraçado é que eu não me lembrava de ter bebido tanto na noite anterior...
- Melhorou? – Rodrigo perguntou.
- Minha cabeça está explodindo...
- É a ressaca – ele riu.
- Ressaca?
- Você estava muito bêbado, cara.
- Não lembro de ter bebido tanto...
- Pois é. É assim que as coisas começam.
Sem nem pensar duas vezes, eu peguei o meu celular e comecei a ligar pro meu namorado. Chamou, chamou, chamou e ele não atendeu.
- Ué... cadê o Bruno? – resmunguei comigo mesmo.
Continuei tentando. Eu já estava ficando preocupado, até que...
- Alô? – uma voz extremamente grave atendeu a ligação.
Definitivamente, aquele não era meu namorado. O meu coração foi parar na nuca e tudo o que eu estava sentindo pareceu desaparecer instantaneamente.
Quem será que havia atendido aquela ligação? E quem quer que fosse, por qual motivo estava com o celular do meu namorado?

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