quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Capítulo 18

Eu peguei o objeto das mãos dele e me virei rapidamente.
- Obrigado – agradeci.
- De nada. Bom descanso.
- Pra você também...
Eu fiquei com tanto medo dele ter descoberto o que eu era, que antes mesmo de abrir a porta do meu quarto, a minha barriga começou a doer.
- Aqui está – fui até a cama do Rodrigo e entreguei o que ele tinha me pedido.
- Valeu – ele me olhou. – Você está bem? Está mais branco que uma folha de papel, parece até que viu um fantasma!
- Estou com dor de barriga... Com licença...
Eu saí quase que correndo até o banheiro. As minhas mãos estavam geladas e eu estava suando frio.

- Deus, me ajuda...
Ele não podia descobrir a verdade. Não podia! Não sei por quanto tempo eu fiquei no banheiro, só consegui sair de lá depois que me acalmei um pouco.
- Tudo bem, Caio? – Rodrigo perguntou de novo.
- Tudo. Já me sinto melhor.
Entretanto, eu ainda estava grudando de suor e por este motivo, resolvi tomar outro banho. Ia me fazer bem.
Aquela noite quase não consegui dormir de tanto nervosismo.

- Bom dia, Dona Elvira...
- Bom dia, querido – ela parecia contente.
- Tudo bem?
- Bem e você?
- Bem – eu estava mais tranquilo.
Depois que nós terminamos de lavar o mercado, ela resolveu encerrar o expediente.
- Pode ir pra casa, Caio. Já chega por hoje.
- Tudo bem. Até sábado então.
- Até. Fique com Deus.
- A senhora também.


Quando eu estava na metade do caminho, resolvi ligar pro Bruno. Ele tinha sumido e eu estava preocupado com aquilo.
- OI, gatinho – ele me atendeu com a voz sonolenta.
- Te acordei?
- Aham, mas já está na hora.
- Está tudo bem?
- Tudo sim e com você?
- Bem – eu não podia contar o que tinha acontecido na república. – Você sumiu ontem à noite, fiquei preocupado.
- Ah... Desculpa não ter dado satisfações ainda. Tive uma discussão com meu pai e fui dormir na casa de um amigo. Acabei esquecendo o celular em casa...
- Mas está tudo bem???
- Ah, mais ou menos, né. Não gosto de discutir com a minha família.
- Eu sei como é. Oh, se sei.
- Vamos nos ver mais tarde?
- Claro – eu precisava dele. – Que horas?
- Pode ser umas 19:00? Não quero voltar tarde...
- Pode sim. Onde?
- Vamos pra casa da minha avó – ele afirmou com muita segurança.
- Tem certeza? – o iceberg desceu pro estômago.
- Absoluta. Ou você não quer?
- Você ainda pergunta?
Ele riu.
- Eu te espero na saída do metrô, pode ser?
- Pode sim. Quando estiver chegando eu te mando uma mensagem.
- Combinado!
- Até mais tarde então.
- Até, bebê. Beijo.
- Outro.
Desliguei e só não comecei a pular porque estava no meio da rua. Aquela noite ia ter que dar certo!
Antes de ir para casa, passei em um supermercado e comprei a carne moída pra fazer a macarronada que eu havia prometido. Todos os outros ingredientes eu já tinha adquirido no mercadinho da Dona Elvira.

Assim que eu fechei a porta, já começaram as cobranças:
- Cadê o almoço? – Willian intimou.
- Calma, acabei de chegar... Já vou começar já.
- A cozinha é toda sua, meu querido.
- Ela é minha, mas quem lava a louça hoje é você, palhaço.
- Desde que eu não fique na frente do fogão, pra mim tá ótimo.
- Já vou começar. Só vou trocar de roupa...
- Não demora, estamos com fome.
- Sei se vai ficar bom não.
- Acho bom ficar, se não quiser cozinhar tudo de novo – ele brincou.
- Vai nessa.
Eu entrei e vi o meu amigo mexendo no meu notebook.
- Oi – ele disse. – Não resisti.
- Sem problemas, pode mexer.
- Vai fazer a comida? Tô morrendo de fome.
- Aham, só vou trocar de roupa.
- Capricha nesse macarrão, hein?
- Já disse que não sei se vai ficar bom. Faz muito tempo que eu não faço.
- Confio em você.
- Acho que você está confiando na pessoa errada, filhote – dei risada.
Antes de chegar na cozinha, nossos olhos se encontraram e eu senti um frio na espinha. Rapidamente desviei a minha atenção.
- Cadê o rango? – Vinícius perguntou. – Estou com fome...
- Já vou preparar, aguenta aí...
- Quero só ver, hein?
- Quando estiver pronto eu chamo.
Pensei que ia ficar sozinho na cozinha, mas o Ricardo estava sentado na mesa.
- Olá – cumprimentei.
- Tudo bem? – ele parecia alienado.
- Bem e você?
- Aham.
Eu lembrei de como a minha mãe cozinhava a carne moída e imitei todos os seus gestos. Antes de cozinhar, eu lavei e fervi a carne, para depois começar com o processo de cozimento.
- Vai demorar muito isso aí? – foi a vez do Fabrício perguntar.
- Acho que mais uma meia horinha.
- A gente tá com fome, pô.
- Eu disse que tinha que trabalhar... Vocês toparam esperar, agora aguentem.
- Só estou comentando. Como você é bravo – ele riu.
- Sou nada, tô só comentando também. Pega os molhos de tomate pra mim?
- Quantos?
- Uns 3.
- Tudo isso? Não é muito?
- Não. Você vai ver.
Antes de colocar o molho de tomate, eu refoguei a carne com cebola e alho, só pra dar um diferencial a mais no sabor.

- Hum, que cheirinho bom... – Ricardo elogiou.
- Valeu. Acho que estou acertando...
E estava mesmo com um cheirinho agradável. Eu não podia me dar ao luxo de errar aquela receita...
Aos poucos eu coloquei o restante dos temperos e os molhos de tomate. Para agilizar as coisas, enquanto a carne cozia, coloquei a água do macarrão pra ferver.
- Está pronto, Caio? – meu amigo perguntou.
- Ainda não, Rodrigo.
- Que cheirinho bom, hein?
- O cheiro está, mas o sabor... Ainda não experimentei.
- Posso experimentar?
- Pode.
Ele veio até o fogão, pegou uma pequena quantidade da carne e colocou na palma da mão.
- Puta, como tá quente...
Rapidamente ele lambeu a mão e depois a balançou freneticamente.
- Não queria que ela estivesse fria, não é? – dei risada.
- Hum... Que tempero bom é esse?
- Segredo de família – me gabei. – Ficou boa?
- Supimpa!!!
- Tá falando sério?
- Aham. muito boa. De verdade.
- Ufa, que alívio...
Coloquei um pacote e meio de macarrão espaguete. Era melhor sobrar do que faltar.
- Tá pronto? – Vini choramingou.
- Só mais um pouquinho...
Eu escorri a água do macarrão, misturei o mesmo com a carne e coloquei o almoço em uma assadeira.
- Todo mundo gosta de milho?
- Sim – o Ricardo respondeu.
- Tem certeza?
- Absoluta, mas se quiser pode perguntar...
- Vou confiar em você, hein?
Abri uma latinha de milho verde e joguei por cima da macarronada. Para finalizar, cobri a mesma com meio quilo de muçarela, coloquei papel alumínio por cima da assadeira e levei ao forno.
- Parece estar muito bom, hein? – Ricardo elogiou de novo.
- Obrigado. Pode chamar os meninos pra mim, por favor?
- Com prazer.
Ele levantou e foi aos quartos. Em menos de 2 minutos todos apareceram.
- Cadê?
- Calma, já está quase pronto. Peguem os pratos e os garfos aí...
Enquanto eles se preparavam, eu peguei o refrigerante da geladeira e coloquei em cima da mesa. Minha barriga estava roncando.
- Cadê, Caio? – Vinícius reclamou.
- Já vou tirar do forno, espera aí... Como vocês são apressados, Jesus.
- A gente tá com fome – um deles reclamou.
Eu abri o forno e com cuidado, tirei a assadeira e coloquei em cima da mesa. Enquanto eu fechei o fogão e lavei as minhas mãos, eles já começaram a atacar a comida.

- O cheiro está muito bom – comentou Vinícius.
Toda vez que eu ouvia a voz dele, meu coração diminuía de tamanho. Que medo que eu estava sentindo...
- Hum... – eles fizeram quase que ao mesmo tempo.
- Que delícia – aprovou Rodrigo.
- Quem olha pra você não diz que você cozinha tão bem assim, Caio – Willian também aprovou o prato.
Eu sentei e me servi. Já tinha ido metade da macarronada.
- Gostaram?
- Muito – disse Fabrício.
- Delicioso. Parabéns – falou Ricardo.
Eu experimentei a minha própria comida e gostei. Não estava nada ruim. Ainda bem.
- Acho que acertei no tempero...
- Muito bom mesmo – falou Fabrício.
E acabou não sobrando nada pra janta, o que me deixou muito contente. Fiquei feliz de todos terem aprovado o meu almoço.
- Cadê a sobremesa? – Vinícius indagou.
- Não preparei ainda. Vou fazer já, já. Depois que o Will lavar a louça.
- É bolo de caixinha? – ele perguntou.
- Claro que não. É receita mesmo.
- Ah, tô pagando pra ver...
- Pois então aguarde. Nos doces eu me garanto.
E me garantia mesmo. Modéstia a parte, fazer sobremesas sempre era a minha especialidade. Principalmente o bolo de prestígio que a minha avó me ensinou a fazer, muitos anos antes.
- Quando estiver pronto chama a gente – Fabrício levantou e colocou o prato na pia.
- Pode deixar.
- Vou sair, mas guardem um pedaço pra mim – Ricardo pediu.
- Vai pra onde, filhote? – Rodrigo indagou.
- Vou pra casa da Júlia.
Quem era Júlia?
- Hum, safadinho... – Willian zombou.
O menino ficou vermelho. Quem era Júlia?
- Guarda um pedaço pra mim, hein?
- Pode deixar – prometi.
- Se sobrar a gente guarda – Vinícius brincou.
- Ai de vocês se não tiver um pedaço pra mim. Mato um por um.
Até que ele não era tão chato. O rapaz abandonou a cozinha ao mesmo tempo que o Willian começou a lavar os pratos. Eu estava me sentindo sonolento.
- Quem é Júlia? – perguntei. Não aguentei a curiosidade.
- É a namorada dele – respondeu Rodrigo.
- Ah, é? E ele namora, é? Sabia não...
- É o único que namora – comentou Fabrício. – Quer dizer, se você for solteiro é claro.
- Sou sim. Pelo menos por enquanto.
Eles começaram a me zoar e a me encher de perguntas. Todos queriam saber quem era a garota, mas eu consegui fugir do assunto sem maiores transtornos.
- Liberem a mesa se vocês quiserem sobremesa.
- Já vai fazer? – Rodrigo perguntou.
- Aham.
- Por que não faz mais tarde? Pelo menos fica pro café de amanhã...
- Mais tarde eu vou sair – tive que confessar e bastou aquilo pro assunto voltar a tona.
- Hum... Vai namorar né, safadinho? – meu amigo riu.
- Talvez – senti a minha pele queimar.
- Vocês estão deixando o garoto sem graça – Vinícius levantou da cadeira. – Vamos deixá-lo a sós pra ele fazer nosso bolo. Já me deixou com vontade.
- Capricha no bolo, hein? É o meu favorito – falou Fabrício.
- Pode deixar. Nisso eu me garanto.
- Tem mais algum prato na mesa? – Will perguntou.
- Vários.
Eu juntei a louça suja e entreguei ao marmanjo.
- Sua comida estava muito boa mesmo. Parabéns.
- Obrigado. Fico contente que tenham gostado.
- Pode fazer mais vezes.
- Mas macarrão com carne moída é bom comer de vez em quando, porque rotineiramente ele enjoa.
- Pior que é verdade. Sabe fazer mais alguma comida?
- Ah, não muito bem. Ainda tenho que aprender um pouco. Meu arroz sai muito empapado.
- Você tem que treinar.
- Pior que é verdade viu, quando eu for morar sozinho vou me ferrar...
- Quer morar sozinho?
- Mais pra frente sim. Não posso ficar morando em uma república pro resto da vida.
- Isso é verdade. Ainda bem que ano que vem eu volto pra minha cidade.
- Onde você mora, afinal? Acho que eu nunca te perguntei isso.
- Sou do Mato Grosso.
- Com esse sotaque carioca?
- Ah, moro aqui faz tempo. A gente acaba pegando as gírias e quando percebe já tá falando como eles.
- Pior que é.
- Quer ajuda aí?
- Não, nem precisa. Obrigado. É facinho.
- Beleza. Vou dar um rolê de skate.
- Não sabia que você é skatista.
- Pois é. Adoro essas coisas.
- Bacana,
- Até.
- Falou.
Eu comecei a trabalhar aos poucos. Quando eu estava na metade do processo, o Rodrigo apareceu.
- Atrapalho?
- Claro que não.
- Vou ficar aqui, posso?
- A casa é sua – eu lembrei.
- Nossa – ele corrigiu.
- Eu percebi que a geladeira tá muito vazia – comentei.
- Que nem eu te disse, cada um é responsável pela sua comida. Mas a gente não costuma deixar faltar nada...
- Abre aí pra você ver...
Ele levantou, abriu a geladeira a assoviou.
- Caraca. Só tem cerveja e água...
- Pois é.
- Vamos falar com a rapaziada. A gente precisa fazer compras.
- Aham.
- E esse bolo aí? Vai demorar?
- Ele demora mais ou menos uma hora pra assar. Depois tem o recheio, a cobertura... Vai demorar ainda.
- Fiquei com vontade.
- Você vai gostar.
- Espero que ele fique bem molhadinho...
- Com certeza.
- Precisamos comprar uma batedeira.
- Acho bom. Não aguento mais bater isso daqui na mão...

- Quer ajuda?
- Nem precisa mais. Já estou terminando mesmo. Mas se você quiser, pode untar a fôrma.
- Qual?
- A que está no escorredor.
- Ah, beleza.
- Mas ao invés de colocar farinha de trigo, coloca achocolatado.
- Ué. Nunca vi isso. Por quê?
- É porque quando eu virá-lo, ele não vai ficar com aquele aspecto esbranquiçado.
- Nossa, que da hora... Sabia disso não...
- Minha avó que me ensinou. Que Deus a tenha.
Eu sentia saudade da vó Celeste.
Depois que ele fez o que eu pedi, eu joguei a massa na assadeira e levei ao forno. Enquanto o bolo assava, preparei a cobertura e o recheio de prestígio.

- Uma das melhores coisas que inventaram foi o casamento do côco com o leite condensado – ele comentou.
- Verdade. Minha mistura preferida.
- Vai ser cobertura de quê?
- Brigadeiro.
- Nossa Senhora... Isso vai ficar muito bom!
- Pode apostar.
Depois de uns quarenta minutos, o cheiro de bolo de chocolate tomou conta da casa e aos poucos, eles foram aparecendo.
- Que cheirinho bom, hein? – o primeiro foi o Fabrício.
- Jà, já ele está pronto.
- Posso experimentar a cobertura?
- Não senhor. Espere.
- O que custa?
- Só uma pitada, hein?
Ele pegou uma colher na gaveta e roubou um pouquinho do brigadeiro que estava na panela.
- Como é cremoso, né? – ele disse, de boca cheia. – Delícia...
- Falei que eu me garantia?
- Metido. Mas está muito bom...
- Obrigado.
O mais difícil de tudo foi tirar o bolo da fôrma. Eu fiquei torcendo pra ele não quebrar.
- Um, dois e...
Quando eu levantei o alumínio, meus olhos se iluminaram. Tinha ficado perfeito.
- Aí sim, hein? – o Vini deu as caras. – Já pode comer?
- Não – dei risada. – Ainda não está pronto.
Como ele já tinha esfriado o suficiente, cuidadosamente eu abri a massa com o auxílio de uma linha.
- Você leva jeito pra coisa – o gatão falou.
- Aprendi com a minha avó.
- Aprendeu direitinho, pelo jeito.
- É que eu acostumei a fazer essa receita, mas já errei muito também.
- Ah...
Joguei o prestígio por todos os lados. Caprichei na quantidade de recheio, porque eu era apaixonado por bolo de prestígio.
- Agora é só cobrir com o brigadeiro e pronto!
E assim eu fiz. Quando o bolo ficou pronto, deu até dó de cortá-lo. Ficou lindo.

- Só colocar na geladeira, porque bolo de prestígio é bom quando está gelado.
- Só porque eu ia atacar? – Rodrigo reclamou.
- Só mais uns 20 minutos, reclamão.
- Fazer o quê, né?
Enquanto ele gelava, eu fui pro banho. O horário pra encontrar com o Bruno estava se aproximando e eu não queria me atrasar.
Como eu não sabia o que ia acontecer naquele encontro, tomei aquele banho demorado. Lavei todo o meu corpo com uma atenção especial. Queria fazer bonito com o meu amor.
- Quem está aí? – era a voz do Willian.
- Sou eu. Ainda vou demorar um pouquinho...
- Ah, tranquilo. Eu espero.
Devido o sol, meu cabelo estava um pouco ressecado, então eu decidi fazer uma hidratação com condicionador, o que deu muito resultado. Quando saí do banheiro, estava me sentindo outra pessoa.
- Todo seu.
- Valeu, parceiro.
Depois de arrumado, cortei as unhas dos pés e das mãos e tirei o excesso da minha sobrancelha.
- Hum... Até a sobrancelha tá tirando... Aí tem – Rodrigo brincou.
- Tem que estar apresentável, né?
- Aham...
Ele ficou me olhando.
- Não dói isso daí não?
- Um pouco, mas é tolerável. Melhor do que ficar com uma taturana na testa.
- Vou experimentar depois.
- Aham.
Depois que estava pronto, fui até a cozinha e tirei o bolo da geladeira. Era a hora de servir.
Antes de chamar os garotos, cortei 3 pedaços: um pra mim, um pro Ricardo e um pro Bruno. Queria que ele experimentasse a minha obra de arte.

- Já pode comer? – Willian apareceu.
- Já.
Eu coloquei o pedaço do Bruno em um potinho com tampa e reservei na geladeira.
- Vou chamar os caras...
Eu não esperei porque já estava quase me atrasando. Sentei e quando coloquei o pedaço na boca, me deliciei. Estava simplesmente divino. A mistura perfeita!!!
- Caralho – Vinícius arregalou os olhos. – Puta, parabéns. Sensacional.
Foi o maior sucesso. Todos aprovaram e repetiram.
- Guardem o pedaço do Ricardo.
- Já separei – disse Will. – Fica em paz.
- Beleza.
Voltei pro quarto e me perfumei. Antes de sair, dei uma olhada no visual no espelho pra ver se não tinha nada de errado, mas estava tudo certo.
Escovei meus dentes duas vezes e em seguida, passei o fio dental. Nada podia dar errado naquela noite.
- Até mais – disse enquanto passei pela cozinha.
Eles começaram a me perturbar, mas eu não tive tempo para ouví-los e fui embora.
“Já desci do trem”


Eu enviei o torpedo enquanto estava nas escadas rolantes.
Será que ele estava me esperando? E se ele tivesse mudado de ideia???
Quando eu saí da estação, eu o vi encostado em um poste. Simplesmente lindo. Nossos olhos se encontraram e nós sorrimos ao mesmo tempo.
- Boa noite – falei, timidamente.
- Uau – ele me olhou dos pés a cabeça. – Você está um gato!!!
Que vergonha...
- Obrigado. Você também.
Ele também estava arrumadinho
- Vamos? – perguntou.
Seus olhos estavam mais azuis que o normal.

- Seus olhos estão perfeitos hoje.
- Obrigado, Caio.
Nós começamos a descer a rua vagarosamente. Não falamos muita coisa durante o trajeto.

- Sua avó está?
- Não, ela foi pra missa. Só volta lá pelas 21 horas...
- Ah...
- Vai dar tempo pra muita coisa – ele piscou e eu fiquei vermelho.
- Você é mestre em me deixar sem graça, sabia?
- Você fica lindo com vergonha, já te falei.
Ele abriu o portão. Eu estava nervoso. As minhas mãos suavam e minhas pernas tremiam.

- Pode entrar – ele pediu.
- Com licença...
Cada passo que eu dava, meu coração batia mais rápido. O meu velho amigo iceberg desceu mais uma vez pra minha barriga. Que tensão...

- Fica à vontade – ele pediu, quando nós entramos na sala.
- Obrigado.
Minha boca estava seca.
- Quer alguma coisa?
- Não. Obrigado.
Silêncio.
- Pode sentar, fica à vontade – ele repetiu.
- Ah, claro...
Eu sentei no sofá e ele sentou ao meu lado. Mais uma vez ficamos em silêncio.
- Ah, sim. Eu trouxe isso pra você.
- O que é? – ele me olhou com os olhos curiosos.
- Abre.
- Hum, que delícia... Onde você comprou?
Eu abri um sorriso.
- Foi eu que fiz.
- Mentira? – ele abriu a boca. – Ah, essa eu tenho que provar!!!

O garoto foi até a cozinha e voltou com um garfo. Quando ele experimentou, me olhou com aquels olhos azuis arregalados. Eu caí na risada.
- Muito bom, gatinho. Foi você mesmo que fez?
- Aham.
- Nossa, que delícia!!!
- Obrigado...
- Massa leve. Nem tem gosto de ovos.
- É porque não tem ovos.
- Não?
- Não. Eu odeio bolo com ovos.
Ele sorriu.
- Eu também.
Retribuí o sorriso.
- A gente tem muita coisa em comum – ele disse.
- É verdade.
- Quer um pedaço?
- Não. Eu já comi. É seu. Só seu.
- Pega, só um pedacinho?
Ele trouxe o garfo pra minha boca e eu comi o bolo. Nossos olhos não se desgrudaram mais.
Depois que ele terminou, levou o pote pra cozinha e voltou rapidamente.
- Parabéns. Não sabia que você fazia um bolo tão bom.
- Muito obrigado.
O Bruno voltou a sentar ao meu lado, mas daquela vez, muito mais perto. Nossos corpos estavam colados. Eu senti o seu perfume e aquilo me deixou um pouco nervoso.
Ele segurou a minha mão direita e nós entrelaçamos os dedos. Meu coração estava a mil por hora.

- Seu perfume é muito bom – ele comentou.
- Obrigado. O seu também é.
Nos fitamos. Eu abri os meus lábios e comecei a respirar pela boca. Meus olhos desceram para os lábios dele e ele disse:
- Vem comigo...
Bruno ficou de pé e eu o imitei. Ele me conduziu pela escada em caracol e rapidamente, nós chegamos a um quarto com uma cama de casal.
- Esse é o meu quarto – ele disse. Eu ouvi o barulho da chave girando na fechadura e fiquei ainda mais nervoso.

- Muito bonito...
- Fica calmo, bebê – ele se aproximou. – Você está muito nervoso...
Engoli em seco. É claro qu eu estava nervoso. Era a primeira vez que eu ficava a sós com ele em um lugar privado.
- Não fica assim – ele segurou as minhas duas mãos. – Suas mãos estão geladas.
- É...
- Fica calmo, eu vou fazer você relaxar.
Mas ele me deixou mais tenso do que nunca quando me abraçou.
- Não vai acontecer nada que você não queira, tá bom?
Ele mordeu a minha orelha e muito aos poucos, foi beijando o meu rosto até chegar ao canto da minha boca.
Eu estava tão ofegante que parecia que tinha corrido na São Silvestre.
Bruno me olhou com a fisionomia séria. Seus lábios estavam abertos, assim como os meus. Ele parecia calmo e decidido.
Sua mão direita voou pra minha nuca e devagar, ele foi aproximando o rosto do meu, até que finalmente, os nossos lábios se encontraram pela primeira vez.

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