quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Capítulo 27

D
efinitivamente, eu não sabia o que fazer ou o que falar.
Por que o Rodrigo tinha que ficar ouvindo a minha conversa com o Víctor?
A fisionomia dele estava irreconhecível. Desde que nós havíamos nos conhecido, eu nunca havia visto o rosto dele tão fechado daquele jeito.
- O que você está fazendo aqui? – foi a única coisa que eu consegui falar.
- Isso não importa. Eu te fiz uma pergunta e eu quero uma resposta! Até quando você ia ficar mentindo pra mim? – ele repetiu.



Eu realmente n
ão sabia o que responder. Minha garganta estava tão fechada que eu tinha a sensação que nunca mais ia conseguir comer nada.
- Desde quando você ouve as minhas conversas atrás da porta? – esbravejei.
- Eu ouvi por acaso. Precisei pegar a bombinha para encher a bola e ouvi seu choro. Queria saber se estava tudo bem e quando cheguei acabei ouvindo a sua conversa...
Eu estava sem saída. Ele sabia da verdade, mas eu não sabia o que falar. A única coisa que consegui fazer foi abaixar a cabeça.
 Já vi que você não vai falar nada – ele reclamou. – Beleza.
- Desculpa...
- Eu pensei que era seu amigo, Caio. Mas acho que eu me enganei, né?
- Rodrigo...
- Sabe o que eu queria? – a voz dele estava tremendo. – Eu só queria te ajudar, mas é nisso que dá. A gente tenta ajudar as pessoas e só recebe punhalada nas costas...
- Eu...
- Você foi um falso, Caio. Um falso. E eu que pensando que você confiava em mim. Como eu sou idiota!
- Rodrigo eu posso explicar!
- Explicar o quê? – ele parecia muito chateado. – Já está bem claro o que aconteceu. Você não confia em mim!
- Não é isso, Rodrigo...
- Não quero mais falar com você, Caio. É melhor você voltar a conversar com o seu amigo, afinal nele você confia, não é mesmo?
Ele saiu andando e eu não sabia se ia atrás dele ou se ficava parado na porta do nosso quarto.
- Rodrigo... – eu choraminguei.


Ele bateu a porta da sala. Eu não sabia o que ia acontecer comigo dali em diante. Será que ele ia contar para os demais sobre a minha homossexualidade? Será que eles iam me mandar embora?
Depois de uns minutos, a ficha caiu. Ele sabia da verdade e estava contra mim. Eu tinha que sair daquela república o quanto antes.
Quando voltei pro meu quarto, meu amigo não estava mais esperando do outro lado da linha. Talvez seus créditos tivessem acabado.
Deitei e deixei o desespero tomar conta de mim. Para onde eu ia? Voltar para a hospedaria do Seu Manollo? E se não tivesse mais vagas?


Não sei por quanto tempo eu fiquei chorando em cima daquela cama. Quando olhei pela janela, percebi que a noite já havia caído e a lua estava no meio do céu. Linda, brilhante e solitária. Não havia nenhuma estrela visível para lhe fazer companhia.


Levantei e fui pro banheiro. Lavei bem meu rosto para tentar me acalmar e ver se conseguia encontrar uma saída para aquela situação, mas só o que eu conseguia pensar era em sair daquela casa o mais rápido possível.
Pensando nisso, voltei pro quarto e comecei a arrumar as minhas coisas. Quando estava na metade, os garotos voltaram e meio minuto depois, ele entrou no nosso quarto.


O cheiro de suor que ele estava exalando tomou conta de todo o ambiente. Nós trocamos um olhar demorado e só depois de algum tempo ele falou:
- O que você está fazendo?
- Eu vou embora.
- Ah, vai é? E vai pra onde? Morar debaixo da ponte?
- Acho que é o mais sensato a ser feito...
- O mais sensato seria você ter me falado a verdade desde o começo. O que você acha? Que eu vou sair espalhando pros quatro cantos do Brasil que você é gay?
Eu abaixei a cabeça.
- Não sou boca aberta, ao contrário do que você pensa. Se você tivesse me contato tudo desde o início talvez eu pudesse ter te ajudado de alguma forma, mas não... Você foi cabeça dura e me escondeu o jogo. Agora colha as consequências.
Ele abriu o seu lado do guarda-roupa e pegou uma roupa limpa. Depois que o Rodrigo saiu do quarto, eu terminei de arrumar as minhas coisas, mas quando estava prestes a sair para nunca mais voltar, ele voltou com os cabelos molhados e de banho tomado.
- Onde você vai? – a voz dele estava mudada.
- Embora, eu já disse.
- Para de criancice, Caio. Não precisa fazer esse teatrinho não. Ninguém vai te mandar embora da república!!!
- Você contou pra eles? – eu me assustei.
- Não. Não acho que seja eu que tenha que contar. Isso quem decide é você.
Meu coração bateu aliviado.
Ele não estava olhando diretamente pra mim. Parecia realmente chateado.
- Rodrigo, eu sei que não agi de forma certa com você, mas eu queria que você tentasse me entender...
Ele me olhou. Seus olhos estavam enigmáticos. Eu queria ter o poder de saber o que ele estava pensando.
- Acha que é fácil assumir uma coisa dessas? – falei baixinho.
- Fecha a porta – ele mandou.


Eu andei até a porta e girei a chave na maçaneta. Nós precisávamos conversar com tranquilidade e eu estava disposto a abrir o jogo com ele. Não tinha mais o que esconder.
- Quer mesmo saber o que aconteceu? – perguntei.
- Quero, mas não pense que isso vai diminuir a minha raiva.
Eu fui até a janela e a fechei. Não podia me dar ao luxo de alguém nos ouvir conversando.
- Tudo começou...
Enquanto eu falava, ele não esboçou nenhuma reação. Contei tudo o que estava acontecendo e quando toquei na parte da traição, voltei a chorar compulsivamente.
- E é isso, Rodrigo – finalizei. – Vou entender perfeitamente se você não quiser manter a nossa amizade.
- Era o que eu deveria fazer só pelo fato de você não ter confiado em mim. Eu gosto de você como se fosse meu irmão e pensei que você também gostasse...
- E eu gosto. Você é como se fosse meu irmão mesmo, já te disse isso antes...
- É, mas não é o que parece. Talvez para você possa parecer exagero, mas eu fico muito bravo quando alguém mente pra mim.
- Desculpa. Eu não tive coragem de contar a verdade antes...
- Sei.
- Você pode me perdoar?
- Vou pensar.
- Se quiser mudar de quarto, eu vou entender.
- Já falei para você parar de criancice. Não é porque você gosta de homens que eu vou te expulsar do quarto. Relaxa. Eu não sou preconceituoso.
- Eu sei que não é...
- - Então para de manha.
- Me desculpa, Rodrigo. Por favor...
Ele suspirou e revirou os olhos.
Nós ficamos em silêncio por um momento, mas não nos olhamos nos olhos. Eu estava um pouco tenso e apreensivo.
- Você ainda está precisando daquele abraço que você disse pro seu amigo? – ele perguntou, depois de muito tempo.
- Muito – falei baixinho.
- Não sei se é a mesma coisa, mas... Serve o meu? – ele parecia um pouco tímido.
Nos olhamos. Ele estava na sua cama e eu na minha. Foi instantâneo: nos levantamos ao mesmo tempo e nos abraçamos.
Foi um abraço forte. Como um verdadeiro abraço de irmãos. Um abraço que eu não recebia há muito tempo ou que talvez nunca tivesse recebido...
Como era bom saber que no fim das contas, tudo havia terminado bem entre nós dois. Eu senti 
um alívio imenso quando ele me recebeu em seus braços e me aceitou do jeito que eu era. Pelo menos alguém estava me apoiando naquele momento

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