sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Capítulo 30

E
ra a minha vez de fazer uma pergunta que estava me deixando bastante curioso:
- Posso perguntar uma coisa?
- Pode falar.
- Quem é a menina?
Ele deu um meio sorriso.
- Uma colega da faculdade.
- Ah, não sabia que você comia suas colegas...
- Sabe como é, né? Rolou tesão, deu mole eu papei.
- Pelo jeito valeu a pena, né? – fui mais além para ver até onde ele ia.
- Valeu sim. Ela fodeu bem.
Que safado!
Dei uma risadinha e ele retribuiu.
- Já que você não vai me dedurar, não vou me importar se você quiser trazer a sua namorada aqui qualquer dia desses.
Meu peito apertou.
- Acontece que eu não estou mais namorando...
- Não? – ele estranhou. – Como não?
- Faz um tempo já.
- Nem contou nada, né? Tá tudo bem?
- Acho que sim.
A verdade era que eu sentia a falta dele, contudo estava tentando superar e já não sofria mais como no início. Talvez pelo fato do nosso namoro ter durado só uma semana.
- Sinto muito. Se precisar de um ombro pra chorar, conta comigo.
- Valeu, Vini. Está tudo bem.
- Parceiro, vou tomar um banho que eu tô grudando!
- É dá pra notar.
Ele deu mais uma risadinha safada. Como aquele cara era lindo!
- Segredo, hein? – ele me lembrou.
- Confia em mim.
Quando ele passou, apertou meu ombro direito. Meu cacete já estava em chamas novamente e antes de pegar no sono, tive que bater mais uma em sua homenagem.
Como já havia passado da meia noite, já era domingo e era a primeira vez que eu trabalhava de domingo no Call Center.
- Hoje é hora-extra, é? – perguntei.
- Sim – respondeu Aline. – Um dinheirinho a mais no final do mês.
- E amanhã é folga?
- Tem que ver com o Breno qual será seu dia de folga.
- É escala? – os contras estavam aparecendo.
- Sim. Não te falaram?
- Não...
- Essa é a nossa realidade. Folgam 2 ou 3 por dia.
- Ah, bem que eu vi umas pessoas novas no meu segundo dia.
- Pois é.
Que tristeza, mas como tudo na vida tem seu lado bom e lado ruim, eu não reclamei.
Saí da empresa e fui direto pra a igreja. Precisava conversar com Deus e pedir alguns conselhos.
- Você por aqui? – Dona Elvira estranhou.
- Ah, resolvi vir pra cá pra depois ir pro mercado...
- Fez muito bem, querido.
Ela sentou ao meu lado e conforme suas amigas foram chegando, ela foi me apresentando de uma em uma.
- Essa é a Maria de Lourdes.
- Bom dia – resmunguei. Já estava entediado.
A missa começou pontualmente. Depois que a cerimônia acabou, eu esperei todos saírem para fazer meus agradecimentos e pedidos.
Eu me sentia muito bem quando me conectava com o meu eu superior. Sempre tive um lado espiritual muito forte e sempre acreditei que tudo é possível para aqueles que têm fé. E eu tinha muita fé.
Quando eu ia saindo da igreja, o padre João tocou no meu ombro. Ele sempre tinha um sorriso muito bondoso na face.
- Bom dia, padre – o cumprimentei.
- Bom dia, filho. Como estão as coisas?
- Tudo caminhando, na medida do possível...
- Você tem falado com seus familiares de São Paulo?
- Não, padre. Nunca mais falei com eles.
- Foi o que imaginei. Sua mãe deve estar preocupada. Ligue para ela.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Perdoe, filho. Lembre-se que perdoar é divino.
- Sim, padre... Eu sei disso, mas ainda não consigo perdoá-los. Essa ferida ainda não cicatrizou.
- Eu posso imaginar, mas siga o meu conselho. Sua mãe deve estar muito aflita.
- Tudo bem, padre. Eu vou seguir o seu conselho.
- Alô? – reconheci a voz do meu irmão na hora.
Desliguei o telefone. Não queria falar com ele. Eu ia cumprir a promessa de nunca mais dar notícias ao Cauã, mesmo que aquilo me deixasse chateado.
- Por que desligou? – perguntou Rodrigo.
- Quem atendeu foi meu irmão.
- E daí?
- E daí que eu não quero falar com ele.
Ele não se intrometeu. Fazia muito tempo que eu não me conectava à internet e quando o fiz, me deparei com muitas mensagens do Bruno no meu MSN.
Li todas e meus olhos se encheram de lágrimas. Ele estava insistindo muito em falar comigo e a cada convite que ele fazia, eu ficava balançado.
- Que cara é essa? – meu amigo sondou.
- Umas mensagens do Bruno aqui...
- Ih...
- Ele quer me ver. O que eu faço?
- Não sei. O que você quer fazer?
- Não sei também. Às vezes sinto vontade de vê-lo, às vezes não...
- Só posso te dar um conselho: siga seu coração.
Meu coração estava gritando para eu sair correndo e encontrá-lo, mas o meu cérebro gritava o contrário e eu não sabia a quem obedecer. Será que o Rodrigo estava certo?
- Alô? – minha mãe atendeu.
- Mãe?
- Caio?
- Tudo bem?
Ela começou a chorar.
- Meu filho... Como você está?
- Bem, mãe. E você?
- Como eu posso estar bem se você está longe de mim, filho?
- A culpa não é minha. Se dependesse de mim, eu estaria aí com você.
- E por que não vem, filho? Eu queria tanto te dar um abraço...
Minha garganta deu um baita de um nó. Eu também queria um abraço da minha mãe...
- Ah, mãe... Você sabe que eu não posso...
- Filho, eu não vou mais tocar nesse assunto. Eu vou fazer o possível e o impossível pra te aceitar do jeito que você é...
Ela tinha bebido?
- Está bêbada? – achei estranho.
- Não. Estou falando sério, Caio. Por favor, vem pra casa, filho...
- Não posso, mãe. Não posso... O meu pai não vai deixar eu entrar...
- Seu pai é um desgraçado que não merece nosso respeito.
- Mãe? Você está bem?
Eu nunca havia ouvido minha mãe falar daquele jeito do meu pai.
- Caio, por favor... Pelo amor de Deus volta pra casa...
- Nâo posso simplesmente voltar agora depois de tanto tempo. A minha vida mudou.
- Pelo menos me diz aonde você está... Eu vou até você...
- Eu estou no Rio – confessei.
- NO RIO? – ela gritou. – O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AÍ, CRIATURA???
- Não precisa gritar – eu estava fazendo de tudo para não começar uma briga.
- O RIO DE JANEIRO É MUITO PERIGOSO, CAIO... VOLTA JÁ PRA CÁ!
- Dá pra parar de gritar?
- MINHA VIRGEM SANTÍSSIMA... – ela parecia eufórica. – ME ACODE...
- Mãe? Está tudo bem?
- CAIO MONTEIRO EU EXIJO QUE VOCÊ VOLTE PRA SUA CASA IMEDIATAMENTE!!!
- Que gritaria é essa? – era a voz do meu pai. – Com quem você está falando?
- É com...
- Alô? – ele pegou o telefone. Meu coração voou. – Alô?
Eu desliguei. Se eu não ia falar com o Cauã, falaria muito menos com meu pai. Aquele preconceituoso...
- Tudo bem? Conseguiu falar? – perguntou Rodrigo.
- Consegui, mas meu pai pegou o telefone e eu tive que desligar.
- Tenso...
- É, mas deu para conversar um pouco com ela.
- E ela? o que disse?
- Contei que estou no Rio e ela exigiu que eu volte pra casa. Disse que aqui é muito perigoso.
- E você vai voltar?
- Eu até voltaria, Rodrigo. Se todos me aceitassem. O que não é o caso.
- Complicado.
- Por que? Quer se livrar de mim?
- Claro que não – ele tentou se explicar. – Não é isso...
- Relaxa – eu ri. – É brincadeira.
O domingo passou rápido e por volta das 22:30, eu me despedi de todos e rumei até o trabalho. Meu corpo estava simplesmente exausto.
O tempo foi passando e eu ainda continuava recebendo as tais ligações misteriosas no meu celular.
- Alô? – atendi.
Nunca falavam nada. Eu nem sei porque eu atendia sendo que eu sabia que ninguém ia responder.
- Alô?
Nada de resposta. Deslizei meu dedo até o botão vermelho e desliguei a ligação. Será que existia alguma forma de bloquear o recebimento daquelas chamadas?
Assim que saí da escola, o meu celular tocou novamente, mas daquela vez tinha identificação. Era o Bruno.
Minha boca secou na hora. Atender ou não atender, era a questão...
Mesmo não sabendo se era o certo a ser feito, resolvi atender e ver o que ele queria:
- Alô?
- Alô? Caio?
- O que foi?
- Tudo bem?
A voz dele estava tão nítida que parecia que ele estava ao meu lado.
- Tudo ótimo – menti. – O que você quer?
- Será que a gente pode conversar?
- Não temos nada a conversar.
- Por favor, Caio. Eu sinto tanto a sua falta...
- Sente é? Engraçado, né? Na hora de colocar outro na cama você não sentiu minha falta!
- Por favor, vamos conversar... Eu prometo que eu não vou te encher mais se você aceitar.
Senti vontade de chorar. Eu estava sentindo muito a falta da minha Bitch.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Por favor, eu te peço. Por favor...
- Quando seria?
- Quando você quiser...
- Agora eu vou pra casa, tenho que dormir. Tô muito cansado...
- Eu sei, Caio, mas não precisa ser agora. Eu me contento com qualquer dia da semana. Pode ser quando você quiser...
Fiquei calado por um minuto. Será que eu devia ceder e aceitar aquele convite?
- Caio? – ele me chamou.
- Tô aqui. Tô pensando.
- Por favor, por tudo que há de mais sagrado...
- Nossa, você está decidido, hein?
- Eu sou decidido – ele falou com firmeza. – Me deixa explicar, por favor.
- Espero que eu não me arrependa dessa decisão. Pode ser no sábado à noite?
- Você não vai se arrepender, eu prometo – a voz dele mudou da água pro vinho. De repente ficou extremamente alegre. – Pode ser sim. Que horas e aonde?
- Não vou até sua casa. Quero que seja em um local público.
- Tudo bem. Eu vou até o fim do mundo se preciso for...
- Não precisa ir tão longe por minha causa. Desça até a praia de Ipanema. É o suficiente.
- Como você quiser. Que horas a gente se encontra?
- Umas 20:00. Pode ser?
- Perfeito, amor. Desculpa, Caio... Perfeito...
Amor... Como eu gostava quando ele me chamava daquele jeito...
- Combinado então – eu disse depois de um tempo.
- Obrigado, Caio. Muito obrigado. Você não sabe como eu fiquei feliz agora.
- Queria poder dizer o mesmo.
Ele não soube o que responder.
- A gente se vê no sábado – eu disse.
- Eu... Eu posso te ligar de novo?
- Pra quê? A gente já combinou, não precisa ficar me ligando direto.
- Tudo bem, desculpa – a voz dele ficou triste. – A gente se vê no sábado!
- Até mais.
Ele ficou calado novamente e quando eu ia desligar, ouvi ele falar “tchau”.
O que eu tinha feito? Por que eu tinha aceitado aquele convite? Eu era idiota ou o quê?
Como eu pude ceder depois de tudo o que ele tinha feito? Como eu pude aceitar aquele convite??? E se ele estivesse mentindo? E se ele quisesse pisar em mim mais uma vez?
Meu coração pedia calma, mas minha cabeça estava a mil por hora por causa daquela ligação...
Parecia que quando eu estava conseguindo superar, o sentimento voltava com força total só para me deixar pra baixo novamente...
Mas já estava feito. Eu tinha aceitado e tinha palavra. Já que havia dito sim, o jeito era colocar a cara à tapa e encarar aquele desafio. A única coisa que eu queria saber era o que ia acontecer quando nós ficássemos cara a cara.
Fiquei pensando naquele encontro durante toda a semana e quando o sábado chegou, a minha barriga permaneceu a maior parte do tempo gelada.
- Então estamos acordados? – perguntei.
- Sim, querido. Pode tirar o dia para descansar amanhã – disse Dona Elvira. – Você merece uma folga.
- Muito obrigado, Dona Elvira. A senhora é um anjo.
- Por nada. Aproveite e descanse bastante.
- Irei fazer isso com certeza.
Embora eu já estivesse acostumado a trabalhar direto, praticamente sem folga, meu corpo precisava de um repouso. A cada dia que passava, eu me sentia mais exausto física e psicologicamente.
Quando cheguei na república, dei de cara com o Rodrigo e o Vinícius. Eles eram os únicos ocupantes daquela casa naquele momento.
- Que bom que você chegou – disse Rodrigo. – Vai poder nos ajudar na cozinha!
- Sinto decepcioná-lo, cara. Eu estou tão cansado que eu vou é pra cama...
- Ah, não brinca?
- Não estou brincando, Rodrigo. Não está sendo nada fácil essa rotina de dois empregos. A Dona Elvira até me deu o dia de folga amanhã. Eu preciso dormir.
- Você parece mesmo abatido – Vinícius entrou na conversa. – Exaustão também faz mal à saúde, você precisa mesmo descansar!
- Vai querer almoçar? – meu companheiro de quarto peguntou.
- Quero não. Comi uma besteirinha no mercado que tirou a minha fome. Eu quero é cama.
- Então vai dormir que a gente não vai atrapalhar – Vinícius apertou meu ombro compreensivamente.
- Muito obrigado.
Fui até o quarto, fechei a janela, tirei toda a roupa e me enfiei debaixo do meu edredom. O dia não estava lá muito quente então eu resolvi me cobrir para não passar frio e perder o sono.
Eu suspirei profundamente e me mexi na cama. Meu celular estava tocando incansavelmente e eu coloquei a mão embaixo do travesseiro para ver que horas eram.
- Putz, estou atrasado...
Com certeza o despertador estava tocando há bastante tempo e eu não tinha nem percebido. Meu sono estava tão profundo que eu nem me dei conta do que estava acontecendo a minha volta.
Levantei e me deparei com meu amigão totalmente acordado. O coitadinho precisava se divertir um pouco, mas eu estava sem tempo para brincar. Precisava me arrumar e sair o quanto antes.
Saí enrolado em uma toalha e a minha excitação ficou bem evidente. Quando passei pela cozinha, o Fabrício começou a encher o meu saco:
- De pau duro, Caio? – ele riu.
- Pois é – senti vergonha. – Acontece.
- Vai bater uma né, safadinho? – ele continuou rindo.
- Opa! Quer me ajudar? – brinquei.
- Tô fora – ele riu.
Entrei no banheiro, coloquei a toalha no cabide e caí debaixo do chuveiro. Dei um berro quando a água gelada caiu em cima do meu corpo.
- QUEM FOI O LOUCO QUE COLOCOU NO FRIO? – esbravejei.
- Tá tudo bem aí? – Fabrício continuava rindo.
- QUEM DEIXOU O CHUVEIRO NO FRIO? – eu estava tremendo.
Ele gargalhou.
- Desculpa, esqueci de mudar pro morno...
- Você me paga, filho da mãe...
- Relaxa, pelo menos seu pau vai abaixar...
- Engraçadinho.
Ele ria sem parar. Será que tinha feito de propósito? Demorou um pouco para o meu corpo parar de tremer.

Quando eu cheguei no calçadão o meu celular começou a tocar.
- OI? – atendi rapidamente.
- OI – a voz dele estava normal. – Já chegou?
- Já. E você?
- Também. Onde você está?
- No calçadão e você?
- Sentado na beira do mar.
- Mas em que lugar? Essa praia é enorme.
Ele me detalhou mais ou menos onde estava e eu segui em sua direção. Depois de uns dez minutos eu o avistei. Ele estava olhando pro mar e parecia perdido em pensamentos.
- Bruno?
Ele virou. Quando meus olhos trombaram com aqueles olhos azuis, minhas pernas ficaram bambas e meu coração explodiu de excitação. Como eu amava aqueles olhos lindos...
Ele levantou e foi em minha direção. Nossos olhos não se desgrudaram um segundo sequer.
- Caio...
Não falamos nada por um segundo. Depois ele estendeu a mão e eu fiquei em dúvida se deveria ou não apertá-la. Resolvi ser educado.
Quando minha pele tocou na dele, uma corrente elétrica de 220V percorreu todo o meu corpo e me deixou sem ar. Eu estava sentindo tanta falta de tocar aquela pele...
- Obrigado por ter vindo – ele falou depois de um tempo.
- Espero que eu não me arrependa disso.
- Não irá se arrepender, eu prometo.
Soltamos as mãos e olhamos pro mar ao mesmo tempo. Tanto o Bruno, como eu tínhamos uma conexão com o oceano muito forte.
- Se não estivesse tão tarde eu ia entrar – comentei.
- Eu também.
Ele parecia mais magro. Nós sentamos um ao lado do outro e não nos olhamos por muito tempo.
- O que você quer? – eu perguntei, cerca de meia hora depois.
- A gente precisa conversar.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Ah, por favor, Caio... Você não veio aqui simplesmente pra ficar olhando pro mar, né?
Ele tinha razão. Já que eu estava ali, tinha que aproveitar a oportunidade para colocar os pingos nos is.
Depois de um longo silêncio, ele começou:
- Não sei nem por onde começar.
- Não é melhor poupar esforços? Não tem explicação mesmo...
- Eu preciso me explicar, Caio. Mesmo que você não me entenda, eu preciso colocar tudo pra fora. Você não sabe o quanto eu estou me sentindo péssimo depois de tudo o que aconteceu.
- Péssimo estou eu. Duplamente traído...
- Não sabe o quanto eu lamento que isso tenha acontecido dessa forma...
Lamentar? Não era um pouco tarde para lamentações?
- Acho que é um pouco tarde para arrependimento, Bruno.
- Eu sei. Eu sei que nunca deveria ter te traído, mas acredite: não era a minha intenção.
- Ah, não? Até parece. Ninguém trai sem querer, Bruno. Você é responsável pelos seus atos.
- É verdade. Eu sou responsável pelos meus atos, mas naquele dia eu não estava bem.
- Por favor, não invente desculpas agora.
- Não, não é desculpa. É sério. Eu estou passando por um momento muito difícil com os meus pais.
- Isso não justifica o seu erro.
- Não quero que justifique. Só quero que você tente me entender um pouco.
- Posso até te entender, mas isso não significa que eu vá te perdoar.
Ele ficou calado e depois me olhou. Minha boca ficou seca e eu senti vontade de beijá-lo, mas tive que me segurar.
De repende eu percebi que aqueles olhos azuis que eu tanto amava ficaram mais brilhantes que o normal. Ele estava começando a chorar.
- Eu sou adotado!
Quando aquelas palavras entraram nos meus ouvidos eu não soube o que responder.
- Meu pai jogou na minha cara que eu sou gay porque não sou filho dele de sangue.
As lágrimas dele começaram a cair em abundância e de repente ele começou a soluçar.
Eu não sabia o que fazer, mas fiquei com meu coração partido por vê-lo chorar daquele jeito.
- Calma – tentei fazer alguma coisa, mas ele estava desesperado.
- Sabe o quanto isso me machuca? – ele fungou. – Você entende o quanto isso me dói?
- Eu posso imaginar.
Pausa. Aos poucos ele conseguiu se acalmar e quando não estava mais chorando, ele continuou a falar:
- Eu senti vontade de me matar.
- Não fala uma coisa dessas...
- É verdade. Para você pode parecer exagero de minha parte, mas só eu sei o quanto isso me feriu.
- Uhum.
Eu não estava olhando pro Bruno. Preferi apenas ouví-lo enquanto via as ondas dançarem na beira da praia.
- Você que foi expulso de casa sabe o quanto é doloroso ser humilhado pela sua própria família...
- Se sei – eu nem gostava de lembrar do que tinha acontecido. – Mas o que houve para essa verdade vir a tona?
- Nada de diferente. Eu estava na calçada conversando com meu amigo Vítor quando meu pai chegou e me obrigou a entrar no apartamento...
Só dele falar eu imaginei a cena.
- Ele me espancou e acabou falando a verdade.
- Ele te bateu?
Nesse momento Bitch voltou a chorar e consecultivamente eu também caí nas lágrimas ao lembrar do meu próprio sofrimento.
- Ele nunca tinha levantado a mão pra mim – ele continuou falando. – Foi o pior momento da minha vida...
- Por que não me contou isso antes?
- Porque eu não quis te incomodar com meus problemas... Eu ia te contar tudo no domingo, mas aconteceu o que aconteceu e eu não tive oportunidade...
- Eu lamento muito.
- Eu sei que você me entende porque já passou pela mesma situação.
- Sim. Não gosto nem de lembrar.
- Não é uma dor física. É uma dor que fica na alma. A dor do corpo, os hematomas passam, mas a cicatriz que fica na alma, nunca será apagada...
- Sim – concordei. Era bem isso mesmo que ele estava falando.
- Olha, Caio, eu sei que não justifica os meus atos, mas o que eu estou falando é a mais pura verdade.
- Tudo bem. Eu acredito em você.
Eu acho que ele não ia brincar com um assunto daqueles e pelo jeito que ele estava, eu confiei em cada palavra que ele estava dizendo.
- O Léo apareceu de repente aquele dia – ele continuou.
- Eu não sabia que vocês eram amiguinhos – bufei de raiva.
- E não éramos. Nem somos. Ele é que ficou no meu pé querendo ficar comigo.
- E você cedeu!!!
- Não. Eu juro por Deus que eu não cedi em nenhum momento.
- Ah, não cedeu mesmo. Eu não vi vocês dois se beijando em cima da sua cama. Foi ilusão da minha cabeça.
Ele ficou calado.
- Tudo aconteceu de repente, Caio. Nosso namoro, a descoberta da minha adoção...
- E o que isso justifica sua traição? Em nada.
- Já disse que eu não quero me justificar – ele tremia e não parava de chorar. – O que eu fiz não tem justificativa nem explicação.
- Ainda bem que você sabe.
- Quando eu descobri que sou adotado, eu saí de casa e fui pra um baile funk na favela e lá eu comecei a beber feito louco...
Eu sempre odiei funk e só de pensar naqueles bailes nojentos, senti repugnância.
- Lá eu conheci uns caras e eles me deram um cigarro de maconha...
- O QUÊ? – eu gritei espantado.
- Foi a primeira e a única vez que eu experimentei, eu juro – ele se desesperou de novo. – Eu juro que não usei mais, Caio...
- Você é louco!!!
- Por favor, não me julga... Não me julga... Você não imagina qual era o tamanho do meu desespero... Eu não sabia o que fazer, eu estava à beira de um colapso nervoso...
- E por isso você se drogou? Você é muito inconsequente!
Depois que eu falei aquilo, ele só chorou e ficou um bom tempo calado.
- Não está sendo fácil, sabe?
- Eu imagino que não esteja sendo fácil mesmo, mas seus atos me dão arrepios, Bruno!
- Eu me arrependi tanto... Depois que percebi o que tinha acontecido, eu saí daquele lugar e vim até aqui. Acabei dormindo na areia e acordei com o Léo me cutucando.
Parecia coisa de novela. Naquele momento eu comecei a desconfiar da verdade.
- Acredita em mim, é tudo verdade – ele estava com a voz trêmula de tanto nervosismo. – Eu não estou mentindo...
- Não disse que você está mentindo!
- Eu não me lembro direito o que aconteceu, mas só sei que eu acordei na minha cama com ele do meu lado...
- Aham.
- Juro! Minha cabeça estava rodando muito e eu estava me sentindo enjoado... Ele se aproveitou de mim, Caio. Ele sempre quis ficar comigo, sempre. Eu não te falei nada antes porque eu sabia que você estava a fim de mim e eu queria te conquistar... Mas eu me arrependo tanto...
- Se arrependeu tarde demais.
- Eu sei que eu não posso voltar atrás nos meus erros, mas tudo o que eu estou dizendo é a mais pura verdade.
- Uhum.
- Não acredita em mim?
Eu estava confuso.
- Acredito – soltei.
- Por favor, Caio... Tenta me entender...
- Eu posso te entender, mas não vou perdoar o que aconteceu.
- Mas a culpa não foi minha!!! – ele deu um soco na areia e se desesperou.
- A culpa é sua sim. Você foi um idiota por ter feito o que fez. Por mais que tenha doído saber da verdade, você nunca deveria ter se drogado.
- Mas foi só uma vez... Uma vez!
- Mas foi suficiente para acabar com o nosso namoro.
- Acabar com a minha vida, isso sim – ele estava arrasado.
- Agora é tarde para arrependimentos. O que está feito, está feito.
- Não posso apagar o passado, mas posso construir um novo futuro. Me perdoa, Caio?
- Não – respondi na lata.
- Por favor, me entende... Eu não fiz por mal...
- Mas acabou com a sua vida como você mesmo disse. Tudo por um ato impensado.
- Todos nós estamos sujeitos a erros, Caio.
- Sim, eu sei disso, mas nem por isso eu vou ser complacente com seus erros.
- Pelo amor de Deus, me desculpa. Eu não queria ficar com ele, eu não queria!!!
- Já disse que não vou te desculpar.
Ele chorou e chorou muito. Eu olhei no meu celular e já estava ficando bem tarde.
- Eu preciso ir embora...
- Não... Por favor, fica mais um pouco... Me deixa terminar...
- Ainda tem mais?
- Sim...
- O que pode ser pior que isso?
- Eu só quero te pedir perdão...
- Nem insiste – eu estava decidido, embora meu coração estivesse sangrando com o sofrimento dele.
- Por favor? – ele pediu.
Eu fiquei olhando o mar e ouvindo o barulho das ondas. O tempo estava esfriando.
Ele parou de chorar de repente. Talvez não estivesse tão desesperado como eu imaginava.
- Me perdoa?
- Nâo.
- Por favor, Caio...
- O que você fez é imperdoável!
Mas aos poucos eu comecei a ficar com o coração mole e comecei a repensar no assunto. Será que eu devia perdoá-lo?
- Por favor, me perdoa – parecia que ele ia chorar novamente.
Eu estava em dúvida. Não sabia se podia confiar no que ele estava me falando.
- Pelo amor de Deus, me perdoa... Eu estou muito arrependido...
- Eu preciso de um tempo – cedi.
- Eu te dou todo o tempo do mundo se preciso for, mas eu preciso que você me perdoe...
- Mas se eu te perdoar, eu não vou voltar com você.
- Não? – a voz dele saiu em um sussurro.
- Não. Eu posso até te desculpar e tentar esquecer o que aconteceu, mas não volto com você.
Foi só eu dizer isso e as lágrimas dele voltaram a cair. Eu também estava com vontade de chorar vendo a dor do meu ex-namorado.
Apesar de tudo o que ele tinha feito, eu ainda gostava muito dele. Embora ele tivesse sido extremamente inconsequente, o amor que eu sentia ainda estava guardado dentro do meu peito.
- É hora de parar de chorar, né? – falei baixinho.
- Não consigo – ele secou as lágrimas. – É uma dor muito grande saber que a minha família não é minha família de verdade e o pior de tudo é saber que eu não tenho o amor da minha vida ao meu lado para me ajudar a superar tudo isso.
- Quem vê pensa que você me ama tanto assim.
- Talvez não pareça, mas eu te amo muito. Você pode duvidar do que você quiser, mas não duvide do que eu sinto por você!
- Que belo sentimento esse, né? Bastou outro deitar na cama e você caiu nos braços dele.
- EU NÃO QUERIA – ele gritou.
- MAS VOCÊ FEZ! VOCÊ FEZ E NÃO TEM COMO NEGAR.
Silêncio. Nós nos fitamos e parecia que estava saindo faísca de nossos olhos.
- Eu te amo – ele sussurrou. – Me perdoa?

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