domingo, 8 de março de 2015

Capítulo 16


A
 ligação ficou muda. Só o que eu ouvia era a respiração do meu novo namorado e nada mais.
- Pô... – Murilo suspirou. – Até que enfim você aceitou...


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- É...
Eu fiquei meio que sem saber o que falar. Obviamente que a conversa com o Bruno influenciou e muito na aceitação desse pedido.
- Agora eu to feliz, moleque – ele deu uma risadinha. – É “nóis”.
- Quando a gente pode se ver?
- O dia que tu quiser, “mermão”.
- Pode ser amanhã? – eu precisava de alguém comigo.
- Lógico. Que horas?
- Pela manhã... Eu vou pra academia e a gente se encontra depois? O que acha?
- Demorou! Mas onde você treina?
- Eu treino na Barra da Tijuca. Você pode ir ao shopping que eu trabalho? Aí a gente pode almoçar juntos.
- Demorou então. Que horas?
- Eu entro no trampo às 13 horas. Me encontra umas 11:30. Pode ser?
- Pode. Você trampa no Barra Shopping?
- Uhum.
- Então eu te encontro lá, moleque. Demorou!
- Combinado então – eu suspirei e fechei meus olhos.
- É “nóis”. Até amanhã então.
- Até amanhã.
Eu nem esperei mais nada e desliguei. Voltei a abrir meus olhos, olhei novamente pela janela e notei que já estava chegando no meu bairro.
- Onde eu te deixo? – perguntou o taxista.
Informei o nome da rua e depois de 3 ou 4 minutos eu já estava em frente à minha casa.
- R$ 20,00, não é isso? – olhei pro moço.
- É isso.
Tirei duas notas de 10 da minha carteira e peguei a corrida.
- Muito obrigado – suspirei.
- Eu é que agradeço. Fica com meu cartão; sempre que precisar é só ligar.
- Valeu. Boa noite.
- Boa noite.
Desci e abri a porta de casa o mais rápido possível. Subi as escadas de dois em dois degraus e saí praticamente correndo até a minha cama.
- O que deu nele? – ouvi a voz do Maicon.
- Sei lá – o Éverton respondeu.
Todos os três estavam deitados. A televisão estava ligada e os rapazes acordados.
Não falei com ninguém. Apenas peguei uma roupa limpa, uma toalha e fui direto pro banheiro. Em pouco tempo o Rodrigo entrou e falou:
- Não vai falar comigo mesmo?
- Oi, Digow – a minha voz saiu trêmula.
- Está tudo bem?
- Mais ou menos – eu já estava embaixo do chuveiro, por isso ele não foi até onde eu estava.
- Aconteceu alguma coisa?
- Depois a gente conversa, tá bom?
- Mas os meninos estão aí...
- Sim, eu sei. Outro dia eu te conto o que aconteceu.
- Mas eu vou ficar preocupado, Caio!
- Não se preocupe. Eu ficarei bem.
- Bom... Se precisar de mim sabe onde me encontrar.
- Obrigado – sequei uma lágrima.
Rodrigo saiu do banheiro e eu continuei dentro do box. Eu parecia uma pessoa acefálica. Estava inerte, sem reação... Não sabia o que fazer, como reagir.
Pensar no Bruno me deixava cansado. Parecia até que todas as minhas forças estavam sendo sugadas. A vontade que eu tinha era de deitar num canto pra nunca mais levantar.
Alguém entrou no banheiro, mas eu nem me preocupei em saber quem era. Continuei debaixo da água e continuei pensando no meu ex-namorado.
O choro era inevitável, mas eu não estava desesperado. Era um choro calmo, silencioso e consecultivamente ninguém sabia que eu estava chorando.
Nem sei quanto tempo fiquei debaixo d’água, só desliguei a ducha quando os meus dedos ficaram extremamente enrugados.
Me sequei, me vesti, levei a roupa suja pra máquina e só depois eu fui me deitar. Os caras ainda estavam assistindo um jogo na televisão.
- Caio? – Fabrício estava me olhando. – Está tudo bem?
- Uhum – eu assenti.
- Tem certeza?
- Absoluta – eu suspirei e deitei. Fiquei olhando pra parede e pensando em tudo o que o falecido tinha falado.
Todos respeitaram o meu silêncio. Bastou eu deitar para eles abaixarem a televisão, mas eu não estava me importando com o barulho.
Aquela história que o Bruno tinha contado estava presa no meio da minha garganta. Por mais que eu tentasse engolir o que ele me disse, aquela história para mim era indigerível. Eu não acreditei em nada, nada do que ele me contou.
Onde estava a vontade dele? Sair do país porque o irmão obrigou? Isso pra mim não colava. Tudo bem que ele era um adolescente, ele tinha só 16 anos, mas mesmo assim isso não me fazia crer no que ele tinha contado.
Em pleno século XXI ninguém é obrigado a fazer o que não quer. Onde estava o livre arbítrio do Bruno? Onde estava a voz, a força dele?
E eu? Eu tive livre arbítrio? Eu pude ficar em casa quando meu pai me expulsou? Não! Eu estava sendo injusto e não estava enxergando as coisas com clareza. É claro que o Bruno não estava mentindo! Ele estava falando a verdade!!!
Ele estava mentindo sim, MENTINDO! Não dava pra acreditar numa estória da carochinha como aquela. Simplesmente não dava!
Que espécie de irmão era aquele que fez as malas e simplesmente o obrigou a sair do país? Isso pra mim era mentira. Só podia ser mentira.
Se bem que o meu próprio pai me obrigou a sair de casa. Em outras condições, é verdade, mas ele me obrigou.
Viu só? Finalmente um raciocínio lógico!
Entretanto, o meu caso foi diferente. Eu não tive escolha, eu fui espancado, humilhado e simplesmente despejado da minha casa.
Com o Bruno não foi assim. Em nenhum momento ele foi expulso. Em nenhum momento o irmão mais velho dele começou a espancá-lo a ponto de deixá-lo caído no chão. Em nenhum momento ele foi colocado à força pra fora de casa e em nenhum momento o portão foi fechado pra ele a ponto de nunca mais ser aberto. Ou foi?
Será que o mesmo que aconteceu comigo também aconteceu com ele? O Bruno chegou a dizer que o irmão bateu nele, mas será que bateu tanto quanto meu pai bateu em mim?
Acreditava eu que não. talvez com o Bruno tivesse sido diferente. Tinha que ser diferente. Era impossível que a nossa história fosse tão similar assim.
Eu não sabia o que era verdade e o que era mentira. Não sabia sequer se existia verdade ou se existia mentira. Eu sempre fui uma pessoa que nunca gostou de julgar os outros, mas nesse momento eu julguei o Bruno. Julguei até demais se eu parar pra pensar.
E se tudo isso que ele contou fosse verdade? E se ele tivesse mesmo sido obrigado a sair do país???
Mas se isso aconteceu, por que ele não tentou outra alternativa? Por que não buscou outra solução? Ele poderia ter me pedido ajuda, ter me pedido socorro!!!
Na época nós dois trabalhávamos. Era certo que não ganhávamos uma fortuna em dinheiro, mas se juntássemos os nossos salários, conseguiríamos viver juntos!!!
Ou eu estaria enganado? Será que a gente ia conseguir sobreviver à base de dois salários mínimos, que na época – e até hoje – não passava de uma mixaria???
Essa é uma incógnita que nunca vai sair da minha cabeça. Talvez sim, talvez não, mas era fato que nós poderíamos ter tentado.
E tem mais: se ele não quisesse mesmo sair do país, ele poderia ter me pedido ajuda e eu poderia ter verificado a possibilidade dele morar na minha república.
Tudo bem que na época não tinha vaga, mas eu tinha certeza que os meus amigos iam dar um jeito de ajudá-lo! Ele não ia ficar na rua da margura, ele não ia morar debaixo da ponte porque EU ia ajudá-lo, EU ia estender a minha mão, EU ia oferecer a minha ajuda!
Comigo não foi assim. Eu não tive mesmo alternativa e se não fosse pela ajuda do Víctor, eu teria ido morar na rua, teria passado mais fome do que eu passei e quiçá não teria nem sobrevivido.
Numa hora dessas a gente tem que pensar em tudo. Tudo mesmo. E o Bruno não pensou. Ele não teve coragem, nem capacidade de pensar em uma solução, uma alternativa para sair daquela enrascada.
Se o Bruno tivesse pensado um pouquinho, um pouquinho só e se principalmente ele tivesse falado comigo, nós dois teríamos encontrado uma solução para o problema que ele estava passando, se é que existia um problema.
Vai ver até existisse esse problema, mas o que me deixava inconformado era o fato dele não ter me comunicado nada. Uma conversa franca e sincera muito provavelmente teria resolvido tudo e eu não teria sofrido do jeito que sofri.
Pelo jeito ele também estava sofrendo, mas não era nada comparado ao que eu senti durante todo aquele tempo. No meu ponto de vista, comparar o sofrimento do Bruno com o meu sofrimento era injusto.
Injusto porque no meu ponto de vista, o meu sofrimento tinha sido muito maior que o sofrimento dele. Na verdade, eu nem sequer acreditava que o Bruno tinha sofrido.
Ainda bem que eu não estava emitindo tantos ruídos com o meu choro. A única coisa que me denunciava era o meu nariz entupido.
- Vini? – a voz do Fabrício soou no ar.
Vinícius não respondeu.
- Digão? – Fabrício chamou pelo Rodrigo.
- Hein?
- Posso desligar a televisão?
- Pode, pode sim. Já estou cochilando aqui.
- Beleza então.
Nesse momento eu não vi mais nada. Mesmo com a jenala aberta o quarto ficou praticamente sem iluminação, mas eu não me importei com nada.
Pra que claridade se eu estava mergulhado em um poço de escuridão? Eu não queria saber de nada, só tinha cabeça pra pensar em tudo o que tinha acontecido entre o falecido e eu.
Fechei meus olhos e tentei adormecer, mas foi em vão. O meu corpo estava muito ligado, muito carregado de adrenalina e eu não ia conseguir pregar o olho durante toda a madrugada. Pelo menos era isso que eu achava.
De repente eu senti um peso no meu colchão e me assustei quando alguém me abraçou por trás. Não sei como o Rodrigo foi capaz de descer da cama sem emitir nenhum barulho.
- O que foi, Cacs? – ele sussurrou na minha orelha.
- Nada – falei baixinho.
Ele só podia ser louco, biruta, lesado das ideias. Mal o Fabrício desligou a tevê e ele já foi pra minha cama? Eu tinha certeza que o meu colega ainda não estava dormindo.
Rodrigo prensou o corpo dele contra o meu e isso me deixou extremamente aconchegado. Era muito bom saber que eu podia contar com o Rodrigo nas horas boas e ruins. Isso me deixou muito feliz.
Meu melhor amigo deu um jeito de fazer cafuné na minha cabeça e isso acabou me deixando com sono. Sentir o calor do corpo dele no meu também fez com que eu me acalmasse. E assim, muito lentamente, acabei adormecendo.

Quando acordei na manhã seguinte Rodrigo não estava mais ao meu lado. É claro que isso não podia acontecer, porque os outros republicanos estavam no quarto.
Virei pra um lado, virei pro outro e não consegui mais pegar no sono. Olhei no celular e vi que tinha uma mensagem não lida. Era do Murilo:
“Fiquei muito feliz com a sua resposta. Mal vejo a hora de te encontrar. Beijo.”
Não tive tempo de pensar no Murilo. Eu aceitei sim o pedido de namoro dele, mas se fosse em outras circunstâncias acredito que eu não teria aceitado.
Não respondi ao SMS; ao invés disso fui ao banheiro, me troquei e em seguida saí para a academia. Fiz tudo isso e nenhum dos marmanjões acordou.
Cheguei na academia por volta das 8 da manhã. Fui pro vestiário, coloquei a regata e a bermuda e depois já fui logo pro alongamento.
- Chegando cada vez mais cedo – Felipe tocou no meu ombro. – Assim que eu gosto!
- Pois é – me limitei a falar isso.
- Hoje você vai focar nas pernas, OK?
- Tudo bem.
É claro que eu focava em todas as partes do meu corpo e gostei da divisão do treino que o Felipe fez.
Cada dia eu fazia uma coisa. Um dia braços, outro dia pernas, outro dia abdômen e assim sucessivamente.
- Você está legal, Caio? – Felipe me olhou com curiosidade.
- Estou. Por quê?!
- Porque você parece um pouco aéreo hoje...
- Impressão sua. Por onde eu tenho que começar?
- Pela bike. Meia hora.
- Pensei que eu só ia pra musculação hoje.
- E você vai. A bike vai ficar com o peso alto nos pedais.
- Ai Jesus... Vai começar me matando assim?
- Força na peruca e arrepia nesses exercícios. O verão está chegando!!!
Eu preferi não gastar o meu vocabulário com aquela frase do Felipe. Nós estávamos em julho, pro verão ainda faltava mais de 5 meses. Ele era louco?
Loucuras e bobagens à parte, eu foquei no treino com toda a força que tive pra ver se não pensava mais no Bruno, mas isso foi praticamente impossível.
Até quando eu fazia força pra empurrar qualquer equipamento que fosse, a imagem do rosto dele invadia a minha mente e me deixava irritado.
- ARGH – eu terminei a 3ª série de 20 repetições e deixei o peso cair totalmente. Eu já estava treinando com mais de 10 barrinhas nos equipamentos – isso nas pernas –.
- Que agressividade é essa? – Felipe me encarou.
- É raiva. Satisfeito?
Levantei e fui respirar ar puro na janela. Fiquei de olho no trânsito e o rosto dele ainda estava nos meus pensamentos.
- O que eu faço pra me livrar de você? – suspirei e fechei os olhos.
- Ah, o senhor está aí – ouvi a voz do Rodrigo atrás de mim. – Por que não me esperou, hein? Quando eu acordei você não estava mais em casa!
- Eu acordei cedo demais. Não consegui dormir direito – me virei e expliquei. – E eu vou precisar sair mais cedo porque tenho compromisso.
- Que compromisso? – ele me fitou com os braços cruzados.
- Um almoço. Depois eu te explico. Eu tenho que conversar com você.
- Converse agora. Eu fiquei muito preocupado contigo ontem à noite. Por que estava chorando?
- Porque eu fui conversar com o Bruno – suspirei.
- O QUÊ?! VOCÊ É BURRO?
- Calma... Não grita, olha onde a gente está!
- Que história é essa de ter ido conversar com ele, Caio? Você bebeu?
- Acho que sim, viu? O pior não foi conversar com ele, Digow... O pior foi ouvir as mentiras deslavadas que ele me contou.
- Ele te maltratou? Ele te ofendeu? Se ele fez isso você me fala que eu vou quebrar o focinho daquele veado!
Fiquei surpreso com ele falando “veado”, ao invés de “viado”.
- Não ele não me maltratou, nem me ofendeu. Eu é que fiz isso com ele.
- E fez muito bem-feito, mas o que ele te disse?
- Eu vou te contar porque o assunto é rápido, não vai levar muito tempo e não sei se a gente vai ter tempo de se falar hoje à noite.
- Por que? Vai sair?
- Não. Os caras é que provavelmente devem ficar em casa.
- Ah, verdade. Me fala aí, o que houve?
- Então – eu voltei a suspirar. – Ele simplesmente me falou que foi embora obrigado. Que em um belo dia ensolarado e com cântico de passarinhos ele chegou em casa e as malas estavam prontas pra ele ir embora do país.
- Ah, fala sério?
- É sério! Juro por Deus. Daí disse que não queria ter ido, mas que o irmão dele obrigou.
- O irmão? O irmão dele? E os pais desse moleque não têm voz ativa dentro de casa?
- Ele não tem mais pais. Lembra que eu disse que ele descobriu que é adotado? Que na verdade os pais dele não passam do irmão mais velho e da cunhada?
- E você caiu nessa ladainha, Caio? Isso é mentira, meu!
- Não – balancei a cabeça negativamente. – Isso é verdade. Eu já confirmei com o primo dele.
- Que primo? – Rodrigo ficava cada vez mais confuso. – E desde quando você tem amizades com o primo do Bruno?
- Pois é... Isso foi um acaso. O primo dele é o Murilo. Você não lembra que eu te contei isso?
- Ah, é verdade!
- Caraca, mano... Ultimamente você está muito desligado, hein?
- É que trata-se dele, né Caio? Eu não gosto desse idiota, por isso que não fico guardando as coisas que você fala dele.
- Ah... Entendi. Foi isso aí que aconteceu. É por isso que eu to assim meio desolado.
- Mas relaxa, brother! Se isso daí é mentira você tem mais é que dar a volta por cima. Tem que esquecer esse garoto pra sempre.
- É isso que eu to tentando e foi por isso que eu fui falar com ele. Por que assim, ele me prometeu que ia parar de me procurar se eu falasse com ele.
- E você acreditou? Ai Caio, como você é ingênuo, cara!
- Pelo menos até agora está dando resultado. Até esse momento ele não me mandou mais mensagens e nem me ligou.
- Esperemos que dê resultado, não é?
- Vai dar resultado, nem que pra isso eu tenha que trocar o meu celular de novo.
- Não vai mais fazer isso, pelo amor de Deus! A gente não aguenta mais mudar o número do seu celular. Fala sério!
- Enfim...
- As dondocas vão ficar conversando aí até quando? – Felipe se aproximou da gente,
- Já estou indo – falei.
- Eu também.
- Vou ficar de olho, hein? Já faz uns 20 minutos que vocês estão aí parados.
- Não exagera, Lipe – eu reclamei.
Não fazia nem 10 minutos que Rodrigo e eu estávamos conversando, que dirá 20.
- Eu to de olho!
Quando o personal dispersou, Rodrigo me fitou e disse:
- E com quem você vai almoçar? Fiquei curioso.
- Com meu novo namorado – suspirei.
- COMO É QUE É? – o menino ficou extremamente vermelho.
- Cala a boca – eu sibilei com os dentes apertados. – Aprenda a ser discreto, pelo amor de Deus!
- Que história é essa de “novo namorado”? Me explica essa porcaria agora!
Meu melhor amigo parecia irritado com essa notícia. Adorei fazê-lo provar da sensação que eu tive quando ele disse que estava com a Marcela.
- É ué... Meu novo namorado! Eu voltei a namorar. Algum probhlema nisso? Qual o problema?
- O problema é que eu não gostei! Não gostei! Como você começa a namorar e não me fala nada? Que história é essa? Quem é o infeliz?
Abri um sorriso. Era muito bom saber que ele sentia a mesma coisa que eu sentia por ele naquela ocasião.
- Ele não é um infeliz – eu ri. – E é o Murilo.
Rodrigo arregalou os olhos de uma forma engraçada e isso me fez dar muita risada.
- Você tá pegando o primo do seu ex? É isso que eu entendi?
- Isso mesmo! Correto.
- Você só pode estar doido. Só pode estar doido... – o menino balançou a cabeça negativamente.
- Ah, eu acho que essa vai ser uma forma de esquecer do Bruno, Digow!
- Ai Deus... Como esse menino é ingênuo!
- Por que diz isso?
- Porque você está namorando o PRIMO do Bruno. Logo, A MESMA FAMÍLIA. Como você vai esquecer desse jeito? Você anda bebendo?
- Vamnos voltar a treinar? – tentei desviar o assunto porque pelo jeito ele estava nervoso.
- Eu nem comecei... E não estou com coragem...
- Mas vai. Tem que ficar gostosinho pra Marcela e pra mim também – abri um sorriso malicioso e ele ficou extremamente vermelho.
- Idiota! Você me paga, hein?
- Com jurus e correção monetária – brinquei.
- Volta aqui, Caio Monteiro!
- Que foi? – me virei para encará-lo.
- Não gostei dessa história de você estar namorando. Tem que perguntar primeiro pra mim se pode!
- Ah, tá! Só porquê você quer, né? Você perguntou pra mim se podia namorar aquele palmito com cheiro de bacalhau? Não? Não, né? Então os direitos são iguais, IRMÃOZINHO!
Cheguei no shopping exatamente às 11:30 e já fui logo me trocando pra não ter que correr no futuro. Depois de arrumado, dei um pulo na loja pra guardar as minhas coisas e fui bombardeado de perguntas por todos os lados:
- Entrou mais cedo, Caio? – perguntou um cara da linha branca.
- Não. Eu só vou guardar as minhas coisas.
- O que você está fazendo aqui? – indagou Janaína. – Não me diga que veio fazer extra?
- Não. Só vou guardar as minhas coisas no armário.
- Ah... E por que está de uniforme então?
- Porque eu não quero me trocar depois. Vou almoçar com...
- Com?
Eu não sabia se contava ou não que estava namorando com o Murilo. Dei de ombros, ela ia saber mais cedo ou mais tarde.
- Com meu namorado.
- Que babado fortíssimo é esse, Caio Monteiro?
- Depois eu te conto, Jana. A Duda já está me olhando.
- Quero saber tintim por tintim, viu?
- Eu te conto!
- O que faz aqui, hein? – Eduarda se aproximou e me deu dois beijinhos.
- Calma. Eu não bati o crachá.
- Não falei nada, falei?
- Já ouviu dizer que os olhos falam mais que a boca? Eu só vou guardar a minha mochila no vestiário.
- Ah, sim. Entendi. Então vai ué...
- Já vou. Depois eu te conto, Jana.
- Combinadíssimo.
Me dirigi ao vestiário, abri o meu armário, guardei as minhas coisas e depois fui me olhar no espelho. Estava na hora de fazer a sobrancelha e cortar os cabelos.
Na saída foi a vez da Alexia me abordar. Eu me surpreendi com o visual da menina: ela tinha cortado e pintado os cabelos. Ela deixou as madeixas na cor de petróleo e ficou ainda mais linda do que já era.
- Uau – eu assoviei. – Que gata!
- Gostou?
- Amei... Ficou muito linda!
- Obrigada!!! O que está fazendo aqui?
Ainda estava olhando pro chanel da minha amiga.
- Hã... Eu só vim guardar as minhas coisas, já estou de saída.
- Ah, entendi. Ei, ficou sabendo que o Gabo voltou?
- Não! Que história é essa?
- Voltou... Foi a Duda que pediu a volta dele porque ela está muito desfalcada.
- Sério? Voltou sozinho?
- Sim. As meninas permanecem nas respectivas lojas.
- E será que elas já ganharam os bebês?
- Que nada, ainda falta um tempinho. Na verdade eu nem sei com quanto tempo de gravidez elas estão.
- Eu também não. Ai deixa eu ir que a Duda continua olhando pra mim.
- Vai lá. A gente se fala mais tarde.
- Beleza. Você ficou linda!
- Obrigada.
Andei pelo shopping e procurei uma mesa vazia na praça de alimentação. Quando encontrei, sentei e fiquei esperando o Murilo. Ele já estava um pouco atrasado.
- Alô? – atendi. Era ele.
- Oi, Caio! Onde você está?
- Na praça e você? Está atrasado!
- Eu sei, me desculpa... Foi o busão que demorou.
- Relaxa. Vem pra cá, eu to perto do Mc.
- Hum, já te achei. Gatinho com esse uniforme, hein?
Fiquei vermelho e ouvi uma risada.
- Já estou chegando, espera aí.
- OK.
Em menos de um minuto eu o vi pessoalmente. Ele estava bem arrumadinho, mas não me dispertou muito entusiasmo.
- Oi – eu falei.
- Oi – meu namorado estendeu a mão e eu a apertei. – Como vai?
- Vou bem e você?
- Bem melhor agora. Cada dia mais gostoso, né?
Fiquei muito constrangido.
- Para, meu... – falei.
- Só estou falando a verdade. Há quanto tempo você treina?
- Já faz mais de um ano, eu acho – informei.
- Da hora. Ei onde a gente vai almoçar?
- Bom, eu não posso comer besteira. Tenho que seguir a minha dieta da academia, portanto eu vou comer comida mesmo e tem que ser bem rápido porque daqui a pouco vou entrar na loja.
- Eu sei. Que droga, eu odeio esperar ônibus. Me perdoa pelo atraso?
- Claro. Não tem problema.
Acabou que eu comi no mesmo lugar de sempre, Pedi um prato de salada porque não estava com muita fome e logo mais eu ia ter meu horário de almoço, então eu só quis enganar o estômago mesmo. Porém o Murilo pediu um lanche do Mc Donald’s que me deixou com água na boca.
- Qual que é esse, hein? – estiquei o olho pro sanduíche.
- É o Big Tasty. Você curte?
- Ai... – gemi. – É um dos meus favoritos...
- Quer um pedacinho? – ele ofereceu o lanche.
- Não – engoli em seco. – Não posso! Não posso perder um ano de treino duro...
- Só uma mordidinha, pô. Não vai tirar pedaço nem te causar problema.
- Não. Melhor não. Come em paz que eu fico com a minha saladinha.
- Odeio mato. Não sei como você consegue comer isso daí.
- A gente acostuma. Eu também odiava, hoje em dia não sei viver sem.
- Saquei.
Murilo e eu almoçamos tranquilamente. Enquanto comíamos, eu fiquei olhando pra ele pra tentar achar qualquer semelhança com o Bruno, mas não encontrei nada.
É claro que eu não ia encontrar. Eles não tinham a menor ligação! O Murilo era filho da irmã da cunhada do Bruno, então eles não tinham nenhuma ligação sanguínea. Isso extinguia qualquer semelhança física que eu pudesse encontrar.
- O que tanto olha, hein? – ele me encarou.
- Nada – fiquei sem graça. – Só te admirando. Não posso?
- Pode. Eu também estava fazendo isso. Você é muito lindo!
- Bobo. Você que é – suspirei.
- Ainda estou muito surpreso por você ter aceito o meu pedido.
- Por que? Pensou que eu não ia aceitar?
- Pensei!
- Eu adoro surpreender as pessoas – falei.
- E eu adoro ser surpreendido.
Foi bom saber dessa informação. Pelo menos eu já sabia que ele gostava de surpresas e poderia preparar uma no aniversário do garoto, por exemplo.
- O papo está ótimo, mas eu tenho que ir trabalhar.
- Já? – Murilo se espantou.
- Viu que horas são? 12:40. Eu entro na loja às 13 horas, só tenho 20 minutos...
- E a gente não vai nem ficar?
- Aonde? Estamos em um lugar público, meu filho. Você tem coragem de beijar em um lugar público? Porque eu não tenho!
- Não... Mas você não conhece nenhum lugar escondido no shopping que dê pra gente aproveitar?
- Não, criatura! E onde teria um lugar escondido em um shopping center?
- Ah, eu sei lá! É você que trampa aqui e não eu.
Fiquei pensando até lembrar da escada de saída de emergência. Eu já tinha ficado com o Carlos lá algumas vezes.
- Opa... Tem um lugar.
- Sério? Onde?
- As escadas de emergência. Topa?
- Demorou! Onde fica?
- Vem comigo, mas me segue de longe pros seguranças não desconfiarem.
Aprendi isso com o Carlos Henrique. A gente sempre fazia isso quando tinha oportunidade. Levantei e levei a bandeja pra onde tinha que levar. Eu andei por entre as mesas da praça de alimentação e apertei o passo quando entrei no corredor das lojas, uma vez que eu já estava atrasado.
Avistei a escada e olhei pra todos os lados pra ver se não tinha nenhum segurança. A barra estava limpa. Forcei a portinha e entrei nas escadas. O Murilo apareceu logo em seguida.
- Safadinho – ele colocou as duas mãos na minha cintura. – Como você achou isso daqui, hein?
- É segredo – eu olhei nos olhos dele e fiquei esperando alguma reação.
O que não demorou a acontecer. Nós nos beijamos e foi um beijo muito carinhoso. Eu fiquei até admirado com o carinho que o Murilo teve comigo naquele momento.
Infelizmente eu não pude aproveitar como queria. Já estava mesmo atrasado e não podia entrar na loja com nenhum minuto de atraso. Eu não queria causar problemas com meus chefes.
- Eu preciso ir – falei depois que ele afastou o rosto de mim.
- Tem mesmo que ir?
- Uhum. Só faltam 5 minutos.
- Que droga! Quando a gente se vê de novo?
- No domingo, conforme combinado.
- Que horas?
- No mesmo horário do domingo passado!
- Beleza. A gente vai se falando durante a semana, né?
- Sim, sim. Com certeza. Então eu já vou.
- Antes eu quero só mais um beijo.
Suspirei e atendi o pedido. Foi outro beijo carinhoso.
- Boa tarde – falei.
- Boa tarde, garoto. Fica bem!
- Você também.
Não falei mais nada e saí. A barra continuava limpa. Eu tive que acelerar os passos e mesmo assim cheguei com 1 minuto de atraso.
- Agora me conta que história é essa de namoro? – perguntou Janaína.
- Você não deveria estar almoçando?
- Pois é eu deveria, mas por sua causa eu troquei o meu horário de almoço. Eu preciso saber dessa história! Quem é o bofe?
- Ai meu Deus... Eu não acredito que você trocou o horário de almoço só pra saber quem é meu namorado!
- Troquei, querido! Você acha mesmo que eu ia ficar esperando até sabe-se lá que horário? Conta tudo!
- Ele se chama Murilo, tem 16 aninhos e é bem bonitinho.
- Misericórdia! Isso é pedofilia e você pode ir preso, sabia?
- Por mim – dei de ombros. – Sei que ele não vai me denunciar mesmo. E eu adoro novinhos!
Jana caiu na gargalhada.
- Papa anjo!
- Nem me importo.
- Como conheceu o gatinho?
- Conheci em um dia que fui na casa do Vítor, melhor amigo do Bruno. Ele estava jogando bola com os amigos. Depois eu reencontrei com ele na praia e a gente fez amizade.
- Se você encontrou com ele na casa do melhor amigo do Bruno isso significa que ele mora na região?
- Sim. Ele é, ou melhor, era vizinho do Bruno. E eles são primos.
- OOOOOI?! – Janaína esbugalhou os olhos.
- São primos! Quer dizer, não são primos de sangue, mas eram considerados primos.
- To preta esturricada na chapinha! Que babado é esse pelo amor de Deus? Isso é mais interessante que as novelas da Glória Perez!
- O Bruno e o Murilo são e não são primos. É uma história muito longa, que eu vou precisar de tempo pra te contar. Vai almoçar que eu tenho que trabalhar.
- Imagina que eu vou ficar curiosa do jeito que estou. Pode abrir o bico, papagaio de dois metros!
Suspirei e contei tudo pra Jana e conforme eu ia falando, ela ia ficando cada vez mais chocada.
- Agora eu não to nem preta mais... Eu virei azul que nem o cabelo da Marge Simpson! Que babado!
- Pois é. Essa é a minha vida.
- Querido, eu pensei que a minha vida era complicada, mas a sua dá uma novela das 20 da Globo!
NO DOMINGO...
Murilo e eu combinamos de nos encontrar em um barzinho próximo da casa dele. Eu optei por não pisar naquela rua para evitar possíveis transtornos com o Bruno.
- Oi – ele apareceu. – Como você está lindo!
- Obrigado – suspirei. – Você também está.
- E aí, quais as novidades?
- Nenhuma! Tudo o que aconteceu eu já te contei por telefone. E você?
- Acho que vou ganhar um irmãozinho. Ainda não tenho certeza.
- Sério? – eu fiquei contente. – Nossa, que legal! Meus parabéns!
- A minha mãe ainda não tem certeza. Talvez seja menopausa ou qualquer outra coisa do tipo.
- Menopausa? Sua mãe é tão jovem...
- Ah, sei lá. Eu não to botando fé.
- E seus pais como estão?
- Loucos. Meu pai está feliz pra caralho.
- Imagino! Ter um segundo filho depois de 16 anos deve ser o máximo.
- Eu não quero que isso aconteça, mas tudo bem. Seja o que Deus quiser.
- Por que? Só por que não vai mais ser o centro das atenções? – dei risada.
- Bem por aí.
Murilo e eu conversamos durante muito tempo. Nós pedimos um sorvete e ficamos trocando ideia enquanto degustávamos a nossa sobremesa.
- Você tem certeza que não quer ir na minha casa?
- Hoje não, Murilo.
- Mas por que, hein?
- Eu já te disse: porque eu não quero me encontrar com o Bruno!
- Mas ele não está lá hoje, Caio!
- Mas eu não quero correr o risco. Não quero mesmo. Da outra vez eu dei bem de cara com ele e eu não quero que isso aconteça novamente.
- Mas a gente vai ficar como desse jeito?
- A gente fica trocando ideia, oras bolas.
E foi isso mesmo que aconteceu. O novinho e eu não calamos a matraca um segundo sequer e isso foi bom porque não me fez pensar no Bruno em nenhum momento daquela noite.
AGOSTO DE 2.008
O tempo estava passando muito rápido. Parecia que o ano tinha começado há dias, e nós já estávamos no mês do meu aniversário.
No dia 4 eu fui obrigado a voltar pra faculdade e isso me deixou desmotivado. Eu ia ter que voltar a acordar cedo e isso ia fazer com que eu perdesse um bom tempo na academia.
- Vamos lá, Caio – falei para mim mesmo, ainda com os olhos fechados. – Você consegue! Falta pouco agora... Falta pouco agora!
Mesmo sem querer, levantei, cocei meus olhos, me espreguicei e me dirigi ao banheiro. Eu ia vencer essa etapa na minha vida, ou eu não me chamaria Caio Monteiro!
- Caio! – Marcela abriu um sorriso e foi me abraçar. – Que saudades de você!
PENA QUE EU NÃO POSSO FALAR O MESMO, SUA VACA!
- Eu também, CUnhada – abri um sorriso de orelha à orelha. Vaca! – Como você está, LINDA?
- Eu estou cada dia melhor e você, cunhado?
- Estou bem – respirei fundo.
Como eu era marinheiro de primeira viagem, pensei que os meus professores do 2º semestre seriam os mesmos do 1º, mas me enganei redondamente.
Logo na 1ª aula eu me deparei com um oriental nanico, calvo e que usava óculos quadrados. Quem seria aquela criatura?
- Bom dia – disse o mestre. – Eu me chamo Chong e sou o professor de Psicologia.
Chong? Isso pra mim era nome de cachorro ou de qualquer outro animal, menos de gente. Com o tempo nós descobrimos que o cara era coreano.
A 2ª aula foi com uma mulher muito gorda chamada Minerva. Ela lecionava Legislação. Aula chata...
A 3ª aula foi dada por outra mulher, chamada Margarete, que era responsável por Comunicação.
E a 4ª e última aula foi com uma mulher muito elegante, chamada Gisele. Essa lecionava Administração de Recursos Humanos.
Pelo menos naquele dia eu não tive Matemática. Será que ia ficar livre dessa matéria? No próprio dia 4 eu fiz a solicitação de todos os meus livros pro 2º semestre.
- Ai, Caio – Kléber se aproximou de mim. – Eu estou com medo!
- Relaxa, menino. Não tem segredo nenhum e eu vou te ajudar!
- Promete?
- Prometo sim – garanti.
Era o 1º dia de trabalho dos novos vendedores e aparentemente todos estavam muito amedrontados, mas ao mesmo tempo esperançosos. Eu estava torcendo para que fosse um time competente, mas isso só o tempo iria dizer. O Kléber ficou no meu setor.
Imaginar que eu ia ficar livre de matemática foi uma doce ilusão. Logo na 1ª aula da manhã seguinte, a Profª Marília entrou na sala. Eu quis dar um tiro nela quando a vi sentar na mesa dos professores.
Além de todas essas matérias, eu tive ainda: Filosofia e Ética com o Profº Evaldo, Responsabilidade Social e Sustentabilidade – RSS – com a Profª Eliete e Gestão de Pessoas com o Profº Abel.
Todos os meus educadores tinham nomes estranhos e eu queria entender o porquê disso tudo.
Pelo jeito aquele 2º semestre na faculdade ia consumir muito tempo da minha vida e ia me deixar louquinho. Eu só esperava que não fosse no sentido literal da palavra.
- CaIo Monteiro – o médico anunciou o meu nome.
- Licença – empurrei a porta e entrei.
- Pode entrar, Caio. Tudo bem?
- Tudo, doutor – apertei a mão do Dr. Celso e sentei na cadeira. – Eu trouxe o resultado dos meus exames.
- Ah, vamos ver...
Entreguei os exames de sangue, o eletrocardiograma e os exames de urina para o clínico geral e ele começou a analisar os papéis com muito cuidado.
- Colesterol em ordem; glicemia em ordem; triglicérides em ordem; não tem anemia; sódio em ordem e sorologia em ordem – o cara separou os exames de sangue em um canto. – Eletro em ordem e exames de urina em ordem. Você está ótimo, rapaz! Tem a saúde de um bebê, meus parabéns!
- Ufa – respirei aliviado. – Graças a Deus!
- É isso aí... Agora é só continuar cuidado da saúde e voltar dentro de 1 ano, tudo bem?
- Perfeito. Muito onrigado, doutor.
DIAS DEPOIS...
Era fato que o Bruno não tinha mais me procurado. Pelo menos ele cumpriu com a promessa. Mas era fato também que mesmo ele não me procurando mais, eu ainda pensava e muito nele.
- Pensando na vida? – perguntou Jonas.
- Como sempre – me virei e fitei o meu gerente e amigo.
- Esses jovens...
- E aí, já tem resposta das minhas férias?
- O RH ainda não me respondeu quando o dinheiro cai em conta, Caio. Tem que esperar.
- Tudo bem então.
Eu tinha vendido as minhas férias há uns dias e a empresa ainda não havia depositado o meu dinheiro. Essa foi a primeira vez que demorei pra receber um benefício desde que entrara na loja.
DOMINGO, 24 DE AGOSTO DE 2.008
Fazia 2 anos. Exatamente 2 anos que tudo tinha acontecido. Eu estava prestes à completar 20 anos, mas a tristeza de relembrar o que tinha acontecido em 24 de agosto de 2.006 não me fez ficar contente com a aproximação desta data.
- Ei – Murilo me beliscou. – Quer prestar atenção no que eu estou falando?
- Hum? Me desculpa, Murilo... O que foi?
- Eu estava falando que a minha mãe não está grávida!
- Ah, não? Que chato, cara...
- O que você tem hoje, hein?
- Eu estou no mundo da lua. Me perdoa!
- Pois é... Eu percebi! Te perguntei se você quer ir na minha casa um pouco...
- Na sua casa? – eu suspirei. – Fazer o quê lá?
- Como fazer o quê, Caio? Que pergunta, né?!
- Ah... Sei lá... Eu fico meio assim de encontrar com a sua mãe...
- Ela não está lá. Já te disse que a minha mãe está na casa da minha tia.
- Mas ela pode voltar...
- E se ela voltar o que é que tem? Meu quarto tem porta e já passou da hora da gente...
Murilo ficou calado e vermelho. Eu entendi muito bem o que ele queria. Desde o começo do nosso namoro a gente nunca tinha passado dos beijos e talvez ele até estivesse certo. Talvez fosse a hora de avançar com aquela relação. O difícil era ter coragem pra fazer aquilo.
Meu namoro com o Murilo não era um namoro de verdade. É claro que a gente se encontrava com frequência, nos beijávamos sempre que possível, mas eu nunca senti nada a mais por ele.
No começo até rolou um tesão básico, mas nada além disso. Eu sabia que no fundo estava fazendo aquilo só pra esquecer o Bruno... E o pior era que não estava dando resultado!
- E aí, você vem ou não vem?
- Vamos – eu decidi. – Vamos sim!
- Finalmente, moleque!
No percurso até a casa do meu namorado eu não falei nada e só fiquei pensando na nossa relação.
Não era justo o que eu estava fazendo com aquele menino. Eu estava mentindo pra ele e ele não merecia aquilo. Que espécie de ser humano eu era?
Foi por isso que naquele momento eu resolvi mergulhar na relação de cabeça. Eu ia me entregar de corpo e alma ao nosso namoro e ia fazer tudo o que estava no meu alcance pra fazer o meu namorado feliz.
Quando eu cheguei na rua da casa do meu namorado o meu coração foi parar na boca. Será que eu ia me encontrar com o Bruno?
Por sorte isso não aconteceu. Pelo menos não na ida. Restava saber se ia acontecer na volta.
- Entra aí – Murilo abriu o portão e eu passei.
- Dá licença.
- Fica á vontade.
Nós fomos pro quarto e as coisas aconteceram rápido demais pro meu gosto. Bastou fechar a porta pro moleque me atacar com força total.
Ele me empurrou pra cima da cama, tirou a minha camiseta, tirou a camiseta dele e me beijou como nunca tinha me beijado antes.
Não foi nada difícil ficar excitado, muito ao contrário: com aquele beijo imensamente delicioso as coisas iam acontecer com muita naturalidade.
E foi isso mesmo que aconteceu. Murilo me despiu totalmente e fez o mesmo com ele. Eu não estava errado. Ele não era mesmo dotado, mas era compreensível.
Eu fui o primeiro a fazer o sexo oral. Coloquei tudo na boca e chupei com carinho. Eu queria proporcionar prazer para o garoto, afinal ele era meu namorado.
Mas enquanto fiz isso, infelizmente pensei no Bruno. Pensei que há mais de 2 anos eu estava fazendo aquilo nele... Só nele e em mais ninguém...
Fechei meus olhos com muita força e tentei tirar o Bruno da minha mente e isso foi bem difícil de fazer, mas graças a Deus eu consegui.
Não sei se era timidez da gente ou se não tínhamos química, mas a minha primeira vez com o Murilo não foi lá grande coisa.
Ele gozou rápido demais, não quis me chupar, não quis ser passivo e a única coisa que fez foi me masturbar. Confesso que fiquei frustrado.
- Posso te fazer uma pergunta? – questionei no momento em que terminei de me arrumar.
- Pode.
- Você não faz passivo?
- Não. Eu prefiro ficar só na pegação mesmo.
- E não faz ativo também?
- Isso sim.
Porque nem isso ele fez. Não que eu tivesse feito questão, é claro. Aliás, eu não fiz questão nenhuma!
- Não faz oral no cara?
- Não... Tem problema?
Claro que tinha problema! Eu não queria viver a base de masturbação!
- Ah... Mais ou menos, né Murilô? Eu vou viver só na punheta? Isso não é justo!
- Eu posso até chupar, mas preciso pegar confiança...
- Quer dizer que você não confia em mim?
- Confio, bobão... Você entendeu o que eu quis dizer!
- Não eu não entendi – cruzei os braços.
- Eu quis dizer que pra isso acontecer eu preciso meio que perder a vergonha, tá ligado?
- Ah... Saquei. Enfim...
Resolvi não prolongar o assunto. Eu não queria criar confusão com o Murilo. Se ele não tivesse atitude na cama, eu não ia pensar duas vezes na hora de terminar o namoro.
Tive sorte e não encontrei com o Bruno na rua do novinho, mas assim que cheguei em casa ele me ligou. Eu só atendi porque estava aparecendo número privado.
- Alô?
- Caio?
- Ah... É você...
- Tudo bom?
- Estava tudo bem até agora.
- Não começa, Caio. Eu só quero conversar numa boa...
- Estava tão bem sem notícias suas...
- Eu estou com saudade...
A voz dele até diminuiu na palavra “saudade”. Eu suspirei e fechei meus olhos.
- Sinto não poder dizer o mesmo.
- Será que a gente poderia se encontrar de novo qualquer dia desses?
- É claro que não. O que você me prometeu mesmo? Que ia me deixar em paz depois que falasse o que tinha pra falar. E você já falou.
- Sim, eu sei disso, mas ainda faltam coisas a serem ditas...
- Perdeu a chance. Você já teve oportunidade pra me contar tudo e só me falou aquela porcaria de história da carochinha. Se você desperdiçou a hora em que a gente poderia se resolver, o problema não é meu.
Foi a vez dele suspirar.
- Eu queria te entregar um presente de aniversário. Posso?
- Claro que não. Eu não quero presente seu, obrigado.
- É uma pena. Enfim... Eu liguei só pra saber se está tudo bem. Hoja não é um dia legal pra mim e eu queria muito ouvir a sua voz.
- Se não é legal pra você, imagina pra mim – dei risada. – Mas enfim. Se era só isso você já pode desligar.
- Tudo bem, Caio – Bruno estava sendo gentil. – Eu te ligo de novo no seu aniversário.
- Não precisa. De verdade.
- Mas eu quero e vou te ligar. E não adianta não me atender. Eu não sou um homem que desisto fácil das coisas que quero. Ou melhor, de quem eu quero!
Meu coração acelerou.
- Boa noite, Bruno.
- Boa noite, Caio.
NA TERÇA-FEIRA...
A loja estava em festa pelo aniversário da Janaína. A negra estava toda radiante.
- Obrigada – ela me abraçou.
- Felicidades mil pra você, amor.
- Obrigada, lindo. O seu é domingo, hein?
- Pois é e eu estou de folga. Desculpa!
- Nasceu na cor certa, hein branquelo? Nasceu na cor certa!
Naquele ano a Janaína e eu não íamos comemorar o nosso aniversário juntos. Como o dela era na terça, ela ia comemorar da sexta pro sábado e como o meu era no domingo, eu ia comemorar no próprio domingo. Se bem que naquele ano, eu não estava a fim de comemorações e não entendia o motivo disso.
Pra falar a verdade, eu nem sabia se ia comemorar ou não. Talvez eu pudesse dar uma passadinha em uma balada com meus amigos, ou talvez em algum lugar pra gente jantar, todavia, nada além disso. O clima não era de festa.
- Caio? – Kléber se aproximou de mim.
- Oi, Kléber?
- Me ajuda com uma solicitação de montagem cortesia?
- Montagem cortesia é só com os gerentes, lembra?
- Lembro sim... Eu já falei com o Jonas e ele pediu pra você mandar o e-mail pra central pra mim, por favor.
- Ah, então vem comigo que eu preciso dos dados do cliente. Cola na grade.

Não tem nada pior nesse mundo do que a gente ser acordado com o telefone tocando de madrugada.
Eu abri meus olhos com muita dificuldade, tateei o colchão em busca do meu celular e quando o encontrei, apertei o botão verde e disse com a voz mais sonolenta do mundo:
- Alô?
- Estava dormindo? – era uma voz masculina.
- Quem é?
- Não reconhece mais a minha voz?
NÃO ACREDITEI QUE ERA O BRUNO! Como ele teve a capacidade de me acordar de madrugada, meu Deus?
- Ai – choraminguei. – Meu Deus... O que foi agora, Bruno?
- Como o que foi agora? Eu disse que ia te ligar, não disse?
- Pra que está me ligando em plena madrugada, hein?
- Pra te desejar um feliz aniversário, Caio Monteiro. Meus parabéns!
Como assim parabéns? Do que ele estava falando? Ainda não era dia 31! Era?
- Hã? – eu não entendi nada. – Espera um pouco...
Afastei o celular da orelha e coloquei na frente do meu rosto. Acessei o menu, procurei o calendário e quando abri perdi totalmente o sono.
Era 31 de agosto, 00:07. Era meu aniversário de 20 anos e eu estava tão sonolento, mas tão sonolento que fui capaz de esquecer que aquele era, ou pelo menos deveria ser, o dia mais importante daquele ano de 2.008: o dia do meu aniversário.

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