domingo, 8 de março de 2015

Capítulo 22

S

Implesmente não pude acreditar que o meu ficante na verdade era o desgraçado do meu ex-namorado! Simplesmente não pude acreditar!
Quando eu percebi que era ele, a minha maior vontade foi dar um empurrão naquele garoto pra fazer ele cair de cara no chão da pista de dança, mas é claro que eu não reagi desse jeito.
- Caio...
- SEU DESGRAÇADO! – meus olhos ficaram cheios de lágrimas.
- Hora de ir embora, rapazes – o segurança encostou na parede e ficou nos olhando. – Por favor, compreendam. Continuem em outro lugar.
- Caio...
- SEU IDIOTA... – eu engoli tudo o que eu queria falar pro Bruno e saí correndo daquele lugar.
- CAIO, ESPERA!
Desci as escadas que davam acesso à pista de dança correndo e quase caí na hora que cheguei ao térreo.
- Ah, você está aí – Kléber estava parado próximo ao bar.
- Vamos embora! – eu puxei o meu amigo pela mão e fiz ele subir as escadas que davam acesso ao hall de dois em dois degraus.
- Espera, Caio – Kléber reclamou. – Que pressa é essa?
- Vamos embora daqui, por favor!
- CAIO... – a voz do Bruno invadiu os meus ouvidos.
Eu cheguei na rua e fiquei perdido. Eu não sabia dizer se estava com raiva, ódio ou tristeza por ter percebido que eu tinha ficado com o falecido.
- Caio, o que está acontecendo? – Kléber me puxou e me obrigou a parar na calçada.
- Depois eu te explico; vamos embora, por favor...
- Caio, espera – Bruno nos alcançou. Ele estava ofegante.
- Não Bruno – eu recuei para trás. – Eu não quero falar com você!
- Caio, por favor... Vamos conversar...
- NÃO! A GENTE NÃO TEM NADA PRA CONVERSAR!
- Por Favor, para de ser infantil e vamos colocar tudo em pratos limpos – ele me olhava com aqueles olhos incrivelmente azuis. Eles estavam brilhando com muita intensidade.
- Não quero falar com você, não quero!
- Caio... A gente ficou... Eu sei que você gostou... Me dá uma chance de me explicar, pelo amor de Deus!
- A gente só ficou porque eu não sabia que era você! Se eu soubesse eu não teria ficado!
- Para de mentir pra você mesmo, Caio! Para! É hora de assumir que a gente se ama, poxa vida!
- EU NÃO AMO VOCÊ, BRUNO! ME DEIXA EM PAZ!
- Eu sei que você me ama, Caio – Bruno segurou no meu braço. – Eu sei que você me ama e você sabe que eu amo você... Vamos tentar novamente...?
- NÃO – eu senti vontade de chorar. – EU NÃO QUERO!
- Caio, conversa com ele... – Kléber se meteu.
- Não, Kléber! Eu não tenho nada pra conversar com esse garoto! Eu quero ir para nossa casa...
- Nossa casa? – Bruno franziu o cenho. – Vocês moram juntos?
- Sim – Kléber respondeu. – A gente mora na mesma república.
- Caio – ele entrelaçou os nossos dedos. – Anjinho...
- EU NÃO SOU O SEU ANJINHO! – soltei as nossas mãos. – ME DEIXA EM PAZ, DESGRAÇADO!
- Caio! – Kléber pareceu ficar perplexo. – Isso é jeito de falar com o menino?
- Eu falo com ele do jeito que ele merece, Kléber. Se você não for embora comigo eu vou sozinho! Aqui eu não fico mais. Perdi a minha noite... Seria melhor nem ter aparecido aqui hoje!!!
Bruno suspirou e prensou um lábio no outro. Eu ainda estava com o sabor do beijo dele nos meus próprios lábios. Aquele tinha sido o melhor beijo de toda a minha vida!
- Tudo bem, tudo bem – Kléber concordou. – A gente vai embora.
- Então vamos... Então vamos...
Eu puxei o Kléber pelo braço com brutalidade. Eu não queria ficar no mesmo lugar que o Bruno mais nenhum segundo que fosse.
- Calma, não precisa arrancar o meu braço – meu amigo reclamou.
- Desculpa. Eu só não quero ficar mais aqui, entende?
- Entendo sim. Quer ir de táxi?
- Vamos? A gente divide?
- A gente divide.
Nem precisamos sair da rua da boate pra conseguir um táxi. Havia vários parados esperando por passageiros.
No exato momento que eu abri a porta pra entrar no carro, senti alguém me puxando pra trás com força e não acreditei quando a minha boca novamente encostou na do Bruno.
- VOCÊ É LOUCO? – eu empurrei o menino com muita força. – DESGRAÇADO!
- Você pode me xingar o quanto você quiser, Caio. Eu sei que você gostou e isso você não vai poder negar nunca! Bom dia.
- IDIOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOTA!
- Entra logo – foi a vez do Kléber me puxar.
Eu sentei no banco do táxi e o meu amigo fechou a porta do automóvel.
- Segue pro Realengo – pediu o futuro professor de Lìngua Portuguesa.
- AI QUE ÓDIO – dei um soco no banco do carro.
- Calma! – Kléber sibilou. – Você precisa ficar calmo!
Como eu ia ficar calmo naquela situação? Ele me beijou à força, me enganou e ficou comigo no dark room! Aquilo não poderia ter acontecido, não mesmo!
Mas como eu ia saber que era o Bruno naquela escuridão? E como ele sabia que era eu naquele dark room? Quando as luzes eram apagadas a gente só enxergava vultos. Seria impossível ele ter me visto ali... Impossível!
- Ai que ódio, ai que ódio, ai que ódio... – eu fui reclamando metade do caminho.
- Quer calar a boca? – uma hora o Kléber ficou irritado e não aguentou mais as minhas reclamações.
- Eu não aguento mais aquele garoto, na boa!
- Quem não aguenta mais as suas reclamações sou eu!
- Desculpa. Eu só estou desabafando.
- Desabafa em silêncio!
Como se aquilo fosse possível. Eu só precisava colocar tudo o que eu estava sentindo pra fora. Por que o Kléber não me ajudava naquilo?
Engoli as minhas palavras e fiquei em silêncio o resto do caminho, mas os meus pensamentos trabalharam a todo vapor.
Que beijo delicioso ele me deu... Como disse antes, parecia que as nossas bocas se encaixavam perfeitamente. Eu poderia jurar que os meus lábios foram feitos para os dele e vice-versa.
Eu não me lembrava de ter recebido nenhum beijo como aquele em toda a minha vida. Não que eu fosse um expert em beijos, mas eu já tinha uma certa experiência no assunto. E nenhuma pessoa me beijou como o Bruno fez naquela madrugada.
Se era pra ficar balançado, eu fiquei mais do que isso. Eu fiquei muito mais que balançado. Uma pessoa que fica nessa situação tende a ficar em cima do muro. Eu não estava em cima do muro. Eu não estava balançado.
Eu tinha mais do que certeza que tinha amado aquele beijo, amado aquela situação. Só pelo fato de eu ter sentido as tão famosas borboletas no estômago eu já pude comprovar a minha certeza.
Eu estava apaixonado por ele. Na verdade eu não estava, eu CONTINUAVA apaixondo pelo Bruno.
Eu poderia negar, poderia dizer não, poderia mentir para quem quer que fosse, mas eu não poderia mentir para o meu coração.
O meu coração sempre soube o que eu sentia pelo Bruno. A minha razão mascarou o sentimento e eu cheguei sim a sentir ódio por aqueles olhos azuis, mas esse sentimento não durou o tanto que deveria durar.
Esse ódio passou rápido demais. Eu não queria que isso tivesse aconteceido. Era para eu continuar odiando aquele garoto pelo resto da minha vida.
Entretanto, o meu coração não quis assim. Eu o amava e o amava da mesma forma de sempre, talvez até mais.
Enquanto a gente namorou, nunca trocamos um beijo como aquele. Claro que houve muitos momentos maravilhosos entre nós dois, mas nenhum como aquele que vivemos no dark room da danceteria.
Será que foi a distância que nos proporcionou aquele beijo tão apaixonado? Será que foi a saudade que intensificou o sentimento na hora da nossa carícia?
A resposta é sim. Eu só consegui chegar a essa conclusão. Não poderia ter outra explicação. Era a saudade... A saudade aumentou a nossa paixão e aumentou a nossa vontade de recuperar o tempo perdido. Pelo menos foi isso que senti de minha parte.
Por mais que eu tenha achado aquele beijo bom, eu não queria que tivesse acontecido.
O Bruno percebeu que eu adorei o que aconteceu e isso também não poderia ter acontecido. Dali em diante ele tinha certeza que eu ainda era apaixonado por ele e eu não ia conseguir lutar por muito mais tempo.
Será que era a hora de perdoar? NÃO! Eu não podia fazer isso!!!
Por que não? Por que eu não podia perdoá-lo?
Simplesmente porque ele praticamente acabou com a minha vida e isso era imperdoável.
Tudo bem, eu até poderia ficar sem perdoar o Bruno, mas que eu queria ficar com ele, ah isso eu queria...
Não podia negar isso pra mim mesmo, mas podia negar para quem quer que fosse. Eu não ia deixar ninguém saber dos meus sentimentos, ninguém!
A última coisa que eu queria e precisava naquele momento era de alguém que me achasse burro ou idiota. Ou as duas coisas juntas.
O Bruno foi um completo imbecil se ele fez aquilo premeditadamente. Será que ele tinha planejado aquele beijo? Será que ele sabia que era eu ali naquela parede de dark room?
E se sabia, como sabia? Só se ele tivesse uma super visão para me enxergar naquela escuridão!
Na verdade nem importava se foi premeditado ou não. Já estava feito mesmo. E como estava feito...
Foram mais de 2 horas – é sério – de baijo e isso era fato. Se duvidar, a gente ficou mais de 3 horas se beijando sem se desgrudar um segundo sequer.
Talvez tivesse sido mesmo mais de 3 horas. O dark room da boate abria normalmente antes das 3 da manhã e a danceteria só fechava às 5. É... Foi um beijo muito, muito longo e muito, muito delicioso. Eu diria até que ele foi... Perfeito...
Eu ainda estava sentindo o gostinho daquele beijo e o cheiro do hálito do meu ex-namorado. Ainda bem que ele tinha o hálito gostoso... E pelo jeito o garoto não fumava mais porque eu não senti resquício algum de cigarro na boca dele. Pelo menos isso...
- Pode parar aqui mesmo – a voz do Kléber me trouxe de volta a realidade.
Eu olhei o taxímetro e separei a minha parte do valor da corrida. Não ficou muito caro, mas se fosse pagar sozinho eu iria ficar completamente sem dinheiro.
- Obrigado, moço – meu colega abriu a porta e desceu.
- Eu é que agradeço – disse o motorista.
Eu não falei nada e me limitei a descer do carro. Quando o fiz, bati a porta com o quadril e logo entrei na minha casa, que diga-se de passagem, estava quente demais para o meu gosto.
O motivo da temperatura estar elevada era o fato de todas as janelas estarem fechadas. Eu queria saber quem foi o louco que fez aquilo. A residência ficou completamente sem refrigeração.
- Quem fechou tudo?
- Não sei – Kléber também abriu as janelas.
Eu fui até a cozinha, bebi um copo de água gelada e depois fui pro meu quarto. Nenhum dos três estava nas respectivas camas.
Vinícius com certeza estava com a Bruna e o Fabrício provavelmente estava fazendo o bendito TCC, mas e o Rodrigo? Será que tinha ido pra balada?
Essa era uma resposta que eu só teria quando ele chegasse. O jeito era esperar. Eu tirei a minha roupa, fiquei apenas de cueca boxer e fui direto pra minha cama.
Já estava amanhecendo e eu não estava sentindo sono. O calor envolveu o meu corpo, minha pele ficou grudando e eu senti necessidade de tomar um banho.
Foi o que fiz, mas não demorei muito. Deixei a água do chuveiro lavar o meu suor e rapidamente voltei pro quarto.
Como de costume, fiquei olhando pra parede e continuei pensando no Bruno. Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Por que estava me provocando tanto?
Outra vez voltei a pensar na história que ele me contou e mais uma vez continuei pensando que aquilo não era verdade.
Eu não conseguia engolir aquela história que ele foi obrigado a sair do país. Ninguém faz o que não quer fazer, muito menos uma pessoa como o Bruno.
Na minha opinião ele foi fraco demais. Foi fraco em não ter tentado outra alternativa ou em ter buscado alguma solução.
Se ele tivesse me procurado na época, eu com certeza o teria ajudado. Claro que eu não sei como iria fazer isso, mas eu iria ajudá-lo.
A porta do quarto abriu devagarzinho. Eu virei o rosto e vi que era o meu irmão. Ele estava simplesmente lindo.
- Bom dia – ele me viu acordado e sorriu.
- Bom dia! Onde o senhor estava?
- Saí com a Marcela, o Vini e a namorada dele.
- Programa de casais? Foram em uma casa de swing?
Ele ficou muito vermelho.
- Claro que não, patife – no fim o Rodrigo riu. – Posso me deitar aí com você?
- Você ainda pergunta?
O garoto tirou a roupa e colocou uma samba canção. Ele deitou na minha cama, me abraçou, deu um beijo no meu rosto e disse:
- O que o Bruno fez dessa vez?
- Como você sabe que ele fez alguma coisa?
- Pela sua carinha linda e triste...
- Acha a minha carinha linda? – eu fitei aqueles olhos expressivos.
- Acho, por quê?
- AI que lindo – abri um sorriso sincero. – Não esperava ouvir isso.
- O que ele fez? Quer conversar?
- A gente ficou...
- Como assim “a gente ficou”? Você ficou com ele por livre e espontânea vontade? Quer morrer agora ou daqui a 5 minutos?
- Não necessariamente. A gente se beijou por umas 3 horas sem parar.
- Você bebeu? Cheirou meia? Ficou louco? Ensandeceu?
- Não, não... Eu não sabia que era ele!
- Ah, conta outra! Como você não sabia que era ele? Ficou cego por acaso pra não ver que era ele?
- Não necessariamente – eu suspirei. – Eu estava em um dark room.
- Ah – Rodrigo ficou sem graça. – Safado!
Senti meu rosto queimar.
- Mas o que sentiu com esse beijo?
- Ódio – menti.
- Ódio e ficou beijando o moleque por 3 horas? Essa não colou!
- Senti ódio depois que descobri que era ele. Enquanto o beijo rolava eu gostei e muito. Foi o melhor beijo da minha vida!
- Ai que exagero – Diguinho deu risada.
- É verdade, Digão. Foi um beijo muito bom. Foi perfeito eu diria.
- Se você está dizendo... Posso dormir aqui com você?
- Lógico que pode, mas e os caras?
- Eles só voltam amanhã, nem vai dar problema.
- Sendo assim – eu bocejei. – Fico muito feliz em ter você na minha cama. Pena que está vestido demais.
- Engraçadinho – Rodrigo levantou.
- Ei... Onde vai?
- Fechar a porta – meu amigo passou a chave na fechadura. – Por via das dúvidas...
- É melhor mesmo – concordei e bocejei de novo.
O rapaz deitou, me puxou para um abraço e depois beijou o meu pescoço.
- Cheiroso!
- Você que é – falei.
- Cara, isso é muito gay!
- Eu sei – ri. – Você se importa?
- Já passei dessa fase. Com você eu não ligo!
- E se fosse com outro?
- Jamais aconteceria.
- Cuida de mim? – fiz bico.
- Sempre, sempre, sempre.
Quando eu estava com ele, tudo ficava em segundo plano. O Rodrigo tinha o poder de me acalmar, de apaziguar toda a minha raiva...
- Te amo – sussurrei.
- Eu também!
Enquanto eu estava sozinho não senti sono, mas quando ele chegou o meu corpo foi possuído e eu adormeci bem rapidamente.
Bastou sentir o abraço protetor e o perfume do meu melhor amigo para eu me acalmar totalmente e conseguir descansar um pouco.
Não sei quanto tempo eu fiquei dormindo, mas quando acordei ele ainda estava ao meu lado e nós estávamos na mesma posição.
Eu me virei com o máximo de cuidado possível pra não acordar o Rodrigo e quando estava de frente pra ele, uni os nossos corpos e dei um abraço bem gostoso no gato.
Como ele estava cheiroso! Sentir o perfume do Digão era algo que me deixava entontecido de tão cheiroso que o cara era.
Voltei a dormir e acordei em definitivo só depois do meio dia. Quando abri os olhos ele não estava mais na minha cama e quando eu levantei, dei de cara com o bofe fazendo o almoço.
- Quer dizer que hoje você vai mostrar seus dotes? – eu o abracei por trás.
- Que história é essa? – ele desviou e saiu de perto de mim. – Dotes? Que dotes?
- Culinários, seu bobo – eu sorri.
- Ah... Esses dotes eu mostro sem problema algum.
- E os outros?
- Que outros, Caio? – Rodrigo franziu a testa.
- Esse por exemplo – eu dei um jeito de segurar no volume do meu amigo. Estava mole.
- Tira a mão daí! – ele fez cara feia.
- Mostra pra mim, vai? – eu brinquei.
- Nem a pau!
- Mas é o pau mesmo que eu quero ver – dei risada.
- Palhaço – o menino ficou vermelho. – Me deixou sem graça.
- Bobo lindo – eu abracei o meu amigo. – Bobo, lindo e cheiroso!
- Você é cheiroso também.
- O que está cozinhando?
- Arroz, feijão e bife.
- Não tem algo mais saudável não? – indaguei e sentei numa das cadeiras da mesa.
- Para de frescura, hein? Você para de frescura!
Nesse momento o celular do Digão começou a tocar. Era a mãe dele e eles ficaram conversando por um tempão.
- O Caio está bem – ele respondeu. – Ele está aqui pertinho de mim... Quer falar com ele? Espera aí então... Minha mãe quer falar com você!
- Oi, Dona Inês? – atendi. – Tudo bem com a senhora?
- Eu já te disse pra não me chamar de senhora, menino! – a velha deu risada. – Tudo bom, lindo?
- Bem – eu ri. – E você?
- Agora melhorou. Estou ótima! Conte-me as novidades?
Não tinha novidades. É claro que eu não ia ficar falando da minha vida sentimental com a mãe do Rodrigo, não é mesmo? Por isso, me limitei em resumir como estava a minha vida profissional e a vida de estudante.
- Então tá bom, Dona Inês. Eu vou passar pro Digão...
- Tudo bem, querido! É sempre um prazer falar com você.
- O prazer é todo meu.
Entreguei o celular pro Rodrigo e voltei pro quarto porque tinha muita coisa pra arrumar.
Como eu estava em época de prova na faculdade, ainda naquele dia eu ia ter que estudar e eu nem sabia por onde deveria começar.
Na faxina comecei trocando os lençois das camas e as fronhas dos travesseiros. Difícil foi encontrar 4 lençóis iguais.
- Arrumando a minha cama? – Rodrigo entrou no quarto. – É assim que eu gosto!
- Depois eu quero pagamento por esse favor.
- O que você vai querer?
- Quer mesmo que eu responda? – abri um sorriso safado, mas só por brincadeira.
- Safado!
- Sou mesmo!!!
- Isso eu não vou poder pagar.
- Que pena, então a sua conta só vai crescer, crescer e crescer. Um dia você vai ter que me pagar!
- Engraçadinho. Vai querer almoçar agora?
- Quero. Eu estou faminto!
- Então vamos. Já está tudo pronto.
Pensei que o bife seria comum, mas foi à parmegiana. O Rodrigo ou era 8, ou era 80. Ou ele cozinhava bem demais, ou cozinhava ruim demais. Naquele dia estava tudo perfeito.
- Como conseguiu deixar o arroz soltinho desse jeito? – perguntei.
- Sabe que eu não sei? – ele deu risada. – Mas consegui!
- É questão de prática, né?
- Verdade.
Como nós estávamos morando “sozinhos” há um certo tempo e sempre tínhamos que cozinhar, com o tempo não só eu, mas como todos os rapazes fomos pegando prática no fogão e as nossas gororobas já não eram tão ruins como no começo.
- Pelo menos a gente se vira – dei de ombros.
- Ficou muito bom – meu amigo elogiou a comida que ele mesmo fez.
- Modesto você, hein?
- Pra caralho!
Depois do almoço eu voltei pra faxina no meu quarto. Arrumei todo o guarda-roupa, incluindo a parte dos caras, mas o mais chato foi arrumar as gavetas da cômoda.
- Que zona é essa? – perguntei quando abri a gaveta de cuecas do Vinícius.
Era tudo branca mesmo. Não tinha uma peça de roupa íntima que não fosse dessa cor. As meias também eram brancas, mas ele variava as estampas. Pelo menos isso as diferenciava.
Eu joguei tudo no chão e fui arrumando aos pouquinhos. Perdi a conta de quantas cuecas contei e no fundo da gaveta eu encontrei 5 camisinhas unidas por um elástico.
- Safado! – abri um sorriso e lembrei das nossas brincadeirinhas do passado.
Terminada a arrumação das gavetas e do armário, eu parti pro chão. Varri todo o quarto e em seguida passei pano. Pelo jeito fazia muito tempo que não era feito uma faxina na nossa casa e isso era uma vergonha!
- Posso entrar? – Rodrigo apareceu na porta.
- Não. Eu estou passando o pano!
- Quer ajuda?
- Claro que eu quero, né? Vai lavando o banheiro.
- Pode deixar.
No fim das contas, quando os meninos do outro quarto levantaram, todos partimos pra faxina e assim conseguimos finalizá-la mais cedo. Foi bom para eu começar a estudar antes do esperado.
Abri o livro e peguei as minhas anotações. Eu precisava aprender tudo sobre matemática, ah eu precisava...
Mas essa era uma matéria que me deixava louco e enraivecido. Eu não sei porque diabos alguém foi inventar os números!
- Preciso estudar também – Rodrigo subiu na cama. – Amanhã é dia de prova!
- Pra mim também é – comentei.
Fiquei estudando um bom tempo e quando cansei resolvi entrar na internet para relaxar um pouco.
Abri o Messenger e encontrei o Víctor online. Fiquei trocando ideia com o meu amigo e de repente eu percebi uma janela com o nome do meu ex-namorando piscando sem parar.
Abri e li um “oi”. Fiquei na dúvida se deveria ou não responder, mas acabei respondendo.
O Bruno mais uma vez voltou a pedir para a gente se encontrar e mais uma vez eu resolvi dizer um não. Nós já tínhamos conversado e não tínhamos chegado em um acordo, então era melhor não insistir naquele assunto.
Em um determinado momento da conversa eu vi uma solicitação de conversa por vídeo e eu fiquei me perguntando por que ele queria fazer aquilo.
Aceitei e quando eu o vi sem camisa na webcam, quase tive um troço de tanta emoção.
- Oi – ele falou sem graça.
- Oi – eu respondi, mais sem graça ainda.
- Assim fica melhor pra gente conversar...
- Hum...
Voltei pra janela do Víctor e disse a ele que estava falando com o Bruno. O meu melhor amigo só não fez entrar na tela do computador pra me dar um tapa na cara. Ele ficou realmente muito bravo.
- Do que está rindo? – a voz do Bruno tomou conta do meu quarto.
- De um amigo – eu respondi.
- Posso falar uma coisa?
- O quê? – perguntei.
- Você está lindo demais, hein?
Fiquei em silêncio. As minhas bochechas queimaram.
- Valeu!
- Você está sozinho aí?
- Nesse momento sim. Por quê?
- Por nada. Só curiosidade mesmo. Você divide o quarto com o Rodrigo?
- Com ele e mais dois amigos.
- Caraca. Quantos moram nessa república?
- 8.
- Só homens?
- Só homens – eu confirmei.
O rosto dele ficou carrancudo. Acho que ele deve ter ficado com ciúmes, mas eu nem dei atenção.
- Não consigo parar de pensar no nosso beijo, sabia? – ele suspirou.
- Eu também não. Ainda estou com vontade de te matar por causa desse beijo.
- Vem me matar então – ele me provocou.
- A minha vontade é essa mesmo – eu bufei.
Por que eu estava falando com o Bruno? Será que eu estava ficando louco? Só podia ser isso...
- Vou sair – anunciei. – Adeus!
- Não, espera...
- Nâo. Eu tenho que ir. Até loguinho!
- Um beijo então – Bruno suspirou profundamente.
Não respondi e fiquei offline. Me despedi do Víctor e senti vontade de sair de casa, mas eu não sabia para onde deveria ir.
- Rodrigo? – chamei o meu amigo.
- Hã?
Ele, o Maicon e o Éverton estavam assistindo o jogo de futebol na televisão da sala.
- Vamos sair?
- Pra onde?
- Pra qualquer lugar. Pra praia, sei lá...
- Agora?
- É!
- Agora não dá, eu to assistindo o jogo. Pode esperar?
- Demora muito?
- Já está no 2º tempo.
- É o tempo de eu tomar um banho e trocar de roupa – virei e saí andando.
Fiz tudo o que tinha que fazer e na hora que terminei de me arrumar o Digão apareceu no quarto.
- Pra onde você quer ir?
- Pro mar. Eu preciso ver o mar.
- Qual praia nós vamos?
- Qualquer uma... A que for mais perto daqui.
- Podemos ir em Copa? Eu quero ir na feirinha comprar uns chaveiros.
- Demorou! – concordei.
Não sei o horário que chegamos em Copacabana, mas bastou ver o mar para eu me sentir aliviado. Eu ainda queria entender qual era a ligação que eu tinha com o oceano. Por que eu gostava tando dele assim?
- Por que está tão pensativo? Deixa eu adivinhar? É o Bruno?
- É o Bruno. É sempre o Bruno.
- Garoto maldito! Se eu o visse na minha frente acabaria com a raça dele!
- O melhor é deixar ele pra lá.
Mas como? Como eu ia deixá-lo de lado se ele mexia imensamente comigo? Essa era uma tarefa meio impossível, mas que eu tinha que dar conta.
- Me ajuda a escolher os chaveiros? – Digow me olhou.
- Lógico!
Nós caminhamos pelo meio da feirinha de Copacabana até encontrar uma barraca que vendesse chaveiros.
- Esses daqui são tão clichês – falei.
- Mas são lindos – ele analisou.
- Então leva!
- Vou levar. Depois você pode ir ao banco comigo?
- A essa hora?
- E qual o problema? Eu preciso tirar dinheiro, to pobre!
- Vamos, ué. Se não tem jeito!
Não demorou nadinha pra nós dois chegarmos na Nossa Senhora de Copacabana. Enquanto o Digow entrou no autoatendimento pra sacar dinheiro, eu fiquei na calçada esperando por ele.
A avenida estava extremamente calma naquele horário. Não tinha quase ninguém na calçada e isso me deixou encafifado. Normalmente aquele local era movimentado naquele horário, ainda mais se tratando de um domingo.
- Pronto – Rodrigo segurou no meu ombro. – Vamos embora?
- Vamos. Você vai dormir abraçadinho comigo hoje?
- Hum... Vou pensar no seu caso!
- Dorme, vai?
- Promete que não vai abusar da minha pessoa?
- Não, não prometo! – sorri.
- Então nada feito.
- Chato!
- Sabia que eu te amo, Cacs?
- É? E se eu disser que te amo mais?
- Aí a gente vai brigar!
Demos risada e ele me abraçou, ali no meio da rua mesmo.
- Se a Marcela aparecesse aqui nós dois seríamos mortos.
- Que nada – ele falou. – Não tem mulher nesse mundo que me impeça de dar um abraço em você, maninho!
Bastou ouvir isso para eu ganhar a minha noite, a minha semana e o meu mês. Era bom demais ficar ao lado daquele garoto perfeito!
DOIS DIAS DEPOIS...
- 5, 4, 3, 2, 1 – Felipe me acompanhou de perto. – E relaxa!
- A cada dia que passa esses abdominais estão ficando piores, hein? – reclamei e caí morto no colchonete.
- Quer definir a musculatura, não quer?
- Quero sim.
- Então não reclama! Rodrigo, vem cá e deita do lado do Caio. Agora é a sua vez de fazer abdômen também.
- Ai, Deus... – meu amigo pegou o colchonete preto. – Dai-me coragem.
Naquele dia mesmo o Felipe e eu acordamos que iríamos focar no abdômen 3 vezes por semana. O resto do corpo já estava de acordo com o que eu queria, só faltava deixar a barriga tanquinho. Por que isso era tão difícil?
- Era com você mesmo que eu queria falar, seu lindo – Janaína partiu ao meu encontro e me deu um beijo no rosto. Estranhei ela só ter dado um beijo.
- O que foi dessa vez? Eu não tenho dinheiro!
- Me empresa 5 mil reais?
- 5 mil? Só se forem 5 mil centavos – eu brinquei.
- Isso dá quanto?
- Sei lá! Não sou bom de matemática! Deve ser uns 5 reais?
- 5 reais?! Deixa eu fazer as contas...
Janaína fez cara de quem estava pensando. Eu não acreditei que ela estava fazendo as contas!
- 10 centavos são 10 moedas...
- Janaína?
- 1 real são cem...
- Janaína?!
- 2 reais são... Ai, acho que dá 50 reais! Né?
- JANAÍNA SANTOS! O QUE VOCÊ QUER?
- Ai... – esse “ai” dela foi daqueles cumpridos. Ela desfez a cara de pensativa e ficou com o rosto tristonho. – Não precisa gritar!
- Fala logo o que você quer!
- Então, sabe o que é?
- Hum?
- Você gosta de festa à fantasia?
- Nunca fui. Por quê?
- Porque vai ter uma festa à fantasia no dia das bruxas e eu quero que você vá comigo!
- Sério? Onde vai ser?
- É de uma amiga minha, ela alugou um baita salão e já reuniu a maior galera. Vai ser muito legal!
- E quando é?
- Como assim, criança? Dia das bruxas é em 31 de outubro!
- Longe pra cacete, Jana!
- Mas é pra você não marcar nada na agenda, oras.
- E vai ser nesse dia mesmo?
- Vai sim. Cai numa sexta-feira.
- E o sábado aqui, como fica?
- Vou dar um jeito de conseguir uma folga. Você pode fazer isso também...
- Ai deve ser da hora festa à fantasia.
- Vamos então?
- Vamos, vai. Você chamou mais alguém da loja?
- A Alexia que já está confirmadíssima.
- Só ela?
- Claro. E eu lá vou chamar essa ralé pra festa da minha amiga? Só vão os tops.
- Metida! Você vai fantasiada de quê?
- Meu querido... Eu vou é de Eva!
- CRUZES – arregalei meus olhos. – QUE VISÃO DO INFERNO!
- Escuta aqui – ela me puxou pelo braço. – Visão do inferno é o que você vai ter se continuar me zoando desse jeito, hein? Olha que eu abro um buraco no chão e te enfio dentro. Vai conhecer o diabo de camarote!
- Rá, rá, rá... Muito engraçado.
- Estou falando sério! Deveria ir de Eva agora só pra te fazer virar homem!
- Dessa água nunca beberei – filosofei. – Da fruta que você gosta eu chupo até o caroço, minha filha.
- Ui, delícia! Eu acho que vou é de freira, sabia?
- De freira? Que freira? Você freira, Janaína? Você tá mais pra diaba do que freira, amiga.
- Vou te mostrar a diaba que existe dentro de mim em dois tempos. Viado sem graça – ela bufou e deu um beliscão no meu braço.
- Ai, vadia! Doeu!
- E tenho outro convite pra te fazer.
- Ai, Senhor! Qual?
- Quer passar um final de semana na chácara da minha tia lá no interior?
- Chacara? É muito longe daqui do Rio?
- Umas 4 horas de carro. Vamos, vai? Vai ser tão legal pra gente esquecer dessa loucura aqui!
- E quando seria?
- Só marcar. Basta a gente conseguir uma folga juntos.
- Difícil isso, mas a gente tenta.
- Pode até ser no final de semana da festa da minha amiga. Aproveitamos também o feriado de finados...
- Jana?! Hello? Você acha mesmo que a Duda e o Jonas vão deixar a gente folgar do sábado até o finados? Nunquinha!
- O que custa tentar?
- Nada, isso é verdade. a gente tenta e vê o que rola, pode ser?
- Então vamos amadurecer essa ideia.
- Beleza. Mas que seria a visão do inferno ver você de Eva, ah seria!
- Fala isso de novo e eu quebro os seus 32 dentes em uma bofetada só!
Eu ri e fui cumprimentar os meus colegas de trabalho. Troquei meia dúzias de palavras com a Duda, meia dúzias de palavras com o Jonas e depois fui direto pro meu posto de trabalho.
- Voltando ao assunto da festa – Janaína foi ao meu encontro. – E você? Do que vai se fantasiar?
- Algo que não seja muito caro. De mendigo.
- Quanta pobreza – a negra suspirou. – Se você for de mendigo você não entra na festa, estou avisando!
- Qual o problema? Eu me fantasio do que eu quiser, a festa não é sua!
- Mas sou eu que estou convidando, portanto sinta-se desconvidado se for com uma fantasia pobre desse jeito.
- E você quer que eu vá de quê?
- Ah, meu filho... De Silvio Santos pra cima. Odeio gente pobre! – ela brincou.
- Acho que vou de anjo. Combina mais com a minha personalidade.
- Você? Anjo? Só se for o anjo do pecado, isso sim.
EM OUTUBRO...
Não sei como isso foi possível, mas Janaína, Alexia e eu conseguimos uma folga de final de semana juntos e ainda na sexta-feira à noite viajamos pra chácara da tia da vendedora de móveis.
- Só você mesmo pra me fazer viajar enquanto tenho mil coisas da faculdade pra fazer, Janaína – disse.
- Relaxa, branquelo! Você precisa tirar umas férias! Está trabalhando e estudando muito e desse jeito vai ficar louco!
- Nisso você tem razão – bocejei. – Eu estou quase ficando louco mesmo.
- Jana, tem muito gatinho nessa chácara da sua tia? – indagou Alexia.
- Só se for os bodes que ela cria, amiga. Porque gato mesmo não tem nenhum.
- Ai, Senhor – eu ri.
- Nem que seja um bofe?
- Serve meu tio? – perguntou a morena. – Ele é bonitão, mas tem uns sessenta e poucos anos!
- Ai, cruzes – Alexia falou como o Rodrigo. – Quero não, obrigada! Você não tem um primo, um sobrinho nessa chácara?
- É impressão minha ou essa branquela azeda quer entrar pra minha família, Caio?
- Acho que ela te ama tanto que quer ser sua parenta, amiga!
- Deus me livre! Quero isso pra mim não!
Foram pouco mais de 4 horas de viagem. Nós saímos da Rodoviária do Rio por volta das 8 da noite e chegamos na chácara da tia da Jana pouco depois da meia noite.
- Tia Nena! Que saudades da senhora! – Janaína abraçou uma senhorinha muito humilde.
- Como tem passado, minha filha?
- Bem, tia Nena. E a senhora?
- Bem, obrigada! São seus amigos?
- É! Essa é a Alexia e ele é o Caio!
Alexia e eu cumprimentamos a mulher. Eu me senti um pouco acanhado de estar naquele lugar. Só aceitei o convite da Janaína porque não me restou alternativa. Ou eu fazia isso, ou ela me matava.
- Incômodo algum – falou a mulher. – Fiquem à vontade!
Tudo era muito simples, muito simples mesmo, porém muito organizado.
A casa da chácara onde a mulher morava era simplesmente imensa! Tinha vários quartos e a mobília parecia ser centenária. Eu me perguntei quem teria morado naquela casa para aqueles moveis aparentarem ser tão velhos do jeito que aparentavam ser.
Nós nos instalamos e eu acabei ficando sozinho em um quarto, visto que era o único homem no meio de duas mulheres. Isso me deixou um pouco envergonhado. Eu não queria dar trabalho pra ninguém.
Confesso que estava tão cansado por causa do longo dia de trabalho e da viagem de ônibus, que bastou colocar a cabeça no travesseiro para mergulhar em um sono calmo e profundo. Só acordei na manhã seguinte porque a minha barriga roncou de fome.
Atordoado e sem saber direito o que fazer, saí do quarto e fui à procura das minhas amigas. Eu ainda estava muito travado naquela situação.
Por sorte, encontrei com a Alexia no corredor. Ela também parecia um pouco acuada:
- To me sentindo um peixinho fora d’água, amor – ela me abraçou.
- Eu também, princesa! Não deveria ter vindo pra cá.
- Nem me fala! Só fiz isso porque a louca da Janaína insistiu muito.
- Eu ouvi meu lindo nome? – a negra apareceu trajando uma camisola roxa e uma espécie de touca na cabeça. O visual da Janaína estava um tanto quanto... Pitoresco!
- Creio em Deus Pai! – falei.
- Que foi? O que você está olhando?
- Jana do céu – eu cocei a nuca. – Se eu falar uma coisa você não me mata?
- Ih... Lá vem merda! Que foi, Caio?
- Jana, essa camisola é igualzinha a que a minha avó usava!
Nunca vi a Alexia rir tanto e nunca vi a Janaína possuída do jeito que ela ficou. A negra me puxou pelo cotovelo e quase me fez beijar o chão do corredor da chácara da tia dela.
- Da próxima vez que me chamar de velha eu jogo você no chiqueiro dos porcos! – ela saiu andando e eu fiquei lá, sentado no chão com meu ataque de riso.
- Bom dia, minha filha – a tia da Janaína foi ver o que estava acontecendo.
- Bom dia pra senhora também, tia Nena – a mulher entrou no quarto cuspindo marimbondos.
Mesmo estando um pouco deslocado, não deu pra negar que eu comecei a curti aquele passeio.
Principalmente na hora do almoço. A Dona Nena fez um banquete pra gente e eu comi como há muito não fazia. Fiquei até arrependido por causa da academia.
Respirar ar puro e sair um pouco da cidade grande me fez muito bem. E o mesmo aconteceu com as minhas amigas.
- Isso daqui é tão gostoso – Alexia suspirou.
- É mesmo – concordei.
- Seus tios moram aqui faz tempo, amiga? – perguntou Alexia.
- A vida toda. Esse sítio era do meu avô e quando ele morreu a minha tia veio morar aqui. É de família, mas a minha mãe e a minha outra tia não quiseram então a tia Nena ficou com ele só pra ela.
- E por que sua mãe e sua outra tia não quiseram?
- Porque elas preferem a cidade grande. São duas loucas!
- Olha como ela fala da mãe dela, gente – eu ri.
- Mas não é verdade? Eu não trocaria isso daqui por nada!
- Nisso você tem razão. Quem me dera eu tivesse um desses para morar – Alexia bocejou.
Nós três estávamos sentados debaixo de uma mangueira. Fazia um dia quente, mas a temperatura não era tão alta quanto na cidade do Rio de Janeiro. A impressão que eu tinha era que ali ventava mais do que na capital do Estado.
Nós ficamos entretidos, conversando e olhando pro céu e quando menos esperamos, fomos surpreendidos por um grito da Janaína:
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI – ela berrou.
- Que foi, menina? – eu me assustei porque estava quase cochilando.
- Essa porra dessa manga caiu na minha cabeça! – ela ficou acariciando a cucutura. Alexia e eu caímos na gargalhada.
- Boa pontaria a dessa árvore – Alexia sorriu.
- Calada! Queria ver se tivesse sido com você!
- Será que essa manga é doce? – perguntei.
- Isso é o que nós vamos ver agora!
Janaína saiu e voltou dentro de poucos minutos munida de uma faca pequena e um prato transparente. A moça descascou a fruta e nós nos deliciamos com a mesma.
- Docinha – falei.
- Verdade.
Pouco tempo depois, os tios da Jana se juntaram a nós e a gente ficou lá, sem fazer nada a tarde toda. Os idosos eram muito legais.
Mais pro final da tarde, os primos da minha amiga chegaram do centro da cidade e aí a festa ficou completa de vez. A maioria deles era adolescente e alguns pareciam com a anfitriã.
- Alguém quer me ajudar a dar milho pras galinhas? – perguntou Janaína.
- Não – Alexia e eu respondemos em uníssono.
Ela saiu nos xingando, mas eu nem me abalei. Tudo o que eu queria era descansar, descansar e descansar.
Peguei o meu celular e digitei um torpedo pro Digow. Eu já estava com saudade dele e foi isso que coloquei na mensagem de texto. Meu irmão me fazia falta!
- Pra quem está mandando mensagem, menino? – Alexia quis saber.
- Pro Digow.
- Digow? Quem é Digow?
- O Rodrigo, seu ex.
- Ah! E ele tá bem?
- Uhum. Graças a Deus!
- Que bom!
- TIA NEEEEEENA, SOCORRO... – nós ouvimos a Janaína gritando.
- Que é isso? – Alexia sentou.
Eu também me sentei e vi a Janaína correndo feito uma louca. Ela estava com um potinho de milho nas mãos e pelo que parecia, estava fugindo de um galo que corria atrás dela com as asas abertas. O bicho estava cacarejando sem parar.
- TIA NEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEENA, ME ACOOOOOOOOOOODE... SEU GALO QUER ME ESTUPRAAAAAAAAAR...
Eu nunca ri tanto em toda a minha vida! Quanto mais ela corria, mais o galo ia atrás dela. A pobre da mulata já estava até ficando cansada.
- SOCOOOOOOOOOOOOORRO, TIA NEEEEEEEEENA.... TIA NEEEEEEEEEEEEEEEENA... AI, MINHA MÃE... ESSE GALO É TARADO! SOCOOOOOOOOOOOOORRO!!!
Alexia e eu rimos tanto, que as lágrimas escorreram por nossos rostos. A cena foi cômica! A pobre da Janaína ficou exausta.
Ela corria em círculos, tentava fugir do galo, mas não conseguia. Ela só conseguiu se livrar do bicho de vez quando a dona do sítio afugentou a ave. Foi hilário!
- Vai “simbora”, Leandro e Leonardo! – falou a senhora.
- Leandro e Leonardo? – eu sequei uma lágrima.
- Esse é o nome do galo da minha mãe – falou uma menina, que estava próximo da gente.
- Nossa! Ela deveria ser muito fã deles, né?
- Muito! Você não tem noção!
Eu achei aquele nome peculiar demais, mas... Quem era eu pra me meter no nome do animal? Ninguém!
- DO QUE VOCÊS ESTÃO RINDO? – ela se aproximou, toda descabelada e com o rosto lavado em suor.
- De... Você... – minha barriga doía muito.
- A sorte de vocês é que eu estou morta, senão cada um receberia meia hora de tapa na cara! Galo desgraçado! Tomara que as galinhas façam greve de sexo pra ele aprender a respeitar os seres humanos! Bicho tarado! Me fez correr o que eu correria nas próximas três encarnações! Filho da puta!
- Ele pensou que você era uma galinha – Alexia gargalhou. – E queria te possuir!
- Cala a boca! Galinha aqui é você, sua vaca! Galo desgraçado! Vou é matá-lo pra fazer uma macumba. Bicho nojento! Vou colar os pés dele com “Super Bonder”, daí quero ver ele correr atrás da gente. Filho da puta...
Eu ganhei o mês com esse acontecimento. Só por isso, a minha viagem até o sítio da família da Janaína valeu a pena! Foi perfeito passar aquele final de semana ao lado das minhas duas melhores amigas.
As aulas da faculdade estavam indo de vento em poupa. Todas as provas da P1 já tinham passado e eu tirei nota baixa em apenas uma delas: Matemática.
Por isso, redobrei a atenção em todas as aulas dessa disciplina e pedi ajuda até para o Fabrício na república:
- Eu acho que você deveria fazer Matemática, na boa – opinei.
- Deus me livre, cara. Faltam só dois meses para eu me formar, não quero saber de faculdade tão cedo!
- Verdade – eu fiquei com inveja. – Faltam só 2 meses!
- Louvado seja Deus!
- E o que você pretende fazer depois que as aulas acabarem?
- Vou voltar pra minha casa, ué.
- Sério? – eu fiquei triste. – Isso quer dizer que você vai sair da república?
- Sim! Por quê?
- Ah... Fiquei triste agora! Eu me acostumei com você, mano!
- E eu com você, mas eu preciso voltar pra minha casa, pra minha família. Sinto muito a falta deles, sabe?
- Faço ideia – suspirei.
Então era bom eu começar a me preparar para me despedir do Fabrício. Logo menos ele iria embora e não iria mais fazer parte da minha vida.
 Só me resta te desejar boa sorte então – olhei o bofe.
- Pra nós, pra nós – Fabrício sorriu. – Mas fica tranquilo que a gente não vai perder o contato. Eu gosto de você, garoto.
- Eu também gosto de você, garoto – dei risada. – E fico contente que a gente não perca mesmo o contato.
- Não perderemos. Eu acho que uma amizade verdadeira deve ser levada pro resto da vida. E eu me considero seu amigo.
- E você é. Acredite.
- Você também é um grande amigo, Caio!
- Vamos jogar bola, Fabrício? – Vinícius apareceu de regata e shorts de jogador de futebol.
- Vamos sim. Caio, entendeu a matéria?
- Mais ou menos, mas a sua ajuda foi de grande utilidade.
- Que bom. Fico feliz em ajudar.
- Obrigado por me ajudar.
- De nada. Sempre que precisar você pode contar comigo.
- Muito obrigado. Tenha certeza que a recíproca é verdadeira.
Meu colega de república bagunçou o meu cabelo e saiu da sala. Só me restava ficar com meu livro, meus materiais da faculdade e os cálculos daquela matéria insuportavelmente chata.
Outubro estava passando rápido. Nós já estávamos na 2ª semana do mês e eu não havia mais recebido notícia do Murilo. Pelo jeito o nosso namoro tinha mesmo ido pro beleléu.
Mas o pensamento do ser humano tem um poder oculto muito forte e bastou pensar no novinho pra ele me ligar. Isso me deixou até surpreso, porque foi automático:
- Eu estava pensando em você, sabia? – falei.
- Verdade? – a voz do Murilo estava oscilando. Ora ficava grave, ora ficava fina.
- Verdade sim. Você sumiu, não me deu mais notícias... Eu estava preocupado! Está tudo bem?
- Agora está e contigo?
- Eu estou levando a vida como posso.
- Eu te liguei pra saber se você quer vir aqui na minha casa neste final de semana?
- Na sua casa?
- É, pô!
- Para quê exatamente? – indaguei e bebi o resto do meu suco de laranja.
- Pra gente conversar. Pra que mais seria?
- Que horas eu posso passar aí?
- No mesmo horário de sempre, oras bolas.
- Então eu vou.
- Vem mesmo?
- Vou! Não disse que vou? Se eu disse que vou é porque eu vou – dei risada.
- Então eu te espero – Murilo retribuiu o riso.
- Combinado então.
- Combinado então – meu ex concordou.
- Até domingo.
- Até domingo. Falou aí.
- Falou!
Que bom que ele me procurou. Era sinal que estava arrependido e queria falar comigo. Claro que eu fui o errado da história, mas eu tinha direito de perdão. Ou será que não?
Ter a Alexia de volta na loja me deixou feliz. Ela estava ainda mais linda do que já era e estava com um bronzeado invejável.
- Não ficou mesmo assada? – perguntei pela milésima vez.
- Nâo, eu já disse que não – ela riu.
- Se bem que eu também não fiquei quando me bronzeei na praia. Você ficou mais pretinha ainda depois que a gente foi na chácara da tia da Jana!
- Fiquei. Eu peguei mais um pouco de sol nesse meio tempo.
- Entendi!
- Mudando de assunto, você já viu as fotos das filhas do Gabriel?
- Vi – fiquei até com os olhinhos marejados. – Elas são lindas, não são?
- São sim. Ele está todo babão, né?
- É verdade. E não é pra menos.
As meninas do Gabriel nasceram com 2 dias de diferença. Uma se chamava Gabriela e a outra Talita. Eu no lugar do meu amigo ficaria doidinho com duas crianças pequenas pra criar. Era como se ele fosse pai de gêmeos. Eu lembrei do Cauã pensando nessas coisas. Será que ele estava bem?
- Que cara é essa? – a morena de cabelo Chanel me fitou com curiosidade.
- Lembrei do meu gêmeo. Queria saber se ele está bem.
- Por que não liga?
- Porque ele não me atenderia.
- Será que não?
- Não. Eu conheço o Cauã Monteiro.
- Situação complicada a sua – Alexia suspirou.
- Eu já estou acostumado. Para ser sincero, eu quase não penso na minha família, mas às vezes bate uma saudade. A única que eu penso todos os dias é a minha mãe. É inevitável.
- Normal. Há quanto tempo você está fora de casa mesmo?
- 3 anos – respondi.
- Tempo demais. Se eu fosse a sua mãe já estaria louca. Já teria até colocado foto na televisão. Teria ido no “Programa do Ratinho” pra ele ajudar a te encontrar.
- Minha família não gosta de mim, amiga. Eles não estão nem aí. Minha mãe mesmo falou isso quando fiz o treinamento em São Paulo, lembra?
- Como eu posso esquecer uma coisa dessas?
- Pois é. Eu nasci para sofrer, isso sim.
- Não fala uma coisa dessas, menino!
- Mas é a verdade! Eu não dou sorte no amor e ainda por cima fui largado pelos meus pais. Era melhor que nem tivesse nascido – exagerei.
- Da próxima vez que você falar uma asneira dessas eu dou um tapa na sua cara. Agora circula que os gerentes estão olhando pra nós.
- Mais tarde continuamos o papo.
- Combinado.
Voltei ao meu setor e ao invés de ficar trocando ideia com a Jana, fiquei trocando ideia com o Kléber:
- Me ajuda com um pedido de montagem em atraso, amigo? – ele solicitou a minha ajuda.
- Claro! Deixa eu ver como ele está...
Infelizmente o domingo estava chuvoso, mas não era uma chuva forte para me impedir de ir na casa do Murilo.
- Entra aí – ele mesmo abriu o portão.
- Com licença – entrei na garagem e fechei o meu guarda-chuva.
- Vamos pro meu quarto.
- Uhum.
Segui o garoto e pra variar ele estava sozinho em casa. Será que ele era órfão de pai? Nunca tive notícias sobre aquele assunto...
- Pra que me chamou aqui? – fui direto ao ponto.
- Porque eu fiquei com saudades e porque eu quero voltar o nosso namoro.
- Quer é?
- Quero. Eu pensei muito sobre o assunto e entendi a sua situação. Eu te perdoo, mas com uma condição.
- Qual condição?
- Que você nunca mais me confunda com o Bruno!
- Isso nunca mais vai acontecer – eu prometi.
Murilo foi até onde eu estava e me deu um beijo. Eu tinha medo dele, porque com ele as coisas aconteciam meio que rápido demais. Nem bem a gente conversou e ele já pediu pra voltar, já me perdoou e já me beijou. Ele era meio precoce...
Na hora que a gente ia partir pro sexo a mãe dele chegou em casa e nós tivemos que parar. Isso deixou nós dois frustrados.
- Já vou mãe – ele bufou. – Vamos pra sala, é melhor.
- Beleza.
O jeito foi ficar conversando com ele o resto da noite. Quando o relógio marcou 22 horas eu resolvi ir embora porque já estava ficando um pouco tarde e eu precisava descansar.
- Obrigado por me perdoar – eu falei no portão.
- Não tem que agradecer. Eu fiz porque gosto de você.
- Eu também gosto de você, te juro!
- Só cumpra a sua promessa, por favor.
- Ela já está sendo cumprida. Acredite nisso.
- Eu vou acreditar.
- Boa noite, Murilo.
- Boa noite, Caio.
Apertei a mão do bofe mirim, peguei o meu rumo e voltei para a minha casa.
NO FINAL DE OUTUBRO...
Bastou chegar a meia noite do dia 30 de outubro para eu me lembrar que era aniversário do Bruno.
Durante todo o mês nós não nos falamos direito, mas em nenhum dia, em nenhum momento eu deixei de pensar nele.
Foi por isso, foi por essa força de pensamento que eu não resisti e fui obrigado a ligar pra ele assim que vhegou o dia do 19º aniversário do meu ex-namorado:
- Caio? – mesmo por telefone eu percebi que a voz dele estava surpresa.
- Oi... Tudo... Bom?
- Nossa! Muito melhor agora... Que milagre você me ligando...
- Sabe o que é?
- O que foi? – a voz dele mudou para alegre.
- Eu queria... Te desejar um... Feliz aniversário!
- Você lembrou? – Bruno voltou a ficar surpreso.
- Lembrei sim...
- Nossa... Que honra... Puxa, muito obrigado!!!
- Eu te desejo... – suspirei. – Muitos anos de vida...
- Obrigado, Caio! Estou muito feliz por você ter lembrado do meu dia.
- E desejo também que você seja muito feliz...
- Feliz?
- É, Bruno... Feliz!
- Você sabe como eu posso ser feliz não sabe? Você sabe qual é a única forma de eu ser feliz...
- Não – engoli em seco. – Eu não sei.
- Sabe sim! Você sabe que eu só serei feliz no dia em que a gente conversar direito e no dia em que a gente resolver tudo o que temos pra resolver. Nesse dia eu vou ser o homem mais feliz do mundo.
- Receio que esse dia não chegue, Bruno.
- Ele vai chegar, Caio! Eu tenho certeza disso.
- Enfim... Feliz aniversário pra você! Eu preciso desligar agora.
- Não, não desliga...
- Eu preciso dormir, Bruno...
- Vamos conversar mais um pouco, por favor?
- É sério, eu preciso desligar. Eu tenho aula daqui a pouco.
- Então só me deixa te fazer um convite?
- Que convite?
- Eu vou comemorar o meu aniversário no sábado em um barzinho... Eu queria muito que você fosse, muito mesmo.
- Não, obrigado.
- Por favor, Caio... Me dá esse presente de aniversário?
- Não, Bruno! Não confunde as coisas, por favor. Eu nem deveria ter te ligado...
- Pelo menos anota o endereço... Se você sentir vontade dá uma passada lá, por favor... Eu vou ficar muito feliz, de verdade...
- Onde vai ser? – eu fiquei em dúvida.
Ele disse o endereço e o nome do bar. Era o mesmo que eu tinha comemorado o meu aniversário de 19 anos. Seria coincidência?
- Sabe onde é? – o aniversariante perguntou.
- Sim eu sei. Comemorei o meu aniversário de 19 anos lá também...
- Verdade? – Bruno ficou espantado.
- Verdade sim – eu suspirei.
- É o destino. Só pode ser o destino...
O que será que ele quis dizer com aquilo?
- Você vai?
- Não – fui sincero. – Não conte com a minha presença.
- Faz um esforço, por favor. Eu te peço...
- Não conte com a minha presença. Eu preciso mesmo desligar, tá bom? Feliz aniversário, tudo de bom pra você.
- Muito obrigado, Caio. De coração!
- Não foi nada. Boa noite.
- Boa noite, amor.
AMOR? Que história era aquela de AMOR? Eu não queria que ele me chamasse daquela forma, não queria mesmo! Eu não era o amor do Bruno, da mesma forma que ele não era o meu amor...
Era por essas e outras razões que eu tinha que deixar o meu ex de lado, mas o que eu podia fazer se o meu coração falava mais alto? O que eu podia fazer se eu não consegui resistir e tive que ligar???
O que eu poderia fazer? Simples: lutar contra esse sentimento incrivelmente forte que existia dentro do meu peito. Aquela era a minha única e última alternativa.

A festa à fantasia que a Janaína falou não era uma festa qualquer. Para o meu total espanto, até o Rodrigo tinha sido convidado.
Mas isso se deu pelo fato dele ter sido convidado pela namorada, que foi convidada por uma amiga. No fundo, tudo não passou de uma alegre coincidência.
Janaína, Alexia e eu conseguimos folga no dia 1º de novembro – de novo – e isso nos deixou livres para curtir toda a festa do dia das bruxas.
No começo eu confesso que não estava nada ansioso, mas bastou chegar o dia para eu me animar e curtir aquela ideia doida.
Resolvi ir fantasiado de Coringa do Batman. A prima da Janaína que ia ficar responsável pela maquiagem. A minha melhor amiga ia de madre mesmo e isso foi motivo de piada para mim e a Alexia:
- Madre Janaína de Calcutá, como eu estou? – perguntou Alexia.
- Horrorosa. Será que dá pra me ajudar com esse chapéu?
- Ai, Jana – a branquela riu. – Só você mesmo. Isso não é um chapéu, é um gorro!
Não sei qual das duas era pior. Não era nem um chapéu e nem um gorro. Era um hábito. Esse era o nome certo.
Alexia estava fantasiada de Sininho e ficou a maior graça. Dentre nós três, ela foi a mais perfeita de todos.
Isso foi o que eu pensei. Bastou me olhar no espelho para mudar de ideia. A prima da Jana era formada nesses negócios de maquiagem e ela simplesmente arrasou na finalização da minha fantasia.
- A-D-O-R-E-I!!! – exclamei.
- Ficou excelente, Vilma – a madre parabenizou a prima. – Adorei também.
- Obrigada, obrigada!
- Podemos ir? – Alexia estava ansiosa.
- Podemos – Janaína suspirou. – Onde está a chave do carro?
- Minha Nossa Senhora, me ajuda – eu estava com medo. – Não quero morrer com a Jana dirigindo...
- Cala a boca, moleque. Olha que eu esfrego a sua cara no vinagre, hein?
- Tá me achando com cara de salada? – me ofendi.
- Me respeita, é melhor pra você. Vamos embora, vamos embora que nós já estamos atrasados.
Quando a mulher deu a partida no carro eu senti vontade de fazer xixi.
- AI JESUS, ME AJUDA – gritei de propósito.
- Tem gente que tá pedindo pra morrer mesmo...
- AAAAAI JESUS – o carro saiu do lugar e o meu coração disparou.
- Alexia, bate nele?
- Bato não. Eu to com medo também...
- Vou quebrar o focinho de vocês dois, ah eu vou!
- Me dá esse terço aqui – arranquei o terço que estava nas vestes da Janaína. – Ave Maria, Cheia de Graça...
- Vou rezar o terço na sua cara já, já – Janaína bufou.
- O Senhor é Convosco – comecei a rezar com os olhos apertados.
- EU TE MATO, CAIO MONTEIRO!
Tive que dar o braço à torcer. A Janaína era uma excelente motorista. Nós chegamos na festa ilesos e sem nenhum arranhão.
- Viu só? Eu disse que sou uma ótima “pilota” – a freirinha colocou a chave nos seios.
- Deus estava do nosso lado – eu suspirei e abracei a Alexia. – Foi as minhas orações, amiga!
- Amém! – Alexia me agarrou com força.
- Cachorro. Deixa você! Ai gente, como as freiras conseguem ficar com esse vestido? Puta que pariu que negócio quente! Não corre nenhum ventinho nas minhas pernas. Quero essa “profissão” pra mim não...
Alexia e eu demos risada.
- Profissão! Que pecado, Jana! É vocação, isso sim!
- Ai esperem aí um pouquinho – a negra estava suando. – Deixem eu tomar um ar.
Para a minha total suspresa e meu total desespero, a doida da Janaína levantou a saia até as coxas e ficou balançando o tecido pra frente e pra trás. Eu desacreditei quando vi aquela cena.
- Assim está melhor. Ufa!
- Ai, Deus – Alexia me abraçou. – Eu não conheço essa doida, eu não conheço!
- Não conhece, né Sininho do Paraguai? Vou dar 50 chineladas na sua cara pra ver se você se lembra de mim! Bando de idiotas...
A minha maior expectativa da noite foi ver a fantasia do Rodrigo. Ele não me disse do que iria se fantasiar e eu confesso que estava pra lá de curioso.
Fiquei procurando o cara por todos os lados, mas não o encontrei e também não localizei a Marcela. No mínimo eles ainda não tinham chegado.
Fiquei entretido, olhando para a decoração daquele salão, que diga-se de passagem, estava de tirar o fôlego e acabei não notando a chegada de um desconhecido atrás de mim:
- Coringa? – uma Voz masculina soou e eu me virei.
Quando o vi, simplesmente não pude acreditar no que meus olhos focaram. Era um garoto alto, com a pele extremamente alva, o rosto incrivelmente harmonioso e os olhos... Estupidamente azuis!
As vestes eram tradicionais. As mesmas que todos os príncipes encantados usavam nos contos de fadas das histórias infantis. Era inacreditável que aquilo estivesse acontecendo.
O que mais me chamou a atenção foram os olhos qs olhos azuis. Ele não tinha olhos azuis...
- Di.Digow? – tremi.
- Oi, Cacs! – o príncipe encantado abriu um sorriso.
- PRÍNCIPE?
- É! Não gostou?
- Aiiiiiiiiiiiiiiiii – eu fiquei encantado. – FICOU O MÁXIMO!
- Obrigado! A sua está muuuuuuito melhor que a minha! Eu tenho medo de você.
- Medo de mim?
- Tenho medo do Coringa!
- Posso te falar uma coisa?
- O quê? – ele olhou nos meus olhos.
- Você não precisa se fantasiar de príncipe. Você já é um príncipe por natureza!
Eu já tinha visto o Digão com vergonha várias vezes, mas nenhuma como aquela. O menino não ficou vermelho, ele ficou literalmente roxo de tanta vergonha.
- O-obriga-gado!
- Lindo – eu me derreti todinho. – E esses olhos azuis? Me explica!
- Você gostou? – ele piscou duas ou três vezes.
- Preciso responder uma coisa dessas? Preciso?
- Sim! Precisa!
- É claro que eu gostei, Digow! Você sabe que eu amo olhos azuis!
- Sei sim. E foi por isso que eu peguei essas lentes emprestadas.
- Como assim? – não entendi.
- Só pra ver a sua reação! Você não é apaixonado por olhos azuis? Então aqui estão! São pra você!

Nenhum comentário: