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implesmente não acreditei no que os meus olhos estavam vendo.
Por mais que eu tivesse convidado a Dona Elvira pra minha formatura, eu não acreditava que ela fosse realmente comparecer no evento e quando a vi parada na frente da minha casa, não consegui acreditar que era ela de verdade.

- Que cara de espanto é essa? Pensou que eu não ia vir?
- Pensei! Pensei que a senhora não iria vir.
- Pois cá estou eu!!!
Abri um sorriso, desci pra calçada e a abracei ali mesmo. A mulher me apertou com vontade e ficou me balançando pra um lado e pro outro, como se eu fosse um pêndulo.
- Sinto muita saudade da senhora também, Dona Elvira. E é realmente muito bom vê-la.
- Digo o mesmo, menino. Como você cresceu, hein?
- É, eu cresci mesmo – dei risada. – Mas vem! Entra na minha casa, mas não repara na bagunça.
- Meu filho, quase não encontrei esse endereço. Você não mora, você se esconde. Por qual motivo trocou o Catete por esse bairro tão longe?

- É que o dono da casa do Catete queria aumentar e muito o aluguel, por isso a gente mudou pra cá. Já faz um tempão que eu moro aqui, Dona Elvira. Até me acostumei!
- É muito longe, Caio. Eu, hein? E você está bem, filho?
- Eu estou bem sim e a senhora?
- Maravilhosamente bem! Muito feliz em estar contigo de novo.
- Eu que o diga. Senta, Dona Elvira. Eu vou buscar um pedaço de bolo pra senhora.
- Que vai buscar que nada, vamos pra cozinha que pelo menos você não precisa andar até a sala.
Ela continuava a mesma. Passada a minha surpresa, nós começamos a conversar sobre as nossas vidas e ela não desviou os olhos de mim um segundo sequer.
- Quer dizer que você realmente não tem notícias deles?
- Não. Eu não tenho e também não faço questão de ter.
- Eu nem sei mais o que pensar a respeito disso. Sua mãe não é mãe, é uma cobra!
- Pois é, mas sinceramente, Dona Elvira, eu já me acostumei. Eu transferi todo o amor que sentia pela minha família pro meu namorado.
- E quem é esse namorado mesmo?
- O Bruno, Dona Elvira. Lembra que eu falei dele nas cartas?
- Ah, é verdade. Eu estou louca para conhecê-lo.
- Conhecerá no sábado. Ele é o meu maior presente de Deus, a senhora vai ver.
- Que lindo! – ela ficou contente. – Eu fico tão aliviada por você estar bem, Caio... Quando me mudei, eu fiquei muito preocupada com seu futuro, mas pelo visto você está é bem de vida!
- Bem de vida não estou, mas eu me viro como posso. Graças a Deus eu dei a volta por cima e eu devo tudo isso a senhora, Dona Elvira.
- A mim?
- Sim! Se não tivesse sido a senhora, provavelmente eu não estaria aqui agora.
- Que exagero, menino!
- Não é questão de ser exagero.Sejamos realistas: se a senhora não tivesse me dado emprego naquela época, o que seria de mim? Eu provavelmente teria morrido de fome. Essa é a verdade.
- Agradeça primeiro a Deus, depois ao Padre João. Se não fosse o Padre João, nós não teríamos nos conhecido.
- É verdade. Eu preciso fazer uma visita a ele.
- Você não vai visitá-lo com frequência?
- Ai que vergonha, mas eu tenho que ser sincero... Eu não vou...
- Que coisa feia, menino! Deveria ir na missa todos os domingos!
- Pra mim é muito complicado. Eu trabalho demais e tem a minha rotina com o Bruno também...
- Isso não justifica, Caio!
Ela tinha razão. Eu estava mesmo em falta com Deus e com o Padre João. Foi ele que me ajudou. Eu deveria ser mais grato.
- Prometo que irei vê-lo no outro domingo.
- E por que não nesse?
- Por causa da formatura que é sábado. Eu não vou conseguir acordar no domingo pra ir na missa logo cedo.
- Hum... Sendo assim eu te perdoo. Ande, me conte como é o Bruno.
- Quer ver uma foto dele?
- Claro!
- Então vem comigo que eu te mostro, Dona Elvira. Assim a senhora aproveita e conhece a minha casa.
- É uma bela casa.
- Obrigado.
Levei a mulher até o meu quarto e lá mostrei um álbum de fotos que eu tinha do Bruno. Todas as fotografias eram só dele e de mais ninguém.
- Ele é bonito.
Bonito? Ele era lindo – e é lindo –, isso sim!
- Ele é lindo – eu a corrigi.
- Quantas fotos...
- E todas elas foram tiradas de julho pra cá, hein?
- Foi quando vocês voltaram?
- Isso!
- E agora está tudo bem?
- Melhor impossível. Ele está fazendo faculdade na UFRJ!
- Ah, é? Então ele é bem inteligente, porque não é fácil passar na federal.
- Ele é inteligente sim.
- E qual curso ele faz?
- Arquitetura.
- Bela profissão ele escolheu. Não tem nenhuma foto sua nesse álbum?
- Não. Esse é só dele.
- Que pena. Eu ia roubar uma foto sua pra mostrar para As minhas amigas de Minas.
- Espera aí, deixa eu pegar umas fotos minhas então.
Fui até a gaveta e peguei um álbum que era só meu. Ela abriu, vasculhou as fotos e disse:
- Posso ficar com essa?
- Pode sim, Dona Elvira.
- Como você está lindo nessa foto, Caio!
Era uma fotografia que o Bruno havia tirado, em uma das nossas idas até a praia. Eu estava olhando pro mar, de óculos escuros e com a fisionomia séria.
- Obrigado.
- Se bem que essa aqui é mais bonita ainda. Eu já disse que amo o seu sorriso?
- Se a senhora disse eu não me lembro – senti as minhas bochechas queimarem.
- Pois eu amo. Seu sorriso é lindo, sabia?
- Obrigado!
Eu não achava, mas enfim...
- Dona Elvira, onde a senhora está hospedada?
- Na casa de uma grande amiga minha, que assim como eu é viúva.
- Ah...
- Fazia tempo que nós não nos víamos, foi muito bom revê-la.
- Hum... E a senhora vai embora quando?
- No domingo mesmo. Eu só vim por causa da sua formatura. Eu não queria perder esse momento por nada.
- Nem sei como posso agradecê-la.
- Não agradeça. É o mínimo que eu posso fazer por você. Não se esqueça que você é como o meu filho.
- E a senhora é como a minha mãe!!!
Nos abraçamos e eu senti vontade de chorar. Aquele abraço foi realmente como um abraço de mãe. Era um abraço quente, confortável, protetor... Lembrou o abraço da Dona Fátima em todos os sentidos.

- Enquanto você não fizer as pazes com a sua mãe, pode contar comigo, viu?
- Uhum – eu murmurei. – E mesmo se nós fizermos as pazes um dia, a senhora sempre vai continuar sendo a minha mãe.
Era bom ter aquela mulher perto de mim. Ela me transmitia muita segurança, muita calma e eu aprendia muito com a maturidade que ela tinha. Uma pena ela ter ido morar em Minas.
- E como está a sua vida lá em Minas?
- Uma delícia. Eu montei o meu negócio, as vendas estão boas e lá é muito gostoso. Você precisa me visitar um dia.
- É só marcar que eu vou e levo o Bruno comigo! Se puder, é claro.
- É claro que pode, menino. Pois então a gente vai combinar e eu quero você lá, hein?
- Prometo que vou. Sempre tive vontade de provar as guloseimas de Minas Gerais.
- Pois vai provar o meu queijo e o meu doce de leite. Tenho certeza que você vai adorar!
- Eu também tenho.
Dona Elvira e eu ficamos batendo papo por um tempão. Os meninos foram chegando aos poucos e ela ainda estava lá em casa.
- Dona Elvira, a senhora lembra do Rodrigo?
- Como eu posso esquecer desse menino tão bonito? Como vai, meu filho?
- Bem, Dona Elvira e a senhora? – Rodrigo beijou o rosto da mulher. – Obrigado pelo elogio.
- Eu estou ótima. Matando as saudades aqui do Caio.
- E ele da senhora, tenho certeza disso. Com licença, eu preciso trocar de roupa, já estou me atrasando pra faculdade.
- Você ainda faz faculdade?
- Agora eu já estou na pós-graduação. Eu vou me formar no final de semana com o Caio.
- Ah, é verdade. Ele havia me contato nas cartas que me enviou. Que cabeça a minha.
Em um parâmetro geral, a Dona Elvira parecia muito bem de saúde. Ela parecia até mais jovem fisicamente falando.
- Jovem? – ela riu. – Quem me dera. São seus olhos.
- Não, não são. A senhora parece sim mais jovem.
- Deve ser o ar de Minas. Aqui é tudo muito poluído.
Provavelmente ela não conhecia São Paulo.
- Ar poluído é o de São Paulo.
- Ali eu não volto nunca mais. Deus me livre de morar numa cidade tão suja como aquela.
Fiquei meio enraivecido. Eu nasci em Osasco, mas fui criado em Sampa desde bebê e não gostava que ninguém falasse mal da minha cidade.
- Enfim, o papo está muito bom, mas eu tenho que voltar pra casa da Mirtes. Ela já deve estar preocupada.
- Fica mais um pouco, Dona Elvira!
- Não, não querido. Foi muito bom revê-lo, mas eu realmente tenho que ir. Já anoiteceu e eu preciso viajar ainda até a Glória. Esse bairro é muito longe de lá.
- Pois então eu vou levá-la até o ponto de ônibus.
- Ficaria grata. Eu não sei andar aqui no Realengo.
- Será um prazer.
Levei a minha ex-patroa até o ponto, mas o ônibus demorou a passar.

- Já estou desacostumada a andar no Rio de Janeiro. Espero não passar do ponto.
- A senhora quer que eu vá com a senhora?
- Não, menino. Não se preocupe. Eu me viro bem. É esse ônibus?
- Não, Dona Elvira – eu sorri.
- Caramba, cadê esse ônibus? Já estou ficando com medo de ficar aqui.
- Esse bairro não é violento, Dona Elvira.
- O Rio é violento, Caio.
Ela tinha razão. Qual lugar do mundo não é violento? Eu não conhecia nenhum.
- Agora sim, é esse daí.
- Louvado seja Deus! Dá aqui um beijo, meu filho.
Eu abracei a mulher, dei um beijinho no rosto dela e pedi parada pro ônibus, que estacionou literalmente na minha frente.
- Vai com cuidado, Dona Elvira.
- Pode deixar, querido. Boa noite, fique com Deus e até sábado.
- Até. Ah, o Bruno e eu vamos te buscar na casa da sua amiga, tá?
- Eu te ligo e passo o endereço.
- Combinado.
- Anda logo velha, não vou ficar esperando a noite toda – o motorista reclamou.
- Velha é o escambal, me respeita senão eu dou parte na polícia – Dona Elvira entrou no coletivo. – Tchau, Caio!
- Tchau, Dona Elvira.
Eu saí dando risada. Que velhota brava! Mas ela tinha toda razão do mundo... Que motorista sem noção!
- A Dona Elvira já foi? – encontrei meu amigo na calçada.
- Foi sim. Acabou de pegar o busão.
- Jurava que ela não ia vir pra nossa formatura.
- Pois é, eu também. Ei, você não está atrasado não?
- Totalmente. Só vou chegar na faculdade umas 21 horas hoje.
- Acabou de passar o ônibus.
- Danou-se, me lasquei. Então deixa eu ir senão eu perco o próximo. A gente se vê mais tarde.
- Combinado!
O Rodrigo estava estudando à noite naquele ano e isso limitava e muito o nosso convívio diário. Na maioria das vezes eu não conseguia esperá-lo acordado pra gente conversar.
A sorte é que ele não ia para a faculdade todos os dias, visto que tratava-se de um curso de pós-graduação.

Quando eu cheguei no meu quarto e peguei o celular, percebi várias ligações perdidas do Víctor. Com a surpresa da chegada da Dona Elvira, eu nem me lembrei que o meu amigo também ia chegar no Rio naquele dia!
Ele me atendeu e desligou. Eu achei estranho. Será que ele tinha ficado com raiva de mim? Mas não era isso. Ele só não atendeu por causa do roaming. Se atendesse, pagaria mais caro pela ligação, por isso ele me ligou em seguida.
- Que horas você chegou, criança?
- Faz uma hora mais ou menos. Eu liguei pra saber o nome de um hotel, mas você não atendeu, né viado?
- Desculpa, amigo. Eu estava com visita aqui em casa, não vi o celular tocando e esqueci de te buscar aí.
- Ah, entendi. Tem problema não, eu já achei um hotel.
- Onde?
- Em Copacabana. Bem baratinho.
Hotel barato em Copacabana? Era mais fácil encontrar um trevo de quatro folhas no meio da Avenida Brasil.
- Qual nome do hotel?
Ele disse o nome e eu situei o local. Pelo visto não era caro mesmo, uma vez que o recinto era do nipe da hospedaria do Seu Manollo.
- E quando a gente se vê? – ele questionou.
- Sexta à noite, amigo. Já está tudo certo pro barzinho.
- Ah, então tá bom. Agora deixa eu desligar senão os meus créditos acabam.
- Só me diz uma coisa: o Rian veio, né?
- Veio sim. Ele está no banho agora.
- Que bom. Só assim eu conheço o seu namorado.
- Verdade. Então eu vou esperar você me mandar o endereço do local por torpedo e aí a gente se encontra, beleza?
- Combinadíssimo. Um beijo, amigo. E obrigado por ter vindo.
- Beijo, queridão. Saudades.

- Eu também.
Por mais que eu tivesse convidado a Dona Elvira pra minha formatura, eu não acreditava que ela fosse realmente comparecer no evento e quando a vi parada na frente da minha casa, não consegui acreditar que era ela de verdade.
- Que cara de espanto é essa? Pensou que eu não ia vir?
- Pensei! Pensei que a senhora não iria vir.
- Pois cá estou eu!!!
Abri um sorriso, desci pra calçada e a abracei ali mesmo. A mulher me apertou com vontade e ficou me balançando pra um lado e pro outro, como se eu fosse um pêndulo.
- Sinto muita saudade da senhora também, Dona Elvira. E é realmente muito bom vê-la.
- Digo o mesmo, menino. Como você cresceu, hein?
- É, eu cresci mesmo – dei risada. – Mas vem! Entra na minha casa, mas não repara na bagunça.
- Meu filho, quase não encontrei esse endereço. Você não mora, você se esconde. Por qual motivo trocou o Catete por esse bairro tão longe?
- É que o dono da casa do Catete queria aumentar e muito o aluguel, por isso a gente mudou pra cá. Já faz um tempão que eu moro aqui, Dona Elvira. Até me acostumei!
- É muito longe, Caio. Eu, hein? E você está bem, filho?
- Eu estou bem sim e a senhora?
- Maravilhosamente bem! Muito feliz em estar contigo de novo.
- Eu que o diga. Senta, Dona Elvira. Eu vou buscar um pedaço de bolo pra senhora.
- Que vai buscar que nada, vamos pra cozinha que pelo menos você não precisa andar até a sala.
Ela continuava a mesma. Passada a minha surpresa, nós começamos a conversar sobre as nossas vidas e ela não desviou os olhos de mim um segundo sequer.
- Quer dizer que você realmente não tem notícias deles?
- Não. Eu não tenho e também não faço questão de ter.
- Eu nem sei mais o que pensar a respeito disso. Sua mãe não é mãe, é uma cobra!
- Pois é, mas sinceramente, Dona Elvira, eu já me acostumei. Eu transferi todo o amor que sentia pela minha família pro meu namorado.
- E quem é esse namorado mesmo?
- O Bruno, Dona Elvira. Lembra que eu falei dele nas cartas?
- Ah, é verdade. Eu estou louca para conhecê-lo.
- Conhecerá no sábado. Ele é o meu maior presente de Deus, a senhora vai ver.
- Que lindo! – ela ficou contente. – Eu fico tão aliviada por você estar bem, Caio... Quando me mudei, eu fiquei muito preocupada com seu futuro, mas pelo visto você está é bem de vida!
- Bem de vida não estou, mas eu me viro como posso. Graças a Deus eu dei a volta por cima e eu devo tudo isso a senhora, Dona Elvira.
- A mim?
- Sim! Se não tivesse sido a senhora, provavelmente eu não estaria aqui agora.
- Que exagero, menino!
- Não é questão de ser exagero.Sejamos realistas: se a senhora não tivesse me dado emprego naquela época, o que seria de mim? Eu provavelmente teria morrido de fome. Essa é a verdade.
- Agradeça primeiro a Deus, depois ao Padre João. Se não fosse o Padre João, nós não teríamos nos conhecido.
- É verdade. Eu preciso fazer uma visita a ele.
- Você não vai visitá-lo com frequência?
- Ai que vergonha, mas eu tenho que ser sincero... Eu não vou...
- Que coisa feia, menino! Deveria ir na missa todos os domingos!
- Pra mim é muito complicado. Eu trabalho demais e tem a minha rotina com o Bruno também...
- Isso não justifica, Caio!
Ela tinha razão. Eu estava mesmo em falta com Deus e com o Padre João. Foi ele que me ajudou. Eu deveria ser mais grato.
- Prometo que irei vê-lo no outro domingo.
- E por que não nesse?
- Por causa da formatura que é sábado. Eu não vou conseguir acordar no domingo pra ir na missa logo cedo.
- Hum... Sendo assim eu te perdoo. Ande, me conte como é o Bruno.
- Quer ver uma foto dele?
- Claro!
- Então vem comigo que eu te mostro, Dona Elvira. Assim a senhora aproveita e conhece a minha casa.
- É uma bela casa.
- Obrigado.
Levei a mulher até o meu quarto e lá mostrei um álbum de fotos que eu tinha do Bruno. Todas as fotografias eram só dele e de mais ninguém.
- Ele é bonito.
Bonito? Ele era lindo – e é lindo –, isso sim!
- Ele é lindo – eu a corrigi.
- Quantas fotos...
- E todas elas foram tiradas de julho pra cá, hein?
- Foi quando vocês voltaram?
- Isso!
- E agora está tudo bem?
- Melhor impossível. Ele está fazendo faculdade na UFRJ!
- Ah, é? Então ele é bem inteligente, porque não é fácil passar na federal.
- Ele é inteligente sim.
- E qual curso ele faz?
- Arquitetura.
- Bela profissão ele escolheu. Não tem nenhuma foto sua nesse álbum?
- Não. Esse é só dele.
- Que pena. Eu ia roubar uma foto sua pra mostrar para As minhas amigas de Minas.
- Espera aí, deixa eu pegar umas fotos minhas então.
Fui até a gaveta e peguei um álbum que era só meu. Ela abriu, vasculhou as fotos e disse:
- Posso ficar com essa?
- Pode sim, Dona Elvira.
- Como você está lindo nessa foto, Caio!
Era uma fotografia que o Bruno havia tirado, em uma das nossas idas até a praia. Eu estava olhando pro mar, de óculos escuros e com a fisionomia séria.
- Obrigado.
- Se bem que essa aqui é mais bonita ainda. Eu já disse que amo o seu sorriso?
- Se a senhora disse eu não me lembro – senti as minhas bochechas queimarem.
- Pois eu amo. Seu sorriso é lindo, sabia?
- Obrigado!
Eu não achava, mas enfim...
- Dona Elvira, onde a senhora está hospedada?
- Na casa de uma grande amiga minha, que assim como eu é viúva.
- Ah...
- Fazia tempo que nós não nos víamos, foi muito bom revê-la.
- Hum... E a senhora vai embora quando?
- No domingo mesmo. Eu só vim por causa da sua formatura. Eu não queria perder esse momento por nada.
- Nem sei como posso agradecê-la.
- Não agradeça. É o mínimo que eu posso fazer por você. Não se esqueça que você é como o meu filho.
- E a senhora é como a minha mãe!!!
Nos abraçamos e eu senti vontade de chorar. Aquele abraço foi realmente como um abraço de mãe. Era um abraço quente, confortável, protetor... Lembrou o abraço da Dona Fátima em todos os sentidos.
- Enquanto você não fizer as pazes com a sua mãe, pode contar comigo, viu?
- Uhum – eu murmurei. – E mesmo se nós fizermos as pazes um dia, a senhora sempre vai continuar sendo a minha mãe.
Era bom ter aquela mulher perto de mim. Ela me transmitia muita segurança, muita calma e eu aprendia muito com a maturidade que ela tinha. Uma pena ela ter ido morar em Minas.
- E como está a sua vida lá em Minas?
- Uma delícia. Eu montei o meu negócio, as vendas estão boas e lá é muito gostoso. Você precisa me visitar um dia.
- É só marcar que eu vou e levo o Bruno comigo! Se puder, é claro.
- É claro que pode, menino. Pois então a gente vai combinar e eu quero você lá, hein?
- Prometo que vou. Sempre tive vontade de provar as guloseimas de Minas Gerais.
- Pois vai provar o meu queijo e o meu doce de leite. Tenho certeza que você vai adorar!
- Eu também tenho.
Dona Elvira e eu ficamos batendo papo por um tempão. Os meninos foram chegando aos poucos e ela ainda estava lá em casa.
- Dona Elvira, a senhora lembra do Rodrigo?
- Como eu posso esquecer desse menino tão bonito? Como vai, meu filho?
- Bem, Dona Elvira e a senhora? – Rodrigo beijou o rosto da mulher. – Obrigado pelo elogio.
- Eu estou ótima. Matando as saudades aqui do Caio.
- E ele da senhora, tenho certeza disso. Com licença, eu preciso trocar de roupa, já estou me atrasando pra faculdade.
- Você ainda faz faculdade?
- Agora eu já estou na pós-graduação. Eu vou me formar no final de semana com o Caio.
- Ah, é verdade. Ele havia me contato nas cartas que me enviou. Que cabeça a minha.
Em um parâmetro geral, a Dona Elvira parecia muito bem de saúde. Ela parecia até mais jovem fisicamente falando.
- Jovem? – ela riu. – Quem me dera. São seus olhos.
- Não, não são. A senhora parece sim mais jovem.
- Deve ser o ar de Minas. Aqui é tudo muito poluído.
Provavelmente ela não conhecia São Paulo.
- Ar poluído é o de São Paulo.
- Ali eu não volto nunca mais. Deus me livre de morar numa cidade tão suja como aquela.
Fiquei meio enraivecido. Eu nasci em Osasco, mas fui criado em Sampa desde bebê e não gostava que ninguém falasse mal da minha cidade.
- Enfim, o papo está muito bom, mas eu tenho que voltar pra casa da Mirtes. Ela já deve estar preocupada.
- Fica mais um pouco, Dona Elvira!
- Não, não querido. Foi muito bom revê-lo, mas eu realmente tenho que ir. Já anoiteceu e eu preciso viajar ainda até a Glória. Esse bairro é muito longe de lá.
- Pois então eu vou levá-la até o ponto de ônibus.
- Ficaria grata. Eu não sei andar aqui no Realengo.
- Será um prazer.
Levei a minha ex-patroa até o ponto, mas o ônibus demorou a passar.
- Já estou desacostumada a andar no Rio de Janeiro. Espero não passar do ponto.
- A senhora quer que eu vá com a senhora?
- Não, menino. Não se preocupe. Eu me viro bem. É esse ônibus?
- Não, Dona Elvira – eu sorri.
- Caramba, cadê esse ônibus? Já estou ficando com medo de ficar aqui.
- Esse bairro não é violento, Dona Elvira.
- O Rio é violento, Caio.
Ela tinha razão. Qual lugar do mundo não é violento? Eu não conhecia nenhum.
- Agora sim, é esse daí.
- Louvado seja Deus! Dá aqui um beijo, meu filho.
Eu abracei a mulher, dei um beijinho no rosto dela e pedi parada pro ônibus, que estacionou literalmente na minha frente.
- Vai com cuidado, Dona Elvira.
- Pode deixar, querido. Boa noite, fique com Deus e até sábado.
- Até. Ah, o Bruno e eu vamos te buscar na casa da sua amiga, tá?
- Eu te ligo e passo o endereço.
- Combinado.
- Anda logo velha, não vou ficar esperando a noite toda – o motorista reclamou.
- Velha é o escambal, me respeita senão eu dou parte na polícia – Dona Elvira entrou no coletivo. – Tchau, Caio!
- Tchau, Dona Elvira.
Eu saí dando risada. Que velhota brava! Mas ela tinha toda razão do mundo... Que motorista sem noção!
- A Dona Elvira já foi? – encontrei meu amigo na calçada.
- Foi sim. Acabou de pegar o busão.
- Jurava que ela não ia vir pra nossa formatura.
- Pois é, eu também. Ei, você não está atrasado não?
- Totalmente. Só vou chegar na faculdade umas 21 horas hoje.
- Acabou de passar o ônibus.
- Danou-se, me lasquei. Então deixa eu ir senão eu perco o próximo. A gente se vê mais tarde.
- Combinado!
O Rodrigo estava estudando à noite naquele ano e isso limitava e muito o nosso convívio diário. Na maioria das vezes eu não conseguia esperá-lo acordado pra gente conversar.
A sorte é que ele não ia para a faculdade todos os dias, visto que tratava-se de um curso de pós-graduação.
Quando eu cheguei no meu quarto e peguei o celular, percebi várias ligações perdidas do Víctor. Com a surpresa da chegada da Dona Elvira, eu nem me lembrei que o meu amigo também ia chegar no Rio naquele dia!
Ele me atendeu e desligou. Eu achei estranho. Será que ele tinha ficado com raiva de mim? Mas não era isso. Ele só não atendeu por causa do roaming. Se atendesse, pagaria mais caro pela ligação, por isso ele me ligou em seguida.
- Que horas você chegou, criança?
- Faz uma hora mais ou menos. Eu liguei pra saber o nome de um hotel, mas você não atendeu, né viado?
- Desculpa, amigo. Eu estava com visita aqui em casa, não vi o celular tocando e esqueci de te buscar aí.
- Ah, entendi. Tem problema não, eu já achei um hotel.
- Onde?
- Em Copacabana. Bem baratinho.
Hotel barato em Copacabana? Era mais fácil encontrar um trevo de quatro folhas no meio da Avenida Brasil.
- Qual nome do hotel?
Ele disse o nome e eu situei o local. Pelo visto não era caro mesmo, uma vez que o recinto era do nipe da hospedaria do Seu Manollo.
- E quando a gente se vê? – ele questionou.
- Sexta à noite, amigo. Já está tudo certo pro barzinho.
- Ah, então tá bom. Agora deixa eu desligar senão os meus créditos acabam.
- Só me diz uma coisa: o Rian veio, né?
- Veio sim. Ele está no banho agora.
- Que bom. Só assim eu conheço o seu namorado.
- Verdade. Então eu vou esperar você me mandar o endereço do local por torpedo e aí a gente se encontra, beleza?
- Combinadíssimo. Um beijo, amigo. E obrigado por ter vindo.
- Beijo, queridão. Saudades.
- Eu também.
- É amanhã – Bruno mordeu a minha orelha e beijou o meu pescoço.
- E eu estou pra lá de ansioso.
- Eu também estou. Quero muito ver você com seu diploma em mãos.
- Mal posso esperar.
- Falta pouco agora.
- Vamos pro barzinho? O Rodrigo já deve estar saindo da faculdade.
- Vamos sim. Eu só preciso pegar a minha carteira e a chave do carro.
Eu tirei os objetos do bolso traseiro do meu jeans e entreguei pro meu namorado. Este sorriu, me beijou e disse:

- Você é perfeito. Pensa em tudo!
- Perfeito aqui é você.
Nos beijamos.
- Vamos. Daqui a pouco o Rodrigo vai ligar.
- Vamos. Eu preciso de uma tequila.
- Não vai ficar bêbado que nem eu fiquei no carnaval, hein?
- Claro que não. Eu vou dirigir, você esqueceu?
- É por isso mesmo que eu estou falando.
- Aliás, está na hora do mocinho aí tirar a carta, né?
Não era a primeira vez que o Bruno tocava naquele assunto. Eu já tinha adiado uma vez, duas vezes e não poderia adiar aquela história por muito mais tempo.
- Que demora foi essa? Eu já ia pegar um ônibus.
- Que exagerado – eu me virei. – Você acabou de sair da faculdade.
- Já estou esperando há longos 5 minutos – Rodrigo bufou.
- Dramático.
- E a namorada, Digão? – Bruno foi quem perguntou.
- Em casa. Ela não quer sair hoje. Chata!
Por que eu senti que eles estavam estremecidos? Será que estavam dando um tempo?
- Pra onde nós estamos indo? É pro barzinho?
- Não. Eu vou buscar o meu amigo na casa dele, mas é rapidinho.
- Ah, tranquilo.
- E como foi a aula? – questionei.
- Da hora. A cada dia eu gosto mais da pós.
- Um dia eu chego lá – Bruno virou na rua do Vítor, estacionou em frente a casa do amigo e buzinou duas vezes.
- Por que ele está demorando tanto? – eu abri a porta, saí e toquei a campainha duas vezes.
- JÁ ESTOU INDO! – o moleque gritou.
- Ele já vem – falei, quando voltei pro carro.
- Ouvi o berro.
Depois de 3 ou 4 minutos o melhor amigo do meu namorado apareceu na garagem, abriu o portão, saiu, fechou o portão, abriu a porta do carro e entrou. Finalmente nós poderíamos ir pro barzinho.
- Quem é você? – ele olhou pro Rodrigo com ar de curiosidade.
- Rodrigo, irmão do Caio.
- Irmão? Mas seu irmão não é gêmeo? – ele me cutucou.
- Rodrigo é meu irmão de consideração. E vocês já se viram no dia que fomos no Faustão!!!
- Ah, é verdade. Nem me lembrava disso – falou Rods.
- Hum! E você é solteiro?
- Não.
- E mesmo que fosse, ele é hetero, totalmente hetero, unicamente hetero e definitivamente hetero. Não é, mano?
- Sempre.
- Droga. Eu não dou sorte! – Vítor cruzou os braços.
- Sossega esse facho, Vítor – Bruno deu risada.
Nós chegamos no barzinho do Catete pouco depois das 23 horas. Eu fiquei feliz em voltar ao primeiro bairro que vivi no Rio de Janeiro.
- Fazia tanto tempo que eu não vinha aqui – Rodrigo comentou.
- Eu também. Eu gosto daqui.
- Também gosto.
Antes de mais nada, eu cumprimentei meus amigos. Todos estavam presentes, com exceção apenas do Éverton e Maicon. Até os irmãos estavam no local, porém estavam entretidos com um grupinho alheio ao nosso.
- E aí, xará? – Bruna beijou meu namorado. – Como você está?
- Bem, xará e você?
- Bem, obrigada. E você, formando? Como está? Ansioso para amanhã?
- Ao extremo. Eu queria muito que você fosse.
- Não vai dar mesmo, Caio! Me desculpa. Eu estou toda atolada com as coisas da faculdade.
- Posso imaginar. Eu faço ideia.
- Mas o Vinícius me representa.
- Mesmo assim sentirei a sua falta.
- Obrigada, lindinho.
Nesse momento eu enxerguei o Víctor e o namorado sentados em uma mesa bem distante da nossa. Eu não pensei duas vezes em ir buscá-los para se unirem a nós.
- Onde você vai?
- Buscar o Víctor, Bruno.
Caminhei até a mesa do meu amigo e quando cheguei, coloquei minhas mãos nos olhos dele.
- Eu sei que é você, veado – ele afastou minhas mãos de seus olhos, levantou e me abraçou.
- Como você cresceu, menino!
- Quem cresceu foi você. E como está gostoso!
Dei risada.
- Obrigado. Que saudade!
- Eu também.
Ouvi um pigarro e só assim soltei o Víctor. Era o Rian. Provavelmente ele tinha ficado com ciúmes de nossa aproximação.
- Rian, Caio, Caio, Rian – Víctor nos apresentou.
- Muito prazer – eu me limitei em apertar a mão do garoto, que era bem atraente.
- Prazer é todo meu, Caio.
- Venham comigo. Os meus amigos estão sentados ali naquela mesa.
- Eu vi os meninos lá, mas fiquei meio sem graça de sentar com eles.
- Bobagem. Vem, quero te apresentar o grande amor da minha vida.
- Então você é o famoso Víctor? – Bruno apertou a mão do meu melhor amigo.
- Você que é famoso aqui, Bruno. Não eu. Já ouvi muito ao seu respeito e muito bem, diga-se de passagem.
- Ah, é? Que bom então... Prazer em conhecê-lo.
- O prazer é todo meu. Seus olhos são ainda mais bonitos pessoalmente.
- Obrigado – Bruno ficou todo sem graça.
- São mesmo – eu puxei meu namorado e fiz ele sentar ao meu lado. – Pessoal, esse é o Víctor e esse é o Rian, meus amigos de Sampa.
- Ah, você está aqui é? – Rodrigo ficou sério.
- Estou. Como vai, Rodrigo?
- Bem.
Já estava até vendo a rivalidade que ia ter entre os dois. Ambos eram meus melhores amigos e com certeza ia rolar ciúme por parte de alguém. Eu tinha certeza disso.
- Vou pegar minha tequila, você quer alguma coisa?

- Uma tequila também, por favor – olhei pro Bruno.
- Já volto.
- Obrigado, Bruh.
- Não vai beber nada, Fabrício? – Rodrigo indagou.
- Não, parça. Hoje eu estou tranquilo.
- Você dirige? – perguntou Bruno.
- Uhum. Por quê?
- Levaria meu carro se por acaso eu ficasse bêbado?
- Sem problemas – o futuro papai respondeu.
- Você não vai ficar bêbado – falei.
- Controlando a vida do namorado, amigo? – Víctor sorriu.
- Não é isso. Só estou preocupado com ele, oras.
- Eu sei. É brincadeira.
Naquela madrugada eu pude colocar todo o assunto e a fofoca em dia com meu melhor amigo paulistano. Ele me contou tudo o que estava acontecendo na minha cidade e no nosso hall de amigos:
- A Amanda disse que vem passar o final do ano aqui.
- Assim espero – falei. – Ela me deve uma visita já tem anos.
- Te mandou um super beijo.
- Mande outro quando você voltar. E seus pais como estão?
- Bem. Eles mandaram lembranças.
- A família já está mais conformada com o acidente que aconteceu naquela época?
- Uhum. Nada melhor que o tempo para curar as feridas da alma.
Isso era uma grande verdade. eu fiquei calado e pensei em perguntar sobre os meus familiares, mas não tive coragem.
- E você tem notícias da família do Caio? – quem perguntou foi o meu namorado.
- Por que fez essa pergunta? – confrontei o menino.
- Porque eu sei que você estava doido para fazê-la, mas que não teve coragem.
Como assim? Como ele sabia? Como ele sabia que eu queria fazer a pergunta e não tive coragem?
- Não, Bruno. Eu não tenho contato com ninguém daquela casa. A única pessoa que eu vejo de vez em quando é o Cauã, mas é muito raro isso acontecer.
- E como ele está? – tive que perguntar.
- Aparentemente bem. Aliás, vocês dois continuam idênticos. Ele está do mesmo tamanho que você, creio eu.
- Ah, é?
- Mesmo tipo físico, mesmo estilo de cabelo... A única diferença é que o dele não tem essas luzes nas pontas. Falando nisso, como você conseguiu arrepiar? Eu lembro que era um sacrifício na época da escola. Ele vivia escorrido.
- Gel cola, muito gel cola. Um potinho por vez praticamente. Eu só arrepio em dias especiais. Meu cabelo continua bom, viu?
- Ainda bem, né? Pensei que tinha ficado com o cabelo ruim igual ao meu.
- Engraçadinho.
- Suas luzes já estão saindo.
- Vai fazer mais? – Bruno passou o braço pelo meu ombro.
- Você quer que eu faça?
- Você é que sabe. Você fica lindo de qualquer jeito, amor.
- Que bonitinho – Víctor deu risada.
- Eles são assim – Rodrigo suspirou.
- Quanta melação, fiquei até enjoado – Vítor brincou.
- Então vai vomitar no banheiro – Bruno píscou pro amigo.
- Que nojo! – Rian exclamou.
A noite estava sendo bem agradável e divertida. As pessoas com quem eu mais conversei foram o Víctor, o Rian, o Vítor e o Bruno. Os outros conversaram entre si e ficaram rindo à toa. Foi uma noite bem gostosa mesmo.
Só que eu tive uma surpresa naquela madrugada de sábado: sem mais nem menos, eu olhei pra mesa ao lado e dei de cara com o Rogério; o meu colega na época do colegial.
- Quanto tempo! – eu dei um abraço no garoto.
- Pois é! Você sumiu!
- Quem sumiu foi você!
- Eu fui assaltado e por isso perdi o número do seu celular. Me passa de novo?
- Claro! Anota aí...

Nós trocamos celular e prometemos que manteríamos contato um com o outro. Rogério continuava bonito e branquelo. Ele estava rodeado de amigos, assim como eu.
- Então a gente vai se falando quando der – ele finalizou o assunto.
- Beleza. Foi bom ver você.
- Foi bom te ver também, Caio.
Que surpresa agradável. Eu não esperava encontrar o meu amigo ali naquela noite. Pelo menos a ida ao Catete me serviu para alguma coisa além de relembrar a república onde eu morei.
A música que tocava no ambiente era muito boa. Os donos do local ou quem quer que fosse que estivesse tomando conta do som, tomaram o cuidado de mesclar vários ritmos. Aquele era um bar totalmente eclético.
E foi quando começou a tocar Jorge e Mateus que o Bruno e eu nos olhamos com um pouco mais de intensidade. A nossa ida até aquele show em julho do ano que havia passado realmente nos fez muito bem, porque bastava ouvir qualquer música que fosse daquela dupla que a nossa conexão ficava ainda mais estabelecida.
- Lembra dessa?
- Claro que eu lembro – respondi. – É uma das melhores.
- É a nossa música, Caio! Ela foi escrita pra nós dois!
- E eu estou pra lá de ansioso.
- Eu também estou. Quero muito ver você com seu diploma em mãos.
- Mal posso esperar.
- Falta pouco agora.
- Vamos pro barzinho? O Rodrigo já deve estar saindo da faculdade.
- Vamos sim. Eu só preciso pegar a minha carteira e a chave do carro.
Eu tirei os objetos do bolso traseiro do meu jeans e entreguei pro meu namorado. Este sorriu, me beijou e disse:
- Você é perfeito. Pensa em tudo!
- Perfeito aqui é você.
Nos beijamos.
- Vamos. Daqui a pouco o Rodrigo vai ligar.
- Vamos. Eu preciso de uma tequila.
- Não vai ficar bêbado que nem eu fiquei no carnaval, hein?
- Claro que não. Eu vou dirigir, você esqueceu?
- É por isso mesmo que eu estou falando.
- Aliás, está na hora do mocinho aí tirar a carta, né?
Não era a primeira vez que o Bruno tocava naquele assunto. Eu já tinha adiado uma vez, duas vezes e não poderia adiar aquela história por muito mais tempo.
- Que demora foi essa? Eu já ia pegar um ônibus.
- Que exagerado – eu me virei. – Você acabou de sair da faculdade.
- Já estou esperando há longos 5 minutos – Rodrigo bufou.
- Dramático.
- E a namorada, Digão? – Bruno foi quem perguntou.
- Em casa. Ela não quer sair hoje. Chata!
Por que eu senti que eles estavam estremecidos? Será que estavam dando um tempo?
- Pra onde nós estamos indo? É pro barzinho?
- Não. Eu vou buscar o meu amigo na casa dele, mas é rapidinho.
- Ah, tranquilo.
- E como foi a aula? – questionei.
- Da hora. A cada dia eu gosto mais da pós.
- Um dia eu chego lá – Bruno virou na rua do Vítor, estacionou em frente a casa do amigo e buzinou duas vezes.
- Por que ele está demorando tanto? – eu abri a porta, saí e toquei a campainha duas vezes.
- JÁ ESTOU INDO! – o moleque gritou.
- Ele já vem – falei, quando voltei pro carro.
- Ouvi o berro.
Depois de 3 ou 4 minutos o melhor amigo do meu namorado apareceu na garagem, abriu o portão, saiu, fechou o portão, abriu a porta do carro e entrou. Finalmente nós poderíamos ir pro barzinho.
- Quem é você? – ele olhou pro Rodrigo com ar de curiosidade.
- Rodrigo, irmão do Caio.
- Irmão? Mas seu irmão não é gêmeo? – ele me cutucou.
- Rodrigo é meu irmão de consideração. E vocês já se viram no dia que fomos no Faustão!!!
- Ah, é verdade. Nem me lembrava disso – falou Rods.
- Hum! E você é solteiro?
- Não.
- E mesmo que fosse, ele é hetero, totalmente hetero, unicamente hetero e definitivamente hetero. Não é, mano?
- Sempre.
- Droga. Eu não dou sorte! – Vítor cruzou os braços.
- Sossega esse facho, Vítor – Bruno deu risada.
Nós chegamos no barzinho do Catete pouco depois das 23 horas. Eu fiquei feliz em voltar ao primeiro bairro que vivi no Rio de Janeiro.
- Fazia tanto tempo que eu não vinha aqui – Rodrigo comentou.
- Eu também. Eu gosto daqui.
- Também gosto.
Antes de mais nada, eu cumprimentei meus amigos. Todos estavam presentes, com exceção apenas do Éverton e Maicon. Até os irmãos estavam no local, porém estavam entretidos com um grupinho alheio ao nosso.
- E aí, xará? – Bruna beijou meu namorado. – Como você está?
- Bem, xará e você?
- Bem, obrigada. E você, formando? Como está? Ansioso para amanhã?
- Ao extremo. Eu queria muito que você fosse.
- Não vai dar mesmo, Caio! Me desculpa. Eu estou toda atolada com as coisas da faculdade.
- Posso imaginar. Eu faço ideia.
- Mas o Vinícius me representa.
- Mesmo assim sentirei a sua falta.
- Obrigada, lindinho.
Nesse momento eu enxerguei o Víctor e o namorado sentados em uma mesa bem distante da nossa. Eu não pensei duas vezes em ir buscá-los para se unirem a nós.
- Onde você vai?
- Buscar o Víctor, Bruno.
Caminhei até a mesa do meu amigo e quando cheguei, coloquei minhas mãos nos olhos dele.
- Eu sei que é você, veado – ele afastou minhas mãos de seus olhos, levantou e me abraçou.
- Como você cresceu, menino!
- Quem cresceu foi você. E como está gostoso!
Dei risada.
- Obrigado. Que saudade!
- Eu também.
Ouvi um pigarro e só assim soltei o Víctor. Era o Rian. Provavelmente ele tinha ficado com ciúmes de nossa aproximação.
- Rian, Caio, Caio, Rian – Víctor nos apresentou.
- Muito prazer – eu me limitei em apertar a mão do garoto, que era bem atraente.
- Prazer é todo meu, Caio.
- Venham comigo. Os meus amigos estão sentados ali naquela mesa.
- Eu vi os meninos lá, mas fiquei meio sem graça de sentar com eles.
- Bobagem. Vem, quero te apresentar o grande amor da minha vida.
- Então você é o famoso Víctor? – Bruno apertou a mão do meu melhor amigo.
- Você que é famoso aqui, Bruno. Não eu. Já ouvi muito ao seu respeito e muito bem, diga-se de passagem.
- Ah, é? Que bom então... Prazer em conhecê-lo.
- O prazer é todo meu. Seus olhos são ainda mais bonitos pessoalmente.
- Obrigado – Bruno ficou todo sem graça.
- São mesmo – eu puxei meu namorado e fiz ele sentar ao meu lado. – Pessoal, esse é o Víctor e esse é o Rian, meus amigos de Sampa.
- Ah, você está aqui é? – Rodrigo ficou sério.
- Estou. Como vai, Rodrigo?
- Bem.
Já estava até vendo a rivalidade que ia ter entre os dois. Ambos eram meus melhores amigos e com certeza ia rolar ciúme por parte de alguém. Eu tinha certeza disso.
- Vou pegar minha tequila, você quer alguma coisa?
- Uma tequila também, por favor – olhei pro Bruno.
- Já volto.
- Obrigado, Bruh.
- Não vai beber nada, Fabrício? – Rodrigo indagou.
- Não, parça. Hoje eu estou tranquilo.
- Você dirige? – perguntou Bruno.
- Uhum. Por quê?
- Levaria meu carro se por acaso eu ficasse bêbado?
- Sem problemas – o futuro papai respondeu.
- Você não vai ficar bêbado – falei.
- Controlando a vida do namorado, amigo? – Víctor sorriu.
- Não é isso. Só estou preocupado com ele, oras.
- Eu sei. É brincadeira.
Naquela madrugada eu pude colocar todo o assunto e a fofoca em dia com meu melhor amigo paulistano. Ele me contou tudo o que estava acontecendo na minha cidade e no nosso hall de amigos:
- A Amanda disse que vem passar o final do ano aqui.
- Assim espero – falei. – Ela me deve uma visita já tem anos.
- Te mandou um super beijo.
- Mande outro quando você voltar. E seus pais como estão?
- Bem. Eles mandaram lembranças.
- A família já está mais conformada com o acidente que aconteceu naquela época?
- Uhum. Nada melhor que o tempo para curar as feridas da alma.
Isso era uma grande verdade. eu fiquei calado e pensei em perguntar sobre os meus familiares, mas não tive coragem.
- E você tem notícias da família do Caio? – quem perguntou foi o meu namorado.
- Por que fez essa pergunta? – confrontei o menino.
- Porque eu sei que você estava doido para fazê-la, mas que não teve coragem.
Como assim? Como ele sabia? Como ele sabia que eu queria fazer a pergunta e não tive coragem?
- Não, Bruno. Eu não tenho contato com ninguém daquela casa. A única pessoa que eu vejo de vez em quando é o Cauã, mas é muito raro isso acontecer.
- E como ele está? – tive que perguntar.
- Aparentemente bem. Aliás, vocês dois continuam idênticos. Ele está do mesmo tamanho que você, creio eu.
- Ah, é?
- Mesmo tipo físico, mesmo estilo de cabelo... A única diferença é que o dele não tem essas luzes nas pontas. Falando nisso, como você conseguiu arrepiar? Eu lembro que era um sacrifício na época da escola. Ele vivia escorrido.
- Gel cola, muito gel cola. Um potinho por vez praticamente. Eu só arrepio em dias especiais. Meu cabelo continua bom, viu?
- Ainda bem, né? Pensei que tinha ficado com o cabelo ruim igual ao meu.
- Engraçadinho.
- Suas luzes já estão saindo.
- Vai fazer mais? – Bruno passou o braço pelo meu ombro.
- Você quer que eu faça?
- Você é que sabe. Você fica lindo de qualquer jeito, amor.
- Que bonitinho – Víctor deu risada.
- Eles são assim – Rodrigo suspirou.
- Quanta melação, fiquei até enjoado – Vítor brincou.
- Então vai vomitar no banheiro – Bruno píscou pro amigo.
- Que nojo! – Rian exclamou.
A noite estava sendo bem agradável e divertida. As pessoas com quem eu mais conversei foram o Víctor, o Rian, o Vítor e o Bruno. Os outros conversaram entre si e ficaram rindo à toa. Foi uma noite bem gostosa mesmo.
Só que eu tive uma surpresa naquela madrugada de sábado: sem mais nem menos, eu olhei pra mesa ao lado e dei de cara com o Rogério; o meu colega na época do colegial.
- Quanto tempo! – eu dei um abraço no garoto.
- Pois é! Você sumiu!
- Quem sumiu foi você!
- Eu fui assaltado e por isso perdi o número do seu celular. Me passa de novo?
- Claro! Anota aí...
Nós trocamos celular e prometemos que manteríamos contato um com o outro. Rogério continuava bonito e branquelo. Ele estava rodeado de amigos, assim como eu.
- Então a gente vai se falando quando der – ele finalizou o assunto.
- Beleza. Foi bom ver você.
- Foi bom te ver também, Caio.
Que surpresa agradável. Eu não esperava encontrar o meu amigo ali naquela noite. Pelo menos a ida ao Catete me serviu para alguma coisa além de relembrar a república onde eu morei.
A música que tocava no ambiente era muito boa. Os donos do local ou quem quer que fosse que estivesse tomando conta do som, tomaram o cuidado de mesclar vários ritmos. Aquele era um bar totalmente eclético.
E foi quando começou a tocar Jorge e Mateus que o Bruno e eu nos olhamos com um pouco mais de intensidade. A nossa ida até aquele show em julho do ano que havia passado realmente nos fez muito bem, porque bastava ouvir qualquer música que fosse daquela dupla que a nossa conexão ficava ainda mais estabelecida.
- Lembra dessa?
- Claro que eu lembro – respondi. – É uma das melhores.
- É a nossa música, Caio! Ela foi escrita pra nós dois!
“Quando
a gente fica junto, tem briga
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde
Não
vou mais me preocupar com a situação
A gente se abraça e se beija com tanta ternura
Mas sempre surge qualquer coisa de errado
Do tipo sem ter nem porquê
Detalhes que somente o tempo pode resolver
A gente se abraça e se beija com tanta ternura
Mas sempre surge qualquer coisa de errado
Do tipo sem ter nem porquê
Detalhes que somente o tempo pode resolver
Se
o erro for meu eu assumo não quero saber
Te peço milhões de desculpas se preciso for
Não meço limites, distância
Faço qualquer coisa pra não te perder
Espero que você também seja capaz de fazer
Te peço milhões de desculpas se preciso for
Não meço limites, distância
Faço qualquer coisa pra não te perder
Espero que você também seja capaz de fazer
Quando
a gente fica junto, tem briga
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde
Quando
a gente fica junto, tem briga
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde”.
Quando a gente se separa, saudade
Quando marca um encontro, discute
Desconheço um amor tão covarde”.
No meio da música eu comecei a rir feito um idiota A cara que o
Bruno fez foi impagável. Ele me olhou de um jeito tão safado, mas tão safado
que até uma criança de 2 anos de idade iria saber que ele estava com segundas,
terceiras e quartas intenções.
- Qual a graça? – perguntou Rodrigo.
- Não é nada – falei, ainda rindo.
- Perdi alguma coisa? – Víctor ficou confuso.
- Não é nada gente, que coisa – eu não tirei os olhos do Bruno. Ele estava todo sem graça.
- Lembra dessa música? – ouvi a voz da Bruna.
Só o Bruno pra me fazer rir sem abrir a boca. A nossa conexão estava tão forte naquela altura do campeonato, que só com um olhar a gente sabia o que o outro estava pensando. Ou querendo.
- Vamos, vai? – ele falou no meu ouvido.
- Não.
- Por quê?!
- Porque eles vão perceber. Mais tarde.
- Não aguento mais esperar.
- Quem nasceu de 7 meses aqui fui eu.
- Acho que eu nasci de 5!
Como ele era bobo. Eu também queria ficar, beijar, transar, mas naquele momento não era possível.
- Lembra que a gente combinou de ir no show do Luan? – mudei de assunto.
- E o que tem isso? – ele me fitou.
- Eu vi que vai ter uns shows aqui no Rio mês que vem.
- É dele?
- Não. É do Víctor e Léo, mas a gente poderia ir. O que acha?
- Por mim tudo bem. Desde que eu não tenha nada pra fazer da faculdade.
- Ah, é. Tem essa também. Vamos fazer assim: a gente compra os ingressos e se você não puder ir, a gente vende na hora. Que tal?
- Perfeito. Pode comprar então.
- Comprar o quê? Um presente pra mim? – Vítor se meteu.
- Não é claro que não – eu olhei pra ele. – Até parece!
- Que horror! Eu nunca ganhei nada de você seu muquirana!
- Seu aniversário é só no final de outubro, até lá eu posso pensar no assunto.
- Mão de vaca, Tio Patinhas!
- Olha a minha cara de preocupado.
A madrugada avançou sem maiores transtornos. Eu bebi várias vezes, mas não cheguei a ficar bêbado. O Bruno parou na primeira tequila.
- Quer que eu leve o carro? – Fabrício parecia ansioso para dirigir.
- Se quiser levar até a república eu ficaria grato.
- Com prazer!
- E eu vou dirigir seu carro quando? – perguntou Rodrigo.
- E você tem carta por acaso? – achei estranho.
- Desde os meus 18 aninhos de vida. Ela só está vencida, mas esse é só um detalhe pequeno.
- Uh, bem pequeno – Bruno deu risada. – Eu deixo você dirigir da próxima vez, mas desde que não haja policiamento nas ruas.
- Você é foda. Por isso que eu gosto de você!
- Gosta é? – eu sorri. – Que bom que mudou de ideia.
- Só porque ele vai deixar eu dirigir. Só por isso.
- Vagabundo!
E com isso a gente saiu do barzinho. Eu me despedi do Vítor, do Vini, da Bruna e do meu melhor amigo paulistano. A gente combinou o horário que íamos buscá-los no hotel e deixamos tudo certo para a noite daquele sábado.
- Eu estarei pronto, não se preocupe.
- Social – lembrei.
- Já está no esquema.
- Até mais tarde então, Rian.
- Até, Caio. Prazer em te conhecer.
- Prazer foi meu. Não se percam.
- Não nos perderemos – Víctor me garantiu.
- Até mais tarde então!!!
Entrei no carro no banco traseiro, ao lado do Rodrigo. Bruno estava na frente, ao lado do Fabrício.
- Tem certeza que você sabe dirigir? – perguntei.
- Está me tirando, moleque? Sei dirigir desde os 18 também. Já to chegando nos 30, se eu não souber depois de tanto tempo é melhor eu me jogar de uma ponte.
- Só foi uma pergunta!
Fabrício arrancou com o carro e dirigiu excelentemente bem pelas ruas do Rio de Janeiro. O único problema era que ele estava sem a carta.
- Dirijo ou não dirijo bem? – ele bagunçou meu cabelo.
- Dirige. Tenho que dar o braço a torcer.
- Quero uma cerveja de pagamento depois dessa.
- Pode deixar que eu vou pagar.
- Acho bom. Eu vou cobrar, hein?
- Que horas seus pais vão chegar, Rodrigo? – perguntei.
- Agora pela manhã. Eles vão se hospedar e vêm pra cá mais tarde. Minha irmã e meu cunhado vão vir também.
- E a Larissa vai?
- Vai sim. Ela comprou o convite.
- Ah, tá. Já ia perguntar como seria pro Vini.
- Está tudo certo. Sou um homem de palavra.
- Falei alguma coisa?
- Não.
- Então pronto. Vou nessa, mais tarde a gente se vê.
- Poderia ficar aqui logo de uma vez.
- E perder a oportunidade de namorar? Não mesmo. Bom dia, mano. Até mais tarde!
Bruno e eu voltamos pro Recreio e assim que colocamos os pés no apartamento, fomos direto pro quarto para matarmos a saudade um do outro. Foi uma manhã muito prazerosa para nós dois.
- Qual a graça? – perguntou Rodrigo.
- Não é nada – falei, ainda rindo.
- Perdi alguma coisa? – Víctor ficou confuso.
- Não é nada gente, que coisa – eu não tirei os olhos do Bruno. Ele estava todo sem graça.
- Lembra dessa música? – ouvi a voz da Bruna.
Só o Bruno pra me fazer rir sem abrir a boca. A nossa conexão estava tão forte naquela altura do campeonato, que só com um olhar a gente sabia o que o outro estava pensando. Ou querendo.
- Vamos, vai? – ele falou no meu ouvido.
- Não.
- Por quê?!
- Porque eles vão perceber. Mais tarde.
- Não aguento mais esperar.
- Quem nasceu de 7 meses aqui fui eu.
- Acho que eu nasci de 5!
Como ele era bobo. Eu também queria ficar, beijar, transar, mas naquele momento não era possível.
- Lembra que a gente combinou de ir no show do Luan? – mudei de assunto.
- E o que tem isso? – ele me fitou.
- Eu vi que vai ter uns shows aqui no Rio mês que vem.
- É dele?
- Não. É do Víctor e Léo, mas a gente poderia ir. O que acha?
- Por mim tudo bem. Desde que eu não tenha nada pra fazer da faculdade.
- Ah, é. Tem essa também. Vamos fazer assim: a gente compra os ingressos e se você não puder ir, a gente vende na hora. Que tal?
- Perfeito. Pode comprar então.
- Comprar o quê? Um presente pra mim? – Vítor se meteu.
- Não é claro que não – eu olhei pra ele. – Até parece!
- Que horror! Eu nunca ganhei nada de você seu muquirana!
- Seu aniversário é só no final de outubro, até lá eu posso pensar no assunto.
- Mão de vaca, Tio Patinhas!
- Olha a minha cara de preocupado.
A madrugada avançou sem maiores transtornos. Eu bebi várias vezes, mas não cheguei a ficar bêbado. O Bruno parou na primeira tequila.
- Quer que eu leve o carro? – Fabrício parecia ansioso para dirigir.
- Se quiser levar até a república eu ficaria grato.
- Com prazer!
- E eu vou dirigir seu carro quando? – perguntou Rodrigo.
- E você tem carta por acaso? – achei estranho.
- Desde os meus 18 aninhos de vida. Ela só está vencida, mas esse é só um detalhe pequeno.
- Uh, bem pequeno – Bruno deu risada. – Eu deixo você dirigir da próxima vez, mas desde que não haja policiamento nas ruas.
- Você é foda. Por isso que eu gosto de você!
- Gosta é? – eu sorri. – Que bom que mudou de ideia.
- Só porque ele vai deixar eu dirigir. Só por isso.
- Vagabundo!
E com isso a gente saiu do barzinho. Eu me despedi do Vítor, do Vini, da Bruna e do meu melhor amigo paulistano. A gente combinou o horário que íamos buscá-los no hotel e deixamos tudo certo para a noite daquele sábado.
- Eu estarei pronto, não se preocupe.
- Social – lembrei.
- Já está no esquema.
- Até mais tarde então, Rian.
- Até, Caio. Prazer em te conhecer.
- Prazer foi meu. Não se percam.
- Não nos perderemos – Víctor me garantiu.
- Até mais tarde então!!!
Entrei no carro no banco traseiro, ao lado do Rodrigo. Bruno estava na frente, ao lado do Fabrício.
- Tem certeza que você sabe dirigir? – perguntei.
- Está me tirando, moleque? Sei dirigir desde os 18 também. Já to chegando nos 30, se eu não souber depois de tanto tempo é melhor eu me jogar de uma ponte.
- Só foi uma pergunta!
Fabrício arrancou com o carro e dirigiu excelentemente bem pelas ruas do Rio de Janeiro. O único problema era que ele estava sem a carta.
- Dirijo ou não dirijo bem? – ele bagunçou meu cabelo.
- Dirige. Tenho que dar o braço a torcer.
- Quero uma cerveja de pagamento depois dessa.
- Pode deixar que eu vou pagar.
- Acho bom. Eu vou cobrar, hein?
- Que horas seus pais vão chegar, Rodrigo? – perguntei.
- Agora pela manhã. Eles vão se hospedar e vêm pra cá mais tarde. Minha irmã e meu cunhado vão vir também.
- E a Larissa vai?
- Vai sim. Ela comprou o convite.
- Ah, tá. Já ia perguntar como seria pro Vini.
- Está tudo certo. Sou um homem de palavra.
- Falei alguma coisa?
- Não.
- Então pronto. Vou nessa, mais tarde a gente se vê.
- Poderia ficar aqui logo de uma vez.
- E perder a oportunidade de namorar? Não mesmo. Bom dia, mano. Até mais tarde!
Bruno e eu voltamos pro Recreio e assim que colocamos os pés no apartamento, fomos direto pro quarto para matarmos a saudade um do outro. Foi uma manhã muito prazerosa para nós dois.
Quando eu entrei no quarto e vi meu
namorado vestido com aquela roupa social incrivelmente bem passada, quase tive
um troço de tanta emoção.
- Você... Está... MARAVILHOSO!
- Obrigado – ele ficou todo sem graça.
Eu me aproximei e arrumei o nó da gravata do meu príncipe, que estava um pouco torta.
- Você é a pessoa mais linda que existe na face dessa Terra, sabia? – falei, em meio a um abraço.
- Para amor, você que é lindo!
Nos beijamos.
- Posso tirar uma foto sua? Quero guardar esse momento pro resto da vida.
- Claro que pode.
Não tirei só uma. Ele estava realmente muito, muito lindo com aquela roupa social.
- Vamos pra república? – ele perguntou.
- Está na hora?
- Sim senhor. Não fica nervoso assim, vai dar tudo certo.
- Como você sabe que eu estou nervoso?
- Porque eu te conheço como a palma da minha mão, mocinho.
Nos beijamos de novo.
- Então vamos.
- Já peguei tudo. Vai descendo que só falta eu passar perfume – ele anunciou.
- Beleza. Eu te espero na garagem.
- Não vou demorar.
Enquanto ele não chegava, mandei umas mensagens no celular. Eu perguntei pro Rodrigo como estavam as coisas por lá, mas ele não me respondeu. Provavelmente estava ocupado.
- Não disse que não ia demorar? – Bruno destravou as portas do automóvel.
- Além de lindo, agora está cheiroso – eu suspirei. – Esse meu namorado ainda vai me matar de tanta paixão, viu?
- Bobão. Pra república ou vai buscar alguém?
- República. Só vamos buscar a Dona Elvira e o Víctor mais tarde.
- E vai dar tempo?
- Tem que dar.
A república estava cheia de gente. Os pais do Rodrigo, a irmã e o cunhado estavam lá e com isso a casa ficou barulhenta e movimentada.
- Eu estou feliz em vê-la também, Dona Inês.
- Você está lindíssimo, Bruno.
- Obrigado, Dona Inês.
- Cadê o seu filho? – perguntei.
- No banheiro com o pai.
Com o pai? Estranhei, mas não questionei nada. Resolvi ir pro quarto e encontrei a porta trancada com chave. Bati duas vezes e esperei alguém abrir e quem fez isso foi o Vini.
E o motivo pela porta estar trancada era simples: eles estavam peladinhos da Silva Xavier.
- Vocês não têm vergonha na cara de ficarem assim não?
- Não – os dois responderam em uníssono.
- Queria ver se a mãe do Digão entrasse aqui do nada.
- Por isso a gente trancou a porta – falou Vinícius.
Fazia tempo que eu não via aquela belezura pelado. Eu olhei e relembrei tudo o que nós vivemos. Foi impossível não juntar uma coisa com a outra. Ainda bem que o Bruno estava na sala.
- Já volto. Se vistam logo – falei e saí do quarto.
- Posso usar seu notebook? – meu namorado perguntou.
- Pode, amor. Só espera os meninos se trocarem, tá?
- Ah, tá bom. Não demora muito no banho, tá?
- Pode deixar.
Quando entrei no banheiro, notei que o Rodrigo estava se barbeando. O pai dele estava só conversando com ele.
- Como vai, Seu Renato?
- Muito bem, Caio e você – o homem apertou a minha mão. – Ansioso?
- Muito. Muito ansioso.
- Vai tomar banho?
- Isso...
- Ah, então eu vou sair pra te deixar mais à vontade. Vem, filho.
- Não pai, eu fico. Não tem problema. A gente já é acostumado com isso.
- Esses jovens de hoje em dia... – o cara saiu do banheiro balançando a cabeça negativamente.
- Ansioso? – perguntei.
- Nem consegui comer. E você?
- Pois eu comi e repeti. Quando fico ansioso o meu apetite abre. Já tomou banho?
- Ainda não. Posso tomar com você?
- OI?
- É brincadeira – Rodrigo caiu na gargalhada. – Era só pra ver a sua reação. Eu já tomei sim. Você já fez a barba?
- Já.
- A minha está boa?
- Tira mais um pouco aqui perto da orelha.
Entrei na ducha e ele continuou na frente do espelho. Eu queria que o Bruno estivesse ali comigo. Eu adorava tomar banho com ele.
Uma vez limpo e cheiroso, eu saí e fui direto pro quarto para me trocar e me arrumar. E não foi fácil conseguir ajeitar aquela roupa.
- Sossega quieto pra mim alinhar esse cabelo, moleque – Vinícius segurou a minha cabeça com força.
- Eu tenho que me arrumar, meu...
- Você já vai se arrumar, espera aí.
Bruno não parava de tirar fotos minhas. Até de cueca ele já havia tirado. Vinícius deu um jeito no meu cabelo, ao mesmo tempo que a irmã do Rodrigo tirou o execasso da minha sobrancelha.
- Vê se está bom – ela me passou um espelho.
- Perfeito, obrigado.
- Disponha. Deixa eu ir dar um jeito no meu irmãozinho agora.
A mulher saiu. A irmã do Rodrigo parecia com ele, mesmo sendo adotada. Ela tinha alguns traços similares aos do meu amigo, mas nada muito chamativo.
- Pronto, pimpolho. Terminei. Pode finalizar o seu visual agora.
- Obrigado, Vini.
- Olha aqui – Bruno chamou.
Eu olhei e ele tirou mais uma foto. Eu já estava cansando de tantas fotos.
Terminei de colocar a beca da formatura e em seguida fui pra cozinha para beber um copo d’água. Todos já estavam prontos, inclusive o Rodrigo.
- Você está tão lindo – a mãe dele não parava de chorar.
- Para, mãe! – ele reclamou.
- Caio! Você está lindo também, meu filho – ela foi e me abraçou.
- Obrigado, Dona Inês. Não chora!
- Vocês estão tão lindos, tão lindos!
- Mãe, você já borrou toda a maquiagem. Vou er que fazer tudo de novo – Marcelle reclamou. – Para de chorar!
- Não consigo, filha! Eu sempre sonhei com esse dia!
- Eu também, mas não precisa chorar tanto, mãe – Rodrigo caiu no sofá e amarrou os sapatos.
Eu bebi a minha água e depois fui escovar os dentes. Rodrigo, Vinícius e Fabrício tiveram a mesma ideia e nós ficamos revezando a pia do banheiro.
- Sai pra lá – Fabrício deu uma bundada em mim.
- Ei...
- Alguém me passa o fio dental? – pediu o outro formando.
Após esse momento de total briga e descontração, nós enfim ficamos prontos. Os pais do Rodrigo haviam alugado um carro e era praticamente igual ao do Bruno. Só mudava o modelo, porque a cor era a mesma.
- Tem certeza que não vai atrapalhar? – Vinícius perguntou pela milésima vez.
- Absoluta – respondeu Bruno. – Fica sossegado.
Nós íamos deixar os meninos no local da minha formatura e depois íamos buscar o Víctor, o Rian e a Dona Elvira. Por sorte, deu tempo pra fazer tudo sem que eu me atrasasse.
- Uau – Víctor me olhou da cabeça aos pés. – Você está divino!
- Obrigado, Víctor. Entra aí logo senão a gente vai se atrasar.
- Você está lindo mesmo, Caio – Rian me elogiou.
- Obrigado, Rian. Entra aí que nós estamos ficando meio atrasados.
Isso era o que eu pensava. Eu não sabia que a cerimônia ia atrasar como atrasou, mas no fim deu tudo certo.
- Meu Deus do céu – Dona Elvira me abraçou chorando. – Como você está lindo!
- Obrigado, Dona Elvira. Muito obrigado. Por favor, entre no carro senão a gente vai se atrasar.
- Claro querido, claro. Com licença.
- Deixa eu fazer as apresentações: Víctor, Rian, essa é a Dona Elvira. Foi ela que me empregou pela primeira vez aqui no Rio. É como se fosse a minha segunda mãe. Aliás, ela é a minha segunda mãe.
- Muito prazer – ela beijou os dois.
- E esse aqui é o meu Bruno, Dona Elvira. A senhora já deve imaginar quem é ele, não?
- Claro. Como vai, Bruno? Tenho muito prazer em conhecê-lo.
- O prazer é meu, Dona Elvira – meu namorado apertou a mão da mulher. – O prazer é todo meu.
- Fico muito grata a Deus pelo Caio ter encontrado você.
- Obrigado, Dona Elvira – meu namorado ficou sem graça.
Rapidamente nós conseguimos voltar para o local da formatura, que já estava movimentado. Todos já haviam saído do carro, mas eu não me mexi e fiquei parado, olhando pro nada.
- Você não vai sair? – ele perguntou.
- Hum? – eu olhei pra ele.
- Está pensando na sua família, não está?
- Como você sabe?
- Eu te conheço, rapaz. Eu te conheço!
Sim. Eu estava pensando na minha família. Por mais feliz que eu estivesse naquela noite, faltava um pedaço de mim. Ou melhor, três pedaços.
Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por que eles tinham que estar ausentes numa das noites mais importantes da minha vida? Na noite em que eu ia me formar na faculdade?
Não adiantava mentir para mim mesmo. Eu estava sim sentindo muita falta dos meus pais e do meu irmão naquela noite de março. Eles estavam fazendo falta por se tratar de um dia especial na minha vida.
Querendo ou não, eles eram a minha família e eu queria que eles estivessem presentes naquele dia. A minha garganta estava com um nó imenso e eu simplesmente não consegui segurar a minha emoção.
- Vem cá, vem? – Bruno me puxou para um abraço. – Não fica assim, amor...
- Está doendo, sabe?
- Eu sei. Está doendo em mim também, mas não vai adiantar nada você chorar. Eu sei que é bom você desabafar, mas seus olhinhos vão ficar feios. Fica calmo, meu príncipe. Eu estou aqui. E eu nunca vou te abandonar, NUNCA!

Eu tinha certeza que ele não ia me abandonar nunca mais. Nunca mais. A primeira e única vez já foi suficiente para o nosso amadurecimento.
Mesmo ele estando comigo, eu não me sentia completo, não me sentia confortável. A falta da minha família realmente estava grande e eu só tive noção do tamanho da lacuna naquele exato momento.
- Ei, olha só: você não tem a sua família de sangue, mas tem a família que você mesmo criou!!!
Bruno secou as minhas lágrimas. Os olhos dele estavam incrivelmente brilhantes.
- Você tem a Dona Elvira, tem a Dona Inês, o Rodrigo, tem seus amigos e tem principalmente a mim. Nós te amamos, Caio, nós te amamos muito e estamos muito felizes pelo seu dia, amor. Não chora, por favor!
Nos abraçamos de novo. O abraço dele foi tão bom que fez eu me acalmar um pouquinho.
- Nós somos a sua família, entendeu? E sempre seremos, sempre! Eu prometo que a gente nunca vai fazer com você o que seus pais e seu irmão fizeram. Eu prometo!
O Bruno não era um homem, ele era um anjo. Um verdadeiro anjo que Deus tinha colocado na minha vida. O meu anjo protetor, o meu anjo da guarda!
Aquelas palavras tocaram tão fundo no meu coração, tão fundo na minha alma que realmente tiveram o poder de reestabelecer a minha calma e a minha felicidade. Aquelas palavras, aquela força, aquele amor que ele transmitia com tanta sinceridade dissiparam qualquer resquício de saudade que existia da minha família dentro do meu peito.
Ele estava mais do que certo. Eu tinha perdido uma família de sangue, mas tinha conseguido uma família nova que eu mesmo montei.
Dona Elvira e Dona Inês estavam no lugar da minha mãe. O Seu Renato no lugar do meu pai. Vinícius, Fabrício, Rodrigo e Víctor eram meus irmãos e o Bruno o meu namorado. O namorado mais incrível de todo o mundo.
- Eu te amo, tá? – ele falou no meu ouvido.
- Eu também te amo – funguei e beijei o meu príncipe. – Obrigado por existir.
- Não fala nada. Seca essas lágrimas e vamos descer para a sua formatura, amor da minha vida. Sua família está te esperando!
Saímos do automóvel e seguimos para onde todos estavam. Rodrigo já estava preocupado comigo:
- Que demora foi essa?
- Estava conversando com o Bruno.
- Você chorou?
- Depois a gente fala sobre isso.
- Não – ele me puxou pelo pulso. – O que houve? O Bruno fez alguma coisa com você? EU MA...
- Não! O Bruno não fez nada, nada! Deu saudade da minha família, só isso.
Rodrigo não falou nada; só me abraçou. Eu tive que fazer uma força inigualável pra não cair no choro novamente.
A cena da surra que eu recebi do meu pai tomou conta da minha mente. Naquele momento eu não estava sentindo dor física e sim dor na alma. E foi horrível.
- Eu estou aqui, meu irmão! Não esquece isso.
- Eu sei, Digow. E são vocês que me dão força, acredite.
- Pensa que hoje é um dia de felicidade, mano. Não fica pensando neles não. Nós somos a sua família, entendeu?
- Eu sei disso!
- Vem... A gente já tem que entrar.
Voltamos para perto dos nossos amigos e familiares e nesse momento todos, absolutamente todos foram nos parabenizar e nos desejar sorte.
- FEDIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIDO – Janaína quase colocou meus bofes pra fora com um abraço de urso. – QUE LIIIIIIIIIIIIIINDO QUE VOCÊ ESTÁ!!! Que orgulho!!!
- Linda está você, Janaína! Amei esse vestidinho amarelo. Ficou perfeito.
- Eu sei, obrigada. Amei a sua beca. Metido! Deixa eu tirar uma foto, essa vai direto pro Facebook!
- Boba!
- Eu sei que você deve estar sentindo uma falta imensa da sua mãe, do seu pai... Mas eu estou aqui, tá? – Dona Elvira falou no meu ouvido.
- Obrigado, Dona Elvira.
- Boa sorte, meu amor.
- Muito obrigado. Muito obrigado mesmo.
- Boa sorte, parceiro – Fabrício deu um tapinha no meu ombro.
- Obrigado.
- Sorte – desejou Vinícius.
- Valeu, Dr. Vinícius!
- Vamos? – Rodrigo me puxou.
- Vamos.
- Caio? – Dona Inês se aproximou de mim, juntamente com o marido.
- Oi?
- Boa sorte...
- Ah, obrigado Dona Inês!
- Vem aqui, filho – ela me puxou e me abraçou. – Eu estou aqui, tá?
- Uhum.
- Eu também, Caio – o pai do Rodrigo também me abraçou. – Sei que não é a mesma coisa, mas conta comigo sempre que você precisar. Eu não esqueci e nunca vou esquecer o que você fez pelo meu filho.
- Obrigado, gente. Obrigado mesmo.
- Vai dar tudo certo.
- Já deu – eu forcei um sorriso. – Já deu certo.
- Não esquece que eu também estou aqui – Víctor foi até onde eu estava.
- Não esqueci de você, palhaço!
- Posso te abraçar? – ele perguntou, com um sorriso lindo nos lábios.
Não falei nada, apenas caí naqueles braços deliciosamente protetores.
- Te amo – ele falou.
- Não, não! Eu é que te amo!
- Boa sorte. Estarei na primeira fila rezando e torcendo por você.
- Obrigado. Se cuida.
- Você também.
- Vamos? – Rodrigo perguntou pela milésima vez.
- Uhum.
- Boa sorte – Bruno falou. – Vai com Deus!
- Obrigado, Bruno. Fica com Ele.
Entramos e eles ficaram pra trás. Aos poucos a imagem dos meus pais e do meu irmão foram ficando mais fracas na minha memória, até desaparecerem. Com isso, eu me senti totalmente reestabelecido emocionalmente falando.
- Me dá mais um abraço? – ele pediu.
- Quantos você quiser.
- Melhor?
- Muito. Obrigado por me emprestar seus pais, tá?
- Nossos pais. Eu já disse que você ´é meu irmãozinho, porra!
Apenas ri.
Eu só me despedi de vez do meu amigo quando tive que seguir em um caminho diferente do dele. A minha turma estava num canto e a dele em outro totalmente diferente.
- Sorte – ele falou. - Vai dar tudo certo!
- Já deu tudo certo. Eu te vejo depois da colação de grau.
- Combinado. Até mais então.
- Até mais.
Eu já estava totalmente recuperado do meu momento depressão. Segui calmamente até a minha turma e fiquei feliz demais por poder rever a maior parte dos meus colegas.
Entretanto, a grande maioria dos alunos não quis participar da formatura e unicamente por isso a universidade resolveu fazer a cerimônia um tanto quanto mais organizada do que no ano anterior.
A abstenção de alunos foi tão grande, que foi possível preparar uma cerimônia mais bonita, mais detalhada e duradoura que todas as outras e isso me deixou bem contente, afinal era a minha formatura, não é?
Nós, os formandos, ficamos em uma espécie de camarote. Eram vários desses camarotes, um ao lado do outro e com isso a estrutura ficava meio oval. De onde eu estava sentado, eu tive uma visão panorâmica de todos os convidados e rapidamente consegui encontrar o meu namorado no meio de todo aquele povo. Ele estava na primeira fila, como me prometeu.
Nós estávamos sentados em ordem alfabética e como a faculdade uniu todos os alunos do curso de RH num lugar só, eu fiquei no meio de dois Caios. Eu não conhecia nenhum.
É claro que eu estava ansioso, muito ansioso. A cada nome que era chamado, o frio na minha barriga intensificava e eu ficava mais nervoso.
O local onde estava sendo realizada a entrega dos diplomas era uma espécie de teatro. Havia os camarotes, onde nós estávamos alocados; o palco, onde eram realizados os discursos e entrega de diplomas e a plateia, onde ficaram os familiares e convidados de todos os formandos.
Para chegar no palco, nós tínhamos que sair de onde estávamos, descer uma escada com os degraus revestidos em carpete, atravessar todo o salão, também de carpete, pelo meio dos convidados e subir uma escada para o palco. Era um trajeto longo, mas que era realizado em 2 minutos no máximo.
É claro que a cerimônia estava sendo filmada e fotografada. Quando os alunos eram chamados, automaticamente uma luz vinha até essa pessoa e seu rosto aparecia em um telão, no fundo do teatro.
E chegou a vez da turma do Rodrigo. A qualquer momento o nome do meu amigo seria chamado. Será que ele estava muito nervoso como eu?
- Rodrigo Carvalho!!!
Eu abri um mega sorriso quando ouvi o nome dele sendo chamado e quando ele apareceu no telão. Como ele estava bonito!
Eu acompanhei a descida do meu amigo e fiquei aplaudindo com o máximo de entusiasmo que consegui reunir. Na plateia, eu ouvi vários assovios e tive certeza que era um dos meninos que estava promovendo esse showzinho particular, senão os dois.
Rodrigo caminhou elegantemente até o palco, subiu as escadas praticamente correndo e rapidamente chegou até o mestre de cerimônias, que entregou o diploma a ele logo em seguida.
Meu amigo sorriu, pegou o canudo, cumprimentou o mestre de cerimônias e sorrindo, olhou pra plateia com o diploma erguido no ar sob ajuda do braço direito. Ele estava finalmente formado.
Eu não cansei de aplaudir e por causa disso as palmas de minhas mãos ficaram ardendo, mas não tinha problema. Ele merecia todo e qualquer esforço vindo da minha parte. Aquele menino sim era um verdadeiro guerreiro.

E dessa forma as coisas foram acontecendo. Quando enfim anunciaram o nome do meu curso, eu finalmente pude me desesperar de vez.
Minhas mãos e pés começaram a suar frio, minhas pernas tremeram mais do que vara verde, minha boca ficou seca e eu senti uma gota de suor escorrer pelas minhas costas.
Além do calor, o nervosismo e a ansiedade estavam tomando conta do meu corpo. Eu estava com medo de dar alguma coisa errada...
Eu seria o oitavo a ser chamado e já estava chegando a minha vez. Me arrumei na cadeira, sequei as minhas mãos nas laterais de minha beca, passei a língua nos lábios, respirei fundo, fechei os olhos, senti meu coração bater na minha cabeça, senti um iceberg descer pela minha garganta e por fim me preparei psicologicamente para a chegada de um dos momentos mais felizes da minha vida.
- Caio Calixto!!!
Eu seria o próximo. Mantive meus olhos fechados e comecei a rezar, pedindo forças a Deus para enfrentar esse momento de puro nervosismo. Será que ia dar tudo certo? Tinha que dar!
- Caio C. Monteiro da Silva!!!

- Você... Está... MARAVILHOSO!
- Obrigado – ele ficou todo sem graça.
Eu me aproximei e arrumei o nó da gravata do meu príncipe, que estava um pouco torta.
- Você é a pessoa mais linda que existe na face dessa Terra, sabia? – falei, em meio a um abraço.
- Para amor, você que é lindo!
Nos beijamos.
- Posso tirar uma foto sua? Quero guardar esse momento pro resto da vida.
- Claro que pode.
Não tirei só uma. Ele estava realmente muito, muito lindo com aquela roupa social.
- Vamos pra república? – ele perguntou.
- Está na hora?
- Sim senhor. Não fica nervoso assim, vai dar tudo certo.
- Como você sabe que eu estou nervoso?
- Porque eu te conheço como a palma da minha mão, mocinho.
Nos beijamos de novo.
- Então vamos.
- Já peguei tudo. Vai descendo que só falta eu passar perfume – ele anunciou.
- Beleza. Eu te espero na garagem.
- Não vou demorar.
Enquanto ele não chegava, mandei umas mensagens no celular. Eu perguntei pro Rodrigo como estavam as coisas por lá, mas ele não me respondeu. Provavelmente estava ocupado.
- Não disse que não ia demorar? – Bruno destravou as portas do automóvel.
- Além de lindo, agora está cheiroso – eu suspirei. – Esse meu namorado ainda vai me matar de tanta paixão, viu?
- Bobão. Pra república ou vai buscar alguém?
- República. Só vamos buscar a Dona Elvira e o Víctor mais tarde.
- E vai dar tempo?
- Tem que dar.
A república estava cheia de gente. Os pais do Rodrigo, a irmã e o cunhado estavam lá e com isso a casa ficou barulhenta e movimentada.
- Eu estou feliz em vê-la também, Dona Inês.
- Você está lindíssimo, Bruno.
- Obrigado, Dona Inês.
- Cadê o seu filho? – perguntei.
- No banheiro com o pai.
Com o pai? Estranhei, mas não questionei nada. Resolvi ir pro quarto e encontrei a porta trancada com chave. Bati duas vezes e esperei alguém abrir e quem fez isso foi o Vini.
E o motivo pela porta estar trancada era simples: eles estavam peladinhos da Silva Xavier.
- Vocês não têm vergonha na cara de ficarem assim não?
- Não – os dois responderam em uníssono.
- Queria ver se a mãe do Digão entrasse aqui do nada.
- Por isso a gente trancou a porta – falou Vinícius.
Fazia tempo que eu não via aquela belezura pelado. Eu olhei e relembrei tudo o que nós vivemos. Foi impossível não juntar uma coisa com a outra. Ainda bem que o Bruno estava na sala.
- Já volto. Se vistam logo – falei e saí do quarto.
- Posso usar seu notebook? – meu namorado perguntou.
- Pode, amor. Só espera os meninos se trocarem, tá?
- Ah, tá bom. Não demora muito no banho, tá?
- Pode deixar.
Quando entrei no banheiro, notei que o Rodrigo estava se barbeando. O pai dele estava só conversando com ele.
- Como vai, Seu Renato?
- Muito bem, Caio e você – o homem apertou a minha mão. – Ansioso?
- Muito. Muito ansioso.
- Vai tomar banho?
- Isso...
- Ah, então eu vou sair pra te deixar mais à vontade. Vem, filho.
- Não pai, eu fico. Não tem problema. A gente já é acostumado com isso.
- Esses jovens de hoje em dia... – o cara saiu do banheiro balançando a cabeça negativamente.
- Ansioso? – perguntei.
- Nem consegui comer. E você?
- Pois eu comi e repeti. Quando fico ansioso o meu apetite abre. Já tomou banho?
- Ainda não. Posso tomar com você?
- OI?
- É brincadeira – Rodrigo caiu na gargalhada. – Era só pra ver a sua reação. Eu já tomei sim. Você já fez a barba?
- Já.
- A minha está boa?
- Tira mais um pouco aqui perto da orelha.
Entrei na ducha e ele continuou na frente do espelho. Eu queria que o Bruno estivesse ali comigo. Eu adorava tomar banho com ele.
Uma vez limpo e cheiroso, eu saí e fui direto pro quarto para me trocar e me arrumar. E não foi fácil conseguir ajeitar aquela roupa.
- Sossega quieto pra mim alinhar esse cabelo, moleque – Vinícius segurou a minha cabeça com força.
- Eu tenho que me arrumar, meu...
- Você já vai se arrumar, espera aí.
Bruno não parava de tirar fotos minhas. Até de cueca ele já havia tirado. Vinícius deu um jeito no meu cabelo, ao mesmo tempo que a irmã do Rodrigo tirou o execasso da minha sobrancelha.
- Vê se está bom – ela me passou um espelho.
- Perfeito, obrigado.
- Disponha. Deixa eu ir dar um jeito no meu irmãozinho agora.
A mulher saiu. A irmã do Rodrigo parecia com ele, mesmo sendo adotada. Ela tinha alguns traços similares aos do meu amigo, mas nada muito chamativo.
- Pronto, pimpolho. Terminei. Pode finalizar o seu visual agora.
- Obrigado, Vini.
- Olha aqui – Bruno chamou.
Eu olhei e ele tirou mais uma foto. Eu já estava cansando de tantas fotos.
Terminei de colocar a beca da formatura e em seguida fui pra cozinha para beber um copo d’água. Todos já estavam prontos, inclusive o Rodrigo.
- Você está tão lindo – a mãe dele não parava de chorar.
- Para, mãe! – ele reclamou.
- Caio! Você está lindo também, meu filho – ela foi e me abraçou.
- Obrigado, Dona Inês. Não chora!
- Vocês estão tão lindos, tão lindos!
- Mãe, você já borrou toda a maquiagem. Vou er que fazer tudo de novo – Marcelle reclamou. – Para de chorar!
- Não consigo, filha! Eu sempre sonhei com esse dia!
- Eu também, mas não precisa chorar tanto, mãe – Rodrigo caiu no sofá e amarrou os sapatos.
Eu bebi a minha água e depois fui escovar os dentes. Rodrigo, Vinícius e Fabrício tiveram a mesma ideia e nós ficamos revezando a pia do banheiro.
- Sai pra lá – Fabrício deu uma bundada em mim.
- Ei...
- Alguém me passa o fio dental? – pediu o outro formando.
Após esse momento de total briga e descontração, nós enfim ficamos prontos. Os pais do Rodrigo haviam alugado um carro e era praticamente igual ao do Bruno. Só mudava o modelo, porque a cor era a mesma.
- Tem certeza que não vai atrapalhar? – Vinícius perguntou pela milésima vez.
- Absoluta – respondeu Bruno. – Fica sossegado.
Nós íamos deixar os meninos no local da minha formatura e depois íamos buscar o Víctor, o Rian e a Dona Elvira. Por sorte, deu tempo pra fazer tudo sem que eu me atrasasse.
- Uau – Víctor me olhou da cabeça aos pés. – Você está divino!
- Obrigado, Víctor. Entra aí logo senão a gente vai se atrasar.
- Você está lindo mesmo, Caio – Rian me elogiou.
- Obrigado, Rian. Entra aí que nós estamos ficando meio atrasados.
Isso era o que eu pensava. Eu não sabia que a cerimônia ia atrasar como atrasou, mas no fim deu tudo certo.
- Meu Deus do céu – Dona Elvira me abraçou chorando. – Como você está lindo!
- Obrigado, Dona Elvira. Muito obrigado. Por favor, entre no carro senão a gente vai se atrasar.
- Claro querido, claro. Com licença.
- Deixa eu fazer as apresentações: Víctor, Rian, essa é a Dona Elvira. Foi ela que me empregou pela primeira vez aqui no Rio. É como se fosse a minha segunda mãe. Aliás, ela é a minha segunda mãe.
- Muito prazer – ela beijou os dois.
- E esse aqui é o meu Bruno, Dona Elvira. A senhora já deve imaginar quem é ele, não?
- Claro. Como vai, Bruno? Tenho muito prazer em conhecê-lo.
- O prazer é meu, Dona Elvira – meu namorado apertou a mão da mulher. – O prazer é todo meu.
- Fico muito grata a Deus pelo Caio ter encontrado você.
- Obrigado, Dona Elvira – meu namorado ficou sem graça.
Rapidamente nós conseguimos voltar para o local da formatura, que já estava movimentado. Todos já haviam saído do carro, mas eu não me mexi e fiquei parado, olhando pro nada.
- Você não vai sair? – ele perguntou.
- Hum? – eu olhei pra ele.
- Está pensando na sua família, não está?
- Como você sabe?
- Eu te conheço, rapaz. Eu te conheço!
Sim. Eu estava pensando na minha família. Por mais feliz que eu estivesse naquela noite, faltava um pedaço de mim. Ou melhor, três pedaços.
Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por que eles tinham que estar ausentes numa das noites mais importantes da minha vida? Na noite em que eu ia me formar na faculdade?
Não adiantava mentir para mim mesmo. Eu estava sim sentindo muita falta dos meus pais e do meu irmão naquela noite de março. Eles estavam fazendo falta por se tratar de um dia especial na minha vida.
Querendo ou não, eles eram a minha família e eu queria que eles estivessem presentes naquele dia. A minha garganta estava com um nó imenso e eu simplesmente não consegui segurar a minha emoção.
- Vem cá, vem? – Bruno me puxou para um abraço. – Não fica assim, amor...
- Está doendo, sabe?
- Eu sei. Está doendo em mim também, mas não vai adiantar nada você chorar. Eu sei que é bom você desabafar, mas seus olhinhos vão ficar feios. Fica calmo, meu príncipe. Eu estou aqui. E eu nunca vou te abandonar, NUNCA!
Eu tinha certeza que ele não ia me abandonar nunca mais. Nunca mais. A primeira e única vez já foi suficiente para o nosso amadurecimento.
Mesmo ele estando comigo, eu não me sentia completo, não me sentia confortável. A falta da minha família realmente estava grande e eu só tive noção do tamanho da lacuna naquele exato momento.
- Ei, olha só: você não tem a sua família de sangue, mas tem a família que você mesmo criou!!!
Bruno secou as minhas lágrimas. Os olhos dele estavam incrivelmente brilhantes.
- Você tem a Dona Elvira, tem a Dona Inês, o Rodrigo, tem seus amigos e tem principalmente a mim. Nós te amamos, Caio, nós te amamos muito e estamos muito felizes pelo seu dia, amor. Não chora, por favor!
Nos abraçamos de novo. O abraço dele foi tão bom que fez eu me acalmar um pouquinho.
- Nós somos a sua família, entendeu? E sempre seremos, sempre! Eu prometo que a gente nunca vai fazer com você o que seus pais e seu irmão fizeram. Eu prometo!
O Bruno não era um homem, ele era um anjo. Um verdadeiro anjo que Deus tinha colocado na minha vida. O meu anjo protetor, o meu anjo da guarda!
Aquelas palavras tocaram tão fundo no meu coração, tão fundo na minha alma que realmente tiveram o poder de reestabelecer a minha calma e a minha felicidade. Aquelas palavras, aquela força, aquele amor que ele transmitia com tanta sinceridade dissiparam qualquer resquício de saudade que existia da minha família dentro do meu peito.
Ele estava mais do que certo. Eu tinha perdido uma família de sangue, mas tinha conseguido uma família nova que eu mesmo montei.
Dona Elvira e Dona Inês estavam no lugar da minha mãe. O Seu Renato no lugar do meu pai. Vinícius, Fabrício, Rodrigo e Víctor eram meus irmãos e o Bruno o meu namorado. O namorado mais incrível de todo o mundo.
- Eu te amo, tá? – ele falou no meu ouvido.
- Eu também te amo – funguei e beijei o meu príncipe. – Obrigado por existir.
- Não fala nada. Seca essas lágrimas e vamos descer para a sua formatura, amor da minha vida. Sua família está te esperando!
Saímos do automóvel e seguimos para onde todos estavam. Rodrigo já estava preocupado comigo:
- Que demora foi essa?
- Estava conversando com o Bruno.
- Você chorou?
- Depois a gente fala sobre isso.
- Não – ele me puxou pelo pulso. – O que houve? O Bruno fez alguma coisa com você? EU MA...
- Não! O Bruno não fez nada, nada! Deu saudade da minha família, só isso.
Rodrigo não falou nada; só me abraçou. Eu tive que fazer uma força inigualável pra não cair no choro novamente.
A cena da surra que eu recebi do meu pai tomou conta da minha mente. Naquele momento eu não estava sentindo dor física e sim dor na alma. E foi horrível.
- Eu estou aqui, meu irmão! Não esquece isso.
- Eu sei, Digow. E são vocês que me dão força, acredite.
- Pensa que hoje é um dia de felicidade, mano. Não fica pensando neles não. Nós somos a sua família, entendeu?
- Eu sei disso!
- Vem... A gente já tem que entrar.
Voltamos para perto dos nossos amigos e familiares e nesse momento todos, absolutamente todos foram nos parabenizar e nos desejar sorte.
- FEDIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIDO – Janaína quase colocou meus bofes pra fora com um abraço de urso. – QUE LIIIIIIIIIIIIIINDO QUE VOCÊ ESTÁ!!! Que orgulho!!!
- Linda está você, Janaína! Amei esse vestidinho amarelo. Ficou perfeito.
- Eu sei, obrigada. Amei a sua beca. Metido! Deixa eu tirar uma foto, essa vai direto pro Facebook!
- Boba!
- Eu sei que você deve estar sentindo uma falta imensa da sua mãe, do seu pai... Mas eu estou aqui, tá? – Dona Elvira falou no meu ouvido.
- Obrigado, Dona Elvira.
- Boa sorte, meu amor.
- Muito obrigado. Muito obrigado mesmo.
- Boa sorte, parceiro – Fabrício deu um tapinha no meu ombro.
- Obrigado.
- Sorte – desejou Vinícius.
- Valeu, Dr. Vinícius!
- Vamos? – Rodrigo me puxou.
- Vamos.
- Caio? – Dona Inês se aproximou de mim, juntamente com o marido.
- Oi?
- Boa sorte...
- Ah, obrigado Dona Inês!
- Vem aqui, filho – ela me puxou e me abraçou. – Eu estou aqui, tá?
- Uhum.
- Eu também, Caio – o pai do Rodrigo também me abraçou. – Sei que não é a mesma coisa, mas conta comigo sempre que você precisar. Eu não esqueci e nunca vou esquecer o que você fez pelo meu filho.
- Obrigado, gente. Obrigado mesmo.
- Vai dar tudo certo.
- Já deu – eu forcei um sorriso. – Já deu certo.
- Não esquece que eu também estou aqui – Víctor foi até onde eu estava.
- Não esqueci de você, palhaço!
- Posso te abraçar? – ele perguntou, com um sorriso lindo nos lábios.
Não falei nada, apenas caí naqueles braços deliciosamente protetores.
- Te amo – ele falou.
- Não, não! Eu é que te amo!
- Boa sorte. Estarei na primeira fila rezando e torcendo por você.
- Obrigado. Se cuida.
- Você também.
- Vamos? – Rodrigo perguntou pela milésima vez.
- Uhum.
- Boa sorte – Bruno falou. – Vai com Deus!
- Obrigado, Bruno. Fica com Ele.
Entramos e eles ficaram pra trás. Aos poucos a imagem dos meus pais e do meu irmão foram ficando mais fracas na minha memória, até desaparecerem. Com isso, eu me senti totalmente reestabelecido emocionalmente falando.
- Me dá mais um abraço? – ele pediu.
- Quantos você quiser.
- Melhor?
- Muito. Obrigado por me emprestar seus pais, tá?
- Nossos pais. Eu já disse que você ´é meu irmãozinho, porra!
Apenas ri.
Eu só me despedi de vez do meu amigo quando tive que seguir em um caminho diferente do dele. A minha turma estava num canto e a dele em outro totalmente diferente.
- Sorte – ele falou. - Vai dar tudo certo!
- Já deu tudo certo. Eu te vejo depois da colação de grau.
- Combinado. Até mais então.
- Até mais.
Eu já estava totalmente recuperado do meu momento depressão. Segui calmamente até a minha turma e fiquei feliz demais por poder rever a maior parte dos meus colegas.
Entretanto, a grande maioria dos alunos não quis participar da formatura e unicamente por isso a universidade resolveu fazer a cerimônia um tanto quanto mais organizada do que no ano anterior.
A abstenção de alunos foi tão grande, que foi possível preparar uma cerimônia mais bonita, mais detalhada e duradoura que todas as outras e isso me deixou bem contente, afinal era a minha formatura, não é?
Nós, os formandos, ficamos em uma espécie de camarote. Eram vários desses camarotes, um ao lado do outro e com isso a estrutura ficava meio oval. De onde eu estava sentado, eu tive uma visão panorâmica de todos os convidados e rapidamente consegui encontrar o meu namorado no meio de todo aquele povo. Ele estava na primeira fila, como me prometeu.
Nós estávamos sentados em ordem alfabética e como a faculdade uniu todos os alunos do curso de RH num lugar só, eu fiquei no meio de dois Caios. Eu não conhecia nenhum.
É claro que eu estava ansioso, muito ansioso. A cada nome que era chamado, o frio na minha barriga intensificava e eu ficava mais nervoso.
O local onde estava sendo realizada a entrega dos diplomas era uma espécie de teatro. Havia os camarotes, onde nós estávamos alocados; o palco, onde eram realizados os discursos e entrega de diplomas e a plateia, onde ficaram os familiares e convidados de todos os formandos.
Para chegar no palco, nós tínhamos que sair de onde estávamos, descer uma escada com os degraus revestidos em carpete, atravessar todo o salão, também de carpete, pelo meio dos convidados e subir uma escada para o palco. Era um trajeto longo, mas que era realizado em 2 minutos no máximo.
É claro que a cerimônia estava sendo filmada e fotografada. Quando os alunos eram chamados, automaticamente uma luz vinha até essa pessoa e seu rosto aparecia em um telão, no fundo do teatro.
E chegou a vez da turma do Rodrigo. A qualquer momento o nome do meu amigo seria chamado. Será que ele estava muito nervoso como eu?
- Rodrigo Carvalho!!!
Eu abri um mega sorriso quando ouvi o nome dele sendo chamado e quando ele apareceu no telão. Como ele estava bonito!
Eu acompanhei a descida do meu amigo e fiquei aplaudindo com o máximo de entusiasmo que consegui reunir. Na plateia, eu ouvi vários assovios e tive certeza que era um dos meninos que estava promovendo esse showzinho particular, senão os dois.
Rodrigo caminhou elegantemente até o palco, subiu as escadas praticamente correndo e rapidamente chegou até o mestre de cerimônias, que entregou o diploma a ele logo em seguida.
Meu amigo sorriu, pegou o canudo, cumprimentou o mestre de cerimônias e sorrindo, olhou pra plateia com o diploma erguido no ar sob ajuda do braço direito. Ele estava finalmente formado.
Eu não cansei de aplaudir e por causa disso as palmas de minhas mãos ficaram ardendo, mas não tinha problema. Ele merecia todo e qualquer esforço vindo da minha parte. Aquele menino sim era um verdadeiro guerreiro.
E dessa forma as coisas foram acontecendo. Quando enfim anunciaram o nome do meu curso, eu finalmente pude me desesperar de vez.
Minhas mãos e pés começaram a suar frio, minhas pernas tremeram mais do que vara verde, minha boca ficou seca e eu senti uma gota de suor escorrer pelas minhas costas.
Além do calor, o nervosismo e a ansiedade estavam tomando conta do meu corpo. Eu estava com medo de dar alguma coisa errada...
Eu seria o oitavo a ser chamado e já estava chegando a minha vez. Me arrumei na cadeira, sequei as minhas mãos nas laterais de minha beca, passei a língua nos lábios, respirei fundo, fechei os olhos, senti meu coração bater na minha cabeça, senti um iceberg descer pela minha garganta e por fim me preparei psicologicamente para a chegada de um dos momentos mais felizes da minha vida.
- Caio Calixto!!!
Eu seria o próximo. Mantive meus olhos fechados e comecei a rezar, pedindo forças a Deus para enfrentar esse momento de puro nervosismo. Será que ia dar tudo certo? Tinha que dar!
- Caio C. Monteiro da Silva!!!
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