quarta-feira, 25 de março de 2015

Capítulo 54

C
omo o Bruno foi rápido!

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- Pois é. Passagens para Fortaleza. Não gostou?
- Claro que eu gostei, gatinho... Eu só não esperava que você fosse tão rápido assim. E eu nem fui comunicado sobre isso. Eu quero pagar as minhas...
- Não, não. Eu já comprei as quatro.
- Com autorização de quem? Eu quero pagar as minhas, senão eu não viajo com você.
- Para de ser chato, Caio!
- Não vou fazer você pagar tudo sozinho, anjo. Isso não é justo!
- Não vamos brigar por causa de dinheiro, né?
- Mas eu não acho justo!
- Vamos fazer o seguinte: depois falamos sobre dinheiro, pode ser?
- Se você deixar eu pagar está tudo bem.
- Gostou da minha surpresa? – ele acariciou meu rosto.
- Eu adorei – falei a verdade. – Não pensei que você já fosse comprar tudo tão rápido assim, criatura!
- Viajar com você é tudo o que eu mais quero nesse momento. Eu preciso de férias e acho que você também. Você trabalha demais, amor.

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- Isso é verdade mesmo. Eu estou precisando de férias.
- Pois é! Então vamos curtir essa viagem ao máximo. Promete?
- Lógico. Ela vai ser perfeita porque eu vou estar com você, meu gatão mais lindo de todo o universo!
Nos beijamos e tudo aconteceu ali na sala mesmo. Parecia até que o nosso tesão tinha aumentado de escala, porque naquela noite a gente quase ultrapassou o nosso recorde de 8 transas na noite. Nós dois ficamos pra lá de esgotados.
- Ei – eu chamei o Bruno no dia seguinte. – Eu nem vi o dia que a gente vai viajar.
- Dia 1º de janeiro, amor.
- Putz... Essas passagens devem ter saído os olhos da cara, não?
- Não, não. Eu consegui uma super promoção relâmpago na internet ontem de madrugada. Por isso que eu comprei.
- Sério? Quando ficou?
Ele falou o valor e eu quase caí para trás. O meu namorado pagou menos da metade do preço que eu chutei mentalmente.

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- Barato demais, Bruno! Valeu muito a pena. Que bom que você comprou, de verdade.
- Ainda vai ficar com essa bobagem de querer pagar a sua?
- Quero sim. Eu não acho justo você pagar tudo sozinho.
- Bobão. Saiu barato, eu não aceito essa história de você pagar não. Deixa tudo comigo.
- Não é assim que funciona, né?
- Não aceito e ponto final.
- Então já que você não aceita que eu pague as minhas passagens, eu faço questão de pagar a diária do hotel.
- Nisso eu até posso concordar, amor. Eu não vou conseguir pagar tudo sozinho não.
- E nós vamos ficar quantos dias lá?
- 20 dias. É muito tempo? – ele mordeu os lábios.
- Depende – eu ergui as sobrancelhas. – Depende da diária do hotel.
- Eu encontrei uma pousada mais ou menos em conta, amor.
- Qual o valor da diária?
Ele disse e nós fizemos as nossas contas. A viagem não ia sair barata, mas também não ia sair cara demais. O preço das passagens de avião ajudaram e muito o nosso orçamento.
- Tranquilo. Com o valor das minhas férias eu consigo pagar esses dias sim. Pode ficar tranquilo.
- Com as minhas férias eu consigo fazer isso também – ele arrumou meu cabelo. – Desculpa não ter me comunicado com você. Eu fui apressado demais, não é?
- Não, bobinho – eu sorri. – Não foi não. Você fez as escolhas perfeitas. Eu vou com você até o fim do mundo se preciso for.
- Até o fim do mundo, é? – Bruno ficou apoiado no cotovelo esquerdo.
- Até Marte, até Plutão, até o fim da Via Láctea. Eu te amo, amor...
- Eu te amo bem mais.
Nos beijamos e rolou de novo. Eu estava me sentindo extremamente cansado, mas feliz. Viajar com o Bruno seria mais do que perfeito, seria praticamente a realização de um sonho.

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- Boa tarde – eu cumprimentei a Janaína. – Como a senhora vai?
- Senhorita, faz favor. Eu ainda sou uma donzela indefesa.
- Donzela? Mas nem no nariz!
- Que absurdo! Às 13 horas e 5 minutos de um domingo de primavera eu sou obrigada a ouvir uma coisa dessas!
- Você donzela? É mais fácil vacas voarem pelo céu do Brasil do que você ser uma donzela, Jana.
- Minha nossa, quanto surrealismo. Como vai o senhor?
- Eu vou muito bem, obrigado. Um pouco cansado, mas feliz.
- Você e o Bruno não descansam não? Às vezes eu fico até com inveja. Puta que pariu, vai transar assim na casa de swing, cara.
- Se liga! E desde quando você sabe das minhas intimidades?
- E precisa saber? Basta olhar pra você. Olha essas olheiras e essa cara de acabado. Dormindo à noite é que você não estava, meu filho. E esses olhos brilhando assim? E essa pele maravilhosa? Se isso não for sexo, me dá o telefone do seu dermatologista!
- Vadia!
- Viado mal-educado.
- Não é “viado”, é “veado”!
- E ainda se mete à culto!
- Preta desbotada.
- Desbotada não. Eu sou negra quase petróleo.
- Petróleo? Só se for na sua imaginação, porque você é quase branca.
- Deus me livre de ser dessa raça aí. Eu sou preta e com muito orgulho. A única coisa que eu não gosto é desse cabelo duro, mas tudo bem. Escova existe pra isso.

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Não era não. Ela era morena clara.
- Nem vou discutir. E as férias? Já assinou?
- Ontem e você?
- Eu não. Assino em dezembro. Vou viajar mesmo.
- Vai? Pra onde?
- Fortaleza. Já compramos até as pesagens.
- Mentira que você vai ter lua de mel em Fortal? Que inveja, bicha!!!
- Lua de mel? Não vou estar em lua de mel, criatura.
- E vai estar em quê? Quem mais vai viajar com vocês dois?
- Ninguém, oras.
- Então meu caro, isso vai ser uma lua de mel. Nem adianta dizer que não porque vai ser.
Por mim não teria problema nenhum se realmente fosse uma lua de mel. Eu amava o Bruno e a gente ia ficar juntos pra sempre, para que dizer que não?
- Que seja. Então eu vou estar em lua de mel em Fortaleza.
- Garoto metido, viu? Vai que dia?
- Dia 1º de janeiro.
- Que horas?
- De tarde.
- Que inveja branca, amigo. Me leva na bolsa?
- Levo. Você cabe?
- Eu dou um jeitinho...
- E você não vai viajar mês que vem?
- Vou, claro! Férias é pra viajar.
- E vai pra onde?
- Eu vou pra Salvador!
- Espera! Você vai pra Salvador e fica com inveja de mim?
- É brincadeira, menino. Eu lá ia sentir inveja de você?
- Sei que não, mas eu pensei que você ia ficar no Rio.
- Deus me livre. Eu amo a minha cidade, mas já me cansei dela. Quero conhecer lugares novos com o meu amorzinho.
- Não creio que o Alemão vai com você?
Alemão era como a Jana chamava o bofe dela.
- Claro que vai. E eu lá sou mulher de viajar sozinha? Vou super namorar nessas férias, meu filho.
- Toma cuidado...
- Com o quê?
- Pra não voltar com candidíase de novo.
- Está amarrado nas barbas de Jesus Cristo! Vou passar protetor solar na bichinha pra ela não inventar de ficar doente esse ano. Deus me livre de ter uma coceira do capeta daquelas de novo.
Eu dei risada. Só a Janaína mesmo pra me fazer rir em pleno expediente de domingo.

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- Que saudade – Rodrigo me abraçou.
- Eu também estava, mano. Você está bem?
- Eu estou ótimo e você?
- Um pouco cansadinho, mas bem.
- Percebi. Você está com olheiras. A noite foi feita pra dormir, viu?
- Bobo.
- Ei, eu tenho uma novidade.
- Eu também! Fala a sua que eu falo a minha.
- Eu estou namorando de novo – ele abriu um sorriso tímido.
- NAMORANDO? QUEM É A PESTE?
- Calma – ele gargalhou. – Não é a Marcela.
- Sei que não é. É a Renata?
- Não também. É outra.
- Como assim é outra? Que história é essa? Você já fez a fila andar de novo?
- Lógico. A gente tem que ser rápido. Eu estava pegando 3 ao mesmo tempo, Caio.
- Cachorro, sem vergonha – eu dei um tapa no ombro dela.
- Para, seu trouxa.
- Quem é a menina? Como ela se chama? Quantos anos ela tem? Já transaram?
- Não, ainda não. Eu a pedi em namoro hoje. Quando rolar eu te falo.
- Como ela se chama? Como você a conheceu?
- É a Larissa. Ela trabalha na mesma empresa que eu. Ela é da minha idade.
- Velha já.
- Eu não sou velho, seu pivete – ele esmurrou o meu braço.
- É sim! Quase nos 30 já.
- Só não te bato porque estou com preguiça. Eu quero te apresentar a Larissa. Ela é um amor.
- Sinceramente? Eu desejo do fundo do coração que você seja muito feliz com ela e que não sofra o mesmo que sofreu pela Marcela.

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- Obrigado, amigo – ele me abraçou. – Eu espero ser feliz mesmo.


- Vai ser sim, você vai ver.
- Qual a sua novidade?
- Eu vou viajar!
- Viajar? À trabalho?
- Não. De férias mesmo.
- Férias? E desde quando você está de férias, Caio?
- Não estou, mas vou ficar. Eu vou viajar em janeiro.
- E pra onde você vai, rapaz?
- Fortaleza.
- Ah, é? O Bruno vai também?
- Lógico que vai. A ideia foi dele.
- Pô, poderia ir pro Paraná comigo...
- E você vai?
- Vou, mas só vou ficar alguns dias.
- Ah, mano. Desculpa, mas não vai dar.
- Ah, tranquilo. Eu entendo. Pena que vai com o Bruno e não vai comigo.
- Eu vou com você se você virar meu namorado. O que acha?
- Cruzes – ele se benzeu. – Quero isso pra mim não.
- Não quer? Tem certeza? Sei não, hein?
- Não quero! Eu até fiquei confuso um tempo atrás aí, mas vi que tudo não passava de carência.
- Você é bi, já te falei isso.
- Olha, Caio, se eu for ou se eu não for, pra mim não importa. Eu até toparia e tal, mas só se fosse com você. Não tem espaço pra nenhum outro homem na minha vida.
Que lindo!
- Só que eu estou super resolvido com a minha sexualidade. Eu gosto de mulher, eu quero mulher e eu vou pegar mulher. Essa fase de “curiosidade” já passou há algum tempo.
- Uhum, eu sei disso.
- Quero que você saiba que a nossa amizade sempre vai prevalecer pra mim, tá bom? Te amo, mas como meu irmão. Só isso.
- Também te amo como meu irmão, Digow.
- Isso é o que importa! Mas eu tenho ciúmes do Bruno!
Dei risada. O Rodrigo era muito fofo.
- É brincadeira. Eu sei que você é macho.
- Para, Caio. Como você é bobo!
- Mas não é? Vai me dizer que você não é?
- Sou, né. Você também é.
- Menos que você, mas sou.
A gente deu risada.
- Bocó!
- Me respeita, Digão!
Nós dois conversamos por mais um tempinho. Trocamos algumas informações sobre a faculdade e depois engatamos outros assuntos. Foi uma conversa tranquila e nós só paramos de falar quando o sono nos venceu, depois de um tempão.
Naquela noite, o VIni estava na Bruna e o Fabrício na casa da namorada misteriosa. Quem seria ela?
O começo da semana foi turbulento. Logo naquela segunda-feira eu tive que apresentar um trabalho horrível na faculdade, mas ainda bem que deu tudo certo.

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- Meu Deus... Que coisa mais chata – Jéssica reclamou quando voltou para o seu lugar.
- Nem me fala – Marcela caiu na cadeira e bufou. – Nunca tremi tanto em toda a minha vida.
 Pra mim foi normal – falou Fernando. – Não fiquei nervoso nem nada.
- Quer o quê? – perguntei. – Você é líder, sabe falar em público.
- Você também foi líder, deveria ficar mais tranquilo.
- Foi horrível falar pra tanta gente – comentei. – Eu fiquei com muita vergonha.
Mas era bom eu me acostumar. Como o Jonas mesmo dizia, eu não ia ser vendedor pro resto da vida e mais cedo ou mais tarde eu ia ter que aprender como devia me portar em um cargo de liderança. Falar em público seria uma de minhas atribuições.
- Sobreviveu ao trabalho, mano?
- Sobrevivi, Rodrigo. Porém não foi fácil.
- Apresentar trabalho nunca é fácil. Eu estou sofrendo só de pensar que daqui uma semana tenho que apresentar o meu.
- Boa sorte. Vai dar tudo certo.
- Deus te ouça.
- Confie. Você tem potencial e vai se sair muito bem. Pode acreditar.
- Só você mesmo pra me animar tanto. Eu te amo, garoto.
- Eu te amo também. Eu só não caso com você porque eu amo o Bruno e porque você não é gay!
- E eu só não caso com você porque você é gay e porque não é mulher. Se fosse mulher, eu já tinha casado há anos.
- Que lindinho... Adorei!
- Você vai treinar hoje?
- Sim. Hoje é dia de ir. E você?
- Vou sim. Se eu não for, o Felipe arranca meus ovos.
- Ui, delícia. Deixa eu arrancar?
- Nunca! Deixa eles aqui, eles são muito importantes para mim.
- Palhaço – dei risada.
- Hora de voltar pra aula. A gente se fala na saída.
- Beleza. Boa aula.
- Pra ti também.

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Quando eu voltei pra sala, a professora já estava distribuindo as provas. Eu sentei, respirei fundo e pedi forças a Deus para não errar nenhuma pergunta. Eu precisava de nota pra finalizar o curso acima da média estipulada pela faculdade.
Só que o exame não estava tão fácil como eu imaginava e por mais que eu tivesse estudado, faltou conteúdo na minha cabeça. Eu fiquei em dúvida em várias perguntas e eu tive mais do que certeza que não ia me sair nada bem naquela prova. Eu estava lascado!
- Como foi a prova? – ele perguntou na hora da saída.
- Horrível. Eu fui muito mal!
- Calma. Às vezes é só impressão sua.
- Não é impressão. Eu fui mal sim. A prova estava horrível.
- Relaxa, Caio. Vai ter a substitutiva, não vai?
- Uhum.
- Então não grila. Se você foi mal nessa, na próxima você vai se sair bem.
- Deus te ouça, Rodrigo. Deus te ouça!
Eu passava força pro Digão e ele pra mim. A nossa amizade era baseada na troca de energias e acima de tudo, havia muito respeito.
- Coragem pra enfrentar o treino do Felipe.
- Nem me fala. Ui... – percebi que o Digow virou o pescoço quando uma mulher passou perto de nós.
- CACHORRO – dei uma porrada na cabeça dele. Cria jeito!
- Que bundinha gostosa a dela, Caio! Deu até tesão!
- SAFADO

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- Que bom vê-los. Como foi o final de semana de vocês? – o personal apertou as nossas mãos.
- Bom e o seu? – perguntei.
- Ótimo. Preparados pro treino?
- Não – respondemos ao mesmo tempo.
- Pô, agora eu fiquei desmotivado...
Mas não tinha jeito de escapar. Eu enfrentei a série de exercícios e não fiz muitas reclamações. Era melhor aceitar que doía menos.
- Até quarta – eu falei.
- Até quarta. Não descuida desse corpo, hein? Deu muito trabalho chegar nesse resultado.
- Agora você falou a verdade. Pode deixar que eu não vou descuidar.
- Assim espero.

Saí da academia e senti vontade de ir pra casa, mas eu ainda teria que enfrentar um longo dia de trabalho na loja e algo me dizia que não seria um dia fácil.
E o meu sexto sentido não me decepcionou. Logo na primeira venda eu me deparei com uma cliente estressada. Ela queria porque queria que a montagem dela fosse realizada no mesmo dia da entrega.
- Dona Maria, eu vou repetir: isso é impossível. A loja não trabalha dessa forma. O procedimento é este.
- Mas eu não estou de acordo.
- Sinto muito, mas o procedimento permanece o mesmo da mesma forma.
- Eu quero a montagem do mesmo dia da entrega, Caio.
- A senhora não terá a montagem no mesmo dia da entrega. Eu já falei isso várias vezes.
- Mas eu quero, eu quero e eu quero!!!
- Sinto muito, Dona Maria. Isso não é possível. O atendimento da equipe de montagem é de 3 à 5 dias úteis após a entrega. Não haverá atendimento no mesmo dia, uma vez que são equipes diferentes.
- E qual a sua dificuldade para mandar um montador dentro do caminhão?
- A mesma dificuldade que a senhora tem pra entender que isso não é possível. Eu não posso disponibilizar o montador dentro do caminhão, até mesmo porque ele não é entregador, muito menos mercadoria. O montador trabalha em uma central diferenciada, que não fica dentro do depósito. Após a baixa da sua nota fiscal, há o prazo de 3 à 5 dias úteis para ele ser acionado. À partir do momento que ele for acionado, aí sim ele comparece na sua residência. A senhora tem que aguardar o atendimento, por favor.
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- Continuo não aceitando.
- Mas é este o procedimento e não será a senhora que vai mudá-lo. Por favor, compareça ao crediário com esse papel e finalize a sua compra. A sua entrega será realizada em 1º de dezembro, conforme eu já havia dito. Boa tarde, Dona Maria. Volte sempre.
Ela saiu, mas saiu resmungando consigo mesma. Eu já estava cansado de clientes folgados.
- Muito bom! Adorei a sua argumentação – Jonas apareceu rindo.
- Você estava aí? – eu gelei da cabeça aos pés. Eu fui grosso com a cliente, ele não poderia ter ouvido.
- Sim! Não quis atrapalhar a sua argumentação. Parabéns, eu adorei o que você falou pra ela.
- Onde está a advertência? Eu assino...
- Hã? Advertência? Que história é essa?
- Eu sei que você vai me sancionar por ter sido grosso com a cliente...
- Vou não, menino – ele riu de novo. – Relaxa! Fica entre nós dois. Ela é lesada, nem vai reclamar de você. Eu gostei do que você disse, fica tranquilo.
Respirei aliviado. A última coisa que eu precisava naquele momento era de uma sanção disciplinar.
- Obrigado por confiar em mim.
- De nada. Viu, eu tenho uma novidade pra você.
- Que novidade? Não cancelaram as minhas férias não, né?
- Não, não. Relaxa. Não é isso. É uma coisa muito boa.
- O que é? Chocolate?
- Não, não. Não tenho doces hoje. É algo sobre a loja.
- Sobre a loja?
- Algo que você quer muito.
- Que eu quero muito? Então não é promoção, menos mal... O que é?
- O que você mais quer nesse momento?
- Quer que eu seja bem sincero?
- Opa! Claro.
- Quero voltar pra casa e dormir até a semana que vem, mas como isso não é possível...
- Realmente. Isso não é possível. Que mais você quer muito?
- Minhas férias.
- Já estão assinadas e fora isso, o que você gostaria de receber?
- Um prêmio. Você tem um prêmio pra mim, Jonas?
- De certa forma sim. Você foi o único que não mudou de setor, certo?
- Aham. Eu vou mudar de setor, é?
- Sim senhor. E adivinha pra onde você vai?
- Não acredito – eu abri um sorriso. – Pra minha linha branca?
- Isso! Até que enfim você acertou, hein?
- Mentira? Eu vou voltar mesmo pra minha linha branca? Jura?
- Juro! Pensei muito no assunto e resolvi te colocar lá de novo pra te motivar ainda mais. Pode voltar imediatamente.
- Eu te amo, Jonas. Sério mesmo! Muito obrigado... Eu nem acredito...
- Demorou, né? Mas chegou o dia da volta. Pode voltar.
- Obrigado, chefe. Muito obrigado. Você salvou a minha vida! Valeu mesmo...
- Por que eu salvei a sua vida?
- Por causa da comissão que vai vir pra dezembro e janeiro. Eu vou receber um dinheirinho a mais nas minhas férias. Valeu mesmo, Jonas. De coração.
- Por nada, garoto. Continue fazendo o seu melhor sempre, está bom assim?
- Confia em mim. Eu não vou te decepcionar, eu vou vender todo o estoque ainda hoje. Te amo, Jonas. Vou te trazer um chocolate como pagamento. Obrigado mesmo!
- De nada. Agora vai lá e arrepia nessas vendas, garoto.
- Deixa comigo. Eu vou dar o meu melhor sempre!
Saí quase que saltitando pela loja. A minha felicidade era tão grande que meu cansaço foi por água abaixo. E é claro que as minhas amigas perceberam que eu estava mudado.

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- O que foi? Ganhou quanto na Lotofácil hoje? 5 reais? – perguntou Alexia.
- Voltei pra linha branca!
- Ah, mentira? – Janaína se meteu. – De novo?
- De novo! Jonas deixou eu voltar.
- Ah, e eu? Quando eu vou ser da linha branca?
- Tem que ver isso com a Duda.
- Todo mundo vai pra linha branca, menos a neguinha aqui. Isso é preconceito só porque eu tenho o cabelo duro, só pode. Vou reclamar com meus advogados.
- Desculpa, minha flor. A linha branca é pra quem pode, não é para quem quer. Diz aí, Alexia?
- Verdade. Esse setor é só pra alta elite da sociedade carioca. Contente-se com a senzala, amiga.
- É muito bullying pra uma pessoa só, meu Deus! O que eu fiz de errado? Eu nunca xinguei a minha mãe... Por que eu tenho amigos tão chatos assim, Senhor?
Essa brincadeira rolou por mais algum tempo e só parou quando eu fui atender o meu primeiro cliente no novo departamento. Porém, como o meu sexto sentido me alertou, aquele dia não estava sendo fácil e mais uma vez eu escutei reclamações por parte do cliente:
- Essa data de entrega é muito longe.
- Mas é a data que nós temos disponível.
- Quero que você antecipe essa entrega para amanhã.
- Impossível. O sistema não permite. A data mais próxima é o dia 1º de dezembro, antes disso não haverá entrega na sua região.
- Não aceito. Eu exijo essa entrega amanhã!
- Não será possível. O depósito só poderá entregar no dia 1º, conforme eu já expliquei. Caso o senhor deseje, o senhor pode até retirar a mercadoria daqui da loja ou do depósito, mas se for pra entregar, será só no dia 1º de dezembro. Antes disso não tem como.
Perdi a venda. O cara não aceitou de jeito nenhum. Pelo menos ele não forçou a barra. De vez em quando apareciam uns casos atípicos como este. Era só para me tirar do sério.
Quando eu cheguei em casa naquela noite, a primeira coisa que fiz foi abrir o site da faculdade para saber se a professora já havia lançado a nota da minha prova. E para a minha desgraça, ela havia lançado.
- E aí? Quanto você tirou?
- 1 – eu quase chorei.
- E quanto valia a prova?
- 10.
- Putz... Quem manda não estudar?
- Eu estudei, tá bom?
- Não fica assim... Você vai fazer a substitutiva e vai tirar uma nota boa. Quando é a substitutiva?
- Semana que vem.
- A sua professora é boazinha, hein? Eu nunca vi isso acontecer em faculdade. Que eu saiba o aluno que é reprovado tem que ficar de DP ou fazer um exame.
- Ela disse que vai ser praticamente a mesma prova. Não deixa de ser um exame.
Era um exame. Eu que falava substitutiva. Eu estava frito no óleo de dendê. Desde o início da minha vida acadêmica, eu nunca havia tirado uma nota tão baixa como aquela. Eu fiquei realmente um pouco deprê.
- Que carinha é essa? – Bruno perguntou. Nós estávamos conversando por webcam.

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- Fui mal na minha prova.
- Sério, amor? Pô, que chato... Quanto você tirou?
- 1.
- E valia quanto a prova?
- 10.
- Putz... E agora?
- Vou fazer outra prova na semana que vem.
- Já?
- Uhum. E eu vou ter que estudar.
- Tadinho...
- Amor?
- Oi, anjo?
- Acho que a gente não vai poder se ver nesse final de semana...
- Eu já imaginava isso – ele suspirou. – Eu vou sentir tanta saudade!
- Eu também. Me perdoa?
- Claro! Não fica pensando na gente agora. Pensa na sua prova. Eu também tenho que estudar muito, você sabe disso.
- Eu sei sim. Eu quero que você passe na UFRJ.
- Eu vou passar. Eu tenho que estudar demais nesse final de semana também. Vai ser ruim ficar longe de você, mas vai ser necessário.
- Extremamente necessário. Infelizmente.
- Infelizmente.
A gente suspirou ao mesmo tempo.
- Eu te amo – falei.
- Eu te amo muito mais.
Ouvi o Rodrigo bufar e fiquei com raiva. Até quando ele ia ficar com frescura com relação ao meu relacionamento?
Uma hora ele ficava na dele, outra hora ele descontava em cima de mim. Será que meu amigo era bipolar?
Meu anjo e eu não conversamos muito. Eu estava meio arrasado demais pra ficar navegando na internet por muito mais tempo. Nos despedimos com um beijo e em seguida eu desliguei o notebook.
- Posso usar agora? Ou você ainda vai falar com ele?
- Não. Pode usar – eu passei o computador pro Rodrigo.
- Obrigado.
- Essas crianças – Fabrício bocejou.
- Cale-se – falei. – Você fica fora o ano todo e quando volta ainda chama a gente de criança? Você não tem moral pra isso!
- Ah, vai dormir – ele riu. – Tava comendo por aí. Nem ligo!
- Dar notícias pros amigos é bom, hein? – Digow também reclamou.
- Da próxima vez que eu for comer uma bocetinha eu aviso, tá? Parecem até meus pais! Eu, hein?
Deitei e fiquei pensando no Bruno e também na faculdade. Estava acabando e mais do que nunca eu precisava focar nos meus estudos. Era questão de honra passar na faculdade. Eu não ia desistir naquela hora, quando eu estava praticamente na areia da praia e depois de ter nadado por praticamente 2 anos.
Aquela foi uma semana intensa de estudos, provas, entregas e apresentações de trabalhos. A cada dia que passava, eu ficava mais e mais cansado, mais e mais esgotado e no final de semana, eu quase não estava conseguindo ficar com meus olhos abertos.
- Toma um energético de novo – falou Janaína.
- Compra pra mim? Eu perdi o meu almoço dormindo...
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- Ai, Deus... Me dá o dinheiro, menino.
A minha amiga era a minha salvação. Se não fosse a Janaína, eu provavelmente dormiria na loja.
- Olá, Caio – falou Sandra, a faxineira da filial.
- Oi, Sandra.
Eu fiquei olhando a mulher passar pano pelo chão. Ver o movimento do rodo me deixou ainda mais sonolento.
- Que foi? – Gabriel me olhou. – Por que está olhando pro rodo?
- Ele é tão bonito...
- Bonito? Você tá louco?!
- Ele parece um travesseiro...
- Travesseiro? – Gabo riu. – Ih! O cara ficou maluco, gente! Vou sair de perto, vai que isso é contagioso!
- Bebe isso logo e vê se fica animado.
Nem pensar nos energéticos eu pensava. A minha cabeça estava tão cheia que eu não pensava em mais nada, a não ser no Bruno e nos meus estudos.
E o mesmo acontecia com o meu príncipe e com o Rodrigo. Os dois também estavam se matando de estudar. O primeiro para entrar na federal e o segundo para finalizar os estudos.
- Melhor?
- Mais ou menos. Eu ainda estou sentindo muito sono.
- Você não tem folgas em aberto?
- Nenhuma. Eu já tirei todas.
- Só pra foder com a sua vida, né?
- Mas está acabando. Falta menos de uma semana, se Deus quiser.
- Contagem regressiva então. Vai com fé, amigo.
- É. Eu estou tentando.
Tudo o que eu mais queria, era que aquela semana acabasse logo, mas isso infelizmente não estava acontecendo.
Por mais que eu quisesse, eu não tinha o controle do tempo e justamente nessa época, ele tardou a passar.
Porém aos poucos as coisas foram se encaixando e entrando nos eixos. Por menos que eu estivesse dormindo, eu estava conseguindo dar conta dos estudos e do trabalho, mas a academia eu já havia deixado de lado. Não dava pra fazer mil coisas ao mesmo tempo, nem segurar o mundo com as mãos.
- Falta pouco agora, amor – o Bruno me incentivava. – Falta pouco agora. Você vai conseguir!
Eu tinha certeza que eu ia conseguir, mas o ritmo de estudos estava muito intenso. Desde o começo da faculdade, no ano anterior, eu nunca tinha estudado tanto como estava estudando naquela época.
- Vamos lá, Caio – eu falei para mim mesmo. – Não dorme, não dorme.
- Eu trouxe um café pra você, Caio – falou Fabrício. – Isso vai te ajudar.
- Obrigado, Fabrício – eu me espreguicei, bocejei e peguei a xícara.
Eu que nunca gostei de café, estava sendo obrigado a me sujeitar a ele para ficar um pouco mais acordado, mas nem ele resolvia mais. Se aquele ritmo intenso de estudos e trabalho continuasse por muito mais tempo, eu tinha a impressão que ia acabar entregando os pontos.
Não. Eu não ia entregar os pontos. Eu ia dar conta, ia tirar excelentes notas e ia finalizar o meu curso de RH. Eu nunca fui um homem que desistiu dos meus objetivos, nem dos meus sonhos. Por qual motivo eu ia desistir da faculdade?

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Não, não. De jeito nenhum. Eu não ia me entregar, eu ia dar a volta por cima e ia vencer mais este obstáculo.
Faltavam poucos dias, poucos dias! Eu já tinha passado pelo pior, naquele momento eu só precisava me dedicar às provas e aos trabalhos para finalizar o curso da melhor forma possível.
E com o Rodrigo? Pra ele era muito pior. Mesmo estando com o TCC pronto, ele ainda precisava fazer várias provas e entregar alguns trabalhos. Se para mim estava sendo difícil, para ele então nem se falava.
- Nós vamos conseguir – eu e ele nos abraçamos em mais um dia de início de aulas. – Nós vamos conseguir.
- Amém – ele concordou e em seguida cada um foi para a sua sala.
E assim os dias foram finalmente passando. A cada prova realizada, a cada trabalho entregue, eu me sentia aliviado. Era como se tivessem tirado 2 toneladas de cima das minhas costas.
Até que chegou a última prova, aquela que eu não tinha ido bem e que iria fazer de novo. Quando a professora me entregou o sulfite, eu fui logo tratando de ler a primeira pergunta, nem o meu nome eu coloquei.
Meu coração batia em ritmo lento, minha cabeça pensava em toda a matéria e neste momento não houve espaço para o Bruno na minha mente. Eu precisava focar naquela prova, eu precisava tirar uma nota boa.
Fui lendo cada linha com o máximo de atenção possível e aos poucos, com muita lentidão, as respostas foram surgindo no meu cérebro.
Meus olhos ardiam, minha cabeça doía, meu corpo estava cansado e meus braços estavam molengas. Parecia até que a caneta estava pesada, de tão fraco que eu estava.
Passei a sentir fome, passei a ficar agoniado, mas ninguém ia me deter. Eu ia fazer aquela prova e ia acertar todas ou o maior número de respostas possíveis. Eu ia vencer todas as dificuldades!
A sala de aula estava simplesmente silenciosa. A única coisa que eu ouvia, era o martelar do meu coração na minha cabeça, o barulho da minha respiração, o barulho da caneta passando na folha de sulfite e o barulho do salto da professora no chão da sala de aula da faculdade.
A cada passo que a mestra dava, era um segundo que passava. A cada passo que ela dava, era um batimento do meu coração. A cada passo que ela dava, a tensão ficava maior.
Me estiquei na cadeira, bocejei e coecei meus olhos. A exaustão queria me vencer, eu queria dormir, mas não ia permitir que isso acontecesse.

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- Falta só 1, Caio... Falta só 1...
Toc... Toc... Toc...
O salto daquela mulher já estava me irritando.
Tic... Tac... Tic... Tac...
Por que o tempo estava passando tão rápido? Eu só tinha mais 15 minutos.
Tum... Tum... Tum... Tum...
Para de bater na minha cabeça coração! Será que você não percebe que está atrapalhando meu raciocínio?
A última questão era a mais difícil de todas. Eu fechei meus olhos e procurei a resposta na minha memória. Foi como o acender de uma lâmpada no teto de uma casa. Imediatamente eu lembrei do assunto e comecei a relatar a minha opinião sobre aqueles fatos.
Toc... Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
- Vamos, Caio – falei baixinho. – Conclua…
Toc… Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
Não vai dar tempo, meu Deus…
Toc… Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
VAI, CAIO MONTEIRO!
2 minutos…
Toc… Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
AI, NÃO VAI DAR TEMPO! ANDA, CAIO!
Toc… Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
Menos de um minute…
Toc… Toc... Toc...
Tic... Tac... Tic... Tac...
Tum... Tum… Tum…
PRONTO! Estava feita! Comecei a tremer de ansiedade. Será que estava tudo certo? Será que eu ia tirar uma boa nota daquela vez?
- Pensamento positivo, Caio – falei para mim mesmo.
Mesmo estando incomodado com a posição, eu permaneci sentado por mais um segundo. Antes de entregar o meu exame para a mestra, eu li e reli todas as respostas e por fim, inseri as minhas informações pessoais. Por muito pouco eu não entreguei a prova sem o meu nome.
- O tempo acabou, pessoal – a professora falou pela segunda vez. – Entreguem as provas e saiam da sala, por favor.
Deixei tudo nas mãos de Deus. Eu tinha feito a minha parte. Eu tinha estudado o máximo que pude, me dedicado o máximo que pude. Daquele momento em diante, a única coisa que eu poderia fazer era aguardar.
- Aguardar para saber se eu tinha passado ou não, se eu tinha finalizado o curso ou não. E o jeito era ficar naquela expectativa.
Levantei, guardei as minhas coisas e caminhei lentamente até a mesa da minha professora. Quando eu me aproximei, ela me olhou por cima do óculos, abriu um sorriso sem mostrar os dentes e disse:
- Pronto?
- Sim...
- Boa sorte.
- O-obrigado.
Eu estava com medo, com muito medo. E se não tivesse ido bem? Eu ia ficar de DP... E eu não podia pegar DP... Não podia!!!
Fui o último a sair da sala. A professora disse que ia lançar as notas ainda naquele dia, mas eu não ia aguentar ficar esperando até a hora de voltar pra casa pra saber se eu tinha passado ou não.
- Amor? – eu choraminguei.
- Anjo?
- Eu terminei a prova...
- E aí, como você foi?
- Eu acho que eu fui bem, amor... Mas eu não vou conseguir esperar até de noite pra ver o resultado não... Eu to quase tendo um filho pela orelha de tanta ansiedade...
- Calma, não fica nervoso. Vai dar tudo certo.
- Será?
- Confie, Caio. Você estudou muito para essa prova. Com certeza você se sairá muito bem, meu lindo.
- Deus te ouça. Você está bem?
- Mais ou menos. A minha cabeça está explodindo. Eu não aguento mais estudar e trabalhar. É muito horrível.
- Verdade, mas é necessário. Fazer o quê, né?
- Queria ser rico, só pra poder estudar e não precisar trabalhar, sabia?
- Eu também queria ser rico. Ia ficar só em casa, não ia trabalhar nunca mais.
- Quem sabe um dia, né? – Bruno suspirou.
- Quem sabe um dia – eu concordei.
E para a minha insatisfação e angústia, aquele dia tardou a passar. Eu andava de um lado para o outro na loja e nem conseguia prestar atenção no que estava fazendo.
- Caio? Vai lavar o rosto, vai... – Jonas bateu no meu ombro.
- Hum? – eu voltei de meus devaneios.
- Vai lavar o rosto. Ou melhor, vai tirar um cochilo de meia hora. Eu deixo.
- Jonas...
- Vai, Caio. Vem pra sala do Tácio. Lá tem como você deitar um pouco no sofá. Você precisa descansar, vem.
Eu segui o homem, mas só fiz isso porque eu realmente estava no meu limite do cansaço. Ele abriu a porta, pediu para eu entrar e em seguida disse:
- Eu vou fechar a porta com a chave por fora, vou deixar você dormir um pouco e depois eu volto pra te buscar.
- Eu nem sei como posso te agradecer, chefe.
- Imagina, parceiro. Eu estou vendo o sacrifício que você está fazendo hoje. Meu coração está partido, você está muito cansado. Descansa um pouco e depois a gente conversa, tá?
- Prometo que eu te recompenso de alguma forma...
- Não precisa. Sou seu amigo além de ser seu chefe. Não fica grilado com nada, apenas descanse um pouco. Se alguém perguntar o que você estava fazendo aqui, fala que eu pedi para você fazer umas ligações para uns clientes. Beleza?
- Pode deixar.
- Mas nem pras meninas você fala a verdade, pelo amor de Deus. Se alguém souber que você veio dormir, eu estou lascado.
- Não vou te prejudicar, pode ficar tranquilo. Obrigado mesmo, patrão. Você é mil!
- Vai dormir um pouco. Eu volto daqui 40 minutos mais ou menos.
- Valeu, Jonas.
Ele fechou a porta e eu olhei pro sofá. Parecia até que ele estava gritando pelo meu nome. Eu me aproximei e caí deitado de pronto. Estava tão cansado, mas tão cansado, que bastou fechar os olhos para eu pegar no sonto.
“Eu estava andando por uma ruazinha de pedra. Havia casas nos dois lados dessa rua e eu entrei na última do lado esquerdo.
Era um casebre simples, mas bem aconchegante. Na sala, havia duas cadeiras de balanço e um sofá velho, com os braços de madeira e o encosto e assentos florais.
Nas paredes havia vários quadros de paisagens e um quadro de um casal muito bonito. O homem parecia ser alto e aparentava ter uns 40 e poucos anos. A mulher, era mais baixa, muito bonita e aparentava ter menos de 40 anos.
- Que bom que você chegou, querido – a mesma mulher do quadro apareceu na sala.
Ela usava um vestido azul-marinho e chinelos de dedo. O cabelo estava feito trança e ela não usava nenhum acessório pelo corpo e nem maquiagem. Ela era muito bonita sim, mas o que mais me chamou a atenção foi o fato dela ter os olhos azuis, incrivelmente azuis...
A mulher caminhou até onde eu estava e beijou os meus lábios. Só então eu percebi que eu era o cara da foto que estava na parede da sala daquele casebre.
- Papai, papai... – um menino de mais ou menos 6 anos de idade entrou correndo na casa e grudou nas minhas pernas.
E desde quando eu tinha esposa? E desde quando eu tinha um filho? Onde eu estava? Que época era aquela? O que eu estava fazendo naquele lugar...?”
Abri os olhos abruptamente e lembrei que eu estava na loja. Olhei pra um lado, olhei pro outro e não vi nada. Só ouvi o barulho do movimento da filial fora daquela sala onde eu estava.
Foi um sonho. Que susto que eu levei. Meu coração bateu mais forte e a minha cabeça voltou a doer com força total. Eu fechei novamente os meus olhos, ajeitei o meu corpo no sofá e voltei a dormir novamente, mas dessa vez em um sono mais profundo ainda.
“Eu estava sentado em uma varanda, olhando para o horizonte.
Próximo do local onde eu estava, havia um campo repleto de flores, plantas e árvores. Os passarinhos cantavam alegremente e fazia um dia lindo naquela cidade cujo nome eu não conhecia, mas que parecia ser do interior de algum Estado brasileiro.
Eu estava esperando alguém, mas eu não sabia quem era. Eu estava ansioso porque essa pessoa nunca chegava. O que será que havia acontecido?
Só então eu olhei para baixo e percebi que eu estava usando um vestido cor-de-rosa. Era uma vestimenta muito, muito antiga. Parecia até ser do século XIX. Que ano seria aquele? E eu era uma mulher??? Era isso mesmo que eu estava entendendo???
Um homem apareceu no horizonte. Ele usava um terno simples, mas que o deixava elegante. O cara tinha estatura alta e era realmente muito bonito. Aos poucos ele foi se aproximando mais e mais, até que entrou pela varanda e eu pude notar que seus olhos eram azuis. O mesmo usava barba, cavanhaque e bigode.
O homem beijou os meus lábios com suavidade e sentou em uma cadeira ao meu lado, sem falar absolutamente nada.
Era ele que eu estava esperando, mas... Quem era ele? Quem era eu? Onde nós estávamos? Que lugar era aquele? Que época era aquela? Por que eu tinha certeza que era uma época antiga? Por que eu estava naquele lugar afinal de contas?
De repente, eu senti alguma coisa esquisita dentro da minha barriga. Olhei pra baixo de novo e percebi que a minha barriga estava grande. O que era aquilo?
A sensação voltou a acontecer e eu fui obrigado a colocar a mão no abdômen. Que porra era aquilo? Era impressão minha ou eu... Era mesmo uma mulher e ainda por cima... Estava... GRÁVIDA?!”
- Caio? – uma voz chamou pelo meu nome, mas essa voz estava longe, muito longe. – Caio? Acorda, Caio!
- HÃ? – eu sentei no sofá e fiquei totalmente atônito.
- Acorda! Sou eu, o Jonas...
- Jonas? Que horas são?
- Já passou 1 hora. Você descansou um pouco?
- Hum? Uhum, uhum. Obrigado, Jonas. Eu nem sei como te agradecer, cara. De verdade, obrigado mesmo.
- De nada. Sempre conte comigo, viu? Vamos voltar? O pessoal já deu por sua falta.
- Claro, claro. Eu realmente não sei como posso te agradecer.
- Não agradeça. Eu faço porque gosto de você. Vamos lá, falta pouco pro seu horário acabar. Você consegue!
- Vamos sim. Obrigado mais uma vez.
Eu não ia conseguir agradecer nunca. O que o Jonas fez por mim não teve preço.
Por que eu tive aqueles sonhos? Em um deles eu era um homem, em outro eu era uma mulher e estava grávida... Que coisa mais esquisita!
Mas como tudo não passou de sonho, eu preferi não me aprofundar no assunto. Era só sonho, não era nada além disso.
- Onde você estava criança? – perguntou Janaína.
- Eu fui fazer umas ligações pro Jonas. Para informar alguns procedimentos para alguns clientes.
- Ah, que chique! Mandou bem, hein?
- O que tem demais nisso, Jana?
- Não, nada. Serviu pra você descansar um pouco. Parece menos cansado agora.
- Sim. Eu fiquei sentado. Deu pra descansar.
- Então já que você está descansado, vai atender aquela cliente ali, vai?
- Já vou. Sua chata!

Eu soltei um suspiro incrivelmente longo de agradecimento pelo dia finalmente ter acabado.
Quando eu bati o crachá, arrastei os meus pés até o vestiário, peguei as minhas coisas e quase cochilei encostado nos armários.
- Caio? Você está bem? – Gabriel cutucou meu braço.
- Hum? Hum? – olhei para todos os lados. As minhas pernas pareciam um mulambo. – Oi, Gabo. Estou bem. E você?
- Bem. Que é que você tem? Que cara de acabado!
- Ah... É a faculdade. Eu estou finalizando o curso, está muito puxado pra mim. Eu já estava quase cochilando aqui.
- Percebi! Vai descansar então, cara.
- Eu vou sim. E as meninas?
- Lindas, obrigado por perguntar.
- Está pronto? Podemos ir? – Jonas direcionou a palavra a mim.
- Vamos.
- Não vai se trocar?
- Não tenho coragem. Kléber, já podemos ir?
- Já.
Não falei nada durante o percurso da loja até o carro do Jonas. O Bruno não me ligou naquela noite e eu também não tive coragem para fazê-lo. Tudo o que eu queria era dormir. Dormir, dormir, dormir até não querer mais.
Eu até tentei dormir no carro do Jonas, mas isso não foi possível. O Kléber não parou de tagarelar um segundo sequer. Eu já estava quase dando um soco na cara dele.
- Obrigado pela carona, chefinho. Até amanhã – o moleque saiu do carro.
- Até, Kléber. Bom descanso, mano.
- Já chegamos, é?
- Sim – ele deu risada. – Quer ajuda pra sair do carro?
- Não. Obrigado. Obrigado mais uma vez por ter me deixado dormir um pouco. Você foi foda hoje!
- Conta comigo. Agora vai lá descansar um pouco que você está precisando.
- É. Pode ter certeza que hoje eu vou dormir muito. Não tenho mais que estudar pra nada, graças a Deus.

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- Acabaram as suas provas?
- Hoje foi a última. Inclusive, eu preciso até dar uma olhada na nota. Espero que já esteja lançado.
- Só falta essa nota?
- Não. Na verdade ainda faltam a nota de 3 matérias. Eu espero que esteja lançada, senão eu entro em colapso nervoso.
- Calma. Vai ficar tudo bem.
- Obrigado por tudo, Jonas.
- De nada, Caio.
Apertei a mão do moço e saí andando. As minhas pernas ainda estavam molengas feito gelatina. Será que eu ia conseguir dormir bem naquela noite?
Subi as escadas o mais rápido que pude, mas não consegui ser ágil. Eu estava mesmo muito cansado. Em toda a minha vida, eu nunca tinha ficado tão cansado daquele jeito.
- Boa noite – eu cumprimentei os meninos e bocejei.
- Boa noite – responderam Maicon, Miguel e Éverton.
Assim que entrei no quarto, ouvi o choro do Rodrigo. Ele estava soluçando e as lágrimas rolavam soltas. Vinícius e Fabrício estavam ao lado do meu amigo. O que será que tinha acontecido?
- Rodrigo? – eu me preocupei. – O que foi?
Ninguém falou nada. Eu joguei a mochila num canto qualquer e fui até a cama dele.
- O que foi? O que você tem? Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu – Fabrício foi quem falou.
- O que houve, Rodrigo? Me fala, criatura... Eu já estou ficando preocupado.
- Ele terminou a faculdade, Caio – Vinícius respondeu. – Foi isso que aconteceu.
Meu coração acelerou feito louco. Eu senti as minhas pernas tremerem mais ainda, as minhas mãos começaram a suar frio e o meu estômago ficou mais gelado que uma pedra de gelo.
- Te-terminou?
- Terminei, mano – ele sentou, levantou e depois me deu um abraço. – Terminei... Eu passei, Caio... Eu passei...
Só fiz chorar com ele. Mais do que ninguém, eu sabia o quanto havia sido difícil para o meu amigo. Eu sabia o quanto ele havia batalhado por aquele diploma, o quanto ele havia lutado, por quantos obstáculos ele havia passado...
Várias e várias noites em claro estudando, várias e várias noites fora de casa fazendo trabalhos, várias e várias horas com a cara no meio dos livros, várias e várias horas na frente do computador fazendo trabalhos...
Não era fácil, não havia sido fácil, mas ele tinha conseguido. Um verdadeiro guerreiro. Era isso que o Rodrigo era pra mim. Um guerreiro.
Saiu de Curitiba com 20 anos de idade, foi para o Rio, encarou um mundo desconhecido, um mundo cheio de dúvidas, um mundo cheio de incertezas... Encontrou a república, fez amizade com os meninos, começou a trabalhar, começou a estudar e não parou mais.
Um guerreiro sim. O menino teve que ultrapassar vários obstáculos naquela jornada... Um apêndice, uma relação que não deu certo com a Marcela, a perca do filho, falta de emprego, falta de oportunidades, mas ele não desistiu. Ele foi em frente, ele seguiu adiante e ele conseguiu. Que orgulho eu estava sentindo do meu melhor amigo!
- Caio, vem ver as suas notas – aconselhou Vinícius. – Já foram lançadas.
Ao ouvir isso, o meu sono foi por água abaixo. Eu tremi, sentei na cama do Rodrigo, peguei o notebook e notei que este já estava conectado ao site da faculdade. Era a segunda vez que isso acontecia.
Era só entrar no meu usuário e ver o meu boletim. Fiz isso e percebi que realmente todas as notas já estavam lançadas.
Percebi que o Rodrigo sentou do meu lado direito, o Vinícius do meu lado esquerdo e o Fabrício na minha frente, em sua cama. Essa cena já tinha acontecido antes! Será que o resultado seria o mesmo?
Da primeira vez que tudo isso aconteceu, eu fiquei de férias no 1º semestre. Será que naquele momento eu teria também uma boa notícia? Ou será que daquela vez eu não tinha passado e tinha ficado em DP em alguma matéria?
Engoli em seco e sem coragem nenhuma, fui passando os meus olhos pelas notas de todas as matérias.
Umas eu já havia visto, mas foi quando eu vi as demais que eu entrei em total desespero.
- Ai...
- Que foi? – perguntou Fabrício.
- Espera aí... – Rodrigo tirou o notebook do meu colo. Não foi nessa última matéria que você tirou 1?
- É...
- Opa... Não creio...
- Que foi, porra? – Fabrício perguntou de novo. – Até eu já estou ansioso!
- Ele não passou? – Vinícius indagou.
- Ele tirou 10!!! Ele finalizou a faculdade, galera!

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