terça-feira, 31 de março de 2015

Capítulo 67²


S
ó podia ser piada. Logo a Janaína e eu? Logo nós dois que não queríamos participar daquele processo estávamos na final? Que história era aquela?!
Janaína começou a rir descompassadamente. Ela segurou no meu ombro e encostou a cabeça em seu braço. Acho que ela também não estava acreditando no que estava acontecendo.
- Nós passamos? É isso mesmo, produção?
- É isso mesmo, Janaína. Nós passamos. Só nós dois. E agora?
- E agora que a gente está lascado, amigo!
Eu também comecei a rir, mas foi de nervosismo. As pessoas já estavam começando a olhar para nós.
- Inacreditável... Inacreditável...
Éramos eu, Janaína e ninguém mais. Eu não sabia quantos funcionários estavam inscritos naquele processo seletivo, mas provavelmente tratava-se de mais da metade de loja e só eu e a Janaína chegamos na final do processo? Pra mim tinha alguma coisa errada nessa história.
Os vendedores e colaboradores em geral começaram a ir ver o papel e não tardou para o burburinho começar a rolar solto pelo meio da filial. Eu perdi as contas de quantas vezes eu ouvi a palavra “puxa saco”.

- Eu to começando a ficar irritada!!!
- Eu também, mas deixa. Eu não tenho nada a ver com isso. Quem manda eles serem incompetentes?
Ela riu de novo e ficou encostada em um refrigerador. O que estava acontecendo era demais pra minha cabeça. Eu poderia passar com quem quer que fosse, menos com a Janaína! Eu não queria concorrer diretamente com a minha melhor amiga. Era covardia demais só nós dois estarmos na final daquele processo seletivo.
- O que me deixa mais incomodada é o fato de nós dois não termos nos cadastrado na vaga.
- Pois é – eu concordei. – Aí deve ter dedo do Jonas, não?
- Acho que não. Ele não pode se meter nessa história. Só quem decide é o R&S, o regional e o diretor. Se o Jonas pudesse se meter ele estaria nas entrevistas.
- É você tem razão. Mas que é foda, é foda!
- Eu to é preta passada na torradeira, isso sim. Fiquei pretérita quando vi o nosso nome naquela lista.
- Nem me fala, nem me fala.
- Quer dizer que um de nós dois vai ser chefe? É isso mesmo, assistente de palco?
- Exatamente. A não ser que nenhum de nós passe.
- Ou pode ser que nós dois passemos...
Eu arregalei meus olhos. Será que aquilo era possível? Será que a Janaína e eu seríamos os novos gerentes daquela loja?
- Eu fico me perguntando o que vai acontecer com a Duda – falei.
- Eu também. E quando ela voltar?
- Será que ela vai ser desligada?
- Pois se isso acontecer eu peço as minhas contas. Deus me livre de tirar o lugar da minha Dudinha!
- Verdade, Jana. Eu também faria a mesma coisa. Não quero tirar o emprego da Duda não.
- Vamos conversar? – Jonas se aproximou de nós dois, com um sorriso nos lábios.
- Isso daí tem dedo seu, não tem? – fui logo perguntando.
- Claro que não! Juro por minha mãe que não tem dedo meu.
- Só vou acreditar porque você envolveu a sua mãe na história.
- Venham comigo, vamos conversar.
Seguimos o cara e sentamos na mesa da gerência, que em breve seria ocupado por um de nós dois. Ou não.
- Como estão se sentindo?
- Estamos passados – falei.
- Eu to toda trabalhada na perplexidade, isso sim!
- Calma! Vai dar tudo certo. Eu não esperava por esse resultado, meninos!
- Se você não esperava, imagina a gente!
- Eu só queria saber como vocês estão se sentindo, como está a expectativa, o coração e etc.!
Jonas, Janaína e eu trocamos ideia por mais de meia hora. Ele nos pediu calma, nos pediu tranquilidade e nos aconselhou como deveríamos nos portar no dia seguinte. Eu prestei atenção nas dicas que ele nos passou. Elas seriam úteis para uma boa entrevista na manhã daquela sexta-feira.
- E com relação ao que os seus colegas estão falando de vocês, façam de conta que não está acontecendo nada. Deixem entrar por um ouvido e sair pelo outro.

- Como se fosse fácil.
- É fácil sim, é só não ligar e acabou.
- Você fala isso porque não é com você.
- E você acha que comigo nunca aconteceu? Eu não nasci gerente não, viu filho?
- Hum... Vou tentar não ligar.
- Assim que tem que ser.
Mas foi bem difícil. As pessoas estavam me olhando com cara feia e ficavam cochichando entre si, provavelmente falando mal de mim.
- Acho bom a gente tomar um banho de sal grosso, amigo – Janaína comentou.
- Verdade. Hoje está complicado.
- Vou falar com a Do Carmo pra ver o que ela me recomenda. Você deveria fazer a mesma coisa.
- Vou pensar no caso.
Não precisava de banho nenhum. O meu método de tirar o mal-olhado era rezando, orando e me protegendo espiritualmente contra a inveja e o recalque. E isso eu fazia todos os dias, pela manhã e à noite. Nada ia acontecer comigo, eu tinha certeza disso.

- Amor? – eu choraminguei.
- Oi, príncipe lindo do meu coração! E aí? Deu certo?
- Sim...
Depois de gritar no meu ouvido, o Bruno começou a me parabenizar feito um desesperado. Eu perdi as contas de quantas vezes ele falou “parabéns”.
- Obrigado, anjo!
- E quando é a sua entrevista, hein?
- Amanhã pela manhã. Adivinha quem passou comigo?
- A Jana?
- É! Só nós dois, sabia? Estou passado.
- É porque vocês são competentes, amor. Pensa assim. Vai dar tudo certo.
- Eu estou tranquilo. Se a vaga for minha bem, se não for, amém. Se a Jana passar eu vou ficar mais do que feliz por ela, acredite.
- Eu sei disso. Eu acredito em você. Vou rezar por você, tá?
- Muito obrigado. Estou precisando, porque a inveja aqui na loja está foda.
- Nem esquenta com isso. Você é protegido e sabe disso.


Era verdade. Eu era protegido mesmo. Deus estava ao meu lado sempre, todos os dias, todas as horas, todos os minutos e todos os segundos me protegendo e me abençoando.
- Mais tarde eu te ligo pra saber como você está, tá bom?
- Eu vou ficar aguardando, Bruh.
- Beijo. Eu te amo e estou muito feliz por você, tá?
- Eu te amo também. Obrigado por confiar em mim.
- Sempre, sempre, sempre. Fica com Deus.
- Amém. Fica com Ele também.
Quase na hora de sair da loja, eu fui falar com o Jonas novamente e ele mais uma vez pediu para que eu ficasse calmo:
- Não fica pensando em nada, é sério. Deixa as coisas acontecerem. Agora você precisa relaxar. Você sabe o que tem que fazer, não sabe?
- Sei sim.
- Então não encuca e não sofra por antecipação. Dará tudo certo.
- Se não der eu vou ficar feliz da mesma forma. A Janaína merece tanto quanto eu.
- Pois é. Vai descansar, vai relaxar, vai fazer alguma coisa que você gosta. As coisas acontecerão da forma correta, você verá.
- Obrigado pelo incentivo, viu?
- Conte sempre comigo. Boa sorte amanhã!
- Muito obrigado. Bom término.
- Descanse.


Essa era a palavra de ordem naquele momento. Como era quinta, eu não ia pra academia e por isso o que me restava era voltar pra casa, tomar um banho e cair no aconchego da minha cama.
- Olá, Fabrício! Como está?
- Bem, Caio e você?
- Bem também.
- É amanhã o seu processo seletivo?
- Como você sabe?
- Rodrigo me contou. Não podia?
- Claro que podia, mano. É amanhã sim.
- Então boa sorte!
- Obrigado. Vai sair, é?
- Vou sim. To na seca e quero pegar uma gatinha. Vou dar um rolê.
- Cuidado pra não dar um irmãozinho pro Nícolas, hein?
- Ih, pode ficar tranquilo que isso não vai acontecer.
- Logo, logo ele está aí, né?
- Se Deus quiser. Mal posso esperar pra ver a carinha do meu filhote. Ele vai ser lindo igual ao pai!
- Se ele for modesto igual ao pai ele já estará no lucro.
- Besta – Fabrício jogou uma camiseta em cima de mim. – Se cuida. Fui.
- Boa foda.
- Valeu!
Eu estava sozinho. Rodrigo ainda não tinha chegado da pós e Vinícius provavelmente deveria estar em um dos seus plantões médicos. O jeito era ficar na internet ou vendo televisão, até alguém chegar pra conversar comigo.
- Ei, Caio – Miguel apareceu na soleira da porta. – Eu posso entrar?
- Claro, Miguel! Entra aí!
- Cadê o Vini? Sabe onde ele está?
- Na verdade não, por quê?
- Eu queria que ele me ajudasse em um trabalho da faculdade... Que droga, é pra amanhã! Será que ele está de plantão?
- Acho que sim. Por que não liga pra ele?
- É eu vou fazer isso. Pensei que ele estivesse por aqui.
- Boa sorte.
- Obrigado, Caio.
Eu estava no meu Twitter. Lentamente eu entendi o funcionamento dessa rede social e mais lentamente ainda eu estava adquirindo alguns seguidores. Já eram 17.

Depois do Twitter, eu fui pro Orkut, pro Messenger e aproveitei a oportunidade para dar uma olhada nos meus e-mails. Dona Elvira tinha me mandado uma mensagem nova.
Eu fiquei me perguntando quanto tempo ela levou para digitar aquele texto. Era um texto grande e todo formatado. Ela deveria estar adorando aquelas novidades todas relacionadas à informática.
Respondi ao e-mail da velhinha e depois fechei tudo. Não havia ninguém online naquela noite e eu fiquei rapidamente entediado.
Resolvi assistir a um filme qualquer na televisão. Era a minha única opção, até o Bruno ligar pra falar comigo. E isso demorou muito a acontecer.
- Eu estava preocupado – confessei. – Que demora foi essa em me ligar?
- Desculpa, amor! Eu dormi no carro, acredita?
- Como assim?
- Eu estacionei aqui na garagem e simplesmente apaguei. Acordei só depois de meia hora. Me perdoa a demora, tá bom?
- OH, MEU DEUS! – eu fiquei com o coração partido ao meio. – Vai dormir, amor! Você está cansado!
- Eu vou já. Antes eu quero te desejar boa sorte amanhã...
- Obrigado!
- Que Deus esteja contigo. E que você consiga essa vaga, porque você merece.
- Valeu, Bruh.
- Eu sei que vai dar tudo certo, amor. Você vai conseguir!!!
- Seja o que Deus quiser. Vai lá dormir, príncipe. Eu não quero que você fique cansadinho como está.
- Eu vou mesmo, viu? Estou mortinho. Vem aqui fazer massagem em mim, vem?
- Amanhã eu faço quantas massagens você quiser.
- Sábado é nosso show, né?
- Uhum. Vai dar pra ir mesmo? Tem certeza?
- Tenho, Caio. Já estou adiantando as coisas da faculdade justamente pra isso. Eu quero muito ir nesse show.
- Então tá bom. Olha, vou desligar pra não te atrapalhar mais. Amanhã a gente se fala, tá bom?
- Beleza. Se cuida e dorme bem.
- Você também. Eu te amo, tá?
- Eu te amo mais.
Desligamos. Coitado do meu namorado. Ele não merecia ficar cansado daquele jeito. Eu queria tanto poder fazer alguma coisa para ajudá-lo... Mas o que eu poderia fazer?
Claro que eu fiquei pensando no meu gostoso até a hora que o Rodrigo deu as caras no nosso quarto. Eu já estava com muita saudade do meu namorado.
- Que cara de idiota é essa? – o branquelo me olhou.
- Essa é a única que eu tenho e idiota é a senhora sua tia. Palhaço!
- Em que estava pensando?
- No Bruno, é claro!
- Ah, tinha que ser. E ele está te tratando bem?
- Muitíssimo bem, não se preocupe. E as suas gêmeas, como estão?

- Estão bem e boas como sempre.
- Affe. Você não vale a farinha que come, Rodrigo.
- Não to nem ligando, eu vou mais é aproveitar a minha juventude. Tenho que aproveitar enquanto sou novo, bonito, gostoso e solteiro.
- E modesto também.
- Não sou modesto quando falo de mim mesmo, você sabe disso. Eu sei que sou bonito, gostoso e solteiro mesmo!
O pior é que o filho da puta tinha razão. Ele era tudo o que falava e mais um pouco.
- Já pegou alguma delas?
- Só a Gí. A outra eu ainda não tive oportunidade, mas tudo caminha para isso.
- Vai levar as duas pra cama não, né?
- A intenção é justamente essa – o safado mordeu o lábio e ficou só de cueca.
- CACHORRO – joguei meu travesseiro em cima do meu amigo. O objeto caiu bem em cima de sua cabeça.

- Quase me deixou com traumatismo craniano agora.
- Vai ser exagerado assim lá longe, cara.
- Vou pro banho. Já volto.
- Faz essa barba. Já está ficando grande demais.
- Não vou fazer. As meninas estão gostando assim. Deixa eu barbudo.
Revirei meus olhos. Quando o Digão ficava sem fazer a barba, eu tinha a impressão que ele ficava muito desleixado. Não gostava, mas enfim. O gosto era dele, não meu.
Rodrigo voltou pro quarto com um prato que parecia mais ser de pedreiro. Eu desacreditei que o meu amigo fosse comer tanto, sendo tão tarde da noite.
- Eu estou em fase de crescimento, dá licença?
- Só se for pros lados. Onde é que você vai crescer mais?
- Quer que eu responda?
- Ih, filhinho. Se você está pensando que seu pau vai crescer, pode tirar o cavalinho da chuva. Ele só se desenvolve até os 21 anos e você já passou dessa fase há muito tempo.
- Não precisa jogar na cara.
- Só estou te alertando.
- Pouco me importa se ele vai crescer ou não. Ninguém nunca reclamou e eu estou satisfeito com o desempenho do meu amigo. Ou vai me dizer que ele é ruim?
- Não sei! Eu nunca provei!
- Mas bem que você queria ter provado, né?
- Certeza! – sorri. – E você só não deixou porque é um bunda mole e ficou com medinho.
- Safado! Nem a mim você poupa.
- Poupo sim porque eu to namorando e to muito feliz com o do meu namorado.
- O dele é grande que nem o meu?
- Qual o interesse? Isso é pergunta que se faça?
- É ou não é?
- E quem disse que o seu é grande?
- Claro que é! 19 centímetros é grande!
- Só se for pra você, pra mim não.
- O que é grande pra você? 35?
- De 20 pra cima.
- Ah, cala a boca! Eu to quase lá!
- 19 não é 20.
- Ai, cala a boca que é melhor. Mas me diz, o do Bruno é grande que nem o meu?
- Pra que você quer saber? É da sua conta por acaso?
- Vai, deixa de neura e responde logo.
- É grande o suficiente pra me satisfazer. Eu não sei quanto mede.
- Duvido!
- Não. É verdade, eu não sei mesmo. Deve ser mais ou menos a mesma coisa que o seu. Curioso!
- E o seu mede quanto?
- Quer ver?
- Não, valeu. Só perguntei por perguntar.
- Aham, sei! Não sei também.
- Como não, Caio? Todo cara sabe quanto tem de dote, porra!

- Eu nunca medi. Acho que vou medir qualquer dia desses.
- Compra uma camisinha que tenha medição. Daí fica mais fácil.
- Hum... Excelente ideia, Rodrigo Carvalho!!!

Eu cheguei na loja quase atrasado. O Tácio e o Antony já estavam perambulando pelo meio dos corredores da filial e isso me deixou assustado. Será que eu seria penalizado?
- Bom dia, Caio – Tácio foi falar comigo. – Que bom que chegou!
- Bom dia, Tácio. Bom dia, Sr. Antony! Não estou atrasado, estou?
- Não, não – o meu regional sorriu. – Nós que chegamos cedo demais. Pode guardar as suas coisas e relaxar um pouco. Nós ainda temos que conversar sobre alguns trâmites aqui da loja.
- Ah, perfeito. Eu fico esperando onde?
- Guarde suas coisas e espere na sala do regional – Antony sorriu pra mim. – Eu não demoro.
- Perfeito. Com licença.
Eu estava tremendo na base. Só em falar com o diretor as minhas entranhas deram um mortal dentro do meu corpo. Que medo!
Guardei tudo, lavei o rosto, arrumei o cabelo, arrumei a sobrancelha, dei uma conferida nos meus dentes, arrumei a minha roupa, arrumei a gravata e enfim segui para a sala do Tácio.
Eu entrei, sentei e fiquei esperando alguém aparecer, mas nada aconteceu por um tempão. Será que eu tinha me prejudicado chegando em cima da hora?
- Olá, Caio – Antony entrou na sala só às 9:35. – Me perdoa pelo atraso. Eu precisava resolver uns problemas com o Tácio.
- Não tem problema, Sr. Antony.
- Antony. Apenas Antony, por favor.
- Como quiser.
- Vamos lá?
- Sim!
- Primeiramente eu quero te parabenizar por ter chegado até aqui.
- Muito obrigado!
- Nós percebemos que você é um rapaz maduro para a sua idade. Por que isso acontece?
- Desde os meus 16 anos eu venho sendo obrigado a amadurecer antes do tempo, Antony.
- Posso saber por quê?
- Por problemas com a minha família. Aos 16 anos eu tive um desentendimento de cunho pessoal com meu pai e desde então eu fui expulso de casa e vim parar aqui no Rio de Janeiro. Acredito que por causa disso eu tenha aprendido a ser maduro antes do tempo.
De fato. Isso era verdade. Eu amadureci mesmo antes do tempo para algumas coisas, menos pro amor.
- Compreendo. Você tem 21 anos, não é isso?
- Exatamente.
- E mora aqui no Rio desde que saiu de casa?
- Exato. Já fazem quase 5 anos.
- Legal. Você disse que é formado em RH?
- Isso. Me formei agora em março.
- Bacana. Por qual motivo escolheu essa área?
- Porque eu gosto de gerir pessoas. Essa é uma área que me agrada bastante. Eu não gosto de trabalhar na frente de um computador sem que haja pelo menos contato cara a cara com as pessoas. A minha motivação é outra. Eu gosto de dinamismo, de correria, gosto de problemáticas como as daqui... Por outro lado, Antony, eu me fascino pela parte de fechamento de folha, de benefícios e tudo o que envolve RH. Eu amei o curso que fiz.
- Ah, que bom. E com 21 anos você se acha capaz de assumir uma loja como essa?
- Claro que sim. Não só me acho capaz como já fiz isso nas férias do Jonas. Foi uma experiência maravilhosa, que me permitiu exercer tudo aquilo que eu aprendi na faculdade.
- Excelente.
Ele fez uma pausa e anotou alguma coisa em um sulfite.
- Caio, você tem disponibilidade de horário?
- Total.
- Está fazendo algum curso?
- Inglês.
- Excelente.
Mais anotações.
- E supondo que eu não te aprove, como você reagiria?
- Normalmente, Antony. Eu sei que só passará uma pessoa e se não for o meu momento, eu entenderei. E não desistirei. Se eu não passar agora, eu continuarei tentando até alcançar o meu objetivo, que é chegar na gerência dessa loja.
- Ah, é?
- Sim. Eu não desisto de algo quando eu quero.
- Perfeito. É assim que tem que ser. Eu gosto disso.
Mais anotações.
- E se por acaso eu não te aprovar para essa loja e aprovar para outra da região, teria algum problema?
- Problema nenhum.
- Suponhamos que você passe, como reagiria se seus amigos não aceitassem a sua promoção?
- Eu não me importaria, Antony. Eles aceitando ou não, eu faria o meu trabalho da melhor forma possível. Eu não estou aqui como amigo de ninguém, aqui dentro eu sou profissional seja nas vendas, seja na gerência, ou seja em qualquer outra função. Portanto, ninguém tem que aceitar, eles só precisam respeitar e eu faria com que isso acontecesse.
- Maravilhoso. Agora eu vou te informar o salário e os benefícios, está bem?
- Sim!
Era um salário bom, mas não era tanto quanto eu imaginava que seria. Os benefícios eram praticamente os mesmos. A única diferença era o valor do VA/VR que aumentava em 200%.
- De acordo? – ele me fitou.
- Com certeza – eu sorri.
- Ótimo. Pra finalizar, eu quero que você se resuma em uma palavra e me explique o motivo dessa escolha.
- Determinação. Porque eu não desisto nunca dos meus objetivos, sejam eles quais forem. Pode haver milhares de obstáculos no meu caminho, eu ultrapassarei todos e conseguirei chegar aonde desejo, demore o tempo que demorar.
- Excelente, Caio. Excelente!!!
Mais anotações. Será que ele tinha gostado de mim?
- Pronto, Caio. Já pode respirar aliviado.
Nós rimos juntos.
- O resultado sai ainda hoje, depois do almoço. O Jonas irá aplicar o feedback em você e na Janaína, porque o Tácio e eu estaremos viajando devido a alguns problemas. Tudo bem?
- Sem problemas.
- Então tá bom. Muito obrigado e parabéns mais uma vez por ter chegado até aqui. Você tem futuro aqui dentro, garoto.
- Assim espero, Antony! Eu é que agradeço!

Apertamos as mãos.
- Bom dia! – ele falou.
- Bom dia. Obrigado!
Saí da sala e respirei aliviado. Será que tinha dado certo, meu Deus? Eu estava muito, muito, muito confiante. Algo dentro de mim dizia que eu tinha passado naquele processo seletivo.
- Oi, amado – ela deu dois beijos no meu rosto.
- Você está linda!
- Obrigada! E aí, como foi?
- Só um bate-papo. É bem tranquilo. Ele está te esperando, vai lá.
- Obrigada! Me deseje sorte?
- Boa sorte, amor.
- Eu vou precisar.
A Jana estava divina em um traje extremamente elegante. O mais bonito na vestimenta dela com certeza eram os sapatos de bico fino e salto agulha. A mulher estava pra lá de arrumada naquela manhã.
Fui direto pra mesa do Jonas pra perguntar se eu deveria trocar de roupa ou se ficava com a social mesmo. A maioria dos meus colegas de trabalho ficou olhando pra minha cara.
- Pode ficar com essa roupa mesmo – quem respondeu foi o Tácio.
- Perfeito. Obrigado, Tácio.
Droga! Eu não esperava aquela resposta. Eu queria ficar com o meu uniforme que mesmo sendo social, era mais confortável que aquela camisa de manga longa que eu estava usando.
- Já disse que você fica gostoso usando social? – uma voz feminina soou atrás de mim.

- ALEXIA?!
- Oi, amor!!!
- Meu Deus, o que fazem aqui? Oi, princesinha linda...
A Alexia estava com a Camila nos braços e esta boneca parecia bem maior, desde a última vez que a vira.
- Eu vim trazer o papel do meu afastamento. Segura ela aqui enquanto eu vou lá na mesa do Jonas?
- Eu vou com você. O Tácio está aqui hoje e não está pra brincadeira.
- Ei, me conta! Como foi o processo?
- Vem com o tio, amor. Como você cresceu, coisa mais linda! – beijei a Camila. – Foi tranquilo, amiga. Agora só tem que esperar a resposta.
- Espero que dê tudo certo. Cadê a Jana?
- Ela saiu agorinha. Acho que o Jonas a liberou para tomar café.
- Pois eu só saio daqui quando eu ver aquela amarela nojenta do cabelo ruim.
- Vamos lá falar com eles, antes que sobre pra mim.
Eu acompanhei a minha amiga até a mesa do Jonas e lá descobri que o Tácio já tinha ido embora. Neste momento o meu gerente me liberou a colocar o meu uniforme. Eu fiquei agradecido.
- Te amo, Jonas.
- Que é isso? Está me estranhando, rapaz?
- Casaria com você depois dessa. Estou me sentindo enforcado com essa roupa já.
- Pois vai se trocar.
- Só quando a Jana chegar.
- E essa coisa linda? Posso segurar?
- Claro, patrão!
- Ela é tão calminha – falei. – Né, Camilinha?
- Cheguei, cheguei. O que está fazendo aqui, braquela azeda?
- Vim trazer uns papéis, negra do leite! Você está bonita, hein?
- Eu sou bonita, meu bem...
- Ela sempre tenta jogar esse cabelo e ele nunca sai do lugar. No dia que ele sair do lugar, ele não volta mais.
Jonas deu risada, muita risada.
- Posso saber do que você ri, cristão? Quando eu cometer um assassinato aqui na loja a culpa não será minha! Sou bulinada todos os dias por esse pivete que mal saiu das fraldas!
- Me respeita que eu já tenho 21 anos e 7 meses! Que culpa que eu tenho se você tem 21 séculos?
A cara de ódio dela não poderia ter sido melhor. Às vezes eu tinha medo da Janaína só em ela olhar pra mim.
- É brincadeira, é brincadeira. Te amo, tá?
- Acho bom!
- Vou me trocar. Não ouse sair daqui antes de falar comigo, entendeu?
- Pode deixar, Caio – Alexia garantiu que ia me esperar.
Saí, fui pro vestiário, me troquei rapidamente e voltei pra loja. Meus colegas ainda olhavam pra mim.
- Já cheguei. Dá ela aqui mais um pouco.
Segurei a Camila e ela ficou olhando pros meus olhos. Como era esperta!
- Eu sou seu tio Caio, viu? Não se assuste comigo.
- Impossível a bichinha não se espantar com essa cara feia que você tem.
- Cara feia é a sua, negra maldita!
- Me dá ela aqui, vai?
Janaína roubou a Camila dos meus braços e em menos de 5 minutos a menininha começou a chorar. Eu caí na risada.
- Isso porquê ela ia chorar comigo, né?
- Calado! Cachorro!!!

Rodrigo e Bruno estavam na expectativa tanto quanto eu para a saída do resultado do processo seletivo. Eu não sei qual dos dois estava mais ansioso.
- Prometo que aviso.
- Acho bom – Rodrigo bocejou. – Me liga então.
- Ligo. Tchau.
- Tchau.
Voltei pra loja e assim que coloquei meus pés lá dentro, o Jonas me chamou para o feedback.
- Ai, Jesus – eu travei.
- Vai – Janaína me empurrou. Ela estava séria. – E boa sorte!
- O-obrigado!
Segui meu gerente. Ele me levou até a sala do Tácio e pediu que eu sentasse. Eu estava pra lá de tenso.
- Caio, saiu o resultado, mas antes eu vou te dar um feedback dos últimos meses.
Assenti.
Jonas começou ressaltando as minhas qualidades, os meus acertos e me elogiou em vários quesitos. Só depois ele me pontuou onde eu tinha que melhorar.
- Prometo que vou me policiar. Agora, qual o resultado?
- Está ansioso?
- Claro!
- Está preparado?
- Claro!
- Tem certeza?
- Fala logo, por favor.
- Então vamos aos fatos...
Eu engoli em seco. Será que era eu?
- O Antony disse que está impressionado com você.
- Ah, é?
- Ele disse que você é um menino, mas que já é muito amadurecido, muito determinado... Ele gostou muito de você!
Ai... Meu... Deus...
- Contudo...
Desmotivei totalmente.
- Infelizmente só há uma vaga em aberto e dessa vez não foi você que passou, Caio. A Janaína é a nova gerente da loja!!!

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